Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0209/04.8BEALM 0196/15
Data do Acordão:11/04/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
IVA
DEDUÇÃO
DESPESAS
OBRAS
CONTRATO DE CONCESSÃO
Sumário:I - São requisitos dos recursos por oposição de acórdãos previstos no art. 284º do CPPT:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.
II - O Código do IVA resulta da transposição, para a ordem jurídica interna, de diversas Directivas Comunitárias relativas à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios devendo a interpretação da lei interna ser, neste domínio, convergente com os princípios e regras postulados na respectiva disciplina comunitária.
III - No que respeita ao direito de dedução a Jurisprudência do TJCE vem afirmando que «o direito à dedução previsto nos artigos 17.º e 20.º da Sexta Directiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.(…)
Para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução.” - cf. Acórdão Kretztechnik (2005) – C.465/03 e Ac do TJCE, 2º secção de 08.06.2000, processo C-98/98, in http://new.eur-lex.europa.eu.
IV - A jurisprudência do TJUE - cf. acórdãos de 6-9-2012 do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido no processo n.º C-496/11 e acórdão AB SKF de 29 de Outubro de 2009, C-29/08, ambos disponíveis em http://new.eur-lex.europa.eu - citando jurisprudência anterior do TJCE adoptada nos acórdãos Kretztechnik, n.º 36, Investrand, n.º 24, vem admitindo também «um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo».
V - A Recorrente tem direito à dedução do IVA suportado a montante com as denominadas “operações acessórias - acessos indirectos” à Ponte Vasco da Gama, uma vez que constituem operações realizadas pela mesma tendo em vista o exercício directo da sua actividade económica consistente na cobrança de portagens pela passagem de veículos na Ponte Vasco da Gama, ou seja, tais custos têm um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo.
Nº Convencional:JSTA000P26698
Nº do Documento:SAP202011040209/04
Data de Entrada:06/03/2015
Recorrente:LUSOPONTE - CONCESSIONÁRIA PARA A TRAVESSIA DO TEJO, S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO

“Lusoponte - Concessionária para a Travessia do Tejo, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 09-07-2013, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença proferida em 1ª Instância e, em substituição, julgou improcedentes os pedidos de anulação das liquidações em causa e julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios, com fundamento em Oposição de Julgados entre a aludida decisão na parte em que concluiu que o sujeito passivo não tinha o direito a deduzir o IVA suportado a montante com operações incumbido de realizar ao abrigo do contrato de concessão com o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Julho de 2013, proferido no processo nº 01148/11 na parte em este decidiu pelo direito à dedução do IVA suportado a montante com operações que o sujeito passivo estava incumbido de realizar ao abrigo do contrato de concessão.

Admitido o recurso pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em face das alegações produzidas ao abrigo do disposto no art. 284º nº 3 CPPT, o Ex.mo Desembargador relator entendeu verificar-se a invocada oposição e ordenou a notificação das partes para alegaram nos termos do nº 5 do mesmo artigo.

A Recorrente apresentou, então, alegações sobre o mérito do recurso, que terminou com as seguintes conclusões:

“(…)

a) Entre o Acórdão-recorrido e o Acórdão-Fundamento do presente recurso - Acórdão do STA, de 3 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 01148/11- existe manifesta oposição.

b) Apesar do acórdão-recorrido decidir sobre diversos vícios, in casu importa apenas a sua decisão no sentido de que o IVA incorrido com as operações acessórias (in casu, obras com acessos à Ponte Vasco da Gama) resultantes de contrato de concessão não é dedutível por se entender que as operações não apresentam nexo com a actividade da empresa, que é o cumprimento da concessão.

c) Entende-se no Acórdão-Fundamento que o IVA incorrido com as operações acessórias (in casu, obras com habitações para famílias relocalizadas pela ampliação do aeroporto de S. Catarina) é dedutível por aquelas operações decorreram expressamente do contrato de concessão e estarem em relação directa e imediata com a sua actividade económica.

d) Subjacente a ambas as decisões - Acórdão-recorrido e Acórdão-Fundamento - encontra-se exactamente a mesma situação de facto.

e) Em ambos os casos subjacentes aos arestos em oposição, temos que;

(i) Os sujeitos passivos de IVA eram parte de um contrato de concessão;

(ii) Os sujeitos passivos têm como actividade o objecto da concessão - no caso do Acórdão-Fundamento a exploração de aeroporto, no caso do Acórdão-recorrido a exploração de uma ponte rodoviária;

(iii) Existem custos com trabalhos acessórios previstos em cada um dos contratos de concessão e exigidos pelo concedente; e,

(iv) Os sujeitos passivos suportaram IVA naqueles trabalhos acessórios e entendem haver direito à dedução, ao abrigo do artigo 20.º do Código do IVA, por tais trabalhos se enquadrarem na sua exclusiva actividade económica, ou seja na execução dos respectivos contratos de concessão.

f) Em ambos os casos, as obras suportadas pelos concessionários sujeitos passivos de IVA são acessórias no sentido em que se referem a trabalhos que não ocorreram na pista do aeroporto nem no tabuleiro da ponte, mas em ambos os casos directamente relacionadas com a actividade das empresas que era de exploração desses equipamentos e projectos.

g) Em ambos os casos as actividades das empresas eram exclusivas; no Acórdão-Fundamento, o sujeito passivo apenas se dedica à exploração do aeroporto; e, no Acórdão-recorrido, o sujeito passivo (ora Recorrente) apenas se dedica à exploração da ponte.

h) Perante os referidos factos, também se verifica identidade no direito apreciado, pois em ambos os acórdãos se interpreta o artigo 20.º do Código do IVA, e se analisam as consequências, ao nível da possibilidade de dedução do IVA, dos custos com operações efectuadas no âmbito da actividade económica do sujeito passivo e com ela indissociável, em virtude de obrigações decorrente do respectivo contrato de concessão.

i) Assim, face à mesma questão de direito e de facto, e não tendo havido alterações ao quadro legislativo relevante, foram emitidas, de forma expressa, decisões opostas.

j) Efectivamente, no Acórdão-recorrido foi sufragado o entendimento de que o IVA suportado com os acessos indirectos à Ponte Vasco da Gama não era dedutível porque tais trabalhos não tinham em vista o exercício da actividade económica da Recorrente, consistente «na cobrança de portagem pela passagem de veículos na referida ponte» (cit.), não apresentando, assim, qualquer nexo de indispensabilidade com a referida actividade.

k) Ao invés, no Acórdão-Fundamento rejeita-se expressamente essa posição, considerando que o IVA suportado a montante, em operações previstas em contrato de concessão, pode ser deduzido a jusante no imposto liquidado nas operações económicas resultantes do exercício da actividade económica do sujeito passivo, tal como previsto no contrato de concessão, e que este entendimento é o único correcto face ao regime previsto na Lei, na Directiva IVA e o que se insere na mais moderna jurisprudência do TJUE.

l) Acresce que não existe jurisprudência consolidada do STA no sentido das decisões constantes do Acórdão-recorrido (bem pelo contrário!); tanto mais que o Acórdão-fundamento foi proferido pelo próprio STA (2.a Secção).

m) É indisputável que a decisão proferida por este Venerando Tribunal no Acórdão-Fundamento é a única correcta devendo, pois, dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão-recorrido com as devidas consequências.

n) Para além do Acórdão-Fundamento também a doutrina mais especializada - Professor Xavier de Basto - e a jurisprudência comunitária e nacional - maxime no Acórdão-Fundamento, mas também no Acórdão do TCA Sul, de 31 de Janeiro de 2012, proferido no processo n.º 05144/11- têm sufragado a posição sustentada pela Recorrente sobre a melhor interpretação do artigo 20.º do Código do IVA admitindo a dedutibilidade do IVA.

o) Tal interpretação é a de que qualquer sujeito passivo que desenvolva despesas conexas e necessárias à prossecução futura da actividade económica em causa tem direito a deduzir o IVA que tenha incidido sobre aqueles bens ou serviços, pelo que a dedução do imposto é possível sempre que a aquisição dos correspondentes bens ou serviços determine a possibilidade do sujeito passivo realizar operações no âmbito da sua actividade económica.

p) Ao considerar que o imposto que onerou a construção dos acessos viários à nova travessia sobre o Tejo não vai gerar operações tributáveis, o Acórdão­-recorrido adoptou uma posição que não é justificada por quaisquer eventuais características especiais do caso concreto ou por considerações de razoabilidade, ou mesmo de garantia de quaisquer direitos, indo, pois, muito para além do que pode considerar-se ser aceitável no âmbito da interpretação legal.

q) Sublinha de forma muito clara o Professor Xavier de Basto - especialista sobejamente reconhecido em IVA - em Parecer de Direito junto a fls. 179 a 186 dos Autos que:

• «Se bem compreendemos, a administração pensa que, por se tratar, no seu juízo, de trabalhos 'acessórios', o respectivo custo não vai ser repercutido no preço dos serviços que vão ser sujeitos a imposto! E pensa, que os utentes da ponte pagam apenas uma parte do projecto (que parte?) e não todo ele! Parece que se acredita que a Lusoponte suporta aqueles custos sem ter tido o cuidado de estudar se os proveitos os acomodam ou não!» - cfr. a fls. 182 e 183 dos Autos (cit.);

• «É claro que não é assim. Se as operações controvertidas não tivessem sido exigidas no contrato de concessão, a ponte teria ficado mais barata e as portagens poderiam então ser mais baixas. O valor tributável das portagens irá reflectir, sem qualquer dúvida, todos os custos do projecto, sendo absurdo estender uma linha de demarcação, 'a jusante' da qual tais custos não seriam repercutidos nos preços» - cfr. a fls. 183 dos Autos (cit.).

r) Por in casu existir uma evidente ligação entre o IVA suportado com os trabalhos acessórios e a actividade principal da empresa e, nessa medida, dever haver lugar ao direito à dedução do IVA suportado nos acessos indirectos à ponte Vasco da Gama, o Acórdão-recorrido afigura-se carente de revogação, por proceder a uma interpretação e aplicação das normas e princípios legais relevantes que se mostra incorrecta ao extravasar os significados possíveis eventualmente ínsitos nos mesmos.

s) Ao invés, o Acórdão-Fundamento não padece de nenhum vício, sendo a posição por si adoptada absolutamente pacífica na jurisprudência comunitária, segundo a qual ainda que estejam em causa actividades isoladamente consideradas como «fora da incidência do IVA» (como a AT sustentou que acontecia in casu), os respectivos custos com IVA devem ser tomados em consideração no conjunto da actividade geral da empesa, posto que têm reflexo no preço das operações tributáveis (nas portagens a cobrar no caso da Recorrente) - vide acórdão 'KRETZTECHNIK AG" proc, C-465/03, datado de 26 de Maio de 2005, mas também acórdão 'AB SKF', proc. C-29/08, datado de 29 de Outubro de 2009.

t) Acresce que, curiosamente, a própria AT já acolheu a jurisprudência comunitária e nacional no sentido da dedução do IVA relativamente a operações em idênticas situações à em apreço, como decorre da informação n.º 1719, de 17 de Junho de 2013 - cfr. doc. n.º 1 em anexo às presentes alegações.

u) Tudo orientações e posições que levam as vozes mais autorizadas e insuspeitas, caso da do Professor Xavier de Basto, a afirmar e reforçar:

• «a) Existe clara oposição de julgados entre o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 9 de Julho de 2103 e o Acórdão do STA proferido no processo 01148/11, de 7 de Marco de 2013.

