Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01082/16
Data do Acordão:07/05/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
ACÓRDÃO ANULATÓRIO
DECISÃO DISCIPLINAR
ACTO PUNITIVO
ACTO RENOVÁVEL
EFICÁCIA RETROACTIVA
Sumário:I - A eficácia do caso julgado anulatório encontra-se circunscrita aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do ato, nada obstando, nos casos em que o ato é renovável, a que a Administração emita novo ato com idêntico conteúdo decisório, mas liberto dos referidos vícios [cfr. art. 173.º, n.º 1 do CPTA].
II - O disposto no art. 128.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 4/2015] deve ser interpretado em conjugação com o previsto no art. 173.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015], porquanto, embora integrado na lei do processo administrativo, estabelece o regime jurídico substantivo, pelo qual a Administração se deve pautar sempre que lhe cumpra extrair consequências da anulação dos seus atos administrativos.
III - Assim, e nos termos conjugados dos nºs 1 e 2 do citado art. 173.º do CPTA, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, com ressalva para os que envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos.
IV - Mesmo que tenha sido retomada a instrução do processo disciplinar e venha a ser proferido um ato substitutivo, a reintegração da ordem jurídica violada manterá os seus efeitos até à aplicação da nova sanção, visto o novo ato punitivo, embora inserido na execução, não poder deter eficácia retroativa já que apenas pode produzir efeitos para o futuro dada a sua natureza sancionatória.
Nº Convencional:JSTA000P23508
Nº do Documento:SA12018070501082
Data de Entrada:11/14/2016
Recorrente:CÂMARA MUNICIPAL DO BARREIRO
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A…………, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante, «TAC/L»], por apenso ao recurso contencioso de anulação [Proc. n.º 397/99] e ao abrigo dos arts. 173.º e segs. do CPTA aplicável, a presente execução de decisão judicial anulatória contra o “MUNICÍPIO DO BARREIRO” [doravante, «MdB»], peticionando, pela motivação inserta no articulado inicial [cfr. fls. 03/09 - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], a condenação deste na execução do acórdão anulatório, de 23.05.2013, proferido naquele processo [anulação da deliberação camarária de 10.03.1999 que lhe havia aplicado a pena disciplinar de aposentação compulsiva], bem como a condenação do mesmo no «pagamento da quantia de € 119.911,65 (cento e dezanove mil, novecentos e onze euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescidos dos valores dos juros de mora no valor de € 2.838,46 (dois mil, oitocentos e trinta e oito euros e quarenta e seis cêntimos) e até efetivo e integral pagamento, devendo efetuar-se os descontos para a Caixa Geral de Aposentações para efeitos de compensação da aposentação» e no «pagamento de uma sanção pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 3.º e do art. 169.º do CPTA».

2. O «TAC/L», por sentença proferida em 06.03.2015, decidiu julgar improcedente a presente execução [cfr. fls. 74 e segs.].

3. O exequente, inconformado, interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul [doravante, «TCA/S»] que, por acórdão de 02.06.2016, concedeu provimento ao recurso, julgando-o procedente, tendo decidido condenar a entidade executada «… a proceder, no prazo de 6 meses, ao pagamento da quantia de € 119.911,65 (cento e dezanove mil, novecentos e onze euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescidos dos valores dos juros de mora civis no valor de € 2.838,46 (dois mil, oitocentos e trinta e oito euros e quarenta e seis cêntimos) à taxa legal e até efetivo e integral pagamento, devendo efetuar os descontos para a Caixa Geral de Aposentações para efeitos de compensação da aposentação» e o titular do cargo de Presidente da Câmara Municipal do Barreiro «no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 5% do SMN em vigor por cada dia de atraso no cumprimento desta decisão (cfr. art. 169.º CPTA)».

