Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0912/15
Data do Acordão:06/07/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:AJUDAS COMUNITÁRIAS
DEVOLUÇÃO
PRESCRIÇÃO
IRREGULARIDADE
Sumário:I – O prazo para ser pedida a devolução de quantias recebidas irregularmente é o prazo de 4 anos, previsto no nº 1 do artigo 3º do Regulamento nº 2988/95 (CE EURATOM), do Conselho de 18/12, relativo à “protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias”.
II – O artigo 3º, nº 1, 2º parágrafo, segunda parte deve ser interpretado no sentido de que um programa operacional, na acepção do artigo 9º, alínea f), do Regulamento (CE) nº 1260/99 do Conselho, de 21/6, que fixa disposições gerais sobre os Fundos estruturais, como o programa operacional AGRO, não está abrangido pelo conceito de programa plurianual, visto o referido programa não identificar já acções concretas a executar.
III – Constitui comportamento repetido, na acepção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, a prática de vários actos (actuações ou omissões) num intervalo inferior a 4 anos, que se traduzem na violação da mesma disposição de direito comunitário.
IV – O início da contagem do prazo prescricional nas irregularidades repetidas pressupõe, o preenchimento de um de dois pressupostos: i) um acto ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União; ii) uma lesão ou uma lesão potencial ao orçamento da União, conforme o que ocorrer em último lugar.
Nº Convencional:JSTA000P23403
Nº do Documento:SA1201806070912
Data de Entrada:10/29/2015
Recorrente:IFAP, IP
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (IFAP, IP), Réu na Acção Administrativa Especial instaurada contra si por A……….., Lda, recorreu, nos termos do art. 150º, nº 1, do CPTA para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), proferido em 6 de Março de 2015, que revogou parcialmente a decisão proferida em sede de despacho saneador pelo TAF de Penafiel e julgou procedente a excepção de prescrição decidindo:
a) Julgar procedente a excepção da prescrição da obrigação de restituição das atinentes quantias por indevidamente recebidas:
a. Relativamente às facturas nº 139, emitida a 07-09-2001, nº 80, emitida a 07- 07-2001, nºs 108084, 108085 e 108086, emitidas a 03-09-2001 e nº 140, emitida a 07-09-2001, apresentadas no dia 19-09-2001;
b. Relativamente às facturas nº s 202040 e 202041, ambas emitidas a 19-02-2002, e nº 17-2002, emitida a 31-01-2002, apresentadas no dia 28-03-2002;
b) Julgar improcedente a excepção da prescrição da obrigação de restituição das atinentes quantias por indevidamente recebidas relativamente às facturas nº 1-2003, 2-2003, 3-2003, 4-2003 e 5-2003, todas emitidas a 02-01-2003, considerada no acto impugnado apresentado no dia 21.01.2003, na parte da despesa total para tanto considerada no acto impugnado.