• b) Existe nexo directo entre os custos das designadas 'obras acessórias' e as operações tributáveis da Lusoponte, no sentido em que a jurisprudência comunitária exige esse nexo como fundamento jurídico do direito à dedução.

• c) A solução correcta do litígio é, pois, aceitar a legitimidade do direito à dedução do IVA contido em todas as despesas impostas pelo contrato de concessão, como foi reconhecido pela AT, no despacho que decidiu o recurso hierárquico atrás identificado, e como foi decidido no Acórdão do STA acima citado, que julgou um caso semelhante» - cfr. Nota sobre o direito à dedução de IVA da sociedade Lusoponte - Concessionária para a Travessia do Tejo, SA, relativamente a despesas incorridas na obra de construção da Ponte Vasco da Gama junto como doc. n.º 2 em anexo.

v) Em suma, face aos factos subjacentes a um e a outro processo, foi o Acórdão-Fundamento aquele que adoptou a decisão acertada, mediante a correcta interpretação da Lei e dos Princípios de Direito aplicáveis, devendo, em consequência proceder-se à revogação do Acórdão-recorrido por ser manifestamente oposta àquele.

w) Quanto ao valor da causa, a aplicação, sem mais, do disposto no CPPT e das novas regras no Regulamento das Custas Processuais sobre a matéria, resulta in casu, na atribuição de um valor da causa muito elevado - próximo dos 2 milhões de Euros -, implicando o pagamento a final de um valor de taxa de justiça gritantemente desproporcionado e excessivo, justamente por, como salientado, a Tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais não conter qualquer tecto máximo, o que foi já entendido pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.

x) Desta feita, sustenta a Recorrente que as normas que resultam do artigo 97.o-A do CPPT e dos artigos 6.º e 11.º, conjugados com a Tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, e na interpretação segundo a qual não é permitido ao juiz fixar um valor da causa para efeitos de custas atendendo à (menor) complexidade do processo e ao carácter manifestamente desproporcional do montante que será exigido sem aquela fixação, padecem de inconstitucionalidade por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, e do Princípio da Proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, inconstitucionalidade que aqui expressamente se argui para todos os efeitos legais.

y) Pelo que, requer-se, ao abrigo do artigo 296.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e), do Código do Procedimento e do Processo Tributário e dos artigos 6.º e 11.º do Regulamento das Custas Processuais, a fixação, com vista ao cálculo da taxa de justiça e custas da presente acção, de um valor não superior a € 275.000,00, por ser este o montante máximo previsto na aludida Tabela I-A, de modo a evitar o carácter manifestamente desproporcionado daquela taxa e custas.

z) Sem prescindir, ainda que assim não se entenda, a Recorrente considera dever ocorrer, desde já, dispensa do pagamento do remanescente, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, como de resto entendeu o TCA Sul aquando do proferimento da decisão que reconheceu a oposição de julgados.

aa) Sublinhe-se que, o pagamento do remanescente em situações como a presente faria do acesso à justiça verdadeiramente proibitivo, tanto mais que a Recorrente obteve vencimento em primeira instância e viu-se agora obrigada a recorrer por oposição de julgados do Acórdão-recorrido para com o Acórdão-Fundamento.

bb) Adicionalmente, note-se também que o comportamento da Recorrente foi de notória lisura, e que a questão subjacente ao processo dos Autos não apresenta uma complexidade que possa justificar o pagamento do avultadíssimo remanescente que poderia vir a ser cobrado, tudo circunstâncias que justificam a dispensa do remanescente ora solicitada.

Termos em que se requer a V. Excelências que, confirmando a oposição entre o Acórdão-recorrido e o Acórdão-Fundamento, e reconhecendo a prevalência deste último, se dignem conceder provimento ao presente recurso, revogando a decisão constante do Acórdão-recorrido e substituindo-a por decisão que reconheça o direito à dedução do IVA em causa e julgue a impugnação procedente, determinando a consequente anulação dos actos tributários impugnados.

Igualmente se requer, nos termos acima expostos (Capítulo IV) e nos demais de direito aplicáveis, a fixação de um valor da causa não superior a € 275.000,00 ou, pelo menos, a dispensa da ora Recorrente proceder ao pagamento do remanescente, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de se considerar verificada a invocada oposição de acórdãos, sendo concedido provimento ao presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência, no Pleno da Secção, para julgamento.




2. FUNDAMENTOS

2.1. DE FACTO

Neste domínio, consta do Acórdão recorrido o seguinte:

“…

A) A impugnante foi constituída em 5 de Abril de 1994 e teve como objecto social a concessão da concepção, construção, financiamento, operação e manutenção da Ponte Vasco da Gama (cfr. relatório de inspecção de fls. 84 verso do Volume I do Processo Administrativo).

B) A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção externa, em sede de IVA aos anos de 1996 e 1997, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria colectável, com recurso a métodos indirectos, no montante de 43.573.153$00 e 205.873.929$00, respectivamente, com fundamento na verificação dos pressupostos previstos na alínea b) do artigo 87.º da LGT e art. 88.º, alínea a) da mesma Lei, em conjugação do artigo 84.º do mesmo código (cfr. relatório de inspecção de fls. 78 e 95 verso do Volume I do Processo Administrativo).

C) As correcções mencionadas na alínea anterior foram efectuadas com o seguinte fundamento, que aqui se transcreve na parte com interesse para a decisão: "IV. Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos. // Para além das obras e indemnizações referidas no ponto anterior, a LUSOPONTE procedeu à construção de outros caminhos que passaram de imediato para o domínio público, sobre os quais não vai gerar operações tributáveis, para as quais elas concorreram, pelo que o imposto suportado relativamente a estes bens também não é dedutível em sede de IVA, pelo que se irá proceder à sua liquidação nos termos do artº 84.º do Código. A determinação dos custos inerentes a estes acessos indirectos e restabelecimentos, não foi possível ser feita através da contabilidade do contribuinte (…). No sentido de apurar com exactidão o valor dos "acessos indirectos", foi emitido um despacho à NOVAPONTE, por ter sido este contribuinte o principal subempreiteiro da LUSOPONTE, verificando-se que também esta contabilidade não estava organizada por forma a responder ao solicitado, cfr. anexo n.º 3, ponto 2. // Por fim, e com o mesmo objectivo, deslocamo-nos ao GATTEL - Gabinete da Travessia do Tejo em Lisboa, criado pelo DL n.º 14-A/91 de 9 de Janeiro, entidade criada com o objectivo de fiscalizar a obra do ponto de vista económico e financeiro, tendo posteriormente sido formalizado o pedido por escrito conforme anexos n.º 12 e 13. Mais uma vez a resposta não foi conclusiva relativamente a todos os restabelecimentos viários realizados pela LUSOPONTE, identificados pelo GATTEL, como "acessos não directos realizados no âmbito da construção Ponte Vasco da Gama" (...) (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 98 e 99 do Volume I do Processo Administrativo).

D) Na sequência das correcções efectuadas, a Impugnante apresentou, em 06/07/2001, pedido de revisão da matéria colectável nos termos do art. 91.º da LGT (cfr. fls. 2 e ss do Volume II do Processo Administrativo).

E) Em 04, 16 e 20 de Novembro de 2001 realizou-se a reunião pela Comissão de Revisão, não tendo havido acordo entre os peritos, mantendo-se as correcções (cfr. fls. 2 e ss do Volume II do Processo Administrativo).

F) Em 18/12/2001, com prazo limite de pagamento voluntário de 28/02/2008, foram emitidas as seguintes liquidações (cfr. documento de fls. 130 a 134 dos autos):

a. Liquidação adicional de IVA n.º 01228136, referente a 1996, no montante de 217.341,97€;

b. Liquidação adicional de IVA n.º 01228140, referente a 1997, no montante de 1.026.894,83€;

c. Liquidação de juros compensatórios n.º 01228135, período 9612, no montante de 117.900,57€;

d. Liquidação de Juros compensatórios n.º 01228138, período 9705, no montante de 374.042,10€;

e. Liquidação de juros compensatórios n.º 01228139, período 9709, no montante de 83.147,05€;

(cfr. documento a fls. 79 verso do processo de reclamação graciosa).

G) Em 25/02/2002, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada na alínea anterior (cfr. requerimento a fls. 54 do Processo de Reclamação Graciosa apenso).

H) Em 12/02/2004, foi proferido despacho pelo chefe de divisão de justiça tributária, no uso de poderes delegados pelo Director de Finanças de Setúbal, que indeferiu a reclamação graciosa da Impugnante com os fundamentos constantes de fls. 160 e ss do processo de reclamação graciosa, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr, decisão de fls. 171 do Processo de Reclamação graciosa).

I) Em 20/02/2004 foi assinado o aviso de recepção referente ao ofício n.º 2004, de 17/02/2004, que leva ao conhecimento da Impugnante a decisão mencionada na alínea anterior (cfr. documento de fls. 177 do Processo de Reclamação graciosa).

J) A Impugnação foi apresentada junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, em 08/03/2004 (cfr. fls. 3 dos autos).


X

A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: «Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso. //Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados».

Ao abrigo do disposto no artigo 712.º/1/a), do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

K) Em relação aos exercícios de 1996, 1997 e 1998, respectivamente, foram emitidas pelos serviços de inspecção, por períodos, ordens de serviço de inspecção externa referentes ao reembolso do IVA, assinadas pelo sujeito passivo, ora recorrida – fls. 145/164, do p.a.

L) Em 21.06.2000, foi assinada a Ordem de Serviço n.º 28057, que esteve na base do procedimento inspectivo dos autos, e entregue cópia ao sujeito passivo, incidente sobre os exercícios de 1997 e 1998.

M) No decurso da inspecção, os serviços verificaram a necessidade de estender ao exercício de 1996 o objecto da mesma, pelo que foi determinada a extensão da inspecção a esse exercício, com conhecimento da inspeccionada.

N) Por meio de ofício de 04.12.2000, sob assunto: "Prorrogação do prazo para a conclusão da acção inspectiva - artigo 36.º/2, e 3, do RCPIT, aprovado pelo Dec.Lei n.º 413/98, de 31.12", foi comunicado à impugnante que, por despacho do Director de Finanças de 04.12.00, foi prorrogado o prazo pelo período de mais três meses para a conclusão da acção inspectiva, dando conta de que «[o] reinício da acção está pendente de elementos solicitados a outros organismos, não sendo possível, de momento, indicar com mais precisão a data provável da conclusão definitiva» - fls. 169/verso do p.a.

O) Por meio de ofício de 05.03.2001, n.º 5388, sob assunto: "Prorrogação do prazo para a conclusão da acção inspectiva - artigo 36.º/2, e 3, do RCPIT, aprovado pelo Dec.Lei n.º 413/98, de 31.12", foi comunicado à impugnante que, por despacho do Director de Finanças de 05.03.01, foi prorrogado o prazo pelo período de mais três meses para a conclusão da acção inspectiva, dando conta de que «[o] reinício da acção está pendente de elementos solicitados a outros organismos, não sendo possível, de momento, indicar com mais precisão a data provável da conclusão definitiva» - fls. 170/verso do p.a.

P) A inspecção decorreu no período entre 21.06.2000 e 28.05.2001.