4. É deste acórdão que a entidade executada, ora recorrente, não se conformando e invocando o disposto no art. 150.º, n.º 1, do CPTA aplicável, veio interpor o presente recurso jurisdicional de revista, apresentando alegações com o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«
1. Conclui-se, em primeiro lugar, face ao exposto, que a presente revista deve ser admitida por integral preenchimento de qualquer dos seus pressupostos, pois que estamos perante um caso que convoca a interpretação de disposições e princípios que constituem o núcleo central do Direito Administrativo, quer do ponto de vista substancial, quer do ponto de vista adjetivo, estando em causa uma limitação à forma como a Administração prossegue (pode prosseguir) a sua missão fundamental, com respeito pelo princípio da legalidade, e, de igual modo, está em causa a forma (quer processual, quer material) pela qual se processa a responsabilização da Administração, por atos padecidos de ilegalidade externa, concretamente se esta pode ocorrer no seio de um processo execução, quando houve ato de renovação (e, portanto, não está em causa, a indemnização por inexecução escudada em causa legítima) e, por outro tudo, se se trata, sempre e inevitavelmente, de uma sanção automática, que não carece do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, o que, no entender da Recorrente, constitui a aplicação de norma inconstitucional.
2. Mal andou a sentença ao retirar do artigo 128.º, n.º 1 alínea b), do CPA’91 uma proibição absoluta à eficácia retroativa dos atos de renovação (nos termos em que estes ficaram definidos), o que constitui o seu primeiro erro de julgamento, que marcou, inevitavelmente, a forma, também ela errada, como foi interpretado o artigo 173.º do CPTA e, bem assim, como foram ponderados os interesses e valores em presença, razão pela qual, por si só, deve ser revogada;
3. Conclui-se, pois, que da referida disposição do CPA’91 não resulta qualquer proibição de atribuição de eficácia retroativa de atos renovatórios de atos contenciosamente anulados, particularmente nos casos em que se elimina um vício de forma e se mantém o sentido da decisão, com base nos mesmos factos e no mesmo juízo jurídico, o que, aliás, está em linha com o entendimento da doutrina em relação à proximidade da renovação com as formas de sanação previstas no CPA’91 no artigo 164.º, e, mesmo, com o facto de a eficácia retroativa se impor pela natureza e lógica do ato, para que não se criem ficções absurdas. Está, assim, firmado o primeiro erro de julgamento.
4. A correta interpretação do artigo 173.º do CPTA, que deve ser conjugada com o artigo 128.º, n.º 1 alínea b), do CPA’91 (nos termos corretos, acima propostos, o que, por si só, abala a possibilidade de manter a interpretação que se defende para o artigo 173.º do CPTA, devendo procurar-se novos horizontes, como se faz no parecer junto), não leva à impossibilidade de atribuir eficácia retroativa, aliás pelo contrário, aos atos de renovação de atos ablativos contenciosamente anulados, com integral manutenção do sentido e dos elementos em que se suporta o ato, apenas com a não repetição do vício formal, em respeito pelo caso julgado. Pelo que é errada a decisão impugnada, sendo devida, como tal, a respetiva eliminação.
5. Deve, na verdade, concluir-se pelo reconhecimento de que existem diversos níveis/possibilidades de execução de sentenças anulatórias, não comportando todas, pela sua diversa natureza, as mesmas limitações (o que levará a uma maior coerência interpretativa e, de igual modo, a que se evitem ficções ilógicas), dando lugar à compreensão daquilo que é essencial assegurar ao impugnante do ato anulado e, depois, renovado, id est, a possibilidade de demandar a entidade pública para obter uma indemnização, desde que preencha os pressupostos necessários.
6. Um desses “deveres” ou conteúdos possíveis do dever de executar, é, precisamente, a possibilidade de reexercício do poder, em respeito pelo caso julgado, que corresponde a um dever de conformação e que não tem a natureza e limitações de outras atuações executórias, nomeadamente no que tange com a limitação dos efeitos retroativos. Sendo que, tal entendimento, é suportado pela correta interpretação dos preceitos legais pertinentes, a esta luz, nomeadamente o artigo 173.º do CPTA (o que leva a uma melhor compreensão do disposto no artigo 128.º do CPA’91).
7. Concluímos, assim, que a regulação legal não limita a eficácia retroativa da renovação, e que a proximidade desta a figuras como a ratificação, reforma e conversão, pressupõe a dita retroatividade, existindo permissão legal para esse efeito no final do n.º 1 do 173.º, mesmo quando já exista nova regulação legal (ao contrário do que se dispõe no artigo 137.º do CPA’91), nos termos defendidos no Parecer.
8. Este entendimento, permite uma melhor compreensão e concordância das disposições do CPA’91, permitindo chegar à necessária permissão da retroatividade com base na conjugação, a uma nova luz, do disposto no artigo 137.º do CPA’91, no artigo 173.º, n.º 1 do CPTA, no artigo 128.º, n.º 1, alínea b), do CPA’91, que nos leva à subsunção no 128.º, n.º 2 alínea c), do CPA’91, estando, portanto, justificada a retroatividade dos atos em análise e demonstrado o erro da decisão impugnada, sem que se prejudique (porque a retroatividade não implica essa limitação, como nos ensina a teoria do aproveitamento dos atos administrativos), como tantas vezes sucede, a possibilidade de demandar a Administração, em ação própria de responsabilidade civil - que é o essencial.
9. Podemos, porém, concluir pelo desacerto, em qualquer caso, da interpretação e aplicação do direito, realizada pelo acórdão impugnado, em face da jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, que reconhecem a possibilidade, mesmo fora do quadro da interpretação defendida, de atribuir eficácia retroativa aos atos de renovação, mesmo que os atos sejam ablativos, seja diretamente, seja por retirarem à suposta eficácia anulatória subsistente qualquer efeito prático, seja, ainda, por remeterem, necessariamente a discussão para o seu campo adequado, id est, uma ação de responsabilidade; tudo razões pelas quais o acórdão deve ser revogado.
10. Sintetizando, deve ser revogado, atento o erro de julgamento quanto à impossibilidade de eficácia retroativa, e, também, por causa do erro ínsito na atribuição de uma indemnização fora da ação própria e sem verificação do preenchimento dos requisitos.
11. Pois que, concluindo que o essencial é a possibilidade de indemnização (como parece também resultar da jurisprudência do Tribunal Constitucional), em casos como o que se encontra em discussão, em ação própria, torna-se evidente que nada obsta à eficácia retroativa dos atos de renovação e que o Tribunal se excedeu, considerando que estava em sede de execução e nem sequer referiu os pressupostos da responsabilidade civil.
12. Conclui-se também que a reforma do CPA veio dar reforço ao entendimento professado, nomeadamente através do artigo 164.º do CPA’2015, que corresponde ao artigo do CPA’91, do artigo 173.º que é o reflexo do artigo 172.º do CPTA, e do artigo 173.º do CPA’2015, de onde a doutrina retira a indemnização, sem prejuízo da retroatividade, reconhecendo que esta, existindo, é inoponível ao impugnante para efeitos da possibilidade (enfatize-se: possibilidade) de exercício da ação de responsabilidade para eliminar os danos.
13. Razão pela qual sai reforçada a necessidade de reconhecer o erro do aresto impugnado e proceder à sua revogação.
14. Conclui-se, ainda, que é indefensável e, como tal de censurar com a revogação, a opinião professada no aresto impugnado, quanto à insusceptibilidade da eficácia retroativa, quando se admite o aproveitamento do ato administrativo, incluindo de feição ablativa; sendo de salientar que, também nestes casos, o remédio adequado é a possibilidade de indemnização, em ação própria.
15. Em qualquer caso, é de concluir que o acórdão em apreço sempre será de revogar, pois está em frontal violação do entendimento quase unânime da jurisprudência em relação à inexistência de responsabilidade nos casos em que há renovação do ato contenciosamente anulado, com base em vícios formais, desde que o vício tenha sido expurgado no novo ato, violando também, o entendimento que tal indemnização, a existir, só poderá ser aferida em ação própria; o que, aliás, resulta de jurisprudência produzida pelo mesmo Desembargador Relator do acórdão impugnado.
16. O acórdão em crise, contrário à jurisprudência pacífica dos Tribunais superiores, deve, então, ser revogado, por conceder, em casos de ilegalidade formal, em que houve renovação do ato, uma indemnização, sem curar de preencher os pressupostos da responsabilidade civil e fora da ação própria que para este efeito teria, em qualquer caso, de ser intentada.
17. Conclui-se também que existindo ato, caso o Tribunal o considere ilegal tem de declarar, expressamente, a sua nulidade ou anulá-lo, devendo isso constar do segmento decisório. Ao não emitir qualquer das pronúncias, porque está em causa um poder/dever, conferido a bem da correta execução e da segurança jurídica, o Tribunal viola ostensivamente o disposto no artigo 167.º, n.º 1, do CPTA, o que deve motivar a revogação do aresto impugnado;
18. Conclui-se, por último, que, a norma do artigo 128.º, n.º 1, alínea b), do CPA’91 e de artigo 173.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, interpretada no sentido de que a Administração é sempre e automaticamente responsável pelos danos medio tempore, mesmo que tenha sido renovado o ato, sem sequer se apreciar o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, é inconstitucional, por violação de princípio da responsabilidade extracontratual do Estado, consagrado no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa …».

