Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01063/17
Data do Acordão:11/22/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:ALEGAÇÕES
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
Sumário:I - Tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (como é o caso dos documentos juntos pela impugnante e do PAT), os quais relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar.
II - Não tendo a recorrente sido notificada das alegações, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, determinante de anulação dos pertinentes termos do processo (art. 201º do CPC e art. 98º nº 3 do CPPT).
Nº Convencional:JSTA000P22585
Nº do Documento:SA22017112201063
Data de Entrada:10/02/2017
Recorrente:A......., S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 - RELATÓRIO
A………., SA, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida, contra o acto de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2004.

Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:

1. Apesar de ter sido produzida prova documental, designadamente com a junção do processo administrativo, as partes não foram notificadas para apresentação de alegações escritas, previamente à prolação da douta Sentença recorrida.
2. Pelo que foi violado o disposto no artigo 120º do CPPT, não tendo sido concedido à Impugnante a possibilidade desta apresentar alegações escritas pré-sentenciais.
3. Como se afirma no douto Acórdão do Pleno da Secção de CT do STA, de 08.05.2013, Proc. 01230/12, in www.dgsi.pt.
4. Com efeito, a omissão da prévia notificação das partes para apresentar alegações escritas representa uma violação do artigo 120º do CPPT e dos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais (artigo 3º do CPC).
5. Assim, ocorreu uma nulidade processual, já que essa omissão é susceptível de influir na decisão da causa (cfr. artigos 195º nº 1 do CPC),
6. a qual tem como consequência a anulação dos termos subsequentes, designadamente da douta Sentença aqui recorrida, conforme decorre do disposto nos artigos 195º nº 2 do CPC e 98º nº 3 do CPPT.
Sem prescindir, a título subsidiário, por cautela de patrocínio
7. Conforme decorre do teor do precedente despacho de indeferimento do recurso hierárquico, este pronunciou-se sobre a legalidade da liquidação aqui igualmente impugnada.
8. Pelo que a presente Impugnação Judicial constitui meio processual idóneo à apreciação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, conforme resulta do disposto nos artigos 97º nº 1 p) e nº 2 e 101 j) a contrário do CPPT — e se extrai igualmente do disposto no artigo 76º nº 2 do CPPT.
9. O meio processual adequado determina-se em função do concreto acto administrativo impugnado (conforme resulta do artigo 97º nº 2 do CPPT) — e não em função da causa de pedir ou do pedido do interessado.
10. Assim, a douta Sentença recorrida, ao considerar verificado o erro na forma do processo quanto ao pedido de anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, com a consequente absolvição da Instância da AT quanto a este pedido, padece de erro de julgamento e violação das sobreditas disposições legais.
Por conseguinte
11. A douta Sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigos 125º nº 1 do CPPT, 608º nº 2 e 615º nº 1 d) e nº 2 do CPC).
12. Com efeito a lmpugnante/Recorrente, nos pontos 29. a 34. da PI, alegou a violação do direito de audição prévia antes do indeferimento do Recuso Hierárquico.
13. A douta Sentença recorrida contudo, não emitiu qualquer pronúncia sobre esta matéria.
14. Nem a apreciação da mesma estava prejudicada pela apreciação das demais questões, dado que, como acima se referiu, a presente Impugnação Judicial é meio processual adequado à apreciação da legalidade do despacho de indeferimento do recurso hierárquico - uma vez que este pronunciou-se sobre a legalidade da liquidação (vide supra).
15. Sendo que não foi respeitado o direito de audição prévia previsto nos artigos 60º nº 1 b) e nº 5 da LGT, e 267º nº 5 da CRP, antes do indeferimento do Recurso Hierárquico.