Q) Do relatório de inspecção, em sede de '''V-Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos", constam, designadamente, os elementos seguintes:

«Desconhecendo-se o valor dos custos incorridos pela LUSOPONTE, nestes acessos indirectos, o valor deduzido indevidamente vai ser calculado tendo em conta os valores apurados, anteriormente sem actualização do IPC, presumindo-se que a correcção monetária correspondeu à margem obtida pela Lusoponte.
    Identificação
Valor total Base Tributável Período IVA a Liquidar a 17%
    NO SUL
PSIS 114.076.953$ 97.501.669$
12.96
16.575.284$
PS6S 99.185.480$ 84.773.915$
12.96
14 :411.565$
PS8S 86.623.388$ 74.037.084$
12.96
12.586.304$
    TOTAL NO SUL
299.885.821 $ 256.312.668$
12.96
43.573.153$
NO SACAVÉM
PS5N 199.933.503$ 170.883.336$
05.97
29.050.167$
Ramo B 57.690.360$ 49.308.000$
05.97
8.382.360$
Ramo C 81.358.200$ 69.536.923$
05.97
11.82.1.277$
Ramo D 83.215.400$ 71.124.274$
05.97
12.091.126$
Ramos F e I 559.000.000$ 477.777.777$
05.97
81.222.223$
Ramo G 161.237.160$ 137.809.538$
05.97
23.427.622$
TOTAL NO SACAVÉM 1.142.434.623$ 976.439.848$
05.97
165.994.775$
PR.José Queiroz
Ramo A 221.209.776$ 189.068.185$
09.97
32.141.591$
Ramo B 34.022.520$ 29.079.077$
09.97
4.943.443$
Ramo C+E 19.230.120$ 16.436.000$ 09.97
2.794.120$
TOTAL PR. J. Queiroz 274.462.416$ 234.583.262$ 09.97
39.879.154$

R) Do relatório de inspecção, em sede de "VIII. Direito de audição. // quanto ao ponto II - (na alegação do recorrente] são colocados em causa o enquadramento em sede de IVA e IRC, propostos pela fiscalização e que deram origem às correcções do presente relatório, consta, designadamente, o seguinte: «[o] enquadramento fiscal em sede de IVA e IRC proposto no presente relatório são postos em causa, com o fundamento de que foram segmentadas operações sem razão para tal, visto que o projecto adjudicado à requerente, foi feito no pressuposto de que os subsídios atribuídos pelo Estado e as receitas da Ponte 25 de Abril seriam consideradas como financiamento à Ponte Vasco da Gama e como tal apenas seriam reconhecidos como proveitos apenas na fase de exploração de acordo com o critério aceite pela Administração Fiscal, para depreciação da Ponte. // Refere-se ainda que todos os custos incorridos em restabelecimentos, expropriações e estudos, foram impostos pelo Estado e necessários ao estabelecimento e exploração da concessão. // Por fim de que as regras de contabilização foram reconhecidas por Auditores, pelo Revisor Oficial de Contas e pela Administração Fiscal que tacitamente as ratificou por não terem sido postas em causa nas fiscalizações anteriores. // Embora o relatório contenha os fundamentos de direito e de facto de todas as questões aqui suscitadas, acrescenta-se o seguinte: // - A actividade de cada contribuinte não se resume a uma mesma operação e como tal tem de ser segmentada para efeitos fiscais de acordo com as normas de incidência real, isenções, taxas, etc., dentro de cada cédula fiscal. // A este respeito cita-se o n.º 4, do art.º 44.º do CIVA, que refere: "As operações mencionadas na alínea b) e c), do n.º 2, ( ... (c) as transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas ao sujeito passivo no quadro da sua actividade empresarial) deverão ser registadas de forma a evidenciar: //1 a) O valor das operações cujo imposto é totalmente dedutível, líquido de imposto; // b) O valor das operações cujo imposto é totalmente excluído do direito à dedução; // c) O valor das aquisições de gasóleo; // d) O valor do imposto dedutível, segundo a taxa aplicável" // O contribuinte não procedeu em conformidade com este normativo legal, limitando-se a contabilizar os custos e proveitos apenas de acordo com a sua natureza e estava obrigado a tal, uma vez que existem operações a montante que não conferem direito à dedução do imposto» - fls. 105/106, do PA1.
S) Na reunião da comissão de revisão de 04.09.2001, o perito independente juntou parecer do qual consta, designadamente, o seguinte: «6. Baseando-nos na respectiva cédula fiscal – CIVA - encontramos no Capítulo V - Liquidação e pagamento do imposto, e no artigo 20.º - âmbito do direito à dedução -, a norma de incidência aplicável, que aliás constitui a regra geral das deduções. // "1. Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: // a) transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas ..."; // ou seja, o sujeito passivo só tem direito a deduzir o imposto suportado em aquisição de bens e serviços que sejam utilizados para a realização de operações tributáveis. // 7. Perante esta moldura fiscal, toma-se necessário, aplicá-la aos factos. // Trata-se, portanto, de cotejar os sobreditos (factos/obras), com a realidade jurídico-fiscal vigente, constante do ponto anterior. Isto é: // a) Por um lado, temos a regra geral das deduções, do imposto suportado em sede de IVA - art.º 20.º do CIV; // b) Por outro lado, temos obras viárias e outras, ligadas à Nova Travessia sobre o rio Tejo. // 8. Quanto à alínea a), do ponto anterior, nada mais há a acrescentar. // Quanto à alínea b) e à luz do referido em a), há que definir, quanto às obras executadas, quais são aquelas que são imprescindíveis para a realização de operações tributáveis, "prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; '" "e quais as outras que sem prejuízo de integrarem o referido contrato, sendo mesmo porventura basilares, em termos contratuais, contribuem para as operações tributáveis - passagens de uma para a outra margem, portagens. // Ao fim e ao cabo, é preciso definir com clareza quais as obras directas e quais as obras indirectas, relativamente às subsequentes operações tributáveis: portagens. // 9. Obras ligadas directamente à Nova Travessia, entendo que além das referentes à ponte/tabuleiro, propriamente dita, são todas as construções viárias, tais como acessos, ramais, viadutos, nós e outras similares, cujos itinerários ou percursos, vão desembocar, sem quaisquer outras alternativas, à ponte/tabuleiro ou que da mesma ponte/tabuleiro dê saída, e assim impliquem a passagem de uma margem para a outra, acarretando o pagamento de uma portagem, excepto se abrangida por quaisquer isenções ao abrigo da legislação aplicável. // 10. Obras indirectamente ligadas à Nova Travessia são todas as outras que, não obstante, fazerem parte do contrato de concessão, a Lusoponte foi obrigada a realizar (e realizou) não cumprem o critério referido no ponto anterior. // 11. Dentre as obras que fizeram parte do acordo negocial estabelecido, aliás sem a execução das quais não teria sido possível estabelecer o contrato entre as partes, mas que ainda assim consideramos indirectas, face à Nova Travessia, porque não cumprem o estipulado no ponto 9 do presente parecer, temos, p.e., passagens superiores ou inferiores, que essencialmente restabelecem ligações em caminhos municipais de longa data e também as seguintes: ………..; Expropriações; Escola Primária n.º 3, Realojamentos;…………, Melhoramentos na ………; // 12. Conclusões. Face ao exposto, entendo que: // a) Obras dentro da concessão, conforme indicado no ponto 9, directamente ligadas com passagens para a outra margem, o mesmo é dizer, com pagamentos de portagem (excepto isenções), o IVA suportado nos respectivos custos é dedutível; // b) Todas as restantes obras mencionadas que não respeitem o critério referido no ponto 9, pese embora fazendo parte do contrato de concessão, não são do ponto de vista da travessia, em si mesmas, essenciais e sem prejuízo de o ser, para o plano do negócio, livremente estabelecida entre as partes, que importa distinguir, o IVA suportado com os respectivos custos, não é dedutível» - fls. 15/18, do PA2.
T) Na reunião da comissão de revisão de 16.11.2001, o perito do contribuinte comprometeu-se a, apresentar - «na medida do possível» - elementos da contabilidade referentes aos ramais, passagens e lanços em discussão.
U) Na reunião da comissão de revisão de 20.11.2001, o perito do contribuinte declarou que não foi possível no prazo indicado definir, pesquisar, seleccionar e apresentar os elementos de contabilidade que pudessem ser úteis para os fins em vista.
V) Em 10.12.2001, o Director de Finanças (em substituição), exarou, ao abrigo do disposto no artigo 92.º, n.º 6, da LGT, a decisão seguinte:
«( ... ) 2. Entremos agora nas duas questões em discussão em sede deste procedimento: // a) 1.ª questão - a aplicação, no presente caso, do art.º 20.º do CIVA; // b) 2.a questão - a aplicação de métodos indirectos para cálculo do imposto não dedutível. // 2.1. Relativamente à 1.ª questão. // 2.1.1. Ressalta da leitura da acta, que aqui se dá por integralmente reproduzida, assim como da leitura da petição inicial e do parecer complementar àquela acta, documentos anteriormente referidos, que o sujeito passivo e o seu digno perito consideram que pelo facto do primeiro estar obrigado ao cumprimento do contrato, todo o IVA suportado no âmbito das suas obrigações contratuais é dedutível. // É nosso entendimento que as obrigações subjacentes ao cumprimento do contrato não se sobrepõem à disciplina imposta pelo CIVA e que contrariamente ao que é afirmado, quer na petição inicial, quer no parecer do Sr. Dr………., em anexo à mesma, a inibição do direito à dedução de IVA suportado não se verifica somente quando esse imposto consta da lista de exclusão do art.º 21.º do respectivo Código, mas sim sempre que qualquer parcela de IVA suportado não incida sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo, no caso em apreço para a realização das operações referidas na alínea a), do n.º 1, do art.º 20.º do CIVA. Um sujeito passivo suporta custos, na prossecução dos seus objectivos, sobre os quais incide IVA que também será custo da sua actividade, IVA esse que não é dedutível face às normas do respectivo Código, ou seja, o sujeito passivo, nesse pormenor, é um consumidor finaI, isto é, suporta IVA mas está impedido de exercer o direito à sua dedução. // 2.1.2. Na acção de inspecção efectuada, foi entendido que havia imposto suportado em situação de exclusão do direito à dedução, por força do que determina o referido art.º 20.º do Código do IVA. Trata-se, efectivamente, de visão atomista, mas correcta, em função de normas que integram aquele Código, contrariamente a visão globalizante e ao mesmo tempo redutora face àquelas normas fiscais, que o sujeito passivo e o seu perito têm do contrato e do seu cumprimento. // 2.2.2. Não obstante as dificuldades descritas, em nova reunião em 16.NOV.2001, para continuação do debate contraditório a que se refere o nº. 1 do artº. 92º. da LGT, foi deliberado pelos peritos a continuação desse debate no dia 22.NOV.2001, face às seguintes conclusões que se transcrevem da respectiva acta adicional elaborada e que aqui se dá por integralmente reproduzida: // "Considerando que é discutível que todos os lances, passagens e ramais referidos no relatório sejam de excluir para efeitos de dedução de IVA; Considerando que é discutível que a determinação do seu valor tenha de ser feita por métodos indirectos; // O perito do contribuinte compromete-se para uma possível reapreciação das posições e pareceres, a apresentar, na medida do possível, em reunião marcada para o dia 20 próximo futuro pelas 9 horas 30 minutos, elementos da contabilidade referentes aos ramais, passagens e lanços em discussão." // Finalmente, da reunião do dia 20 de Novembro, conclui-se conforme acta que se transcreve: // "Dado que na reunião de dia 16 de Novembro último, o Perito do contribuinte se comprometeu, para uma possível reapreciação das posições e pareceres, apresentar, na medida do possível, em reunião marcada para hoje, elementos da contabilidade referentes aos ramais, passagens e lanços em discussão e, no início da reunião, o perito do contribuinte declarou que não foi possível no prazo indicado definir, pesquisar, seleccionar e apresentar os elementos de contabilidade que pudessem ser úteis para os fins em vista, os peritos verificaram a impossibilidade de acordo, mantendo-se as posições assumidas nos pareceres lavrados" // Concluímos pela resposta afirmativa à 2a questão. // 3. Em conformidade com o exposto, não se vislumbrando qualquer motivo e/ou novos dados que permitam e justifiquem proceder a qualquer alteração, deverão manter-se os valores não dedutíveis de IVA apurados na sequência da acção de inspecção, constantes na acta, 43.573.153$00, 165.994.775$00 e 39.879154$00 nos períodos de 96.12, 97.05 e 97.09, respectivamente, em consonância com a posição manifestada pelo perito da administração tributária e pelo perito independente.
W) Por meio de ofício de 22.12.2003, recebido em 23.12.2003, a impugnante foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tendo em vista a sua audição prévia - fls. 150/151, do p.a.
X) Em 02.01.2004, a impugnante apresentou alegações em sede de audição prévia - fls. 151/verso, do p.a.
Y) Em 22.12.2003, a Divisão de Justiça Tributária elaborou informação // "Reclamação graciosa II IV A 1996 e 1997 e juros compensatórios // Lusoponte //, na qual se concluiu no sentido do indeferimento da reclamação graciosa- fls. 148/149, do p.a.
Z) Em 04.06.2002, foi instaurada execução, sendo executada a sociedade impugnante - IVA 1996 - 12; 1996 - 1 a 12; 1997-05; 1997-09; 1997 1 a 12; montante total € 1.896.696,04 - fls. 2/3, do PEF.
AA) Em 05.07.2002, a sociedade impugnante requereu a suspensão da execução, dado que estava pendente reclamação graciosa, interposta em 25.05.2002 e que se propunha a prestar garantia idónea - fls. 9 do PEF.
BB) A sociedade impugnante apresentou seguro-caução, no montante de € 2.336.768,20 - 110/113, do PEF.
CC) Em 01.10.2002, o Chefe do Serviço de Finanças determinou a suspensão da execução - fls. 114 do PEF.