5. Devidamente notificado, o exequente, aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do julgado, formulando as conclusões seguintes:
«
A) Não estão reunidos os requisitos legais para a admissão da Revista;
B) Os atos administrativo de cumprimento e execução de julgados anulatórios devem respeitar o efeito retroativo da anulação e no caso de atos sancionatórios anulados não podem ter efeito retroativo.
C) O recorrente não impugnou os valores peticionados pelo recorrido pelo que não cabe, aqui, avaliá-los …».

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 20.10.2016, veio a ser admitido o presente recurso de revista.

7. O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu pronúncia no sentido de ser concedido provimento ao recurso, pronúncia essa que, objeto de contraditório, mereceu resposta discordante do aqui recorrido.

8. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para o seu julgamento.



DAS QUESTÕES A DECIDIR
9. Constitui objeto de apreciação, nesta sede, o invocado erro de julgamento de direito assacado à decisão judicial recorrida, porquanto esta, ao haver concedido provimento ao recurso e condenado o ente ora executado «MdB»/[«C.M. Barreiro» («CMB»)], terá sido proferida em violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 128.º, n.º 1, al. b), do CPA/91 [na redação anterior à que lhe foi dada pelo DL n.º 4/2015 - redação a que se reportarão as referências posteriores ao CPA salvo expressa indicação em contrário], 173.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - redação a que se reportarão as referências posteriores ao CPTA salvo expressa indicação em contrário] e 22.º da CRP [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].



FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO

10. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
10.1. Da sentença do «TAC/L»:
I) Por sentença proferida em 07.04.2008 por este Tribunal, foi decidido julgar «totalmente improcedente o presente recurso contencioso, em que é Recorrente, A………… e Entidade Recorrida, Câmara Municipal do Barreiro, mantendo-se na ordem jurídica a deliberação recorrida, datada de 10/03/1999, que manteve a aplicação da pena disciplinar, de aposentação compulsiva, por não provadas as respetivas causas de invalidade invocadas» [cfr. sentença, a fls. 99 e segs. dos autos de recurso contencioso n.º 397/99, de que os presentes autos constituem um dos apensos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
II) Por acórdão proferido em 23.05.2013 pelo Tribunal Central Administrativo Sul, foi decidido «conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida e conceder-se provimento ao recurso contencioso por vício de forma, inobservância da votação por escrutínio secreto, anulando-se o ato impugnado» [cfr. acórdão, a fls. 179 e segs. dos autos de recurso contencioso n.º 397/99, de que os presentes autos constituem um dos apensos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
III) Por deliberação, aprovada em 10.07.2013 pela Câmara Municipal do Barreiro, foi decidido «renovar» o ato administrativo consubstanciado na deliberação camarária de 10.03.1999, com a correção do vício de forma verificado, «mantendo-se o conteúdo material e desta forma realizar-se a nova votação por escrutínio secreto, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 2, do CPA» [cfr. doc. n.º 01, junto com a petição de execução, a fls. 11 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

10.2. Do acórdão do «TCA/S», que, ao abrigo do art. 662.º, n.º 1, do CPC [na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013], aditou a seguinte factualidade [«(por aceitação do executado - artigos 10.º a 13.º da petição inicial) como invocada na petição inicial»]:
IV) O exequente em 01.01.1999 auferia € 611,03, pelo escalão 3 índice 205 das carreiras do regime geral.
- Em maio deste ano progredia ao escalão 4 índice 225, correspondente ao valor de € 639,46;
- Em 2000 o valor do índice 225 era de € 639,46;
- Em 2001 o valor do índice 225 era de € 679,54;
- Em 2002 o valor do índice 225 era de € 698,24 e em maio progrediria ao índice 250 correspondente ao valor de € 755,04;
- Em 2003 e por descongelamento o índice 250 passou a ser o 254 e correspondia o valor de € 788,24;
- Em 2004 e por descongelamento o índice 254 passou a ser o 259 e correspondia o valor de € 803,75;
- Em 2005 o valor do índice 259 era de € 821,44;
- Em 2006 o valor do índice 259 era de € 833,77;
- Em 2007 o valor do índice 259 era de € 846,28;
- Em 2008 o valor do índice 259 era de € 864,05;
- Em 2009 transitaria para a carreira de assistente operacional, posição remuneratória entre 8 e 9, que correspondia e, ainda, corresponde ao valor de € 889,10.
- O subsídio de refeição foi atualizado anualmente, conforme se indica desde 1999 até 2009: € 3,12, € 3,24, € 3,39, € 3,49, € 3,58, € 3,70, € 3,83, € 3,95, € 4,03, € 4,11 e € 4,27. O cálculo foi efetuado até 20 dias úteis por mês.
V) Recebia a pensão de aposentação desde 25.03.1999 no valor de € 243,99/mês, que foi sendo atualizada, conforme se indica: No ano de 2002 foi atualizada para o valor de € 246,53, em 2004 € 249,98, em 2005 € 255,48, em 2006 € 261,87, em 2007 € 268,42, em 2008 € 274,86, em 2009 € 282,83, em 2010 € 286,37, mantendo-se este último valor para os anos de 2011, 2012 e 2013.
V) Os valores em causa cifram-se em € 119.911,65 [cento e dezanove mil, novecentos e onze euros e sessenta e cinco cêntimos] de acordo com o quadro que segue:

ANO
VENCIMENTOS
PENSÃO
DIFERENÇA
S.REFEIÇÃO
1999
7005,63
2683,56
4322,07
561,60
2000
8952,44
3415,44
3590,19
777,60
2001
9513,56
3415,44
5537,00
813,60
2002
10343,36
3451,49
6891,87
837,60
2003
11035,36
3415,44
7583,92
859,20
2004
11252,50
3499,72
7752,78
888,00
2005
11500,16
3576,72
7923,44
919,20
2006
11672,78
3666,18
8006,60
948,00
2007
11847,92
3757,88
8090,04
967,00
2008
12096,70
3848,04
8248,66
986,40
2009
12447,40
3959,62
8487,78
1024,80
2010
12447,40
4009,18
8438,22
1024,80
2011
12447,40
4009,18
8438,22
1024,80
2012
12447,40
4009,18
8438,22
1024,80
2013
7112,80
2290,96
4821,84
683,20
106570,85 +
13340,80 = 119911,65


*

DE DIREITO
11. Sendo este o quadro factual que resulta fixado nos autos passemos, então, à apreciação dos fundamentos que constituem objeto de recurso e que supra foram elencados.

12. Constitui objeto de dissídio nos autos o determinar se acórdão recorrido do «TCA/S», ao haver concedido provimento ao recurso e revogado o julgamento feito pelo «TAC/L» [de improcedência da pretensão formulada pelo exequente, aqui ora recorrido, visto mostrar-se como cumprido o julgado anulatório exequendo não assistindo a este o direito à pretensão reintegratória condenatória peticionada], incorreu em erro de julgamento, já que assente em alegado desacerto na interpretação e aplicação, nomeadamente, dos arts. 128.º, n.º 1, al. b), do CPA, 173.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, e 22.º da CRP.
Vejamos.