16. A preterição dessa formalidade legal essencial comporta a anulação da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico - por preterição daquela formalidade legal essencial (cfr. artigo 99º d) do CPPT).
17. Sendo certo que a preterição daquela formalidade legal prévia ao indeferimento do Recurso Hierárquico - concessão, ao contribuinte, da oportunidade deste exercer o seu direito de audição prévia - não se degradou em formalidade legal não essencial, tão pouco se pode considerar sanada.
18. Com efeito, nada garante, em abstracto, que se fosse dada essa oportunidade ao contribuinte, antes do indeferimento do Recurso Hierárquico, a decisão final deste, ainda assim, seria necessariamente a mesma.
19. Ou seja, a solução preconizada na decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico não era inelutável e inevitável, não sendo possível afirmar, com o mínimo de segurança, que se o contribuinte tivesse tido a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia, aquela decisão administrativa ainda assim seria necessariamente a mesma.
20. Por conseguinte, o despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico aqui igualmente impugnado está inquinado de vício de preterição de formalidade legal essencial e violação de lei, geradores da sua anulação (artigo 99º d) do CPPT).
21. O mesmo entendimento foi propugnado no douto Parecer do Ministério Público proferido nos presentes autos em 23.01.2017.
Sem prescindir
22. Conforme se retira dos autos, em particular do ofício que notificou o despacho de indeferimento do recurso hierárquico, foi precisamente este meio processual - Impugnação Judicial - que a AT (correctamente) indicou à Recorrente/Impugnante como sendo o meio processual idóneo para reagir contra aquele despacho.
23. Por conseguinte, se, por mera hipótese, houvesse erro quanto ao meio processual concretamente usado pela Recorrente/Impugnante, esse erro havia sido induzido pela AT.
24. Com efeito, a Impugnante/Recorrente, legitimamente e de boa-fé, confiou na indicação que lhe foi expressamente dada pela AT.
25. Como tem vindo a ser entendimento deste Venerando STA, e como é entendimento da nossa melhor Doutrina, o administrado não pode ser prejudicado, de forma alguma, por erros de entidades públicas - mormente na indicação dos meios de reacção contra as decisões notificadas (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, Vol. I, Áreas, 2011, p.362),
26. sendo que, como resulta do disposto nos artigos 157º nº 6 e 191º nº 3 do CPC, mesmo no processo judicial, a regra é a de que a parte não pode ser prejudicada por aqueles erros (cfr. o artigo 37º nº 4 do CPPT, no domínio específico do procedimento administrativo tributário).
27. Recorde-se que, nos termos do artigo 36º do CPPT, a indicação do meio de reacção contra o acto notificado constitui menção obrigatória das notificações.
28. Portanto, existindo alegadamente erro nessa indicação - que conduziu a que o administrado nela legitimamente confiasse - esse erro nunca pode prejudicar a parte.
29. Em suma, ainda que, por mera hipótese, houvesse erro na forma do processo no que concerne ao pedido de anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, a decisão não poderia ter redundado na absolvição da AT da Instância - já que foi a própria AT quem teria conduzido a esse pretenso erro na forma processual (cfr. artigos 10º do CPA, 37º nº 4 do CPPT, 104º da LGT, 542º do CPC 266º nº 2 da CRP).
30. Pelo que a douta Sentença recorrida, ao absolver a AT da Instância padece de erro de julgamento e violação daquelas disposições legais.
Acresce Que
31. Conforme factualidade provada, em Fevereiro de 2006, a Impugnante recepcionou a liquidação n 2005 2910167009, de 11.07.2005 e respectiva nota de compensação, da qual resultou o montante de Euro 86.086,52 a pagar, até 15.03.2006 - a liquidação aqui impugnada.
