Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01051/16.9BELSB 0805/18
Data do Acordão:10/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23763
Nº do Documento:SA12018102201051/16
Data de Entrada:09/03/2018
Recorrente:A........., S.A.
Recorrido 1:EPAL - EMPRESA PORTUGUESA DAS ÁGUAS LIVRES, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: A………, S.A. intentou, no TAC de Lisboa, acção de contencioso pré contratual, contra a EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A., pedindo, além do mais, a anulação da deliberação que excluiu a sua proposta no Concurso aberto para a “Aquisição de Serviços de Manutenção de Infraestruturas de Rede, Equipamentos Mecânicos, Eléctricos e Electromecânicos do Sistema de Abastecimento de Água da EPAL.
Acção que tendo sido considerada improcedente determinou a sua condenação no pagamento das custas do processo.
Notificada da conta de custas reclamou da mesma requerendo a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Aquele Tribunal indeferiu essa pretensão.
E o TCA Sul, para onde o Autor apelou dessa decisão, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a Autora vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TCA Sul confirmou o indeferimento do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça por ter aderido “sem quaisquer reservas e em consonância com os fundamentos perfilhados na bem elaborada decisão recorrida e no douto Parecer que vem de transcrever-se, à solução que aponta para que a dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do art. 6°, n°7, do RCP, decorre de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz, podendo naturalmente inferir-se - se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas (como sucedeu nos presentes autos) - que os pressupostos de que dependeria tal dispensa não se consideraram verificados, sendo consequentemente previsível para a parte, total ou parcialmente vencida, que a conta de custas a elaborar não contemplará seguramente essa dispensa.
Ademais, o direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente deverá ser, por isso, exercitado durante o processo, nomeadamente mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere sem excepções à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa: na verdade, tal incidente destina-se a reformar a conta que "não estiver de harmonia com as disposições legais" (art.º 31° n° 2 do RCP) ou a corrigir erros materiais ou a elaboração de conta efectuada pela secretaria sem obedecer aos critérios definidos no art. ° 30° n° 3.”
3. A Recorrente discorda dessa decisão pelas razões sumariadas, entre outras, nas seguintes conclusões do seu recurso:
10) O art.º 607.º n.º 6 do CPC refere unicamente “No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis peias custas processuais, indicando a proporção da respectiva responsabilidade” e todos sabemos o que tal quer dizer, no final da sentença, o juiz condena, sendo caso disso, o autor/réu nas custas e indica, sendo caso disso, a respectiva proporção, 1/3, 2/3...para o autor/réu, mas nada se refere quanto à obrigatoriedade de o juiz dever pronunciar-se quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos processos de valor superior a 275.000,00 €.
13) Aliás, a decisão quanto a custas, em obediência ao estipulado no n.º 7 do art.º 62 do RCP sempre terá de ser fundamentada, nos termos dos nºs 3 e 4 do art.º 607.º do CPC, o que não ocorreu nos presentes autos.
14) O que acontece é que a sentença/acórdão proferidos são completamente omissos quanto aos pressupostos da dispensa (ou não) do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
15) Coloca-se, pois, a questão de saber se a reclamação da conta é meio processual idóneo para “atacar” a conta no que diz respeito à dispensa de tal pagamento.
16) Diga-se, antes de mais, que a Recorrente não põe em causa a decisão de condenação em custas constante da sentença/acórdão, mas sim o valor claramente exorbitante constante da conta e do qual só teve conhecimento com a sua emissão.
17) A jurisprudência tem-se dividido relativamente a esta questão, mas é já vasta a que se inclina para acolher como meio processual idóneo a reclamação da conta.

4. A questão que esta revista nos coloca é a de saber se o juiz, após o trânsito em julgado de uma decisão que condenou a parte em custas, pode, em sede de reclamação da liquidação de conta, oficiosa ou a requerimento, dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Judiciais. Ou seja, e dito de modo diferente, saber se o Juiz uma vez proferida a decisão sobre custas sem ter feito a ponderação a que alude a citada norma e aquela ter transitado sem ter havido reclamação ou pedido de reforma contra esse segmento decisório pode, ainda, em sede de reclamação da conta proceder a tal ponderação.
O Acórdão recorrido respondeu negativamente a essa questão e, em consequência, indeferiu a reclamação da conta apresentada pela Recorrente, por considerar que o poder jurisdicional nessa matéria se esgotara com o trânsito em julgado da sentença e que, por isso, lhe estava vedado fazer a requerida ponderação. Decisão que o Recorrente contesta.
Esta questão é controversa e sobre a mesma ainda não existe jurisprudência firme e consolidada neste Supremo, muito embora seja certo que este já se pronunciou sobre ela por duas vezes - no Acórdão da Secção Tributária de 29/10/2014 (rec. 0547/14) e no Acórdão da Secção Administrativa de 20/10/2015 (rec. 468/15) – e ambas no sentido sustentado no Acórdão recorrido.
Todavia, também é certa a existência de algumas decisões nos Tribunais superiores da jurisdição civil e administrativa que contrariam aquela jurisprudência, o que nos leva a considerar que se justifica a admissão do recurso para que este Tribunal possa contribuir para uma definição clara da controversa questão.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Porto, 22 de Outubro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.