13. Resulta, desde logo, do art. 205.º da CRP que as «decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades» [n.º 2], e de que a «lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução» [n.º 3], sendo que, em consagração destes comandos constitucionais, decorria do art. 04.º, n.º 1, al. n), do ETAF [na redação anterior ao DL n.º 214-G/2015], em consonância com o princípio da sua auto suficiência executiva enunciado no n.º 3 do art. 03.º do CPTA, que incumbia aos tribunais da jurisdição administrativa a execução das decisões pelos mesmos proferidas.

14. Decorria, ainda, do art. 173.º do CPTA, sob epígrafe de “execução de sentenças de anulação de atos administrativos”, que «[s]em prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado» [n.º 1] e de que «[p]ara efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como no dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação» [n.º 2].

15. E em matéria da eficácia do ato administrativo disciplinava-se, como regra geral, no art. 127.º do CPA de que «[o] ato administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa ou diferida» [n.º 1], e de que «[p]ara efeitos do disposto no número anterior, o ato considera-se praticado logo que estejam preenchidos os seus elementos, não obstando à perfeição do ato, para esse fim, qualquer motivo determinante de anulabilidade» [n.º 2], estipulando-se, de seguida, no art. 128.º do mesmo código, em sede da possibilidade de atribuição de eficácia retroativa aos atos administrativos, que «[t]êm eficácia retroativa os atos administrativos: a) Que se limitem a interpretar atos anteriores; b) Que dêem execução a decisões dos tribunais, anulatórias de atos administrativos, salvo tratando-se de atos renováveis; c) A que a lei atribua efeito retroativo» [n.º 1], sendo que «[f]ora dos casos abrangidos pelo número anterior, o autor do ato administrativo só pode atribuir-lhe eficácia retroativa: a) Quando a retroatividade seja favorável para os interessados e não lese direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, desde que à data a que se pretende fazer remontar a eficácia do ato já existissem os pressupostos justificativos da retroatividade; b) Quando estejam em causa decisões revogatórias de atos administrativos tomadas por órgãos ou agentes que os praticaram, na sequência de reclamação ou recurso hierárquico; c) Quando a lei o permitir» [n.º 2].

16. Presente, nomeadamente, o quadro normativo acabado de enunciar, temos que do mesmo resulta que a execução do julgado anulatório terá de consistir na prática pela Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do ato ilegal, reconstituindo-se a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado, atuação essa a desenvolver em pleno respeito do julgado, considerando e respeitando, não só todos os fundamentos de ilegalidade julgados verificados, mas, também, os termos da pronúncia condenatória que haja sido prolatada [cfr. arts. 173.º do CPTA, 619.º a 621.º do CPC].

17. É sobre a Administração que impende o dever de executar as decisões judiciais e de o fazer respeitando o julgado anulatório na sua plenitude [efeito conformativo, preclusivo ou inibitório da sentença], dever esse que proíbe, nomeadamente, a reincidência na ilegalidade verificada, estando, assim, excluída a possibilidade de a Administração reproduzir o ato com as mesmas ilegalidades individualizadas e assim declaradas pelo juiz administrativo sob pena de incorrer em nulidade [cfr. art. 133.º, n.º 2, al. h), do CPA - na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 4/2015], na certeza de que o princípio do respeito do caso julgado, não impedindo a substituição do ato anulado por outro com o mesmo sentido, não admite, todavia, que tal substituição se faça com repetição de alguma das ilegalidades que foram determinantes da anulação.

18. Estando em causa a execução de julgado anulatório relativo a decisão disciplinar punitiva importa, então, determinar como, no caso, se processa a reconstituição da situação que existiria se o ato administrativo anulado não tivesse sido praticado, ou seja, como se pode realizar a reconstituição da situação atual hipotética.

19. Sustenta o ente executado, aqui ora recorrente, que com a emissão da deliberação da edilidade n.º 255/2013, tomada em 10.07.2013 por escrutínio secreto e na qual se procedeu à renovação da deliberação disciplinar punitiva de 10.03.1999, que havia sido anulada, atribuindo-lhe efeitos retroativos reportados à data da emissão daquele ato anulado, procedeu à integral e cabal reconstituição da situação, não assistindo ao exequente o direito a que lhe sejam pagos os valores reclamados na petição executiva.

20. No caso vertente a decisão judicial anulatória exequenda havia anulado o ato punitivo proferido no procedimento disciplinar [deliberação da edilidade de 10.03.1999 que puniu o exequente com a pena de aposentação compulsiva] com fundamento na verificação de ilegalidade de natureza formal [inobservância da deliberação disciplinar punitiva da exigência de submissão da mesma a escrutínio secreto - art. 24.º, n.º 2, do CPA] [cfr. n.ºs I) e II) da factualidade fixada].

21. Visando dar execução àquele julgado anulatório a «CMB» veio, em reunião de 10.07.2013, deliberar, por escrutínio secreto, renovar a decisão disciplinar punitiva tomada em 10.03.1999, aplicando ao exequente de novo a pena de aposentação compulsiva, atribuindo à sua decisão efeitos retroativos reportados à data da emissão do ato que havia sido anulado [vide fls. 11/13 dos autos e n.º III) da matéria de facto apurada].