DD) Em 28.05.2003, a sociedade impugnante requereu ao Director de Finanças de Setúbal a declaração de caducidade da garantia - 117 do PEF.

EE) Não foi proferida decisão expressa sobre o requerimento referido na alínea anterior. …”

Por sua vez, o Acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto:
“(…)
A) Nos termos do Decreto Legislativo regional nº 22/2000/M, determina que (fls 94 e 95, dos autos):
Reafirma a qualificação de bens e dos imóveis onde estão implantadas as infra-estruturas do Aeroporto do Funchal e seus serviços.
A construção da 2ª fase da ampliação da pista do Aeroporto do Funchal constitui, como se afirmou no preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 8/92/M, de 21 de Abril, um marco relevante na prossecução da estratégia de desenvolvimento da Região Autónoma da Madeira.
A…………………….., S.A., foi concebida para, mediante concessão, se encarregar da exploração das infra-estruturas aeroportuárias da Região Autónoma da Madeira e da promoção das obras de ampliação, sucedendo, legalmente ao Gabinete para os Aeroportos da Região Autónoma da Madeira (GARAM) e sendo para ela transferida a universalidade de direitos e obrigações de que o referido Gabinete era titular. À A………………… é reconhecida a natureza de pessoa colectiva de utilidade pública regional.
Nos termos dos artigos 5º, 6º e 10º do Decreto Legislativo Regional n.º 8/92/M, de 21 de Abril, a exploração do serviço de apoio à aviação civil é feita em regime de serviço público, as obras de ampliação e desenvolvimento dos aeroportos da Região Autónoma compreendem, nomeadamente, a construção das obras de ampliação da 2ª fase do Aeroporto do Funchal e a construção da nova aerogare do Aeroporto do Porto Santo, e as infra-estruturas aeroportuárias integram o domínio público regional, à semelhança dos instrumentos, instalações e equipamento utilizados pela A………………, revertendo para a Região Autónoma da Madeira finda a concessão.
Assim, e para que não subsistam dúvidas na interpretação do contrato de concessão de 9 de Julho de 1993, designadamente da sua cláusula 13ª:
A Assembleia Legislativa Regional da Madeira decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º e das alíneas i) e o) do artigo 228.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, e da alínea c) do nº 1 do artigo 37º das alíneas d) e e) do artigo 40º e do n.º 1 do artigo 41º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, revisto pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto, o seguinte:
Artigo 1º
Os imóveis adquiridos ou a adquirir por via do direito privado ou de expropriação integrados nas obras de construção, ampliação e desenvolvimento do Aeroporto do Funchal, bem como os destinados à instalação e funcionamento dos serviços concessionados, pertencem ao domínio público do concedente.
Artigo 2.º
O presente diploma constitui título bastante para o registo e inscrição daqueles imóveis nas respectivas conservatórias do registo predial e repartições de finanças, com dispensa do trato sucessivo e isenção de emolumentos.
B) Dá-se por inteiramente reproduzida a Decisão da Comissão nº C(97)2444, junta a fls. 98 a 125, dos autos;
C) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº 4/2000, de 14/01/2000 foi realizada inspecção tributária à impugnante com início em 21/03/2000 e fim em 05/04/2000, aos exercício de 1997, 1998 e 1999, e de âmbito parcial - IVA (fls 38 e 39, dos autos);
D) Em 20 de Abril de 2000 foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária, junto a fls. 35 a 51, dos autos e com interesse para a decisão da causa se reproduz no essencial:
(...)
3. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável - Imposto em falta
3.1. Empreitadas de “Concepção - construção para realojamento do Bairro dos………..” e “Recuperação paisagística da Quinta da …………”.
3.1.1. Bairro dos ………..
Este bairro foi construído com o intuito de realojar os pescadores, que residiam em habitações que tiveram que ser demolidas para a ampliação da pista do aeroporto do Funchal.
Nos termos do artº 20º do Código do IVA, só haverá possibilidade do direito à dedução do IVA contido nas despesas se as mesmas se encontrarem ligadas a operações sujeitas a este imposto e dele não isentas.
Embora as referidas obras sejam necessárias para a construção da pista, contudo não se destinam à produção de bens ou prestação de serviços tributados e, sendo assim, não cumprem os requisitos previstos no artigo referido anteriormente. Ainda que na eventualidade da A……………….. vir a cobrar uma renda pelas habitações aos pescadores, esta estaria isenta de IVA nos termos do nº 30 do artº 9º do CIVA, não conferindo também o direito à dedução do IVA suportado. Assim, a………………. deduziu indevidamente o IVA, nos valores de 610.080$00 no exercício de 1998 e 58.177.985$00, no exercício 1999, conforme relação dos documentos que se junta no anexo 1.
3.1.2. Recuperação paisagística da Quinta da …………
A Quinta da …………. situa-se junto aos parques de estacionamento, tendo sido objecto de uma recuperação paisagística, no intuito de preservar as espécies arbóreas ali existentes.
Contudo, tendo em conta a regra geral do direito à dedução prevista no artº 20º do Código do IVA, só poderá ser deduzido o IVA contido nas despesas que se encontrem ligadas a operações sujeitas a este imposto e dele não isentas. Considerando a destinação económica da referida obra, embora tratando-se de custos necessários, de uma forma indirecta, à ampliação da pista do aeroporto no entanto não se encontram destinados à produção de bens e prestação de serviços tributáveis e, como tal, não cumprem os requisitos estipulados no artº 20º do CIVA.
Caso contrário, permitia-se que bens e serviços não destinados a operações tributáveis ficassem desonerados deste imposto, contrariando assim as características de um imposto de consumo.
Sendo assim, o sujeito passivo, deduziu indevidamente o IVA, nos valores de 300.000$00 no exercício de 1997 e 5.126.139$00, no exercício 1999, conforme relação dos documentos que se junta no anexo 2.
3.2. Dedução de IVA com base em documentos não emitidos sob forma legal
Pela análise das contas do IVA verificou-se que o sujeito passivo deduziu o IVA com base em 2ªs vias de facturas, nos documentos contabilísticos nº 40/0500049, de Maio/99 e NA/11001274 de Novembro/99, nos valores de 1.200.000$00 e 19.244.169$00, respectivamente, conforme cópia das facturas que se junta em anexo 3.
Nos termos do disposto no nº 2 do artº 19º do CIVA, só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes a facturas, emitidos sob a forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, sendo o original para o controle e fiscalização do imposto e para impedir que o mesmo imposto seja repetidamente objecto de dedução.
Através da informação nº 1140, de 05/02/1990 da Direcção de Serviços de Concepção e Administração do IVA, foi entendimento da Administração Fiscal de que não há base legal para que uma 2ª via, fotocópia simples ou autenticação das fotocópias das facturas possa documentar o direito à dedução.
Sendo assim, a empresa deduziu indevidamente o IVA contido nos documentos acima referidos em virtude de ter contrariado o disposto no citado artigo.
(…)
5. Direito de audição – fundamentação
A empresa foi notificada para que no prazo de 8 dias exercesse o direito de audição previsto na e) do nº do artº 60º da Lei Geral Tributária e artº 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo DL. nº 413/98 de 31/12.
Findo o prazo, o contribuinte não enviou qualquer resposta pelo que se mantêm as correcções propostas no ponto 3.
E) Dão-se por inteiramente reproduzidos os Anexos ao Relatório de inspecção designadamente (juntos ao Relatório de Inspecção):
Anexo 1 - Relação de documentos referentes ao Bairro dos …………
F) Sobre o Relatório de Inspecção recaiu Parecer de Concordância com as correcções enunciadas no ponto 1, do Relatório de Inspecção, da Coordenadora da Equipa e do Coordenador Chefe (fls. 35, dos autos);
G) Sobre o Relatório e pareceres incidiu Despacho de concordância do Director de Serviços (fls. 35, dos autos);
H) Por ofício nº 1662, datado de 11/05/2000 foi notificada a impugnante do teor do parecer que recaiu sobre as correcções efectuadas à matéria tributável (fls. 34 a 52, dos autos);
I) A impugnante foi notificada das liquidações adicionais e juros compensatórios, com data limite de pagamento de 30/04/2001 (fls. 53 a 69, dos autos);
J) Em 30/03/2001 a impugnante pagou o IVA liquidado e juros compensatórios (fls. 53 a 69, dos autos);
E) A impugnante deduziu Reclamação Graciosa, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, invocando as liquidações de IVA e juros compensatórios são desprovidas de fundamento (fls. 70 a 80, dos autos);
M) Em 29 de Maio de 2002 pela Direcção Geral dos Impostos Serviços de Inspecção Tributária, no âmbito da Reclamação Graciosa, foi elaborada a seguinte INFORMAÇÃO (fls. 199 a 209, dos autos) que veio a ser remetida ao Chefe do Serviço de Finanças do Funchal-1:
INTRODUÇÃO
O Sujeito Passivo, vem no referido processo reclamar das liquidações de IVA números, 01019973, 01019975, 01019982, 01019984 e contra as liquidações de juros compensatórios de IVA números 01019963, 01019964, 01019965, 01019966, 01019967, 01019968, 01019969, 01019970, 01019971, 01019972, 01019974, 01019981 e 01019983 respeitante aos exercícios de 1997, 1998 e 1999.
Com os seguintes fundamentos:
I) Por este imposto e os respectivos juros serem liquidados na sequência de uma fiscalização efectuada pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária nos exercícios e pelos motivos que se discrimina:

CorrecçõesImpostoJ. Compensat.Nota
Exercício 1997
IVA deduzido indevidamente300.000$0096.107$00(1)
Exercício de 1998
IVA deduzido indevidamente610.080$0095.509$00(2)
Exercício de 1999
IVA deduzido indevidamente63.304.124$002.441.578$00(3)
Dedução do IVA com base em20.444.169$00437.883$00
Documentos sem forma legal
Total84.658.373$003.071.077$00

O sujeito passivo reclama das correcções mencionadas na nota (1), (2) e (3) e das respectivas liquidações de juros compensatórios.
2) Que à reclamante no exercício de 1992 foi-lhe adjudicado o direito de promover e executar as obras de ampliação do Aeroporto do Funchal;
3) Para efeitos de execução da obra a lei lhe conferiu poderes, para proceder, quando necessário à expropriação para realização das obras concessionadas, sendo-lhe para esse efeito, conferida à qualidade de entidade expropriante cabendo-lhe ainda, sempre que for caso disso, o realojamento das famílias expropriadas;
4) Atendendo a que a execução da obra em referência implicou a demolição de um bairro de ………. e o realojamento das famílias expropriadas, mediante a construção de novos imóveis;
5) Ora o contribuinte deduziu o IVA que lhe foi facturado sobre as Operações Tributáveis no princípio consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA;
6) A reclamante entende que o IVA suportado na construção do bairro para o realojamento dos ……….. de destinou (ainda que de forma indirecta) a realização de operações tributáveis.
Capitulo II
Análise aos factos reclamados e expostos pelo contribuinte
1) O sujeito passivo encontra-se colectado pela actividade de “Outras actividades auxiliares dos Transportes Aéreos” e enquadrado em IVA no regime normal mensal.
2) Tendo-se consultado o relatório elaborado pela Inspecção Tributária em 06-04-2000, verifica-se que esta corrigiu o IVA que o reclamante tinha deduzido relativamente a construção do bairro para o realojamento dos …………… e a preservação das espécies de árvores e arbustos, danificados com as obras do aeroporto nos exercícios e montantes seguintes:
Exercício de 1997
Dedução indevida do IVA suportado na recuperação paisagística da Quinta ……………, nos termos do artigo 20º do CIVA - 300.000$00;
Exercício de 1998
Dedução indevida do IVA suportado na construção/concepção do bairro para realojamento dos pescadores, nos termos do artigo 20.º do CIVA- 610.080$00;
Exercício de 1999
Dedução indevida do IVA suportado na construção/concepção do bairro para realojamento dos ……….. e na recuperação paisagística da Quinta de …………… nos termos do artigo 20º do CIVA 63.304.124$00.
3) Tendo-se consultado o anexo II do processo de reclamação verifica-se que o Decreto Legislativo Regional 8/92/M que adjudica a A……………… o direito de promover e executar as obras de ampliação do Aeroporto de Santa Catarina, prevê o realojamento das famílias expropriadas pelas obras de ampliação e a avaliação do impacto ambiental.
4) A construção das casas para o realojamento dos ……….. e a preservação das espécies de árvores e arbustos danificados encontra-se previsto no projecto e constitui condição necessária para ampliação do aeroporto.
5) Os custos relacionados com as obras de demolição do bairro antigo e a construção do novo bairro de ………. e a preservação das espécies de árvores e arbustos encontra-se contabilizados na Empresa reclamante em Imobilizações em Curso.
6) Em nossa opinião, esses custos mais não são de que uma indemnização por expropriação de utilidade pública, nos termos do artigo 1310º do código civil.
Ora, se a indemnização fosse expressa num determinado valor monetário, nem sequer caía no campo de sujeição do IVA e seria aceite na sua totalidade como custo, para efeitos de IRC.
Como a indemnização foi em espécie, tais despesas de bens e serviços incluí IVA, que não é dedutível nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 20º do CIVA, e é custo para efeitos de IRC.
N) Em 23/11/2005 foi lavrada a seguinte informação (fls. 214 a 216, dos autos):
Vem o contribuinte acima identificado reclamar das liquidações de IVA, nºs 01018873, 01019975, 01019982 e 01019984, no montante de €320.299,10 e das liquidações de juros compensatórios nºs 01019972, 01019964, 01019965, 01019966, 01019967, 01019968, 01019969, 01019970, 01019971, 0109972, 01019974, 01019981 e 01019983, no montante de €13.134,32, com os fundamentos indicados na petição de fls. 2, a qual considera-se inteiramente reproduzida.
Nestes termos e para os efeitos da primeira parte do artº 75º do Código de Procedimento e Processo Tributário, (...)
Da análise da reclamação e à pertinência desta:
Vem a reclamante interpor a presente reclamação, contestando o facto das correcções que lhe foram efectuadas pela Administração Fiscal ao IVA e respectivos juros compensatórios dos exercícios dos anos de 1997, 1998 e 1999, argumentando que a ela reclamante lhe foram adjudicadas as obras de ampliação do Aeroporto do Funchal e que para levar a bom termo a execução das mesmas houve que proceder à demolição de um bairro de ………. provocando ainda a execução de tal empreendimento (a ampliação do dito aeroporto) alguns danos de carácter ambiental, que acabaram por se repercutir em algumas árvores e arbustos classificados de espécies a preservar.
Para a reparação de tais danos teve a reclamante que assumir e chamar a si o realojamento das famílias expropriadas suportando os custos com a reconstrução de um novo bairro e com a reparação paisagística da Qtª ………….
E é aqui que a reclamante diverge da posição assumida pela administração Fiscal face a dedução do IVA que ela reclamante optou por exercer nos termos do artigo 20º do CIVA pela reconstrução do referido bairro e que aquela Administração Fiscal não aceitou com o argumento «de que as mesmas não se destinam à produção de bens ou à prestação de serviços tributados e porque só poderá haver a possibilidade de deduzir-se IVA contido nas despesas se as mesmas se encontrarem ligadas a operações sujeitas a este imposto e dele não isentas. No que concerne à recuperação paisagística da Quinta ……….. a postura da Administração Fiscal face à aceitação das despesas suportadas com a mesma, é a adopção do princípio atrás referido (só poderá ser deduzido o IVA contido nas despesas que se encontrarem ligadas a operações sujeitas a este imposto e dele não isentas), como tal também a dedução de IVA efectuada pela reclamante no âmbito das despesas suportadas com esta recuperação, não cumprem os requisitos estipulados na alíneas a) do nº 1 daquele artigo 20º do CIVA.
Para melhor ajuizar e decidir neste contencioso optou este Serviço de Finanças por auscultar de novo os serviços de Inspecção Tributária afectos a esta RAM, que opinaram que os custos relacionados com a construção do bairro dos pescadores e com a preservação das espécie de árvores, configuram uma indemnização por expropriação de utilidade pública nos termos do artº 1310º do Código Civil, que a ser expressa em valor monetário não cairia nunca na esfera de sujeição a IVA, sendo sim aceite na totalidade como custo para efeitos de IRC. (Na realidade tais custos encontram-se reflectidos na contabilidade da empresa em “imobilizações em curso”).
Por todo o exposto nomeadamente nos dois § antecedentes e quedando-se na análise daquele preceito legal (artº 20º nº 1 alínea a) do CIVA) pugnamos pelo indeferimento da presente reclamação.
O) Sobre a Reclamação Graciosa incidiu Despacho de Indeferimento de 13/12/2005 do Chefe do Serviço de Finanças, que é do seguinte teor (fls 82 e 83, dos autos):
Vistos os autos, tendo em consideração as informações prestadas, bem como a posição assumida pela reclamante - nada disse apesar de devidamente notificada para o efeito - INDEFIRO o pedido da reclamante, com base na proposta de decisão e informação constantes dos autos, nos termos do artigo 75º do Código do Procedimento e de Processo Tributário.
Relativamente ao INDEFERIMENTO pode a mesma recorrer hierarquicamente para Sua Excelência o Sr. Secretário Regional do Plano e Finanças, no prazo de 30 (trinta) dias - Art. 76º, nº 1, 66º, nº 2 do citado Diploma legal (CPPT), cfr ainda despacho conjunto nº 309-F/2005 de 19.04, ou no prazo de 15 dias interpor impugnação judicial perante o Tribunal Administrativo e Fiscal Agregado do Funchal - Artº 102º, nº 2 do mesmo Código do Procedimento e de Processo Tributário.
P) Por ofício nº3870, datado de 14/12/2005 foi a impugnante notificada do despacho de indeferimento (fls. 81 a 83, dos autos);
Q) Em 12/01/2006 a impugnante interpôs Recurso Hierárquico da decisão proferida na Reclamação Graciosa, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (fls. 85 a 92, dos autos);
R) Foi solicitado parecer ao Director Regional dos Assuntos Fiscais e em 09/03/2006 foi emitido o seguinte (fls. 204 a 209, dos autos):
A 1- DO RECURSO HIERÁRQUICO
“A……………………, S.A.”, doravante apenas designada “A………………..”, titular do NIPC ………………, com sede em Edifício ………/……., Aeroporto da Madeira, 9100-……. ……., interpôs, nos termos dos artigos 66º e 76º do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) o presente recurso hierárquico contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal 1 que indeferiu a reclamação graciosa (processo de reclamação n.º 28 10-01/400039.0) deduzida contra as liquidações de IVA e juros compensatórios referentes aos exercícios de 1997, 1998 e 1999 (liquidações n.º 01019973, 01019975, 01019982, 01019984, 01019963, 01019964, 01019965, 01019966, 01019967, 01019968, 01019969, 01019970, 01019971, 01019972, 01019974, 01019981 e 01019983), tendo em vista a revogação da referida decisão e anulação das liquidações já mencionadas.
II- DA APRECIAÇÃO
O presente recurso hierárquico, foi interposto, nos termos dos artigos 66º e 76º do CPPT, contra despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal que indeferiu reclamação graciosa (processo de reclamação nº 28 10-01/400039.0) deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes aos exercícios de 1997, 1998, 1999.
A recorrente foi constituída para, mediante concessão, se encarregar da exploração das infra-estruturas aeroportuárias da Região Autónoma da Madeira (“RAM”) e das obras de ampliação do aeroporto do Funchal.
Nesse sentido, a recorrente procedeu à execução das obras necessárias à realização da 2ª fase do projecto de ampliação do aeroporto do Funchal. Por decisão da comissão das Comunidades Europeias de 25 de Julho de 1997, foi aprovada a comparticipação a atribuir a este projecto no contexto do Fundo de Coesão, o que foi uma forma de reconhecimento da relevância regional e nacional da obra. A referida decisão comunitária impôs no entanto a necessidade de cumprir com um plano apropriado de relocalização das famílias dos pescadores abrangidos por esta obra, o que significa, afirma a recorrente, que a construção do aeroporto só seria viável no caso de ser efectuado o realojamento das famílias, já que a comparticipação obtida era vital na decisão de investimento.
Apesar de se poder considerar que a entidade responsável por proceder ao realojamento das famílias de pescadores poderia ter sido o Instituto de Habitação da Madeira (actualmente designado por THM - Investimentos Habitacionais da Madeira, E.P.E.), entidade que na data em questão tutelava a matéria da habitação social a proceder ao realojamento destas famílias. No entanto, esta opção foi posta de parte, quer pela morosidade que implicava, que atrasaria a construção da 2ª fase do projecto de ampliação do Aeroporto do Funchal, quer pelo facto de esta entidade alojar as famílias separadamente nos vários bairros sociais existentes, opção que não era aceite pelos moradores.
Assim, uma vez ser impossível a prossecução dos trabalhos sem demolir o bairro em questão e tendo em conta a prioridade assumida pela situação, a solução considerada melhor para o realojamento dos agregados familiares residentes no referido bairro dos ………. passou por ser a ora recorrente a assumir directamente a execução das obras de construção de novas habitações para estas famílias.
De acordo com o já exposto, afirma a recorrente não se poder conformar com a posição dos Serviços de Inspecção Tributária, quando estes consideram que os valores de IVA incorrido pela A……………… com a construção do referido bairro configuram uma indemnização por expropriação, que não estaria sujeita a IVA se fosse expressa em valores monetários.
Entende-se por expropriação todo e qualquer acto de desapropriação pelo qual um determinado bem é transferido, por acto unilateral do Estado e por motivo de utilidade pública, da propriedade privada para a propriedade do Estado ou de outrem. A expropriação por utilidade pública exige, nos termos da Constituição da República Portuguesa (CRP), designadamente do seu artigo 62º, e da lei (v. designadamente o artigo 1308º do Código Civil e o Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99 de 18 de Setembro), o pagamento ao proprietário e aos titulares de outros direitos reais afectados de uma “justa indemnização”. Na situação em análise no presente requerimento, a expropriação do bairro dos pescadores efectuou-se por motivos de utilidade pública, que como já mencionado se prenderam com a necessidade de conclusão das obras de ampliação da pista do aeroporto do Funchal.
A propriedade de todos os imóveis em questão é da RAM, quer dos terrenos expropriados para a pista do aeroporto, quer dos prédios em que se construiu o novo bairro dos ………… (v. Decreto Legislativo Regional n.º 22/2000/M).
Neste sentido, alega a recorrente, que, não tendo adquirido a propriedade de quaisquer bens imóveis ou qualquer outro direito real sobre esses bens, não recai sobre si a obrigação de indemnizar.
Somos no entanto de opinião que a actuação realizada pela recorrente consubstanciou efectivamente uma expropriação, por utilidade pública, facto esse que merece concordância da A…………….., que nunca caracteriza de outro modo o modo de aquisição dos imóveis onde se encontrava o bairro que foi demolido. Ora, o facto de os bens permanecerem na posse da RAM, não altera a substância da operação, nem a natureza do pagamento.
Apesar de se poder arguir que no processo em questão a…………… actuou em substituição, assumindo responsabilidades, da RAM, isso não altera o facto de que a operação em questão foi uma expropriação, como é aliás admitido pela própria requerente, e que a entrega de novas casas ao habitantes do bairro dos pescadores foi a justa indemnização legalmente exigida em situações de expropriação, que neste caso foi efectuada não em dinheiro, mas em espécie.
Ao contrário do que afirma a requerente a génese da operação não é a comparticipação total dos custos das obras, mas a expropriação e consequente necessidade de indemnizar os lesados, neste caso através do realojamento, isto é, da entrega aos moradores do bairro dos ………. de novas casas.
Não se questiona, de facto, conforme afirma a recorrente o facto de esta ter pago efectivamente os valores de IVA em causa, não se afirma nunca que esse IVA não foi um custo que a……………… teve que suportar, o que se diz é tão somente que a empresa não o pode deduzir, porquanto as obras em questão não se destinaram, ao contrário do exigido pelo artigo 20.º do Código do IVA, para a prática de actividades, transmissão de bens ou prestação de serviços, tributadas.
Apesar de ser inegável que a demolição do bairro dos ………… e o seu realojamento haver sido indispensável no decurso das obras de construção da pista do aeroporto, através da qual efectivamente a requerente obtém os seus proveitos tributáveis, a construção do bairro assim como, como já admitiu a recorrente a recuperação paisagística da Quinta da………. , foram o modo encontrado para indemnizar os lesados com as expropriações necessárias no decurso das obras.
Não negando a recorrente que o que sucedeu foi um acto de expropriação, temos que identificar, sob pena de ilegalidade desse acto, a existência do pagamento de uma justa indemnização, ora neste caso as indemnizações consubstanciaram-se na realização quer das obras necessárias ao realojamento das famílias que habitavam o bairro dos ……….. quer da recuperação paisagística da Quinta da ……….
De acordo com o acima exposto, somos de parecer que o presente recurso hierárquico deve ser indeferido e mantida a decisão do despacho do chefe do serviço de finanças do Funchal 1 e, consequentemente, também as liquidações de IVA e juros compensatórios, dos exercícios de 1997, 1998 e 1999, que a recorrente pretendia ver anuladas.
III - DA CONCLUSÃO
Somos de parecer que o recurso hierárquico interposto pela sociedade A…………………….., S.A., de acordo com o artigo 66.º do CPPT, contra despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças do Funchal 1 que indeferiu a reclamação graciosa (processo de reclamação n.º 2810-01/400039.0) deduzida contra as liquidações de IVA e juros compensatórios referentes de 1997, 1998 e 1999 (liquidações n.º 01019973, 01019975, 01019982, 01019984. 01019963, 01019964, 01019965, 01019966, 01019967, 01019968, 01019969, 01019970, 01019971. 01019972, 01019974, 01019981 e 01019983). Deverá ser indeferido por Sua Exa. Secretário Regional do Plano e Finanças, uma vez que são legais e correctos os fundamentos que serviram de base ao acto recorrido.
Efectivamente, a construção de um novo bairro para realojamento das famílias expropriadas em consequência da 2ª fase do Projecto de Ampliação do Aeroporto do Funchal configurou uma indemnização por expropriação de utilidade pública (v. artigo 1310º do Código Civil), não sujeita a IVA. Por esse motivo, e ao contrário do que a……………….. entendeu, os seus custos não podiam ser deduzidos como se se tratassem de despesas ligadas directamente a operações sujeitas a IVA e dele não isentas, pelo que foram correctas as correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção sendo correcta também a decisão do Chefe do Serviço de Finanças do Funchal 1 em sede de reclamação graciosa.
S) Por ofício com o nº de saída 02/06/2006, datado de 02/06/2006 foi enviada a seguinte notificação (fls. 93, dos autos):
ASSUNTO: PEDIDO DE PARECER RELATIVO A RECURSO HIERÁRQUICO.
Em referência ao vosso requerimento entregue no Serviço de Finanças do Funchal 1, informa-se o seguinte:
O recurso hierárquico interposto por V. Exa., de acordo com o artº. 66º do CPPT, contra o despacho proferido pelo Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças do Funchal 1, no processo de reclamação graciosa nº. 2810-01/4000390, deduzido contra as liquidações de IVA e juros compensatórios referentes aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, foi indeferido por despacho de 23/05/2006, de Sua Exa. o Secretário Regional do Plano e Finanças, uma vez que são legais e correctos os fundamentos que serviram de base ao acto recorrido.
Efectivamente a construção de um novo bairro para realojamento das famílias expropriadas em consequência da 2ª, Fase do Projecto de Ampliação do Aeroporto do Funchal configurou uma indemnização por expropriação de utilidade pública, não sujeita a IVA. Por esse motivo, e, ao contrário do que a………………… entendeu, os seus custos não podiam ser deduzidos como se tratassem de despesas ligadas directamente a operações sujeitas a IVA e dele não isentas, pelo que foram correctas as correcções efectuadas pelos Serviços de inspecção sendo correcta também a decisão do Chefe de Finanças do Funchal 1 em sede de reclamação graciosa.
T) A presente impugnação deu entrada em 1 de Setembro de 2006 (carimbo aposto no rosto de fls. 1, dos autos). …”

