Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0121/09
Data do Acordão:10/28/2009
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO
DEVER DE CONHECIMENTO DE TODAS AS CAUSAS DE INVALIDADE
ACTO DISCRICIONÁRIO
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO
Sumário:I - Só existe o dever do juiz identificar causas de invalidade geradoras de anulação e não alegadas pelas partes (art. 95º, 2 do CPTA) se do processo constarem todos os factos necessários para o respectivo julgamento.
II - O juiz administrativo pode negar relevância anulatória ao erro da Administração, mesmo no domínio dos actos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do acto e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa porque não afectou as ponderações ou as opções compreendidas (efectuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário.
Nº Convencional:JSTA00066051
Nº do Documento:SA1200910280121
Data de Entrada:02/05/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VISEU
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC.
Objecto:AC TCA NORTE DE 2008/11/16.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL.
Legislação Nacional:RGEU51 ART73 ART106 N2 ART59 ART60.
CPTA02 ART95 N2 ART91 N2 N5.
CPC96 ART287 E ART664.
LPTA85 ART57 ART95 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC45967 DE 2002/01/23.; AC STA PROC46611 DE 2002/02/07.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 8ED PAG221.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
A…, devidamente identificado nos autos, vem interpor recurso de revista, ao abrigo do n.° 1, do artigo 150.° do CPTA, do Acórdão do TCA Norte, de 16-11-08, que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo ora Recorrido, Município de Viseu, revogou a decisão do TAF de Viseu, de 20-07-07, mantendo “a ordem de demolição das obras de ampliação no prédio urbano, sito em Vale de Ferreiros, Viseu, com base na pretensa violação do art. 73° do RGEU.”
Termina as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1ª - O Recorrente Município de Viseu, apenas levou ao conhecimento do TCA Norte, duas questões concretas.
A saber.
a) Violação dos artigos 59º e 60° do RGEU pelo TAF de Viseu;
b) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (artigo 73° do RGEU).
Logo, só estas questões delimitavam o objecto do recurso, e mais nenhuma outra. Porém, o TCA Norte, além de sobre estas se ter pronunciado, foi mais longe, e extravasou os limites de cognição, conhecendo de matéria que não lhe foi colocada, substituindo-se à 1ª instância, para decidir aquilo que ali não foi decidido, nem argumentando pelas partes, nem sequer, aguardado por estes, pelo que tal decisão é absolutamente surpreendente, não tendo dado sequer oportunidade às partes de se pronunciarem sobre tal, como em última ratio se poderia exigir, atento o artigo 149º, n° 5 do CPTA. Assim, é vítreo que o acórdão é nulo por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 668°, n° 1, alínea b) do CPC, o que aqui se invoca para os devidos efeitos legais.
2ª A escalpelização hermenêutica do acórdão, ora, recorrido, descortina equívocos ao nível da subsunção jurídica e descobre contradições manifestas, opostas a nu, quando cotejadas com o sistema jurídico, considerado na sua unicidade.
3ª O presente recurso de revista, preenche os requisitos plasmados no artigo 150°, n° 1 do CPTA.
4ª - A questão (entre outras) que se levam ao douto critério aferidor dos Colendos Conselheiros, reveste importante relevância jurídica e social, além do presente recurso se mostrar muito pertinente para uma melhor aplicação do Direito, em virtude, diz-se com o devido respeito, da vítrea falência do fundamento que escorou o acórdão do TCA Norte, fazendo uma manifesta errada aplicação do Direito, postergando disposições legais, e violando a CRP.
5ª – O art. 73º do RGEU, jamais fundamentou a decisão do Município de Viseu de demolir a casa de habitação do autor. A fundamentação do acto administrativo, centrou-se unicamente na pretensa violação dos artigos 59º e 60º do RGEU jamais tendo imputado ao acto qualquer facto concreto e circunstanciado de violação do art. 73º do RGEU.
6ª O próprio Município de Viseu, veio reconhecer nos presentes autos, que a fundamentação do acto administrativo que ordenou a demolição assentou na violação dos artigos 59º (e não por erro o artigo 53º do RGEU) e 60º do RGEU, conforme cristalinamente se lê nos artigos 8º, 10º, 11º, 25º, 28º e 34º da Contestação.
7ª A aceitar-se (o que não se concede) alguma pretensa violação do plasmado no art. 73º do RGEU então, obrigatoriamente, estava o Município de Viseu vinculado a proceder à audição do interessado, notificando-o, ainda, para proceder aos trabalhos de correcção ou de alteração necessários, para sanar a ilegalidade, como se impunha em qualquer Estado de Direito democrático, em que as decisões administrativas ou judiciais cumprem o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, o que nunca fez;
8ª O aresto do TCA Norte é, ainda censurável porque postergou, em absoluto, o vertido nos artigos 2º e 95º, n.º 2 do CPTA.