22. Entendeu-se no acórdão recorrido, por um lado, que a deliberação disciplinar punitiva, tomada em 10.07.2013 e em reconstituição da situação atual hipotética, não poderia gozar de eficácia retroativa e, por outro lado, que aquela reconstituição imporia ou exigira o ter de ser considerar o exequente com direito a que lhe seja paga a diferença entre os valores recebidos como aposentado e aqueles valores que o mesmo teria recebido não fora o ato ilegal caso estivesse em funções entre 10.03.1999 até 10.07.2013.

23. Estamos no quadro de reexercício de poder disciplinar efetuado em sede de execução de acórdão anulatório, visando-se, através do mesmo, o operar da reintegração da ordem jurídica que havia sido violada, atuação esta que importa que seja realizada de harmonia, nomeadamente, com a aplicação conjugada do que se mostra disposto nos arts. 173.º do CPTA e 128.º do CPA, cientes de que, como referido, resulta do art. 127.º do CPA a enunciação de um princípio geral de direito administrativo da irretroatividade dos atos administrativos.

24. Assim, e tal como afirmado pelo Pleno deste Supremo no seu acórdão de 02.07.2008 [Proc. n.º 01328A/03 in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa indicação em contrário], este princípio «como toda a regra, também admite exceções», tal como ocorre com o regime previsto no art. 128.º do CPA, sendo que, quanto à al. b) do seu n.º 1, a ressalva ali feita na sua parte final, ou seja, «salvo tratando-se de atos renováveis», «tem sido interpretada no sentido de que não consagra um princípio de absoluta irretroatividade dos atos praticados em execução de sentenças anulatórias de atos renováveis».

25. E, na articulação entre os arts. 173.º do CPTA e 128.º, n.º 1, al. b), do CPA, sustenta-se ainda no mesmo acórdão de que este último «deve ser interpretado em conjugação com o art. 173.º do CPTA que, embora integrado na lei do processo administrativo, estabelece o regime jurídico substantivo, pelo qual a Administração se deve pautar sempre que lhe cumpra extrair consequências da anulação dos seus atos administrativos», sendo que, no cumprimento dos deveres em que a Administração fica constituída por efeito da anulação de um ato administrativo, a mesma «dependendo dos casos, pode ter de atuar por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado (art. 173.º, n.º 1) e de praticar, quando for caso disso, atos administrativos retroativos, desde que esses atosnão envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos», tal como resulta imposto pelo n.º 2 do citado preceito [sublinhados nossos] [aceitando este entendimento, cfr., ainda, o Ac. do STA de 23.10.2012 - Proc. n.º 0262/12; também, na doutrina, ver entre outros, Afonso Rodrigues Queiró, in: RLJ, Ano 119, págs. 302/303; M. Aroso de Almeida in: «Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes», págs. 664, 666, 683/686; M. Aroso de Almeida e Carlos A. Fernandes Cadilha in: «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», 3.ª edição, págs. 1114 e segs.; Estevão Nascimento da Cunha in: «Ilegalidade externa do ato administrativo e responsabilidade civil da Administração», págs. 182/183 e 193].

26. Com efeito, o n.º 2 do preceito em referência ao estabelecer que a Administração não pode praticar atos administrativos dotados de eficácia retroativa quando estejam em causa, nomeadamente, atos sancionatórios, visa impedir que, através de um ato «renovatório», produzido em sede de execução do julgado anulatório, possa-se lograr obter uma cobertura válida reportada ao passado, eliminando os prejuízos que tenham advindo ou sido produzidos ao destinatário pelo ato primário ilegal, pondo, mormente, em causa o princípio da irretroatividade dos atos agressivos e impositivos e do qual decorre a proibição da retroatividade de atos que, na sequência da anulação, a Administração venha a praticar com conteúdo sancionador renovando o ato punitivo anulado [cfr. al. a), do n.º 2 do art. 128.º do CPA].

27. Tal como já havia sido afirmado também pelo Pleno deste Tribunal no seu acórdão de 11.12.1996 [Proc. n.º 023883], ainda no quadro e por referência a diverso regime normativo, a possibilidade de atribuição de eficácia retroativa em execução de julgado anulatório estava dependente de o ato ser favorável ao administrado, porquanto se o ato lhe fosse desfavorável tal possibilidade de atribuição de eficácia retroativa estaria vedada à Administração, entendimento este que, anteriormente, já havia sido sustentado também pelo Pleno deste Tribunal no seu acórdão de 25.02.1986 [Proc. n.º 10648A], quando nele afirmou que «em casos determinados e limitados, os atos administrativos podem ter força retroativa», neles se incluindo «pela própria natureza da atividade desenvolvida» a «execução de decisões dos tribunais, anulatórias de atos administrativos», mas que, sendo «renovável o ato punitivo do funcionário, anulado por falta de uma formalidade essencial do processo de formação da vontade administrativa», disso não deriva que a Administração, ao renovar o ato disciplinar punitivo, possa dotar este ato de eficácia retroativa, pelo que este produz seus «efeitos somente a partir da sua notificação ao interessado» e apenas para o futuro.