O recorrente nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto de acórdão proferido em 6/3/2015, através do qual, entendeu o Tribunal a quo, que o ato impugnado desrespeitou as regras de prescrição previstas no art. 3º do Regulamento (CE, EURATOM), n° 2988/95 fundamentando a sua decisão à luz da jurisprudência constante de Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8/10/2014, proferido no âmbito do processo de pronúncia do TJUE através do acórdão de 17/09/2014 no âmbito do Processo n° C-341/13, onde consta o entendimento que os atos de concessão de ajudas financeiras ilegais só podem ser revogados no prazo de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade.
B. O presente recurso, salvo melhor opinião, preenche requisitos de admissibilidade previstos no art. 150° do CPTA, pelo que deve ser admitido, para uma melhor aplicação do Direito, pois a interpretação do Tribunal a quo sobre a prescrição do procedimento, manifestamente viola o teor:
— da segunda parte do segundo parágrafo art.3° do Regulamento (CE, EURATOM) n° 2988/95, porque a Medida 1 - Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações do Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural (adiante designado por Programa AGRO), é uma ajuda ao investimento paga no âmbito de um programa plurianual.
— do segundo parágrafo art. 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) n° 2988/95, porque se trata de uma irregularidade continuada ou repetida (apresentação de 3 pedidos de pagamento 19/9/2001 28/3/2002 e em 21/1/2003, tendo em todos eles ocorrido a violação da Regra da Elegibilidade n.°1).
C. Por outro lado, a admissão do presente recurso assume a maior relevância jurídica pois a controvérsia acarretada a entendimento, é suscetível de extravasar os limites da situação singular em apreço, como aliás já sucede, pois tem-se assistido a uma aplicação indiscriminada pelos Tribunais, da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a regra da prescrição (num acórdão em que é analisada uma ajuda direta), sem atender à natureza específica das ajudas ao investimento (como a dos presentes autos).
D. O recurso de revista revela-se também da maior utilidade jurídica, na medida em que, a posição a adotar por este Venerando Tribunal irá assumir um ponto obrigatório de referência, que servirá de linha orientadora para os demais casos análogos, na medida em que irá esclarecer os exatos termos em que será aplicável o disposto no art.30.º do Regulamento 2988/95, no âmbito de ajudas ao investimento, pagas no âmbito de programas plurianuais, em que pelos beneficiários são praticadas irregularidades continuadas ou repetidas.
E. Vem o presente recurso de revista do Acórdão de 6/3/2015, proferido, através do qual o Tribunal Central Administrativo do Norte, concedeu provimento parcial ao recurso apresentado A……….., Lda., e em consequência revogou a decisão final, julgando procedente a exceção da prescrição da obrigação de restituição, relativamente às faturas n°s 139, 80, 108084, 108085, 108086, 202040, 202041, 140 e 17-2002.
F. Salvo melhor entendimento, na situação em apreço nos autos, o Tribunal a quo não parece ter feito uma correta aplicação do direito, pois a ajuda em apreço nos autos é uma ajuda ao investimento paga ao abrigo Medida 1 - Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações do Programa AGRO, que se encontra regulada pelo D.L. n° 163-A/2000, de 27/7, e pela Portaria n° 533-B/2000, de 1 de Agosto, logo, com natureza distinta, da ajuda direta analisada pelo Acórdão do STA de 8/10/2014, proferida no âmbito do Proc. 0398/12 (que serve de fundamento para o acórdão recorrido).
G. O ato impugnado não desrespeitou as regras de prescrição previstas no art. 3° do Regulamento (CE, EURATOM), n° 2988/95, uma vez que o Programa AGRO, enquanto programa plurianal, ou enquanto integrado num programa plurianual, ainda estava a vigor aquando da notificação da decisão final impugnada nos presentes autos,
H. Nos termos do Art° 3° do Regulamento (CE, EURATOM), n° 2988/95, é expressamente prevista uma exceção à regra geral da prescrição do procedimento (quatro anos a contar da prática da irregularidade), estipulando-se que havendo um programa plurianual o prazo de prescrição corre até ao encerramento do programa e recorde-se que apenas foi encerrado no dia 8 de julho de 2014, através de decisão da Comissão Europeia.
I. Ainda que assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se concebe, sempre se dirá que inexiste qualquer prescrição do procedimento, pois, além de estarmos perante um programa plurianual, estamos também perante uma irregularidade continuada e repetida. (Sobre irregularidades continuadas ou repetidas vide acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 29-01-2014, proferido no âmbito do Proc. n° 0299/13 e acórdão C-279/05 do Tribunal de Justiça da União Europeia)
J. Com efeito, em 19/9/2001, 28/3/2002 e em 21/1/2003, pela recorrida foram apresentados três pedidos de pagamento, tendo em todos eles ocorrido a violação da Regra da Elegibilidade n.°1, como salienta o Tribunal a quo (págs. 21 e 22 do acórdão recorrido), quando expressamente refere que “impõe-se a conclusão de que a irregularidade ou irregularidades ocorreram no dia 19-09-2001 dia 28-03-2002 e dia 21-01-2003 datas da apresentação desses documentos denominado “remessa dos documentos comprovativos” na medida em que, por contrário ao legalmente exigível, foi considerado, por referência a esse momento, inexistente a operação de aquisição de uma estufa, considerada a existência de pagamentos após o recebimento das ajudas financeiras e ainda a inexistência da documento de despesa comprovativo do pagamento, nos casos identificados (adiante, far-se-á a sua individualização por reporte às datas da apresentação dos respetivos documentos).” (Negrito e sublinhado nosso)
K. Não obstante, entender o recorrente que as irregularidades consumam-se com o pagamento pelo organismo pagador e respetivo recebimento da ajuda, pelo beneficiário da mesma e não com a apresentação do pedido de pagamento das ajudas, para os efeitos previstos no segundo parágrafo do n° 1, do art.3° do Regulamento (CE, EURATOM), n° 2988/95, só se pode falar em irregularidade continuada ou repetida, quando houver por parte do agente económico uma pluralidade de atos ou omissões que violem a mesma disposição de direito comunitário.
L. Foi exatamente o que sucedeu na situação em apreço, pois pela recorrida foram apresentados três pedidos de pagamento em 19/9/2001, 28/3/2002 e em 21/1/2003 tendo em todos eles ocorrido a violação da Regra da Elegibilidade n.°1.
M. Nos termos do segundo e terceiros parágrafos do art. 3.º do Reg. (CE, EURATOM), nº 2988/95, “o prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade sendo que, a prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade”.
N. Uma vez que as irregularidades praticadas pela recorrida, nunca foram supridas, não se pode considerar que tenham cessado, pelo que inexiste, qualquer tipo de prescrição do procedimento.
O. Caso assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que o recorrente remeteu à recorrida:
— Em 18/1/2006 o oficio com a Ref. 88-Ul-Porto/2006, nos termos e para os efeitos dos art°s 100º e 101º do CPA (como resulta provado na alínea 1) do Ponto 11.1 do acórdão de 6/3/2015, proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte);
— Em 21/6/2010 decisão final constante de ofício com a Ref. a 006671/2010, que através da qual foi determinada a rescisão unilateral do contrato, com consequente devolução dos montantes indevidamente recebidos.
P. Razão pela qual, para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento, deverá ser tida em consideração a data da apresentação do último pedido de pagamento (mais corretamente seria da data do pagamento da ajuda), que ocorreu em 21/1/2003, pelo que tendo a notificação para efeitos de audiência prévia ocorrido 18/1/2006 não se encontravam decorridos 4 anos, nem se encontrava decorrido o prazo de 8 anos, quando a recorrida foi notificada da decisão final em 21/6/2010
O. Dada a complexidade da situação em apreço, cabendo a interpretação do direito comunitário ao Tribunal de Justiça da União Europeia, subsistindo dúvidas quanto à correta aplicação da norma do Regulamento (CE) no 1260/1999 (programa plurianual), bem como do art. 3° do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95 (prescrição do procedimento no âmbito de irregularidades continuadas ou repetidas), requer o recorrente que sejam colocadas a esse Tribunal em sede de reenvio prejudicial, as seguintes questões:
i) O Programa Operacional de Desenvolvimento Rural (designado por Programa AGRO) deve ser considerado um «programa plurianual» na aceção do art. 14º Regulamento (CE) n° 1260/1999 do Conselho, de 21 de Junho de 1999?
ii) Deverá o Programa AGRO ser considerado como programa plurianual para efeitos de aplicação do disposto na 2 parte do 2º parágrafo do nº 1 do art.º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95 (segundo o qual «O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa”)?
iii) Sendo o Programa AGRO considerado um «programa plurianual» para efeitos de aplicação do disposto na 2 parte do 2° parágrafo do n° 1 do art. 3° do Regulamento (CE EURATOM) n° 2988/95,
- a prescrição dos procedimentos administrativos abertos no seu âmbito está sujeita ao prazo de 4 anos prescrito no n° 1 do artº 3º? ou
- ao prazo previsto na 2ª parte do 2º parágrafo do nº 1 do artº 3º do Regulamento (CE, EURATOM nº 2988/95, ou seja: “até ao encerramento definitivo do programa” [plurianual]?
iv) O Programa AGRO, enquanto programa plurianual, encontra-se encerrado desde o dia 8 de julho de 2014 (conforme notificação remetida pela Comissão Europeia ao IFAP, IP, em 13 de agosto de 2014)?
v) Resultando da matéria provada nos autos, ter existido a violação pela beneficiária da Regra da Elegibilidade n° 1, do Regulamento (CE) n.°1685/2000, da Comissão, nos pedidos de pagamento da ajuda apresentados, em 19/9/2001, 28/3/2002 e em 21/1/2003, no âmbito do Programa AGRO, deverão estas irregularidades ser consideradas continuadas ou repetidas, na aceção dada pelo 2° parágrafo do n° 1 do Art° 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95?
vi) Considerando-se as irregularidades praticadas pela beneficiária da ajuda paga no âmbito do Programa AGRO, como irregularidades continuadas ou repetidas a prescrição do procedimento administrativo abertos no seu âmbito
— está sujeita ao prazo de 4 anos prescrito no n° 1 do art. 3º? ou
— ao prazo previsto no segundo parágrafo do Art° 3° do Reg. (CE, EURATOM), n° 2988/95?
vii) Caso se entenda que o prazo prescrição do procedimento administrativo no âmbito do Programa AGRO, nos termos do previsto no segundo parágrafo do Art° 3° do Reg. (CE, EURATOM), n° 2988/95, “… corre desde o dia em que cessou a irregularidade”, tendo existido por parte da beneficiária a violação da Regra da Elegibilidade n.°1, prevista no Regulamento (CE) n.° 1685/2000, da Comissão, nos pedidos de pagamento apresentados 28/3/2002 e em 21/1/2003:
— em que data deverão ser consideradas cessadas as irregularidades praticadas pela beneficiária? ou
— Não tendo as irregularidades sido supridas, dever-se-á considerar que as mesmas não cessaram?
R. Face ao exposto, o entendimento do Tribunal a conceder provimento parcial ao recurso apresentado pela ora recorrida, A…………, Lda, com consequente revogação da decisão final, julgando procedente a exceção de prescrição da obrigação de restituição, relativamente às faturas nºs 139, 80, 106084, 108085, 108086, 202040, 202041, 140 e 17-2002, não parece ter sido correta, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão ora impugnado.
Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando a decisão recorrida, considerando-se válida a decisão final proferida pelo IFAP-IP, assim se fazendo JUSTIÇA!