9ª Os referidos normativos dão concretização legal ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, no sentido de onerar o Tribunal com o dever de identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, no uso dos poderes inquisitórios. Assim, todos os vícios dos actos administrativos, mesmo aqueles que apenas são fonte geradora de anulabilidade, passa a ser de conhecimento oficioso.
10º No processo impugnatório não existem tantas causas de pedir, quanto as respectivas causas de invalidade do acto impugnado. O que existe, isso, sim, é uma pretensão anulatória unitária, e como tal, deve ser discutida na plenitude, independentemente dos vícios invocados pelo impugnante.
11º No processo impugnatório há uma verdadeira inversão das posições processuais das partes, a nível substantivo, figurando a Administração como a titular da pretensão (discussão do bem fundado da pretensão que a Administração faz valer com o acto impugnado), enquanto o particular figura como demandado, para contestar em juízo a posição assumida pela Administração, através da impugnação do acto que por ela foi praticado, invertendo-se a repartição do ónus da prova no processo impugnatório, devendo o acto impugnado ser anulado, sempre que não se demonstre em Juízo que os respectivos pressupostos se encontram preenchidos, sendo sobre a Administração que recai o ónus de demonstrar o preenchimento desses pressupostos.
12º O objecto processual deve ser considerado com a impugnação do acto administrativo, de forma e em bloco, independentemente do mosaico das eventuais e plúrimas causas que padecerá, constituindo uma única causa de pedir.
13º O autor impugnou o acto administrativo que ordenou a demolição, referindo que a obra não belisca qualquer disposição legal e regulamentar aplicável, pelo que forçosamente á também estaria incluído o art. 73º do RGEU (vide artigos 4º e 12º da petição inicial) pelo que será descabido afirmar que tal fundamento de demolição (alusão ao art. 73º do RGEU) não foi contemplado pelo autor na sua petição impugnatória.
14º O autor fez referência à existência de dois caminhos que ladeavam a sua casa de habitação, pelo que este facto, era por si só suficiente para afastar a aplicabilidade do art. 73º do RGEU.
15º Sustentar como fez o TCA Norte uma interpretação equívoca do disposto no art. 95º n.º 1 do CPTA e postergando o n.º 2 do referido artigo, para fundamentar a procedência do recurso interposto pelo Município de Viseu viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, acolhida no art. 20º da CRP.
16º Sustentar como fez o TCA Norte uma interpretação do art. 73º, para fazer naufragar a acção impugnatória do autor da ordem de demolição, sem curar previamente das condições para assegurar a conformidade da obra supostamente ilegal com as disposições legais e regulamentares viola os princípios da mais elementar proporcionalidade que deve informar o art. 106º e consequentemente o art. 20º da CRP.
17º Violou, assim, o douto acórdão em análise o plasmado nos artigos 2º, 95º e 149º do CPTA, art. 73º do RGEU e art. 106º do RJUE e artigos 18º e 20º da CRP.
O Recorrido não contra-alegou.
A Ex.ma Procuradora Geral Adjunta neste Supremo Tribunal interveio nos autos, emitindo parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e ordenada a baixa do processo ao TCA para aí ser conhecida a “eventual invalidade do acto impugnado, no que concerne ao fundamento em que é invocada a violação do art. 73º do RGEU”.
Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância foi a seguinte:
1 – Em 26/04/1994, deu entrada na CMV um requerimento do Autor com vista à realização de obras de pintura ou limpeza exterior e reparação/ou limpeza do telhado seu prédio urbano, sito em Vale de Ferreiros, 314, em Repeses – cfr. fls. 9 do processo administrativo n.º 227/94.
2 – Em 27/05/1994 foi o mesmo deferido com as seguintes condições:
a) Os trabalhos devem limitar-se apenas ao que é requerido.
Não podem ser introduzidas alterações.
Os trabalhos devem ser efectuados no prazo de 30 dias conforme solicitado.” – cfr. fls. 13 do Pa n.º 227/94.
3 – Em 28/03/95 foi prestada Informação do Departamento de Habitação e Urbanismo (D.H.U.) n.º 598/95, com o seguinte teor: “O requerente efectuou obras que não constavam do presente licenciamento, nomeadamente ampliação da moradia nas partes laterais, com a execução de paredes, pilares, vigas e lajes de préesforçado e ainda a execução de uma varanda, contrariando assim os arts. 1.º a 7.º do RGEU ” – cfr. fls. 28 do pa. n.º 227/94.
4 – Por decisão de 27/04/95, foi ordenado o embargo das referidas obras e a notificação ao Autor para que paralisasse de imediato os trabalhos, e no prazo de 30 dias, procedesse à sua demolição – mandado de notificação de 22/05/95 e auto de embargo de 05/06/95 – cfr. fls. 29 e 30 do pa. n.º 227/94.