32. Antes da liquidação adicional de IRC aqui impugnada, a Impugnante, em Agosto de 2005, havia sido notificada da liquidação, também relativa a IRC de 2004, na qual foi apurado o valor de Euro 86.086,52 a reembolsar ao contribuinte, quanto àquele exercício de 2004 - conforme resulta da factualidade provada.
33. Aparentemente, com a liquidação adicional aqui em questão, a AT pretendia que o contribuinte repusesse aquele montante nos cofres do Estado.
34. Contudo, a douta Sentença recorrida parte de um pressuposto errado - de que aquele valor de Euro 86.086,52, relativo a IRC do exercício de 2004, foi reembolsado ao contribuinte.
35. Com efeito, isso não sucedeu, como se constata da demonstração de compensação cuja cópia foi junta ao Recurso Hierárquico como doc. 8, também recepcionada em Agosto de 2005.
36. De facto, o sobredito reembolso de Euro 86.086,52 foi objecto de compensação para pagamento da liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 2003, em Euro 74.625,88, respectivos juros de mora, em Euro 11.191,29, e custas do respectivo processo de execução fiscal (nº 1805200501004670), em Euro 269,35.
37. Poder-se-ia pensar, contudo, que as dívidas que inviabilizaram o reembolso eram devidas e o contribuinte estaria em falta no seu pagamento.
38. Mas também não é o caso.
39. Com efeito, a referida liquidação adicional de IRC de 2003 foi objecto de reclamação graciosa apresentada em 21.01.2005.
40. Reclamação, essa, que foi integralmente deferida por despacho da DF do Porto de 18.03.2005 (processo de reclamação n 1805-05/400011.0).
41. Assim, à data em que foi ordenada e efectuada a compensação em causa, já a liquidação que a motivou (relativa a 2003) havia sido integralmente anulada,
42. com a consequência de não serem devidos quaisquer juros de mora ou custas de processo de execução fiscal, pois a liquidação que esteve na sua génese estava errada.
43. Toda a factualidade referida ficou provada, sendo ainda de atender aos documentos acima especificados, juntos à Reclamação Graciosa e ao Recurso Hierárquico.
44. Assim, a Recorrente Impugnante nunca foi efectivamente reembolsada no dito montante de Euro 86.086,52, relativo a IRC de 2004.
45. Com efeito, este reembolso foi afecto ao pagamento de dívidas de imposto anuladas pela própria AT.
46. Pelo que não tem sentido exigir agora, por via da liquidação e compensação ora impugnadas, o pagamento daquele valor.
47. Com efeito, não tem razão de ser exigir ao contribuinte a restituição de imposto do qual o contribuinte nunca beneficiou, directa ou indirectamente.
48. De facto, a douta Sentença recorrida, salvo o devido respeito, enferma de erro de julgamento.
49. Com efeito, o que foi reembolsado ao contribuinte foi o valor de apenas Euro 78.069,35, pelo que esse reembolso jamais justificaria que se liquidasse adicionalmente o valor de Euro 86.086,52, substancialmente diferente daquele.
50. Para além disso, tal como resulta de 13. e 14. dos factos provados, aquele valor de Euro 78.069,35 advém de rectificações operadas pela AT aos PEC’s ao exercício de 2013 - nada tendo que ver, pois, com o exercício de 2014 (aquele que aqui está em causa), tão pouco com o deferimento da Reclamação Graciosa relativa a 2013 (cfr. 12. dos factos provados).
Por conseguinte
51. Contrariamente ao decidido, a Impugnante/Recorrente tem direito de ser indemnizada pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção do seguro-caução (cfr. 16. e 17. dos factos provados).
52. Dado que a liquidação padece dos sobreditos erros de facto e de Direito (artigos 53º da LGT e 171º do CPPT).
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente, julgando verificada a sobredita nulidade processual, declarando a nulidade ou revogando a douta Sentença recorrida, julgando a impugnação procedente, anulando o despacho aqui impugnado e a liquidação aqui igualmente impugnada, com fundamento em erro de facto e de Direito da AT, e reconhecendo à Impugnante o direito de ser indemnizada pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção do sobredito seguro-caução, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA»