A………., LDA, notificada da interposição de Recurso de Revista apresentado pelo IFAP, IP, apresentou as suas contra-alegações que apresentam conclusões com o seguinte teor:
A) Não se encontram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, à luz do disposto no artigo 150° do CPTA, pelo que, o presente recurso de revista excecional não deverá ser admitido, por tudo o que se deixa exposto no ponto 1.º das presentes alegações.
B) A questão em apreciação, ou seja, a determinação do prazo de prescrição aplicável e as condições da sua aplicação encontra-se já devidamente concretizada e resolvida pela Jurisprudência do TJUE e, no plano interno, pela Jurisprudência fixada no recente Acórdão do Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo, de 26/02/2015, proferido no processo nº 173/13 — Acórdão para uniformização de Jurisprudência n°1/2015, publicado na 1.ª Série do Diário da República de 7 de Maio de 2015.
C) Por idêntica razão, o pedido de reenvio prejudicial é totalmente impertinente e deve ser indeferido, o que é competência do Tribunal nacional que tem a competência de julgar o caso concreto, aplicando a lei, a nacional e a comunitária se for esse o caso este entendimento é amplamente conhecido e defendido pela doutrina e pela jurisprudência do TJUE como a “teoria do ato claro”, considerando impertinentes por desnecessários os reenvios sobre questões em relação às quais o TJUE já se tenha pronunciado em casos idênticos.
D) À luz do Acórdão de fixação de jurisprudência n°1/2015 de 26/02, proferido pela secção do Pleno deste STA a questão suscitada no presente recurso encontra-se resolvida no sentido de que “na ausência de legislação nacional consagrando prazo de prescrição mais longo do que o previsto no art.3, n.°1, do Reg. (CE Euratom) n.°2988/95, do Conselho, de 18 de dezembro, é este o aplicável” Ou seja, quatro anos, tal como decidiu o Acórdão aqui recorrido, o qual não padece de nenhum erro de julgamento como alega a recorrente.
E) Assim, pelas razões apontadas no item II das presentes contra alegações, caso o presente recurso venha a ser admitido, o que por mera cautela se considera como hipótese, deve ainda assim improceder e ser confirmado o Acórdão recorrido.
Termos em que, com o douto suprimento, o presente recurso não deve ser admitido e, caso assim não se entendesse, deve ser negado provimento ao mesmo e confirmado o Acórdão recorrido, como é de inteira JUSTIÇA.

Por acórdão da formação prevista no art. 150º, nº 5 do CPTA, de 08.10. 2015, a revista foi admitida com os seguintes fundamentos:
«..., o recorrente vem colocar questões jurídicas que não foram apreciadas na jurisprudência do STA seguida no acórdão recorrido, qual seja a de que, no presente caso estaríamos perante uma (i) ajuda no âmbito de um programa plurianual e (ii) perante irregularidade continuada ou repetida. Relativamente a estas questões não existe ainda uma jurisprudência consolidada sendo certo que a sua relevância jurídica e social é indiscutível, pois estão em causa as regras sobre a prescrição da reposição de dinheiros comunitários, indevidamente recebidos. É portanto, de inegável interesse a intervenção do STA com vista ao esclarecimento das referidas questões visando, além do mais, uma melhor aplicação do direito pelos órgãos competentes da Administração Pública em casos futuros.»

O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, junto do Supremo Tribunal Administrativo, notificado nos termos do disposto do art.146.º n.º 1 não emitiu parecer.

A instância foi suspensa, pelos fundamentos constantes do acórdão de 07.06.2016, até à pronúncia do TJUE, pedida em sede de reenvio prejudicial – cfr. fls. 272 a 283.

O Tribunal de Justiça emitiu pronúncia, em 16.11.2017, nos termos constantes de fls. 306 a 317 dos autos, aqui dados por integralmente reproduzidos.

As partes foram notificadas do “Despacho do Tribunal de Justiça” - cfr. fls. 320 e 321.

Cumpre decidir, tendo os autos ido já a vistos.