28. E idêntico entendimento, ou seja, o de que a decisão punitiva proferida na sequência de outra anterior, anulada contenciosamente, produz efeitos apenas para o futuro, não tendo, pois, efeitos retroativos, foi firmado em aplicação e por referência ao regime constante do art. 128.º do CPA, nomeadamente, nos acórdãos deste Supremo de 14.02.1995 [Proc. n.º 036265], de 04.05.1995 [Proc. n.º 023405], e de 17.06.2003 [Proc. n.º 0750/03].

29. Revertendo à situação sub specie temos que, nas situações de reexercício do poder disciplinar em execução de julgado anulatório, como é o caso, o ente executado, face ao estipulado no quadro normativo em presença, podendo praticar um novo ato disciplinar punitivo, com e através do qual procede à regulação de novo da situação jurídica, apenas o poderá fazer com efeitos para o futuro, e nunca com efeitos retroativos, sob pena de frustração da reintegração da legalidade violada.

30. Na verdade, a entender de modo diverso, como pugna o recorrente, tudo se passaria como se o ato punitivo ilegal anulado continuasse a produzir efeitos desde a data da sua emissão, tornando não só inútil a sua impugnação contenciosa e a própria decisão judicial que a havia julgado procedente, como também desprovida de uma efetiva sanção jurídica a ilegalidade cometida e, bem assim, não reparada a lesão dos direitos e interesses do exequente, aqui recorrido, e isso quando o ato punitivo anulado já não poderia ser convalidado e os seus efeitos jurídicos não poderiam ser aproveitados já que a tal obstavam a pronúncia judicial proferida e aquilo que são as suas consequências em decorrência do seu efeito constitutivo.

31. No que releva para o objeto de discussão nos autos e de harmonia com o exposto vigora no nosso ordenamento jurídico [cfr. arts. 173.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, 128.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do CPA], no domínio reexercício do poder disciplinar em execução de julgado anulatório, um princípio de absoluta irretroatividade dos atos praticados em execução de sentenças anulatórias de atos renováveis, razão pela qual estava, assim, vedada ao ente executado, ora recorrente, a possibilidade de atribuição de efeitos retroativos ao ato disciplinar punitivo praticado em execução do julgado anulatório, definidor de novo da situação jurídica do exequente e que não colhe sustentação e integração na al. c) do n.º 1 do art. 128.º do CPA, termos em que naufragam a motivação expendida pelo recorrente e as críticas que este, neste âmbito, dirigiu ao acórdão recorrido [conclusões 01.ª) a 10.ª) das alegações].

32. Assente que se mostra o juízo de total improcedência do fundamento de recurso e respetiva motivação relativo a este primeiro ponto de divergência quanto ao julgado recorrido importa, agora, centrar nossa atenção no segundo ponto objeto de controvérsia e que se prende com o apontado erro de julgamento ao acórdão recorrido na condenação nele firmada do ente executado no pagamento ao exequente da quantia de 119.911,65 €, acrescida de juros de mora vencidos, computados em 2.838,46 €, e dos vincendos até efetivo e integral pagamento, já que em alegado confronto com a inexistência de «responsabilização» do ente executado pelos danos medio tempore causados pelo ato punitivo anulado ao exequente.

33. Resulta do n.º 1 do citado art. 173.º, já atrás transcrito, que, em decorrência, da anulação de um ato administrativo a Administração fica investida no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.

34. Na verdade e como referido anteriormente, a decisão judicial anulatória goza do denominado efeito repristinatório, efeito reconstitutivo ou reconstrutivo, por força do qual a Administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal, sendo que, no cumprimento deste dever, a Administração, dependendo dos casos, pode ter de atuar por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado [cfr. n.º 1 do citado art. 173.º do CPTA] e de praticar, quando for caso disso, atos administrativos retroativos, desde que esses atos «não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos» [cfr. n.º 2 do aludido art. 173.º do CPTA].

35. Na situação vertente já concluímos que o ato punitivo praticado pela «CMB», em 10.07.2013, não poderia deter ou gozar, em termos temporais, de efeitos retroativos reportados à data da prática, em 10.03.1999, do ato punitivo anulado, pelo que a reconstituição ou reintegração da legalidade não passava ou não se bastava apenas com o reexercício do poder disciplinar por parte do ente executado com a emissão de nova decisão, ao abrigo e com apoio também no princípio do aproveitamento do ato, como sustenta o recorrente.

36. É que a obrigação de reconstituição emergente da anulação do ato impõe a prática de todos os atos e operações necessários à plena reintegração da situação do exequente do statu quo ante, repondo a conformidade da sua situação de facto e de direito pelo período intercorrente, no caso, mormente, o período temporal que mediou entre 10.03.1999 e 10.07.2013, para efeito extraindo as devidas consequências da decisão judicial anulatória e, ainda, da impossibilidade do novo ato punitivo não poder gozar da eficácia temporal pretendida pelo ente executado, nem do apelo ao princípio do aproveitamento do ato aqui também claramente insubsistente.