Não foram apresentadas contra alegações.

O Ministério Público a fls. 117 e 118 dos autos emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«A recorrente, A………., SA, vem sindicar a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls.70/76, em 28/03/2017, que julgou improcedente impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação adicional de IRC do exercício de 2004, no entendimento de que houve um reembolso indevido para o exercício de 2004, por ter sido considerado um PEC no exercício de 2003 e desconsiderado no de 2004, pelo que aquele reembolso teria de ser reposto.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 104/109, que, como é sabido, salvo questões de conhecimento oficioso e desde que dos autos constem todos os elementos necessários à sua integração, delimitam o objeto do recurso, nos termos do disposto nos artigos 635.°/4 e 639.°/1 do CPC.
A recorrida Fazenda Pública não contra-alegou.
Além do mais o recorrente vem arguir nulidade processual decorrente da omissão de notificação para alegações escritas, nos termos do estatuído no artigo 120.º do CPPT,
E, a nosso ver com razão.
Como refere o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a este propósito, «Por outro lado, nos casos em que o representante da Fazenda Pública contestar, sendo obrigatória a junção do processo administrativo (como se conclui do disposto no n.º 4 do artigo 110°), que deverá conter informações oficiais [art. 111.º n.º 2, alíneas a) e b), deste Código], que são um meio de prova (art. 115°, n.º 2), em regra não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja prova a produzir, por imperativo do princípio do contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC), pois só assim se torna possível evitar que a administração tributária usufrua de um privilégio probatório especial na instrução do processo e se confere aos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais uma verdadeira dimensão substantiva.
A circunstância de eventualmente, cada uma das partes ter tido oportunidade de se pronunciar sobre os documentos apresentados pela parte contrária, não dispensa as alegações, designadamente porque, enquanto o prazo legal para as partes se pronunciarem sobre documentos apresentados pela parte contrária é o prazo geral de 10 dias [art.º 153.°, n.º 1, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2.º, alínea e), do CPPT], o prazo para alegações é fixado pelo juiz, podendo estender-se até 30 dias, nos termos do art. 120.º do CPPT.
No entanto, se o representante da Fazenda Pública, apesar de contestar, não remeter o processo administrativo com as informações oficiais e o juiz não ordenar a sua remessa (possibilidade que o n.º 5 do art. 110.º deixa entrever), poderá haver conhecimento imediato do pedido, se não existirem pontos da matéria de facto controvertidos.
Em todos os casos em que o juiz não conhecer imediatamente do pedido, nos termos do artigo 113°, haverá lugar à notificação dos interessados para alegarem independentemente de se terem efetivamente realizado diligência de prova (poderá suceder que diligências de prova que se pretendia realizar, se tenham tornado inviáveis).
Na verdade, não se prevendo, nos casos em que não há lugar ao conhecimento imediato do pedido outra possibilidade de o impugnante se pronunciar sobre as exceções que eventualmente sejam invocadas pelo representante da Fazenda Pública, serão as alegações a peça processual adequada para o impugnante se pronunciar sobre elas” (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, II volume, páginas 249, 250 e 295, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
Ora, no caso dos autos, houve contestação da Fazenda Pública, que juntou aos autos o respetivo processo administrativo, que relevou para a especificação da matéria de facto julgada provada (fls.37/54 e 55).
Portanto, o Tribunal a quo não conheceu de imediato do pedido, pelo que se impunha a notificação das partes para alegarem por escrito, nos termos do disposto no artigo 120.º do CPPT, onde estas poderiam discutir a matéria de facto e de direito.
Foram, pois, violados os princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes, estatuídos nos artigos 3.°/3 do CPC e 98.º da LGT.
A omissão de notificação para alegações consubstancia nulidade processual suscetível de influir no exame e decisão da causa, o que acarreta a nulidade da sentença recorrida [Neste sentido parece ir a jurisprudência do STA-acórdãos de 11/03/2009-R. n.º 01032/08; 20/03/2009-R. 062/12; 08/05/13-R. 01230/12 (PLENO SCT) e de 17/05/17-R. 0302/17, todos disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt].
O recurso jurisdicional é o meio próprio para arguir tal nulidade uma vez que a recorrente só tem conhecimento dessa omissão com a sentença final.
Termos em que, deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional e anular-se a sentença recorrida e ordenar-se a remessa dos autos ao TAF do Porto a fim de as partes serem notificadas para alegações, seguindo-se os ulteriores trâmites.»