«»

2.2. DE DIREITO

2.2.1.- Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos

O presente processo iniciou-se em 2004 - cfr. fls. 3 dos autos -, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro.

Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido numerosas vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adaptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta [Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente].

A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» [v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente].

Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais [cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso nº 87156].

A partir daqui, importa começar por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.

Nesta medida, cabe ter presente aquilo que os dois acórdãos em confronto decidiram, no que à invocada oposição se refere.

O Acórdão recorrido revogou a decisão do TAF de Almada, que julgou procedente impugnação judicial deduzida de liquidações adicionais de IVA de 1996 e 1997, no entendimento de que a recorrente não tem direito a dedução do IVA suportado a montante com as “operações acessórias - acessos indirectos” à Ponte Vasco da Gama, uma vez que não constituem operações realizadas pela Lusoponte tendo em vista o exercício directo da sua actividade económica consistente na cobrança de portagens pela passagem de veículos na Ponte Vasco da Gama, antes correspondem ao cumprimento de obrigações resultantes do contrato de concessão, não apresentando qualquer nexo de indispensabilidade com a mencionada actividade, apontando, neste domínio, o seguinte:

“(…)

O direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo decorre do disposto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA/CIVA, o qual por seu turno, transpõe para a ordem interna, o disposto no artigo 17.º/3, da Sexta Directiva IVA [correspondente ao artigo 168.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de Novembro de 2006]. Nos termos do artigo 1º/2, da Directiva IVA, «[o] principio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação. // Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço. // O sistema comum do IVA é aplicável até ao estádio do comércio a retalho, inclusive». «[O] IVA aplica-se em cada transacção de produção ou de distribuição, com dedução do IVA que incidiu directamente nas operações efectuadas a montante»; o CIVA «determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos». «[I]mporta recordar que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA»; «na ausência de uma disposição que permita aos Estados-membros limitarem o direito à dedução conferido aos sujeitos passivos, este direito deve ser exercido imediatamente em relação à total idade do imposto que onerou as operações efectuadas a montante»; «[a]s disposições ( ... ) [que estabelecem as] condições de aquisição e o âmbito do direito à dedução não deixam aos Estados-Membros nenhuma margem de apreciação quanto à sua aplicação e conferem aos particulares direitos que estes podem invocar perante o juiz nacional para se oporem a uma regulamentação nacional incompatível com elas». Mais se refere que, tendo em vista a constituição na esfera jurídica do contribuinte do direito à dedução do imposto, «os bens ou serviços adquiridos devem ter uma relação directa e imediata com as operações tributadas». Mais se consigna que «os Estados não estão autorizados a limitar o direito à dedução, mesmo quando a utilização de bens na actividade económica é bastante limitada»; por outras palavras, «as excepções [à regra geral da dedutibilidade do imposto suportado, de harmonia com o princípio fundamental da neutralidade do mesmo] devem, em princípio ser interpretadas estritamente».

No caso em exame, do probatório resulta que os referidos acessos indirectos à Ponte Vasco da Gama não constituem operações realizadas pela recorrida tendo em vista o exercício directo da sua actividade económica, consistente na cobrança de portagens pela passagem de veículos na referida ponte; correspondem, ao invés, ao cumprimento de obrigações que resultam para a recorrida dos termos do contrato de concessão, não apresentando qualquer nexo de indispensabilidade com a referida actividade; respeitam aos termos em que foi adjudicada a concessão e constituem as condições da aptidão adjudicatória da recorrida, sem relação com a actividade de aproveitamento económico da ponte, consistente na cobrança de portagens aos utentes. É que, recorde-se, o direito à dedução do imposto suportado é um direito do contribuinte, sendo a demonstração da verificação dos seus pressupostos ónus que corre por conta do referido contribuinte (artigo 74.º/1, da LGT). Ónus que não foi observado no caso em apreço. O presente entendimento não corporiza violação do direito europeu e-ou do direito constitucional interno, seja porque a recorrente não logra concretizar a presente alegação, seja porque se trata, precisamente, de concretizar, no caso em exame, as directrizes que resultam dos referidos parâmetros no que respeita aos requisitos de constituição do direito à dedução do imposto.

Donde se impõe concluir que os actos tributários sob escrutínio ao seguirem o entendimento referido não incorreram em violação do referido direito à dedução do imposto da recorrida.

Pelo exposto, julga-se improcedente a presente imputação. …”.