2. Os Factos:
Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:
A). Em 05.12.2000, a A. apresentou junto do IFAP “Declaração do Conteúdo Processual — Medida 1 / Modernização, Reconversão e Diversificação de Explorações”, no âmbito do Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural “AGRO”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 1 a 93 do processo administrativo;
B). Em 19.07.2001, foi assinado “Contrato de Atribuição de ajuda ao abrigo do programa AGRO — Medida 1: Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas”, entre o IFAP e a A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
(…) 2 Cláusulas Especificas
Cláusula 1.ª
O presente contrato respeita ao projecto apresentado pelo Beneficiário no âmbito de Medida 1 do Programa AGRO, projecto que recebeu no IFAP o n.°2000 110016318 e que aqui se dá por reproduzido.
(…)
Cláusula 3.ª
Para execução do projecto o Beneficiário recorre, na parte excedente à ajuda, às seguintes fontes de financiamento:
- Capital próprio no montante de 45304593 (..)
Cláusula 4.ª
Tendo em vista a execução do referido projecto são concedidas ao Beneficiário as seguintes ajudas:
- Incentivo financeiro ao investimento, sob a forma de subsídio não reembolsável, no montante de 38257715 (...)
Cláusula 5ª
As ajudas concedidas são ajustáveis em função do efetivo custo final do investimento elegível, por forma a manter-se a taxa de comparticipação global atribuída na decisão de aprovação.
Cláusula 7.ª
O crédito das ajudas é realizado conforme os casos seguintes:
- O incentivo financeiro não reembolsável, de acordo com o seguinte plano previsional:
(...)
3, CONDIÇÕES GERAIS
(...)
8. PAGAMENTO DAS AJUDAS E DOCUMENTOS COMPROVATIVOS
8.1. O pagamento do incentivo não reembolsável, segundo o correspondente plano previsional constante da cláusula 7ª, depende da apresentação e aceitação pelo IFADAP dos seguintes documentos comprovativos da aplicação dos fundos:
B. 1.1. No caso de primeira ou de única parcela, dos documentos comprovativos referentes à aplicação de pelo menos 25% do investimento aprovado;
8.1.2. No caso da segunda parcela e seguintes, dos documentos comprovativos da aplicação da parcela imediatamente anterior;
B.1.3. No caso da última parcela, após apresentação dos documentos comprovativos da aplicação das parcelas anteriores e da parte restante do auto financiamento (e crédito bancário caso exista).
8.2. O pagamento de incentivo não reembolsável rege-se, ainda, pelo seguinte:
8.21. Os documentos comprovativos necessários ao crédito de cada parcela devem ser apresentados até 20 dias úteis antes da data prevista para esse crédito;
8.2.2. Tratando-se de parcela única ou da última parcela todos os demais documentos comprovativos da aplicação da totalidade do valor do investimento aprovado devem ser apresentados até 60 dias após o crédito em conta daquelas parcelas;
8.2.3. A falta de cumprimento dos prazos anteriormente estabelecidos determina a modificação ou rescisão unilateral do contrato, salvo se o Beneficiário apresenta justificação do atraso e esta for considerada atendível;
8.2.4. Sendo considerada atendível, a falta do cumprimento dos referidos prazos determina automaticamente, quando for o caso, a dilação das datas previstas para o crédito em conta da parcela em causa e das subsequentes, pelo período concedido pelo IFADAP;
8.2.5. As despesas realizadas pelo Beneficiário em execução de contrato de “leasing” devem ser comprovados perante o IFADAP nos dez dias imediatos aos respetivos vencimentos;
(...)
C. OBRIGAÇÕES DO BENEFICIÁRIO
Constituem, designadamente, obrigações do Beneficiário:
C. 1. Aplicar integralmente a ajuda nos fins para que foi concedida;
C. 2 Assegurar os demais recursos financeiros necessários, cumprindo pontualmente as obrigações para o efeito contraídas junto de terceiros, de forma a não perturbar a cabal realização dos objetivos previstos;
C. 3. Manter integralmente os requisitos de concessão da ajuda objecto deste contrato;
C.4. Cumprir pontualmente a execução do projecto;
C. 5. Com referencia a empréstimos contraídos, informar o IFADAP, no prazo máximo de cinco dias, de todas as alterações verificadas no plano de utilização, no reembolso ou no pagamento dos juros dos empréstimos contraídos;
C. 6. Aplicar nos fins do projecto os bens adquiridos e não os alienar, locar ou por qualquer outra forma onerar sem prévia autorização do IFADAP;
C. 7. Manter integralmente as condições que determinam o cálculo do montante das ajudas;
C. 8. Publicitar, quando seja devido, o co-financiamento do projecto no local da sua realização, a partir da celebração deste contrato;
C.9.Ter situação contributiva regularizada perante a Segurança Social e Administração Fiscal.
D. INFORMAÇÃO E FISCALIZAÇÃO
D. 1. O IFADAP e as demais competentes entidades nacionais e comunitárias podem, a todo o tempo e pela forma que tiverem por conveniente, fiscalizar a execução do projecto, a efectiva aplicação das ajudas e a manutenção pelo Beneficiário dos requisitos da sua concessão;(…)
E RESCISÃO E MODIFICAÇÃO DO CONTRATO
E. 1. No caso de incumprimento pelo Beneficiário de qualquer das suas obrigações ou da inexistência ou desaparecimento, que lhe seja imputável, de qualquer dos requisitos da concessão da ajuda, o IFADAP pode rescindir unilateralmente o contrato;
E. 2. Pode o IFADAP, no caso de incumprimento, proceder apenas à modificação unilateral do contrato, nomeadamente quanto ao montante das ajudas, desde que tal se justifique face às condições concretamente verificadas na execução do projecto ou à falta ou insuficiência de documentos comprovativos.
F. 1 CONSEQUÊNCIAS DA RESCISÃO OU MODIFICAÇÃO
E. 1. No caso de rescisão do contrato pelo IFADAP, o Beneficiário constitui-se na obrigação de reembolsar este instituto das importâncias já recebidas a título de ajuda, acrescidas de juros à taxa legal, calculados desde a data em que tais importâncias foram colocadas à sua disposição; (…)”.— cfr. fls. 117 a 120 do processo administrativo;
C). Com data de 13.05.2003, foi remetido à A. o oficio com a referência n.º 495/03-81.100, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
Relativamente ao projecto de investimento acima mencionado e após a análise dos comprovativos que nos foram presentes, informamos que de acordo com a Cláusula 7ª do contrato será creditada a 3ª Parcela (parte) do subsídio, no montante de €49.879,78 previsto no contrato.
Mais se informa, que após esta liquidação considerámos o processo concluído administrativamente (…) - cfr. fls. 212 do processo administrativo;
D). Com data de 13.10.2003, foi remetido à A. o ofício com a referência n.°37300/729/03, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(...)
No âmbito de uma acção de verificação, que se encontra em curso, sobre o projeto acima identificado, e na sequência de visita efetuada à exploração de V. Exa. constata-se que se verificam as seguintes divergências:
- A área de estufas “………” comprovada (3836 m2) é superior à existente na exploração e construída no âmbito do projeto (cerca de 2700 m2);
- A superfície de manta térmica “Aluminet’ comprovada (6600 m2), é superior à existente na exploração (cerca 5700m2)
Para além disso, retira-se que se encontra ultrapassado o prazo limite de dois anos, para a execução material de todos os investimentos afetos ao projeto.
Solicita-se que no prazo de 15 (dez) dias úteis a contar da receção desta carta e para a morada abaixo indicada, nos esclareçam do que, sobre o assunto, tiverem por conveniente. (…).— cfr. fls. 231 do processo administrativo.
E). Em 31.10.2003, por carta dirigida à Direcção de Inspecção e Controlo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a A. respondeu ao ofício mencionado no ponto que antecede.— cfr. fls. 234 a 239 do processo administrativo;
F). Em 30.12.2003, foi elaborado o Relatório n.º 406/2003, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...) Face ao acima exposto, e que a exploração se encontra em bom funcionamento, como se referiu no relatório de visita, somos de parecer que o projecto deve ser considerado em situação regular.” cfr. fls. 240 e 241 do processo administrativo;
G). Em 09.01.2004, sobre o relatório mencionado no ponto que antecede recaíram os seguintes despachos:
O processo deverá ser objecto de análise contabilística “Concordo”. — cfr. fls. 241 do processo administrativo;
H). Com data não apurada, foi remetido à A. o ofício com a referência n.°37.300/0046/04, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
No âmbito de uma acção de verificação, que se encontra em curso sobre o projecto em epígrafe e dadas as atribuições deste Instituto, (...) comunica-se que irá ser realizada visita à contabilidade em data a agendar, pelo que deverá ter na data da referida visita disponível os seguintes elementos:
1. Os originais dos documentos da contabilidade a partir do ano de 2000 até ao corrente ano e os respectivos mapas e registos emitidos pela contabilidade;
2. As declarações anuais de IRC dos anos de 2000, 2001 e 2002;
3. As declarações do IVA referentes a estes anos e a declaração de início de atividade — Regime de IVA;
4. A cópia frente e verso dos cheques emitidos referentes ao projeto. No caso de existência de depósitos para pagamento dos documentos referentes ao projecto a cópia do talão de depósito e no caso de o mesmo remeter para cheques, a cópia do respetivo cheque. O mesmo no que se refere às transferências bancárias;
5. Os extractos bancários referentes aos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003 e a identificação dos movimentos;
6. A prova da origem dos capitais próprios mencionados no contrato de concessão de ajudas. (...).- cfr. fls. 248 do processo administrativo;
I). Por carta registada, com aviso de receção, datada de 17.01.2006, foi remetido à A. o ofício n.º 88-Ul-Porto/2006, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(...) Na sequência de uma acção de controlo do Programa AGRO, (...), foi analisada a Vossa contabilidade e a dos Vossos fornecedores tendo-se verificado o seguinte:
- Inexistência de operação na aquisição de uma estufa, já que a mesma foi adquirida em 06-04-2000, vendida ao fornecedor a 30-08-2001 e novamente adquirida aquele em 07-09-2001, permitindo assim colocá-la no período exigível do projeto. Considerou-se elegível o montante de 47.834,72€ (s/IVA);
- Existência de pagamentos após o recebimento das ajudas financeiras no montante de 129.461,14€ (s/IVA);
- Inexistência de prova de pagamento de documentos de despesa no total de 207.622,92€ (s/IVA).
Nesta conformidade, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 100º e 101° do Código de Procedimento Administrativo, ficam Vs. Exas. notificados da intenção de rescindir o já citado contrato, de acordo com a Cláusula D.1 das “condições gerais” desse mesmo contrato, podendo ainda informar por escrito o que se lhe oferecer, no prazo máximo de 10 dias úteis, (…) - cfr. fls. 257 e 258 do processo administrativo;
J). A A., no exercício do direito de audiência prévia, respondeu ao ofício n.º 88-UI-Porto/2006, por carta registada com aviso de recepção, de 31.01.2006, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido — cfr. fls. 259 e 262 do processo administrativo;
K). Por carta registada, com aviso de recepção, recepcionada em 21.06.2010, foi remetido à A. o ofício n.º 006671/2010, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
"(...) Finda a fase de instrução no procedimento administrativo relativo ao assunto supra identificado (...) cumpre tomar a decisão final, o que se faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
(...)
4 Assim, considerando que tomou já conhecimento de todos os factos que importam à tomada de decisão e se pronunciou sobre os mesmos, (…) encontram-se reunidos os requisitos para a rescisão unilateral do contrato, implicando o reembolso da quantia de €190.828,68, considerada como indevidamente recebida, acrescida de juros contabilizados à taxa legal em vigor, desde que as ajudas foram colocadas à sua disposição até à data de elaboração do presente ofício, perfazendo o capital e juros em dívida o montante total de €256.083,13, o que aqui se determina.
5. Pelo exposto e para efeitos de reposição voluntária da quantia em dívida supra, no montante de € 256,083,13 (€190.828,68 de capital e €65.254,45 de juros), fica notificado de que a mesma poderá ser efetuada por meio de cheque ou vale postal a entregar na Tesouraria deste Instituto (..)— cfr. fls. 476 a 482 do processo administrativo;