2 – Fundamentação

A decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1. A Impugnante é uma sociedade anónima cujo objeto social é a actividade de comércio a retalho em supermercados e hipermercados, com o CAE 47111, que em 2007 incorporou a sociedade B…….. - fls. 36 e 37, do PA;
2. A referida B……… procedeu ao pagamento de três PEC para o exercício de 2003, sendo dois no valor de €11.385,81 e um no valor de €86.086,52, perfazendo um total de €108.858,14 - fls. 38 e 39, do PA;
3. Não tendo efectuado qualquer PEC para o exercício de 2004 - fls. 38 e 39, do PA;
4. A B……….. procedeu à entrega da declaração de IRC para o exercício de 2003, na qual declarou o montante de €108.858,14 de PEC, dando origem à liquidação n.º 20042910199097 - fls. 40 a 43, do PA;
5. Na referida liquidação n.º 20042910199097 apenas foi considerado como montante do PEC o valor de €22.771,62, pelo que resultou um valor a pagar de €86.086,51 acrescido de juros de mora que deu origem à compensação n.º 200410977893 e à nota de cobrança n.º 2004987690, no valor de €89.529,97 - fls. 44 e 45, do PA;
6. Por falta de pagamento da referida nota de cobrança foi extraída certidão de divida e instaurado o PEF n.º 1805200501004670, que foi extinto por pagamento e anulação - fls. 46 a 49, do PA;
7. A B………. procedeu ao envio da declaração de IRC de substituição do exercício de 2003, declarando o mesmo montante de PEC, tendo esta declaração dado origem à liquidação n.º 20042910381928 - fls. 50 a 53, do PA;
8. Também nesta liquidação apenas foi considerado o montante de €22.771,62, como PEC, resultando um valor a pagar de €86.086,51 acrescida de juros de mora e compensatórios, que apos o estorno da liquidação anterior deu origem à nota de compensação n.º 2005185570 e à nota de cobrança n.º 20058576, no valor de €3.535,15 - cfr. Fls. 53 e 54, do PA;
9. Por falta de pagamento foi extraída certidão de divida e instaurado o PEF n.º 1805200501010093, que se encontra extinto por anulação - fls. 55 e ss., do PA;
10. Para o exercício de 2004 a B…….. procedeu à entrega da declaração de IRC não tendo declarado qualquer PEC, o que deu origem à liquidação n.º 20052910167009 - fls. 111 e ss., do PA;
11. Nesta liquidação n.º 20052910167009 foi considerado o montante de PEC de €86.086,52, pelo que foi emitido um reembolso com o n.º 2005696906, no valor de €86.086,52 que foi aplicado em compensação no PEF n.º 1805200501004670, a título de imposto, juros de mora e taxa de justiça do PEF;
12. A B……… apresentou RG contra a liquidação n.º 20042910199097, referida em 5, alegando não ter sido considerado o valor de PEC de €86.086,52, para o exercício de 2003, tendo esta sido totalmente deferida - fls. 70 e ss., do PA;
13. Para o exercício de 2003 a AT procedeu à rectificação das liquidações tendo efectuado uma liquidação de correcção considerando aquele PEC e o de €22.771,62 já antes considerando, da qual resultou o reembolso de € 78.069,35 - fls. 46 e ss., do PA;
14. Que foi entregue à impugnante através do cheque n.º 6740528779, cfr. fIs. 58 e ss. e 97, do PA;
15. Para considerar aquele valor de PEC de €86.086,52 apenas para o exercício de 2003 e não de 2004 foi reformulada a liquidação adicional de IRC n.º 20052910167009 emitida para o exercício de 2004, tendo sido emitida a nota de compensação n.º 2006214163 e a nota de cobrança n.º 200646297, no valor de 86.086,52 - fls. 25 e ss.,1 21 e ss., do PA;
16. Que por falta de regularização levou à instauração do PEF n.º 1805200601025813 -fls. 25 e ss. e 121 e ss., do PA;
17.O referido PEF foi suspenso por prestação de garantia através de seguro caução - fls. 25 e ss e 121 e ss., do PA;
18. A B……… requereu à AT a passagem de certidão com os fundamentos de facto e de direito e operações de cálculo e apuramento subjacentes às demostrações de acerto de contas - fls. 125 e ss., do PA;
19.Tendo a AT elaborado tal resposta que notificou à impugnante - fls. 128 e ss., do PA.