Por seu lado, o Acórdão fundamento revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal e, julgando procedente a impugnação judicial, anulou as liquidações impugnadas, tendo concluído da seguinte forma:

“(…)

I - O Código do IVA resulta da transposição" para a ordem jurídica interna, de diversas Directivas Comunitárias relativas à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios devendo a interpretação da lei interna ser, neste domínio, convergente com os princípios e regras postulados na respectiva disciplina comunitária.

II - No que respeita ao direito de dedução a Jurisprudência do TJCE vem afirmando que «o direito à dedução previsto nos artigos 17.º e 20 da Sexta Directiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. (…) Para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução." - cf. Acórdão Kretztechnik (2005) - C.465/03 e Ac do TJCE, 2º secção de 08.06.2000, processo C-98/98, in http://new.eur-lex.europa.eu.

III - A jurisprudência do TJUE - cf. acórdãos de 6-9-2012 do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido no processo n.º C-496/11 e acórdão AB SKF de 29 de Outubro de 2009, C-29/08, ambos disponíveis em http://new.eur-lex.europa.eu - citando jurisprudência anterior do TJCE adoptada nos acórdãos Kretztechnik, n.º 36, Investrand, n.º 24, vem admitindo também «um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo».

IV - Ao assumir os custos de construção de habitações no âmbito de um plano de relocalização para as famílias dos pescadores abrangidos pela segunda fase da obra de ampliação do aeroporto de Santa Catarina, no cumprimento, aliás, de obrigação decorrente do contrato de concessão celebrado com o Governo da Região Autónoma da Madeira, a……. agiu no âmbito da sua actividade económica de "estudo, planeamento, construção e exploração dos aeroportos da Região Autónoma da Madeira", existindo entre tais custos e o IVA com eles suportados, uma relação directa e imediata com o conjunto daquela sua actividade económica, na acepção da jurisprudência do TJUE supra referida, pelo que haverá direito a dedução do IVA suportado a montante na construção de tais habitações.”

Com este pano de fundo, resulta claro que, nos dois processos, os sujeitos passivos (empresas) incorreram em custos com obras - no caso dos Autos com acessos à Ponte Vasco da Gama, no caso do Acórdão-Fundamento com habitações para famílias relocalizadas pela ampliação do aeroporto de Santa Catarina - impostas pelos respectivos contratos de concessão (e constituindo mesmo sua condição necessária), e que se encontram numa relação directa e imediata com o conjunto das respectivas actividades económicas, que é exclusivamente a exploração dos referidos equipamentos e projectos (uma ponte, num caso, e um aeroporto, no outro), sendo que, tanto num caso como no outro, as obras em apreço são acessórias no sentido de que se referem a trabalhos que não ocorreram na pista do aeroporto nem no tabuleiro da ponte (nem na ou com a praça de portagens) - mas, em ambos os casos, obras relacionadas com a actividade das empresas que era de exploração desses equipamentos e projectos, além de que, da mesma forma que as obras com a relocalização de habitações demolidas no âmbito da ampliação de um aeroporto se encontram, de acordo com o Acórdão-Fundamento, directamente conexionadas com a própria ampliação daquele equipamento e projecto, também as obras com os acessos a uma ponte se encontram directamente conexionadas com a exploração comercial da concessão da ponte.

Assim, existe identidade de situações fácticas, pois que os sujeitos passivos eram parte do contrato de concessão, cujo objecto constituía a sua actividade, no acórdão recorrido a exploração de uma ponte e no acórdão - fundamento a exploração de aeroporto; ocorrem custos com trabalhos acessórios previstos no contrato de concessão e exigidos pela entidade concedente, sendo certo que os sujeitos passivos suportaram IVA na execução dos trabalhos acessórios e consideram que tem direito a dedução nos termos do estatuído no artigo 20.º do CIVA, porquanto esses trabalhos se enquadram na sua actividade económica consistente na execução dos contratos de concessão, verificando-se que quer no acórdão recorrido quer no acórdão fundamento estão em causa obras acessórias no sentido de que consubstanciam trabalhos que não ocorreram no tabuleiro da ponte ou na pista do aeroporto e no acórdão recorrido a empresa apenas se dedica a exploração da ponte enquanto que no acórdão fundamento a empresa apenas se dedica a exploração do aeroporto e em ambas as situações está em causa a mesma questão de direito, a saber o direito a dedução de IVA, nos termos do disposto no artigo 20.º do CIVA.

Com efeito, como consta do Acórdão-Fundamento, a questão abordada consiste em saber se inexistia, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17º da sexta Directiva e alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 20º do CIVA, o direito de deduzir o IVA suportado pela recorrente nas prestações de serviços de concepção e de construção do novo Bairro para onde foram realojados os habitante que residiam nos imóveis que tiveram que ser demolidos para a ampliação do Aeroporto, referindo o Acórdão recorrido que estava em causa saber do direito à dedução do IVA suportado em determinadas despesas com obras impostas pelo contrato de concessão - e aplicada a factos em tudo idênticos nos termos antes descritos.

Depois, foram proferidas decisões opostas expressas, pois que no acórdão - fundamento entendeu-se que o IVA suportada a montante nas operações acessórias, previstas no contrato de concessão, pode ser deduzido a jusante no IVA liquidado no exercício da actividade da exploração do aeroporto, enquanto que no acórdão recorrido se decidiu que o IVA suportado a montante com os acessos indirectos - operações acessórias a ponte não pode ser deduzido a jusante no IVA liquidado no exercício da actividade de exploração da ponte, por, alegadamente, não aquelas operações não apresentarem nexo de indispensabilidade com esta actividade.

Em suma, perante a descrita identidade substancial das situações de facto, os acórdãos decidiram, no âmbito do mesmo quadro jurídico de referência, em sentido divergente: o acórdão recorrido pela absolvição da AT do pedido e o acórdão fundamento pela condenação da AT no pedido, de modo que, encontra-se demonstrada a questão preliminar da oposição de acórdãos, exigida no art. 284º nº 3 do CPPT, impondo-se avançar para o conhecimento do mérito do recurso.

Pois bem, nesta sede, tal como o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, também nós entendemos que a questão foi melhor solucionada pelo Acórdão fundamento em consonância com a jurisprudência do TJUE.

Desde logo, no que diz respeito ao enquadramento da situação, o Acórdão fundamento ponderou que:

“(…)

No que respeita ao direito de dedução a Jurisprudência do TJCE vem afirmando que «o direito à dedução previsto nos artigos 17.º e 20º da Sexta Directiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.(…) Para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução.” - cf. Acórdão Kretztechnik (2005) - C.465/03 e Ac do TJCE, 2º secção de 08.06.2000, processo C-98/98, in http://new.eur-lex.europa.eu.

Resulta deste princípio bem como da regra nos termos da qual, para dar direito à dedução, os bens ou serviços adquiridos devem ter uma relação directa e imediata com as operações tributadas, que o direito à dedução do IVA, que onerou estes bens ou serviços, pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição devem ter feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas. Portanto, as referidas despesas devem fazer parte dos custos dessas operações a jusante que utilizam os bens e serviços adquiridos (Ac 408/98).

Para efeito de dedução do imposto suportado a montante os bens e serviços adquiridos hão-de estar, pois, directamente relacionados com o exercício da actividade tributária do sujeito passivo (Cf. também neste sentido, Clotilde Celorico de Basto, Introdução ao IVA, pag. 159 e Valente Torrão, CIVA anotado, pag.126).

Assim, por exemplo, no referido Acórdão Kretztechnik, o TJCE considerou que o artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, da Sexta Directiva confere «o direito à dedução da totalidade do IVA que onerou as despesas efectuadas por um sujeito passivo em relação às diferentes prestações que adquiriu no âmbito de uma emissão de acções, na medida em que a totalidade das operações efectuadas por esse sujeito passivo no âmbito da sua actividade económica seja constituído por operações tributadas».

Como sublinham JOSÉ XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA (O direito à dedução do IVA nas sociedades holding, em Fiscalidade n.º 6, página 8), este Acórdão revela a importância do direito à dedução no sistema do IVA e como o TJUE interpreta essa importância, levando ao extremo a ideia de que a neutralidade do sistema exige que se liberte o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades. O Tribunal, nesta e noutras decisões, mostrase hostil a limitações ao direito a deduzir o IVA a montante, que muitas vezes os Estados são tentados a introduzir.

Acresce dizer que mais recentemente a jurisprudência do TJUE – cf. acórdãos de 6-9-2012 do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido no processo n.º C-496/11 e acórdão AB SKF de 29 de Outubro de 2009, C-29/08, ambos disponíveis em http://new.eur-lex.europa.eu - citando jurisprudência anterior do TJCE adoptada nos acórdãos Kretztechnik, n.º 36, Investrand, n.º 24, vem admitindo também «um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo».

Em suma, como de forma sintética e assertiva enuncia Mariana Gouveia de Oliveira (A dedutibilidade de IVA e a aquisição de participações sociais por sociedades operacionais, em Fiscalidade, 46, pag.107.), a coerência da jurisprudência do TJUE assenta em algumas ideias fundamentais:

«A primeira será que, o direito à dedução “faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Este direito exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante (v., designadamente, acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, Colect., p. 1-1883, n.º 18, e de 2] de Março de 2000, Gabaifrisa e o., C-]10/98 a C-147/98, Colect., p. 1-15 77, n.º 43).” (5)

A segunda ideia reporta-se à ligação necessária entre o IVA suportado e a realização de operações tributáveis: “Para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução (v. acórdãos já referidos Midland Bank, n. 030, e Abbey National, n.º 28, assim como de 27 de Setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, Colect., . 1-6663, n.º 31).”

Finalmente o TJUE considera que «as despesas gerais da actividade dos sujeitos passivos, enquanto elementos constitutivos do preço dos produtos, se encontram numa relação directa e imediata com o conjunto da actividade do sujeito passivo, sendo por isso, dedutível o IVA nelas suportado». …”.

Em termos do caso em apreciação, o Acórdão Fundamento aponta que a operação de realojamento dos habitantes do Bairro dos …………. constitui acto pressuposto, necessário à ampliação do aeroporto de Santa Catarina, resultando como obrigação decorrente do contrato de concessão celebrado com o Governo da Região Autónoma da Madeira, sendo que a construção do referido bairro de ……………, não assumindo propriamente um qualquer cariz altruísta ou filantrópico, resulta antes de imposição das autoridades competentes, constituindo condição necessária para as obras de ampliação do aeroporto, realidade que da Decisão da Comissão n.º C(97) 2444 de 25/07/97, junta a fls. 98 a 125 dos autos, decisão essa que aprovou o co-financiamento do Fundo de Coesão ao projecto de Ampliação do Aeroporto do Funchal, e que obrigou à realização das mencionadas obras no âmbito de um plano de relocalização apropriado para as famílias dos ……….. abrangidos pela segunda fase da obra de ampliação do aeroporto, além de que a operação está inscrita no âmbito da actividade económica da empresa em causa que gera operações tributáveis, recortada pela «exploração das infra-estruturas aeroportuárias da Região Autónoma da Madeira e promoção das obras de ampliação», o que retira qualquer virtualidade à tese da AT no sentido de que «embora as referidas obras sejam necessárias para a construção da pista, contudo não se destinam à produção de bens ou prestação de serviços tributados, na medida em que, ao assumir os custos de construção de habitações no âmbito de um plano de relocalização para as famílias dos ……… abrangidos pela segunda fase da obra de ampliação do aeroporto de Santa Catarina, no cumprimento, aliás, de obrigação decorrente do contrato de concessão celebrado com o Governo da Região Autónoma da Madeira, a empresa em apreço agiu no âmbito da sua actividade económica de “estudo, planeamento, construção e exploração dos aeroportos da Região Autónoma da Madeira”, existindo entre tais custos e o IVA com eles suportados, uma relação directa e imediata com o conjunto daquela sua actividade económica, na acepção da jurisprudência do TJUE supra referida.
Ora, e do mesmo modo, como aponta a agora Recorrente, através da concessão, o Estado português não se limitava a querer um atravessamento de um rio, feito de qualquer maneira, queria antes um projecto integrado, que preservasse o ambiente, que se integrasse na paisagem, que respeitasse, em suma, valores que ao Estado compete defender, impondo, por isso ao concessionário, a realização de um conjunto de obras na zona envolvente da Ponte, para além da construção do tabuleiro da Ponte e dos seus acessos principais, o que significa que, afinal, as tais obras ditas acessórias são tão indispensáveis afinal à realização do projecto como as obras de construção do tabuleiro da ponte e seus acessos principais, por serem encargos obrigatórios, previstos no contrato de concessão, sendo impensável que o custo das referidas obras não será repercutido no preço das prestações de serviços, ou seja, nas portagens cobradas na Ponte, ou seja, se as obras em causa não tivessem sido exigidas à concessionária, seguramente que os custos de construção teriam sido mais baixos e mais baixas seriam as portagens.