3. O Direito
No presente recurso de revista está em causa o acórdão do TCAN que apreciou a decisão proferida no TAF de Penafiel, a qual, em sede de saneador, julgou improcedente a excepção de prescrição invocada pela autora “do direito à reposição (reembolso) das quantias alegadamente em dívida a título de subsídio não reembolsável”, no âmbito da supra identificada acção administrativa especial, na qual se impugnou a decisão que havia determinado a rescisão unilateral do contrato de atribuição de ajudas ao abrigo do Programa AGRO – Medida 1: Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas, celebrado em 19.07.2001, exigindo-se o reembolso das importâncias recebidas.
A primeira instância havia decidido que o prazo prescricional aplicável é o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309º do CC e não o prazo de 5 anos previsto no art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, de 28/7 (invocado pela autora).
A questão que foi colocada ao TCAN foi, pois, a de saber, se aquela decisão havia errado ao julgar aplicável aquele prazo de 20 anos previsto no CC.
O TCAN tendo julgado aplicável ao caso presente o prazo de prescrição de 4 anos, previsto no art. 3º, nº 1 do Regulamento (CE EURATOM) nº 2988/95, de 18.12.95, julgou parcialmente procedente a excepção da prescrição da obrigação de restituição das quantias tidas por indevidamente recebidas.
No presente recurso vem o Recorrente alegar que no presente caso se estaria perante uma (i) ajuda no âmbito de um programa plurianual e (ii) perante irregularidade continuada ou repetida, pelo que não teria ocorrido a prescrição do procedimento administrativo, sendo estas as questões a apreciar e resolver.

Começaremos por salientar que o presente recurso de revista, por regra, trata-se de um recurso de reexame, isto é, cujo fundamento específico é a violação da lei substantiva ou processual e cujo objecto é a questão ou relação jurídica objecto da pronúncia no Tribunal recorrido. No âmbito deste recurso os poderes de cognição deste Supremo Tribunal não são similares aos poderes do TCA no julgamento da apelação (cfr. acórdão deste STA de 29.05.2014, Proc. 0502/13).
Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico adequado, não podendo a fixação dos factos materiais da causa ser objecto da revista (cfr. art. 150º, nºs 3 e 4 do CPTA).
O que significa que este Tribunal no presente recurso apenas pode ter em consideração os factos fixados nas instâncias e não quaisquer outros, conforme pretende o Recorrente ao juntar os documentos de fls. 215 a 220, com vista a fazer prova da data de encerramento do programa em causa nos autos.

Como já se disse, no presente recurso vem o Recorrente defender que não ocorreu a prescrição por se tratar de uma ajuda no âmbito de um programa plurianual, sendo aplicável o disposto na 2ª parte do 2º parágrafo do nº 1 do art. 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, de 18.12.95 e por se estar perante irregularidades continuadas ou repetidas.

Sobre a aplicabilidade do prazo de 4 anos fixado no art. 3º nº1 do Regulamento supra referido, o TJUE, no acórdão de 17.09.2014 pronunciou-se relativamente ao pedido de reenvio deste STA, 2.ª Secção, no Acórdão de 17.04.2013, proc. 398/12 no sentido de que:
“1) O artigo 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95 do Conselho (…), relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, deve ser interpretado no sentido de que se aplica aos procedimentos instaurados pelas autoridades nacionais contra beneficiários de ajudas da União na sequência de irregularidades verificadas pelo organismo nacional responsável pelo pagamento das restituições à exportação no âmbito do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA).
2) O prazo de prescrição previsto no artigo 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 aplica-se não apenas aos procedimentos por irregularidades que conduzem à aplicação de sanções administrativas, na aceção do artigo 5.º deste regulamento, mas também aos procedimentos que conduzem à adoção de medidas administrativas, na aceção do artigo 4.º do referido regulamento. Embora o artigo 3.º, n.º 3, do mesmo regulamento permita que os Estados-Membros apliquem prazos de prescrição mais longos do que os de quatro ou três anos previstos no n.º 1, primeiro parágrafo, deste artigo, resultantes de disposições de direito comum anteriores à data da adoção do referido regulamento, a aplicação de um prazo de prescrição de vinte anos excede o que é necessário para atingir o objetivo de proteção dos interesses financeiros da União”.
Também recentemente foi julgado por este STA, em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2015, de 26.02.2015, proc. nº 173/13, que o prazo de prescrição relativo às quantias recebidas no âmbito das ajudas comunitários é de quatro anos.
Como se disse no mesmo:
“II - O prazo para ser pedida a devolução das quantias recebidas irregularmente no âmbito do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola é o previsto no nº 1 do artigo 3º do Regulamento (CE Euratom) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, por se tratar de uma norma jurídica diretamente aplicável na ordem interna, e, porque não existe no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior”.
Não há, portanto, dúvidas que se deve considerar aplicável, no caso dos autos, o prazo de prescrição previsto no nº 1 do artigo 3º do Regulamento CE, Euratom nº 2988/95, por se tratar de uma norma jurídica directamente aplicável na ordem interna - artigo 288º, parágrafo 2º TFUE (face às alterações operadas pelo Tratado de Lisboa) e artigo 8º, n.ºs 3 e 4 da CRP - e porque não existe no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior (cfr. para além do citado acórdão uniformizador, os acórdãos, desta Secção de 30.10.2014, proc. 92/14 e da 2.ª Secção de 08.10.2014, proc. 398/12). Aplicação a que procedeu o acórdão recorrido.