3- Fundamentação de direito
A decisão recorrida expressou o seguinte:

“Do erro nos pressupostos de facto e de direito
Como se disse a Impugnante alega que a Administração Tributaria emitiu uma liquidação da qual resultou o valor a pagar de €86.086,52, pretendendo que aquela reponha este valor no pressuposto que o recebeu indevidamente sendo que nunca foi reembolsado daquele montante que foi aplicado por compensação no PEF 1805200501004670.
Ora, conforme resulta do probatório aquele montante do PEF foi desconsiderado pela AT para o exercício de 2003, que apenas considerou o valor de €22.771,62, tendo originado liquidações e execuções.
Com efeito, ao considerar apenas €22.771,62 em vez de €108.858,14 a AT procedeu à liquidação no valo de €86.086,51 acrescido de juros de mora, que por sua vez deu origem a nota de compensação e nota de cobrança, no valor de €89.529,97.
A liquidação referente ao modelo 22 de substituição, da qual resultou o montante a pagar de €86.086,51, acrescido de juros de mora e de juros compensatórios que após estorno da liquidação anterior deu origem à nota de compensação e a nota de cobrança no valor de €3.535,15 e a execução.
Ora, o reembolso de €86.086,52 atinente ao exercício de 2004, foi aplicado em compensação no PEF 1805200501004670.
Mais resultou apurado que a RG relativamente ao exercício de 2003 foi deferida, tendo sido considerada para o exercício de 2003 e desconsiderado para o exercício de 2004, o PEC de €86.086,51, o que implicou a reformulação das liquidações desses dois exercícios.
Em relação ao exercício de 2003, foi efectuada uma liquidação correctiva considerando aquele PEC de €86.086,52 que deu origem à compensação da qual resultou o reembolso no valor de €78.069,35 recebido pela B……… através de cheque.
Quanto ao exercício de 2004 foi reformulada a liquidação adicional de IRC não considerando qualquer valor de PEC, pelo que foi emitida a nota de compensação e nota de cobrança no valor de €86.086,52, ora impugnadas.
Portanto, resultou demostrado que ao contrário do que refere a lmpugnante houve um reembolso, pago por cheque, no montante de €78.069,35.
Por conseguinte, tendo havido um reembolso indevido para o exercício de 2004, por ter sido considerado um PEC no exercício de 2003 e desconsiderado no de 2004, aquele reembolso tem de ser reposto.
Pelo exposto concluímos pela legalidade da liquidação.
A legalidade da liquidação implica a improcedência do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, já que nestes autos não se fez prova do erro da AT.

DECISÃO
Pelo exposto, e de harmonia com os fundamentos e preceitos legais citados, decide-se absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido, julgando a presente acção improcedente”.

DECIDINDO NESTE STA
Questiona-se nos autos, desde logo, a falta de notificação das partes para alegarem por escrito antes da prolação de sentença na circunstância de ter havido junção ao processo de elementos solicitados pelo TAF do Porto relativos à notificação da impugnante do indeferimento do seu recurso hierárquico e do processo administrativo (PAT) com relevo probatório que relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada como expressamente consta da motivação que presidiu à fixação da referida matéria.

Vem agora alegado, além do mais, que se incorreu em omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, determinante de anulação dos termos do processo (art. 201º do CPC e art. 98º nº 3 do CPPT).

Vejamos o quadro legal a considerar.
Os arts. 113º, nº 1, 120º e 121º do CPPT, estabelecem o seguinte:
Artigo 113º - Conhecimento imediato do pedido
«1 – Junta a posição do representante da Fazenda Pública ou decorrido o respectivo prazo, o juiz, após vista ao Ministério Público, conhecerá logo o pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários.
2 - (…

Artigo 120º - Notificação para alegações

«Finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias


Artigo 121º - Vista do Ministério Público
«1 – Apresentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferida a sentença, o juiz dará vista ao Ministério Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras nos termos das suas competências legais.
2 – Se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública.»