Nesta sequência, diga-se que para que se verifique o direito à dedução do IVA não se exige uma correspondência estrita entre inputs e outputs, mas sim que as despesas a montante tenham uma relação directa com as despesas gerais da empresa, sendo que a agora Recorrente tem como objecto social a concessão da concepção, construção, financiamento e operação e manutenção da Ponte Vasco da Gama.

Assim sendo, a construção da Ponte teve de obedecer a todas as exigências do contrato de concessão e, portanto, todas despesas incorridas na satisfação dessas exigências mantêm nexo directo com as operações da concessionária, que não pratica operações isentas ou fora do campo do imposto, ou seja, essas despesas necessariamente fazem parte dos elementos constitutivos do preço da operação da Lusoponte nos termos já apontados.

Este é o critério a que o TJUE atende para estabelecer o nexo directo entre as operações efectuadas a montante e as operações a jusante com direito à dedução, tal como emerge do Acórdão Kretztechnik (Proc. C-465/03, de 26 de Maio de 2005, § 35) onde se pode ler: “ ... para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução”.
No caso em apreciação inexiste actividade isenta de IVA ou fora do campo de aplicação do imposto e verifica-se um nexo directo entre os custos das obras acessórias - acessos indirectos e as operações tributáveis da recorrente, o que significa que a agora Recorrente tem direito à dedução do IVA suportado com as operações acessórias - acessos indirectos.
Aliás, não é por acaso, tal como a agora Recorrente dá nota, que a própria AT decidiu em sentido favorável à Lusoponte o recurso hierárquico apresentado em 2003, pelo que toca ao seu direito a deduzir o IVA suportado nas despesas que a administração havia antes considerado como não dedutível, louvando-se, entre outras considerações, em um parecer de Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros, proferido em caso em tudo semelhante, concluiu que o imposto suportado com a construção das obras acessórias é dedutível, porque as despesas em causa foram incorridas no âmbito da sua actividade económica, inteiramente sujeita ao imposto, tendo determinado a anulação das liquidações adicionais referentes aos anos de 1996, 1997 e 1998.
No aludido parecer, refere-se, além do mais, que:
“…
- A "reversão para o domínio público" de "ramais" de ligação de determinadas infraestruturas à “rede pública” não constitui, em si mesma, por falta de "autonomia económica ou jurídica", uma operação a jusante da atividade das empresas, suscetível de tributação em IVA, mas antes uma condição gratuita e inseparável das operações que tais empresas se propõem realizar.
- Assim, os respetivos custos de construção dos “ramais”, bom como os demais gastos incorridos nesse âmbito, concorrem para a formação do preço final dos bens e serviços comercializados, não se verificando uma "afectação permanente de bens da empresa, ... a fins alheios à mesma", nem qualquer outra forma de "transmissão gratuita" suscetível de enquadramento na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA;
• Por outro lado, sendo esses gastos suportados, indispensáveis à realização das operações tributáveis das empresas, constituem um consumo intermédio que concorre para a formação do preço final dos bens e serviços comercializados, pelo que o IVA suportado com esses gastos é. dedutível, nos termos do artigo 19.º e 20.º do Código do IVA.

No presente caso, os trabalhos, bem como as expropriações, que estão em causa foram realizados, pela Recorrente, no exercício da sua atividade sujeita a IVA e dele não isenta, que se consubstanciava, exclusivamente, na execução do contrato de concessão da conceção, construção, financiamento, operação e manutenção da Ponte Vasco da Gama, incluindo a gestão e manutenção da Ponte 25 de Abril.
Uma vez que a Recorrente não exercia, nem podia exercer, outra atividade económica, que pudesse ser não sujeita ou isenta de IVA, para além da exploração das Travessias sobre o rio Tejo, é forçoso concluir que os gastos com a construção acessória das referidas obras foram incorridos no âmbito dessa atividade económica.
Por outro lado, não resulta dos factos apurados pelos SIT que se tratou de uma prática abusiva, com vista à recuperação de IVA que, de outro modo, não teria lugar, para que se possa pôr em causa o direito à dedução do IVA. …”.
A partir daqui, resta concluir que a Recorrente tem direito à dedução do IVA suportado a montante com as denominadas “operações acessórias - acessos indirectos” à Ponte Vasco da Gama, uma vez que constituem operações realizadas pela Lusoponte tendo em vista o exercício directo da sua actividade económica consistente na cobrança de portagens pela passagem de veículos na Ponte Vasco da Gama, ou seja, tais custos têm um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo.
O Acórdão do TCA Sul que assim o não entendeu não pode, pois, manter-se, sendo de revogar o Acórdão recorrido em função do provimento do presente recurso.

A Recorrente refere ainda que, quanto ao valor da causa, a aplicação, sem mais, do disposto no CPPT e das novas regras no Regulamento das Custas Processuais sobre a matéria, resulta in casu, na atribuição de um valor da causa muito elevado - próximo dos 2 milhões de Euros -, implicando o pagamento a final de um valor de taxa de justiça gritantemente desproporcionado e excessivo, justamente por, como salientado, a Tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais não conter qualquer tecto máximo, o que foi já entendido pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, sustentando também que as normas que resultam do artigo 97.o-A do CPPT e dos artigos 6.º e 11.º, conjugados com a Tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, e na interpretação segundo a qual não é permitido ao juiz fixar um valor da causa para efeitos de custas atendendo à (menor) complexidade do processo e ao carácter manifestamente desproporcional do montante que será exigido sem aquela fixação, padecem de inconstitucionalidade por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, e do Princípio da Proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, inconstitucionalidade que aqui expressamente se argui para todos os efeitos legais, pelo que, reclama, ao abrigo do artigo 296.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e), do Código do Procedimento e do Processo Tributário e dos artigos 6.º e 11.º do Regulamento das Custas Processuais, a fixação, com vista ao cálculo da taxa de justiça e custas da presente acção, de um valor não superior a € 275.000,00, por ser este o montante máximo previsto na aludida Tabela I-A, de modo a evitar o carácter manifestamente desproporcionado daquela taxa e custas.

Sem prescindir, ainda que assim não se entenda, a Recorrente considera dever ocorrer, desde já, dispensa do pagamento do remanescente, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, como de resto entendeu o TCA Sul aquando do proferimento da decisão que reconheceu a oposição de julgados, na medida em que o pagamento do remanescente em situações como a presente faria do acesso à justiça verdadeiramente proibitivo, tanto mais que a Recorrente obteve vencimento em primeira instância e viu-se agora obrigada a recorrer por oposição de julgados do Acórdão-recorrido para com o Acórdão-Fundamento, além de que o comportamento da Recorrente foi de notória lisura, e que a questão subjacente ao processo dos Autos não apresenta uma complexidade que possa justificar o pagamento do avultadíssimo remanescente que poderia vir a ser cobrado, tudo circunstâncias que justificam a dispensa do remanescente ora solicitada.

Quanto ao valor da causa, temos por adquirido que cabe ao Juiz do Tribunal de 1ª instância fixar o valor da causa, não competindo aos Tribunais de recurso usar das faculdades previstas no art. 306º do Código de Processo Civil, sendo que se o valor da causa não for fixado em sede de saneamento ou noutro momento da sentença proferida nos autos, ou em despacho proferido incidentalmente sobre o requerimento de interposição de recurso, deve a parte interessada arguir a nulidade, provocando despacho recorrível, o que não sucedeu.

Depois, a Recorrente não pode olvidar que, ela própria, indica como valor de recurso, o valor que já tinha indicado no âmbito da petição inicial, revelando-se algo incoerente a pretensão depois formulada nesta sede que, naturalmente, não pode ser atendida.

Finalmente, quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, cabe ter presente que o presente aresto reconheceu a existência de oposição de acórdãos alegada pela recorrente e após, conheceu do mérito do recurso, revogando o acórdão sindicado e julgando procedente a impugnação, em sintonia com o entendimento perfilhado no acórdão fundamento.

Pretende a Recorrente que lhe dispensado o remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso porque o seu comportamento foi de notória lisura, e que a questão subjacente ao processo dos Autos não apresenta uma complexidade que possa justificar o pagamento do avultadíssimo remanescente que poderia vir a ser cobrado, tudo circunstâncias que justificam a dispensa do remanescente ora solicitada.

Dispõe o preceito referido pela Recorrente que: 7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Considerando que nos autos está um valor total de remanescente de taxa de justiça de quase € 9.500,00, que acresce ao valor de 816 euros correspondente ao valor máximo da tabela (275.000 euros), pois o processo tem o valor de € 1.819.326,52, sendo que o comportamento processual das partes nada tem de especial que mereça valoração had hoc, premial ou sancionatória, justificativa da requerida dispensa. E o valor não se nos afigura manifestamente desproporcionado em relação ao concreto serviço público prestado.

O único motivo de dispensa parcial que descortinamos no caso dos autos é o de, de algum modo, o conhecimento do mérito da causa se ter afigurado de “complexidade inferior à comum”, pois que a questão dos autos já havia sido antes decidida por este STA e o acórdão reiterou a jurisprudência já existente, dela não divergindo. Esta menor complexidade, é, porém, diminuta, pois constitui pressuposto do recurso por oposição de acórdãos/para uniformização de jurisprudência a existência de pronúncia de tribunal superior da jurisdição sobre a mesma questão fundamental de direito - cfr. o n.º 1 do artigo 284.º do CPPT.

Não se vê, pois, motivo para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça em mais de 25%, deferindo-se essa dispensa nesse montante atendendo à menor complexidade da decisão de mérito, nos termos supra expostos. - neste sentido, Ac. deste Tribunal de 11-12-2019, Proc. nº 02686/10.9BELRS, www.dgsi.pt.




3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em julgar verificada a invocada oposição de acórdãos, conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido no segmento posto em crise recorrido e julgar a presente impugnação judicial procedente no domínio apontado, determinando a anulação das liquidações adicionais de IVA de 1996 e 1997 descritas nos autos.

Custas pela Recorrida, que não paga taxa de justiça neste Supremo Tribunal porque não contra-alegou, deferindo-se parcialmente o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça devida, fixando em 25% o valor dessa dispensa.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 4 de Novembro de 2020. – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Isabel Cristuina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.