Outra questão será a de estarmos, ou não, perante uma das especificidades prevista neste mesmo preceito, conforme invoca o Recorrente nos termos acima expostos.
Com efeito, o Recorrente considera que o acórdão recorrido que declarou parcialmente prescrito o procedimento instaurado ao autor para pedir a devolução integral das ajudas consideradas indevidamente recebidas, a título de incentivo não reembolsável, não teve em conta que estamos perante um programa plurianual pelo que o prazo de prescrição corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa nos termos do §2º do art. 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95.
Igualmente defende que inexiste qualquer prescrição do procedimento, por, além de estarmos perante um programa plurianual, estar em causa uma irregularidade continuada e repetida, que nunca foi suprida, não se podendo considerar que tenha cessado.

Começaremos por apreciar se estamos perante um programa plurianual.
O acórdão recorrido considerou o seguinte, face aos factos dado como provados:
No presente caso consta do acervo de factos assentes, em K), o facto atinente à notificação do acto impugnado e do seu teor, pelo ofício 006671/2010, e do qual se retira que as irregularidades apontadas envolveram, por incumprimento do ponto 3 do artigo 14º do regulamento aprovado pela Portaria nº 533-B/2000, de 1 de Agosto, e do disposto na regra nº 1 anexa ao Regulamento (CE) nº 1685/2000, de 28 de julho, da Comissão cuja última redacção, na altura era dada pelo Regulamento (CE) nº 448/2000, de 10 de março da Comissão:
- (1) a consideração da inexistência da operação de aquisição de uma estufa, comprovada através da factura nº 139, emitida a 07-09-2001 pelo fornecedor …….., pela constatação de que a mesma havia sido adquirida em 06-04.2000, vendida ao fornecedor em 30-08-2001 e novamente adquirida àquele em 07-09-2001;
- (2) a existência de pagamentos após o recebimento das ajudas financeiras, relativamente às seguintes facturas: nº 80, emitida a 07-07-2001, apresentada para pagamento a 19-09-2001 e liquidada a 31-01-2003; nºs 108085 e 108086 emitidas a 03-09-2001 pelo fornecedor ………., SA, pagas por cheques emitidos durante o ano 2002; nºs 202040 e 202041, ambas emitidas a 19-02-2002 pelo mesmo fornecedor, apresentadas para pagamento a 28-03-2002, liquidadas por cheques emitidos a 12-09-2002 e 12-10-2002; nºs 17-2002, emitida a 31-01-2002, pelo fornecedor ………., com parte da despesa paga por cheque emitido a 08-04-2002; nºs 1-2003, 2-2003, 3-2003, 4-2003 e 5-2003, emitidas a 02-01-2003 pelo fornecedor ……….., com parte da despesa paga a 21-01-2003;
- (3) inexistência de prova de pagamento de documento de despesa, quanto à factura nº 140, emitida a 07-09-2001 pelo fornecedor ……..
(…)
- considerando que a ora Recorrente apresentou três remessas de documentos, em modelo próprio, ao qual foram anexados os “documentos (…) comprovativos da execução física e correspondente aplicação de fundos”, e que englobam as supra consideradas facturas, com a assinalada declaração do beneficiário de que “os montantes dos documentos apresentados foram correctamente aplicados e estão em conformidade com o projecto de investimento aprovado”.
- impõe-se a conclusão de que a irregularidade ou irregularidades ocorreram no dia 19-09-2001, dia 28-03-2002 e dia 21-01-2003, datas da apresentação desses documentos denominado “remessa de documentos comprovativos”, na medida em que, por contrário ao legalmente exigível, foi considerado, por referência a esse momento, inexistente a operação de aquisição de uma estufa, considerada a existência de pagamentos após o recebimento das ajudas financeiras e ainda a inexistência de documento de despesa comprovativo do pagamento, nos casos identificados (…)”.
Assim, o acórdão recorrido, aplicando o prazo de prescrição de quatro anos previsto no art. 3º, nº 1 do Regulamento (CE Euratom) nº 2988/95, considerou que quanto às facturas apresentadas em 2001 e 2002, ocorrera a prescrição. Mas, quanto às apresentadas em 2003, operara a interrupção prevista no art. 3º, nº 1 do referido Regulamento [em 18.01.2006, com a notificação para a audiência prévia], sendo de ter em conta o decurso do dobro do prazo – 8 anos -, não operando a prescrição.

Invoca o Recorrente como fundamento da revogação do acórdão recorrido o facto de estarmos perante um programa plurianual, correndo o prazo de prescrição até ao encerramento definitivo do mesmo.
Alega que a ajuda em causa se enquadra num programa plurianual, que ainda não se encontrava encerrado aquando da notificação da impugnada decisão final de reposição, pelo que, quanto à prescrição do procedimento seria aplicável a referida norma do Regulamento comunitário, segundo a qual o prazo de prescrição corre até ao encerramento do programa [o que só teria ocorrido em 8 de Julho de 2014, através da decisão do Comissão Europeia – cfr. conclusão G].

A questão é, pois, a da qualificação de um determinado programa como plurianual ou não, assim como a da fixação da data do seu encerramento, elementos esses que depois serão integrados na aplicação de uma norma comunitária.
Dispõe o artigo 14º do Regulamento (CE) nº 1260/1999 do Conselho, de 21 de Junho de 1999 que:
“1. Cada plano, quadro comunitário de apoio, programa operacional e documento único de programação abrangerá um período de sete anos, sem prejuízo do disposto no artigo 6º e no nº 4, primeiro parágrafo do artigo 7.
O período de programação terá início em 1 de Janeiro de 2000.
2. Os quadros comunitários de apoio, programas operacionais e documentos únicos de programação serão reexaminados e, se for caso disso, adaptados por iniciativa do Estado-Membro ou da Comissão, com o acordo desse Estado-Membro, nos termos do presente título, na sequência da avaliação intercalar referida no artigo 42.º e da atribuição da reserva de eficiência prevista no artigo 44.
Aqueles quadros, programas e documentos podem ser igualmente revistos noutro momento, se se verificarem mudanças importantes da situação socioeconómica e do mercado de trabalho.”
Por sua vez no Despacho do Tribunal de Justiça, de 16.11.2017, no processo C-491/16, suscitado em sede de pedido de reenvio no âmbito dos presentes autos, diz -se que:
“( ..).2) O artigo 3º, nº 1, segundo parágrafo, segunda parte, do Regulamento (CE, Euratom) nº2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, deve ser interpretado no sentido de que um programa operacional (...) que estabelece disposições gerais sobre os Fundos estruturais, como o programa operacional “Agricultura e desenvolvimento rural”, aprovado pela Decisão C (2000) 2878 da Comissão, de 30 de Outubro de 2000, não está abrangido pelo conceito de “programa plurianual”, na aceção da primeira destas disposições, exceto se o referido programa já indicar ações concretas a executar, o que cabe ao órgão jurisdicional do reenvio verificar.”
Não esclarece esta decisão se o programa AGRO, aqui em causa, se deve considerar ou não como um programa plurianual.
O que é essencial para aferir o prazo de prescrição a que alude o art. 3º nº 1, 1ª parte do supra referido Regulamento, já que, nos termos da 2ª parte do mesmo preceito, o prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.
Atendendo a tudo o que acima foi exposto vejamos então:
O Quadro Comunitário de Apoio a Portugal para o período de 2000 a 2006, foi aprovado pela Comissão Europeia através da Decisão C (2000) 762, de 30 de Março.
No âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio para o período de 2000 a 2006 (QCA III) o DL nº 163-A/2000, de 27 de Julho, estabeleceu as regras gerais de aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por AGRO, bem como da Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos programas operacionais de âmbito regional, abreviadamente designada por AGRIS.
E, dispõe o art 1º deste DL nº 163-A/2000, sob a epígrafe Objecto, o seguinte:
“O presente diploma estabelece as regras gerais de aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por AGRO, bem como da Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos programas operacionais de âmbito regional, abreviadamente designada por AGRIS, aprovados no âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio para o período de 2000 a 2006 (QCA III).”
Este diploma estabelece, portanto, as regras gerais de aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural (AGRO/Programa), bem como da componente agrícola dos programas operacionais de âmbito regional do III Quadro Comunitário de Apoio (QCA III) para o período de 2000 a 2006 integrando intervenções operacionais no âmbito da agricultura e do desenvolvimento rural, enquadradas nos Eixos Prioritários 2 e 3 do Plano de Desenvolvimento Regional (PDR), designadamente o Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural e a Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos programas operacionais de âmbito regional.
Como resulta do seu preâmbulo: “Estas intervenções contribuem, ainda, para outras prioridades fixadas no PDR, como sejam as respeitantes à elevação do nível de qualificação dos portugueses e à promoção do emprego, da coesão social e do desenvolvimento sustentável das regiões, assegurando a igualdade de oportunidades.”
No entanto, este programa e as medidas não referem quaisquer acções concretas a executar, estando antes dependentes de concretas candidaturas que sejam formuladas.
Conforme resulta do art. 3º do DL nº 163-A/2000:
“Medidas
1 — No âmbito do Programa AGRO, podem ser concedidas ajudas nos seguintes domínios:
a) Modernização, reconversão e diversificação das explorações agrícolas;
b) Transformação e comercialização de produtos agrícolas;
c) Desenvolvimento sustentável das florestas;
d) Gestão e infra-estruturas hidro-agrícolas;
e) Prevenção e restabelecimento do potencial de produção agrícola;
f) Engenharia financeira;
g) Formação profissional;
h) Desenvolvimento tecnológico e demonstração;
i) Infra-estruturas informativas e tecnológicas;
j) Serviços agro-rurais especializados.”
Não estão, pois, aqui indicadas quaisquer concretas acções a executar, pelo que, e nos termos do Despacho do Tribunal de Justiça, de 16.11.2017, no processo C-491/16, proferido no presente processo, não estamos perante um plano plurianual.
Neste mesmo sentido se pronunciou este STA nos acórdãos de 26.04.2018, processos nº 249/16 e nº 1478/15, cuja argumentação subscrevemos, e, ainda no acórdão de 17.05.2018, proc. nº 24/17.