37. Em situação como a vertente em que o exequente, enquanto funcionário da edilidade, em decorrência da anulação contenciosa da decisão disciplinar punitiva, carece de ser reintegrado nas funções/cargo que exercia por força da retroatividade/vigência imposta em termos de reposição do vínculo e que lhe assiste o direito aos vencimentos àquele vínculo inerentes e que o mesmo auferiria durante o tempo em que se encontrou ilegalmente afastado do serviço em decorrência da pena disciplinar de aposentação compulsiva, temos que sobre a Administração, no caso sobre o ente executado, impendia e impende o correspondente dever de prestar, o dever de cumprir todas as prestações que seriam devidas ao exequente, nomeadamente, as retributivas, tanto mais que o incumprimento da contraprestação por parte daquele se deveu a facto imputável à Administração que «tornou impossível ao funcionário a prestação do serviço» [cfr. M. Aroso de Almeida, in: ob. cit., págs. 517/521 e 545/546].

38. Em observância, assim, do critério da reconstituição atual hipotética assistiria e assiste ao exequente, por força da sua qualidade de funcionário, «o direito à perceção dos benefícios que teria auferido entre o momento em que se começaram a produzir os efeitos do ato anulado e o momento em que é reintegrado ou recolocado - ou o momento em que sobreveio o evento que, independentemente do ato anulado, sempre teria posto termo à relação de emprego», inscrevendo-se nos deveres de reconstituição «tudo o que não exige uma valoração discricionária em relação ao serviço que não se prestou», nomeadamente, «um aumento de vencimento que deva periodicamente acontecer, (…), uma passagem de escalão ou de categoria, quando isso não envolva um qualquer juízo sobre a atividade que não se prestou e que não se pode mais prestar» [vide M. Aroso de Almeida in: ob. cit., págs. 524 e 527/528].

39. Em decorrência da linha argumentativa que vimos desenvolvendo e presente a pretensão exequenda que se mostra formulada, devida e adequadamente, nos autos de execução de decisão judicial anulatória não resulta estarmos perante questão que nos tenha de remeter para o instituto da responsabilidade civil da Administração e que haja sido deduzido no quadro de ação administrativa, ou que a situação sub specie ao mesmo careça ou tenha de ser reconduzida, aferindo-se do concreto preenchimento dos respetivos pressupostos tal como sustenta o recorrente nas respetivas alegações e sua síntese conclusiva.

40. Afigura-se-nos que, ao invés do ali invocado pelo recorrente, tudo se mostra e deve ser reconduzido, como supra referido, à execução da decisão judicial anulatória e deveres que impendem sobre o ente administrativo executado em sede de reconstituição da situação hipotética do seu então funcionário, aqui recorrido, no quadro da relação obrigacional de emprego público então existente e dum direito aos vencimentos por parte daquele funcionário, na certeza de que a necessária e devida dedução, em decorrência da anulação contenciosa, de eventuais rendimentos entretanto auferidos por parte do mesmo funcionário ao montante dos vencimentos em dívida mostra-se como claramente compatível ou compaginável com o critério da reconstituição atual hipotética em sede exequenda e do quadro legal convocado nesta sede, sendo despiciendo a remessa para o instituto da responsabilidade civil da Administração da disciplina da questão [vide M. Aroso de Almeida in: ob. cit., págs. 539 e 547].

41. Nessa medida, não se fundando ou reconduzindo a situação sub specie ao instituto da responsabilidade civil, e não resultando da condenação proferida no acórdão recorrido que a mesma se haja fundado em tal instituto, não se descortina que ocorra o apontado erro de julgamento sustentado pelo aqui recorrente [conclusões 10.ª) a 16.ª) e 18.ª) das alegações], inexistindo, assim, uma qualquer infração do art. 22.º da CRP ou uma qualquer interpretação normativa inconstitucional do mesmo preceito na sua articulação com os arts. 128.º, n.º 1, al. b), do CPA e 173.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, ou mesmo destes, em violação do alegado princípio da responsabilidade extracontratual do Estado.

42. De referir, ainda, que não ocorre in casu a violação do art. 167.º do CPTA por parte do acórdão recorrido, porquanto lidos o teor e os termos da deliberação camarária de 10.07.2013 da mesma não se extrai, desde logo, uma expressa e clara atribuição de efeitos retroativos à decisão disciplinar punitiva e que, assim, tivesse sido infringido o disposto nos arts. 128.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), e 173.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA. A atribuição de um tal efeito retroativo àquela deliberação apenas veio a ser defendida pelo exequente na sua defesa e a quando da dedução da respetiva contestação nos presentes autos [cfr., nomeadamente, seu art. 16.º], realidade e interpretação que foi frontalmente contraditada pelo exequente na resposta produzida [cfr. arts. 05.º e segs.], não se vislumbrando, assim, que, neste contexto, se impusesse uma pronúncia anulatória pelo tribunal a quo, tal como a pretendida pelo ente executado, soçobrando desta forma, também, este fundamento de recurso.

43. Não pode, pois, ser julgado procedente, de harmonia com o exposto, o presente recurso de revista, impondo-se a manutenção do juízo firmado no acórdão recorrido, com todas as legais consequências.





DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional sub specie e, em consequência, manter o acórdão recorrido.
Custas a cargo do recorrente.


D.N..



Lisboa, 5 de julho de 2018. - Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.