No caso dos autos foram solicitadas informações ao Serviço de Finanças da Maia e foi junto aos autos, o processo administrativo Tributário (PAT), conforme fls. 55 a 58 tendo a sua junção sido notificada à impugnante.
Vejamos então se ocorre a apontada nulidade que a verificar-se obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas a título subsidiário.
Como se disse no ac. deste STA – Pleno da Secção de Contencioso Tributário - de 08/05/2013 tirado no recurso nº 01230/12, tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (como é o caso dos documentos juntos pela impugnante e do PAT), os quais relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar.

Ali se expendeu, ainda:

“É que, não vemos razões legais para limitar as alegações aos casos de produção de prova testemunhal e o facto de cada uma das partes ter tido oportunidade de se pronunciar sobre os documentos apresentados pela parte contrária, não dispensa as alegações, designadamente porque, enquanto o prazo legal para as partes se pronunciarem sobre documentos apresentados pela parte contrária é o prazo geral de 10 dias [art. 153º, nº 1, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2º, alínea e), do CPPT], o prazo para alegações é fixado pelo juiz, podendo estender-se até 30 dias, nos termos do transcrito art. 120º.
Também nos acórdãos desta Secção do STA, de 11/3/2009 e de 28/3/2012, respectivamente, nos procs. nº 01032/08 e nº 062/12, ficou consignado que «a junção do processo administrativo impõe que, em regra, se tenha de passar à fase das alegações, não podendo haver conhecimento imediato do pedido, sob pena de violação do princípio do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes (artigos 3º, nº 3, do CPC e 98º do CPPT)».
E o Cons. Jorge Lopes de Sousa igualmente salienta que «No caso de se estar perante uma situação em que deva ocorrer o conhecimento imediato, designadamente se forem juntos documentos pelas partes após a contestação, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações, a fim de se poderem pronunciar sobre a relevância desses documentos para a decisão da causa.
Mesmo que, na sequência da junção de documentos por cada uma das partes, a parte contrária tenha sido notificada da junção e se tenha pronunciado, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações …». (Ob. cit., volume II, p. 298 (nota 8 ao art. 120º).

Aliás, o mesmo autor também acrescenta (Ibidem, nota 3 ao art. 113º, p. 249). que, nos casos em que o representante da Fazenda Pública contestar, sendo obrigatória a junção do processo administrativo, que deverá conter informações oficiais [arts. 111º, nº 2, alíneas a) e b), do CPPT], que são um meio de prova (art. 115º, nº 2), em regra não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir, por imperativo do princípio do contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC), pois só assim se torna possível evitar que a administração tributária usufrua de um privilégio probatório especial na instrução do processo e se confere aos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais uma verdadeira dimensão substantiva (art. 98º da LGT).


Também no presente processo não encontramos razões para divergir deste entendimento que cremos ser o que decorre da lei. E, assim sendo, concluí-se que no caso dos autos, não tendo a recorrente e a contraparte sido notificadas para apresentarem alegações, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, o que determina a anulação da sentença nos termos do art. 201º do CPC e art. 2º, al. e), do CPPT, que tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes, segundo o disposto no art. 98º, nº 3, do CPPT.
A decisão recorrida sofre, portanto, do invocado erro de julgamento, procedendo as conclusões do recurso quanto à nulidade decorrente da falta de notificação para apresentação de alegações escritas facultativas, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões que vinham suscitadas.


4-DECISÃO:
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso anulando a sentença proferida e ordenar a baixa dos autos ao TT de 1ª instância, a fim de ser fixado prazo para alegações das partes, nos termos do art. 120° do CPPT, seguindo-se os demais trâmites legais.

Sem custas.


Lisboa 22 de Novembro de 2017.- Ascensão Lopes (relator) – Ana Paula Lobo – António Pimpão.