Mais invoca o recorrente que as irregularidades supra descritas devem ser consideradas como “continuadas ou repetidas”, para os efeitos do segundo parágrafo do nº 1 do art. 3º do Regulamento citado.
Vejamos.
O TJUE, no acórdão C-279/05, em sede de reenvio que pretendia “conhecer os critérios que permitem apreciar se uma irregularidade deve ser continuada ou repetida, na acepção do art. 3º, nº 1, segundo parágrafo, do Regulamento nº 2988/95” (ponto 40), respondeu o seguinte:
uma irregularidade é continuada ou repetida quando for cometida por um operador comunitário que retire benefícios económicos de um conjunto de operações similares que violem a mesma disposição de direito comunitário” (ponto 44).
Significa isto que para os efeitos previstos no segmento da norma em questão só se estará perante uma irregularidade continuada ou repetida quando o agente económico pratique actos ou omissões de naturezas similares que violem a mesma disposição de direito comunitário.
Da descrição factual acima transcrita do acórdão recorrido decorre que estamos perante três tipos de operações as quais foram consideradas irregularidades, a saber: 1) a inexistência da operação de aquisição de uma estufa segundo as regras a observar; 2) a existência de pagamentos após o recebimento das ajudas financeiras; 3) a inexistência de prova de pagamento de documentos de despesa.
Tais irregularidades ocorreram no dia 19.09.2001, dia 28.03.2002 e dia 21.01.2003, datas da apresentação dos documentos denominados “remessa de documentos comprovativos”. Ou seja, na situação dos autos a recorrida apresentou três pedidos de pagamento instruídos com comprovativos de despesa sendo que, em cada um dos mesmos, se veio a apurar em sede de controlo que as despesas não eram elegíveis (tendo em todos eles ocorrido a violação da Regra de Elegibilidade nº 1).
As irregularidades aqui invocadas reportam-se, pois, a pagamentos de despesa do projecto ocorridas em 2002, 2003 e 2004, respeitantes ao contrato celebrado em 19.07.2001.
A propósito de noção de comportamento repetido diz-se no Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 11 de Junho de 2015, Processo C-52/14:
“(...) 48. Com a quarta e oitava questões, a analisar conjuntamente, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, é necessário que várias irregularidades tenham entre si uma estreita relação cronológica para serem consideradas constitutivas de uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição, e, por outro, de que as irregularidades relativas ao cálculo das quantidades de açúcar armazenadas pelo fabricante, verificadas em campanhas de comercialização diferentes, que levaram a declarações erradas dessas quantidades por esse mesmo fabricante, e, por isso, ao pagamento de quantias indevidas a título de reembolso dos custos de armazenagem, podem constituir uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição.
49. A título preliminar, há que recordar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma irregularidade é «continuada ou repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, quando é cometida por um operador que retira vantagens económicas de um conjunto de operações semelhantes que violam a mesma disposição do direito da União (v. acórdão Vonk Dairy Products, C-279/05, EU:C:2007:18, n.º 41).
50. À luz desta definição, o tribunal de reenvio interroga-se, antes de mais, sobre a necessidade de uma estreita relação cronológica entre duas ou mais irregularidades para estas constituírem uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95. No caso, segundo esse tribunal, algumas das operações imputadas à recorrente no processo principal ocorreram unicamente em campanhas de comercialização diferentes.
51. A esse respeito, há que recordar que, como se indica no n.º 24 do presente acórdão, o prazo de prescrição previsto no artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento n.º 2988/95 destina-se a garantir a segurança jurídica dos operadores, devendo estes ter a possibilidade de determinar quais das suas operações estão definitivamente adquiridas e quais podem ainda ser objeto de um procedimento.
52. Ora, as irregularidades não podem constituir uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, se estiverem separadas por um período superior ao prazo de prescrição de quatro anos previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número. Com efeito, numa situação como essa, essas irregularidades distintas não apresentam uma relação cronológica suficientemente estreita. Na falta de um ato de instrução ou de abertura de procedimento da autoridade competente, um operador pode assim legitimamente considerar prescrita a primeira dessas irregularidades. Em contrapartida, essa relação cronológica existe quando o período que separa cada irregularidade da anterior é inferior a esse prazo de prescrição.
53. Seguidamente, quanto à qualificação das irregularidades em causa no processo principal, cabe ao tribunal de reenvio verificar se, àluz do direito nacional da prova aplicável ao processo principal e desde que não seja posta em causa a eficácia do direito da União, estão reunidos os elementos constitutivos de uma irregularidade continuada ou repetida, recordados no n.º 49 do presente acórdão (v., neste sentido, acórdão Vonk Dairy Products, C-279/05, EU:C:2007:18, n.º 43). Contudo, o Tribunal de Justiça pode fornecer a esse tribunal, com base nos elementos contidos na decisão de reenvio, os elementos de interpretação suscetíveis de lhe permitir uma decisão.
54. A esse respeito, nomeadamente, verifica-se que as irregularidades imputadas à Pfeifer & Langen contribuem todas para o caráter errado das declarações prestadas por essa sociedade quanto à qualificação dada a uma parte da sua produção de açúcar branco, por cujos custos de armazenagem pedia o reembolso (quotas A e/ou B em vez de açúcar C). Assim, essas irregularidades podem constituir uma violação repetida do artigo 13.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1998/78, que impõe ao fabricante de açúcar uma obrigação de declaração das existências elegíveis para o reembolso dos custos de armazenagem.
55. Não se pode, pois, excluir que as irregularidades imputadas à Pfeifer & Langen no processo principal constituem no seu conjunto uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, o que, contudo, cabe ao tribunal de reenvio verificar.
56. À luz destas considerações, há que responder à quarta e oitava questões que o artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, quanto à relação cronológica pela qual as irregularidades tenham de estar ligadas para constituírem uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição, unicamente se exige que o período que separa cada irregularidade da anterior seja inferior ao prazo de prescrição previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número. As irregularidades, como as que estão em causa no processo principal, relativas ao cálculo das quantidades de açúcar armazenadas pelo fabricante, que tenham ocorrido em campanhas de comercialização diferentes, tenham levado a declarações erradas dessas quantidades por esse mesmo fabricante e, por isso, ao pagamento de quantias indevidas a título de reembolso dos custos de armazenagem constituem, em princípio, uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar. (...)”.
Assim, temos de considerar que o comportamento da recorrida foi repetido com o sentido previsto nos termos supra referidos.
Com efeito, a prática de três actos num intervalo inferior aos referidos 4 anos revela um conjunto ou uma pluralidade (mais do que uma) de actuações ou omissões dilatadas no tempo em violação da mesma disposição de direito comunitário a que alude o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido em 06.10.2015, no âmbito do supra referido Proc. C-52/14 (cfr. neste sentido o acórdão deste STA de 17.05.2018, acima indicado que aqui seguimos de perto).
Face ao exposto, tendo em consideração que estamos perante uma infracção repetida e que o programa não é plurianual vejamos se já havia decorrido o prazo prescricional.

