Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0707/23.4BELSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA
Sumário:Pela sua relevância jurídica e pela necessidade de clarificar e solidificar a sua resolução no caso concreto, é de admitir recurso de revista sobre a adequação do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, para reagir à inércia da Administração na decisão de uma pretensão de autorização de residência.
Nº Convencional:JSTA000P32036
Nº do Documento:SA1202403210707/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - SEF
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. AA - autor desta «intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias» [artigos 109º a 111º do CPTA] - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - de 11.01.2024 - que decidiu negar provimento à sua «apelação» e manter a sentença do TAC de Lisboa - de 13.04.2023 - que absolveu da instância o MAI/SEF - MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA/SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS - com fundamento no julgamento de procedência de «excepção dilatória inominada» consubstanciada na falta do requisito da subsidiariedade exigido pelo artigo 109º, nº1, do CPTA.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão» - artigo 150º, nº1, do CPTA.

A entidade demandada - MAI/SEF - devidamente notificada não apresentou «contra-alegações».

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O autor desta «intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias» - AA [nacional do NEPAL] - demandou o MAI/SEF pedindo ao tribunal que o condenasse na prática do acto devido, ou seja, «a emitir o título de autorização de residência que lhe requereu em 02.10.2022 ou, caso assim se entenda, a declarar o deferimento tácito de tal requerimento».

O tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - julgou procedente a defesa por «excepção» deduzida pela entidade demandada, e, em conformidade, absolveu esta da instância por falta de verificação do requisito da subsidiariedade exigido para lançar mão deste meio processual - artigos 109º, nº1, e 110º, nº1, do CPTA.

O tribunal de 2ª instância - TCAS - negou provimento à apelação do autor, entendendo que a sentença não incorreu em erro de julgamento ao considerar inobservado o dito requisito da subsidiariedade de que depende a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Na verdade, o «apelante» defendia que a sentença errava na interpretação da lei, ignorava jurisprudência dos tribunais superiores - TCAS e STA - sobre a idoneidade deste processo para defender os seus concretos interesses, e afastava a suficiência da utilização de uma providência cautelar - no caso - alegando que esta, pela sua precariedade, era incerta no seu desfecho e dependia de uma acção que poderia demorar anos. No «acórdão do tribunal de apelação» entendeu-se, em suma, que o decretamento de providência cautelar adequada a assegurar a utilidade da acção principal - intimação para emissão de autorização de residência - seria «suficiente» para a protecção dos direitos invocados pelo autor.

O apelante discorda de novo. Alega que a interpretação e aplicação da lei que foi feita pelos tribunais de instância, mormente pelo acórdão recorrido, é errada, porque viola o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva e coloca um obstáculo desproporcionado ao acesso ao direito - artigo 20º e artigo 268º, nº4, da CRP - para além de se traduzir num claro benefício do infractor - invoca ainda os artigos 1º, 2º, 12º, 13º, 15º, 20º, 26º, 27º, 36º, 44º, 53º, 58º, 59º, 64º, 67º, 68º, da CRP, 7º, 15º e 41º da CDFUE, 6º e 14º da CEDH, 109º CPTA, 82º nº1, e 88 nº2, da Lei 23/2007 de 04.07 [e Leis nº29/2017, de 31.07, nº102/17, de 28.08, e nº18/22, de 25.08], 5º, 8º, 10º e 13º do CPA, e 607º, nº4, do CPC.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Feita uma tal apreciação, impõe-se-nos concluir pela admissão do presente recurso de revista. Efectivamente, e desde logo, a sintonia dos «tribunais de instância» no sentido do julgamento de procedência da excepção dilatória da falta de verificação do requisito da subsidiariedade assenta em fundamentos ainda discutidos na jurisprudência, como o demonstra, desde logo, o recente aresto deste STA que, apesar de ir na linha do que foi decidido pelo acórdão recorrido, mereceu um voto de vencido - AC STA de 16.11.2023, processo nº0455/23.5BELSB; ver ainda AC STA de 11.09.2019 Rº 01899/18.0BELSB.

Assim, para além de estarmos perante uma «questão» de relevância jurídica, acresce a necessidade de clarificar e solidificar o sentido da sua resolução, no âmbito dos «casos concretos trazidos a juízo», o que é múnus do órgão máximo desta jurisdição.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 21 de março de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.