Quanto ao início do prazo de contagem do prazo prescricional diz-se no Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção), de 6 de outubro de 2015, Processo C59/14:
“(...) 23. Em conformidade com o artigo 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade. O artigo 1.º, n.º 2, desse regulamento define o conceito de «irregularidade» como qualquer violação de uma disposição de direito da União que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral da União ou orçamentos geridos por esta.
24. A prática de uma irregularidade, que faz correr o prazo de prescrição, pressupõe, por isso, o preenchimento de dois pressupostos, a saber, um ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União, bem como uma lesão ou uma lesão potencial ao orçamento da União.
25. Em circunstâncias como as do processo principal, em que a violação do direito da União foi detetada após a concretização da lesão, o prazo de prescrição começa a correr a partir da prática da irregularidade, isto é, a partir do momento em que tenham ocorrido tanto o ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União como a lesão ao orçamento da União ou aos orçamentos geridos por esta.
26. Essa conclusão estão em conformidade com o objetivo do Regulamento n.º 2988/95, que, de acordo com o seu artigo 1.º, n.º 1, visa a proteção dos interesses financeiros da União. Com efeito, o dies a quo situa-se na data do facto ocorrido em último lugar, ou seja, quer na data da concretização da lesão, quando esta ocorra após o ato ou omissão que constitua uma violação do direito da União, quer na data desse ato ou omissão, quando a vantagem em causa tenha sido concedida antes do referido ato ou omissão. A prossecução do objetivo de proteção dos interesses financeiros da União estão, por conseguinte, facilitada.
27. Além disso, essa conclusão não é posta em causa pelo argumento do Governo grego, segundo o qual o dies a quo situar-se-ia no dia da descoberta da irregularidade pelas autoridades competentes. Com efeito, esse argumento colide com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual a data em que as autoridades nacionais tomaram conhecimento de uma irregularidade é irrelevante para o início do prazo de prescrição (acórdão Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.º 67).
28. Aliás, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Administração tem um dever geral de diligência na verificação da regularidade dos pagamentos que efetua e que estão a cargo do orçamento da União (acórdão Ze Fu Fleischhandel GmbH e Vion Trading, C-201/10 e C-202/10, EU:C:2011:282, n.º 44). Admitir que o dies a quo corresponde ao dia da descoberta da irregularidade em causa iria contra esse dever de diligência.
29. Em face destas considerações, há que responder à primeira questão que os artigos 1.º, n.º 2, e 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, em que a violação de uma disposição do direito da União só foi detetada após a concretização de uma lesão, o prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que ocorreram tanto o ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União como a lesão ao orçamento da União ou aos orçamentos geridos por esta. (...)”
No caso dos autos, em 19.09.2001, 28.03.2002 e 21.01.2003 a A., aqui recorrida, remeteu ao então IFADAP documentos comprovativos da execução física e correspondente aplicação de fundos de onde constava a irregularidade detectada.
Em 13.05.2003 foi a A. informada de que lhe ia ser “creditada a 3ª Parcela (parte) do subsídio, no montante de €49.879,78 previsto no contrato”.
Assim, o prazo prescricional de quatro anos conta-se a partir 13.05.2003, data em que foi notificado o pagamento à A. da última parte do subsídio, no valor de € 49.879,78, sendo certo que nesta data já tinham sido cometidas as irregularidades pela aqui recorrida, e que estamos perante irregularidades repetidas. Isto é, nesta data já tinham ocorrido os actos do agente económico que constituem violação do direito da União, assim como lesão ao orçamento da mesma.
Pelo que, em 17.01.2006, quando a A. foi notificada pelo IFAP para exercer o direito de audição prévia sobre a intenção de rescisão do contrato, ainda não tinha decorrido o prazo prescricional de 4 anos.
Esta notificação para audiência prévia interrompe o prazo de prescrição que estava em curso, começando a correr um novo prazo de prescrição no dia seguinte – 18.01.2006 - § 3º do nº 1 do art. 3º do Regulamento. Sendo certo que com a soma dos dois prazos transcorridos não se atinge o limite máximo aplicável aos casos de prescrição dos procedimentos por irregularidade de direito comunitário (8 anos), previsto no §4º do nº 1 do preceito referido.
Este prazo terminou em 18.01.2010, portanto, muito antes da data em que a Recorrida foi notificada da decisão final de rescisão unilateral do contrato aqui em causa e da ordem de reposição, constante do ofício com a ref.ª 006671/2010 - em 21.06.2010. Ou seja, nesta última data, já se encontrava prescrita a obrigação de restituição das quantias por indevidamente recebidas.
Nestes termos, a decisão recorrida na parte em que considerou verificada a prescrição deve manter-se, embora com diferentes fundamentos. Quanto à parte em que julgou improcedente a prescrição, o acórdão recorrido transitou em julgado, ao não ser objecto da presente revista, pelo que deve manter-se, atento o disposto no art. 635º, nº 5 do CPC.

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida, pelos fundamentos acima referidos.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 7 de Junho de 2018. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.