5 - Em 24/11/95, através de requerimento o Autor solicitou à CMV a legalização das obras efectuadas por não terem licença, consubstanciadas na reparação e/ou limpeza do telhado e execução de cobertura sobre o terraço com a área de 130 m2, que deu origem ao processo de OP n.º 649/95 – conforme fls. 23 e 29 do pa. n.º 649/95 e fls. 28 a 30 do pa. n.º 227/94.
6 – Da memória descrita e justificativa apresentada com o requerimento do Autor legalização da construção de uma cobertura sobre o terraço que já existia ao nível do andar da moradia do requerente. Conforme processo existente nos serviços, o requerente possuía licença para arranjos gerais e pinturas na sua moradia, na sequência dos danos e fendas que a sua moradia sofreu durante a construção dos blocos da B.... No entanto como o principal problema existente eram as infiltrações de água que entravam pelas fendas abertas, decidiu-se a aproveitar as obras para substituir o revestimento da cobertura existente sobre a moradia que era em chapa de zincada por cobertura em telha cerâmica, terraço, como as telas asfálticas estavam todas fissuradas, optou o requerente, pensando não haver inconveniente, em mandar executar uma cobertura com laje em betão armado e revestimento em telha cerâmica, pois desta forma ele resolvia de vez as infiltrações.
Procedeu o requerente de boa fé, pensando que pelo facto de possuir licença de obras, e só estar a tentar resolver os problemas dos estragos provocados pela construção dos blocos da B... e que levaram ao processo de obras anterior, não estaria a cometer ilegalidades.
Cobertura Nova – Está executada em laje aligeirada de betão e revestida a telha cerâmica.
Conclusão – Os pormenores que aqui não foram mencionados, serão executados de acordo com as regras técnicas da construção civil, respeitando os Regulamentos e respectiva Legislação. “- cfr. fls. 23 do pa. n.º 649/95.
7 - Por decisão de 13/12/95 a pretensão foi indeferida “por contrariarem os artigos 53.º (59.º) e 60.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas” e notificada ao Autor em 08/01/96 – cfr. fls. 32 e 36 do pa. n.º 649/95.
8 - Em 16/07/96, através do ofício 13105 da CMV foi o Autor notificado para proceder à demolição das obras ilegalmente construídas – cfr. fls. 100 do pa. n.º 649/95.
9 - Em 19/09/96 apresentou novo requerimento à CMV com vista à legalização das obras – cfr. fls. 103 do pa. n.º 649/95.
10 - Em resposta a este requerimento em 09/12/96, a CMV pronunciou-se pela impossibilidade da legalização daquelas obras – cfr. 104 a 109 do pa. n.º 649/95.
11 – O Autor apresentou exposições em 27.09.97 e em 14.10.02 – cfr. fls. 140 e 340 do pa. n.º 649/95.
13 - Em 13/10/2003 foi proferido parecer pela DSJ, tendo sido formuladas as seguintes conclusões: “ – as inúmeras obras de ampliação da moradia de A… foram executadas ao longo de vários anos;
- de toda a obra, apenas se encontra legal o que foi licenciado através do Proc. n.º 2039/64, do proc. n.º 397/65; do Proc. OP n.º 987/78 e do Proc. OP n.º 227/94 – estando tudo o resto ilegal;
- contudo, dentro deste “bloco” de obras ilegais, é possível distinguir dois grandes momentos em que terão sido executadas as obras de ampliação mais significativas;
- assim, as obras relativas ao Proc. 75/80, foram iniciadas pelo requerente em 22.02.80, tal como o próprio reconheceu;
- as obras relativas ao Proc. 649/95, foram realizadas pelo requerente em 1994/95, tal como o próprio também reconheceu;
- se em relação às primeiras podemos dizer que, nos parecem, neste momento, inatacáveis, já em relação às últimas a situação é bem diversa;
- de facto, por decisão de 27.04.95, foi ordenado o embargo das mesmas e a notificação do infractor para que paralisasse, de imediato, os trabalhos, e no prazo de 30 dias procedesse à sua demolição, sob pena de actuação em conformidade;
- em 16.07.96, a CMV notificou, de novo, o requerente para que procedesse à demolição das obras ilegalmente construídas, sob pena de actuação em conformidade;
- em 17.07.01, a CMV notificou o requerente para se pronunciasse quanto à demolição em causa, e em 13.08.01, de que lhe fora concedido o prazo solicitado para juntar ao processo declaração do proprietário do prédio confinante;
- entretanto, mais nenhuma decisão foi tomada;
- quanto à ordem de embargo, deve entender-se que a mesma caducou logo que foi proferida uma decisão que definiu a situação jurídica da obra com carácter definitivo;
- tal decisão foi a decisão de demolição das obras em questão, proferida em 27.04.95, e objecto do mandado de notificação de 22.05.95;
14 - Em 05/11/2003 foi o Autor notificado para se pronunciar quanto à intenção de demolição das obras em causa – cfr. fls. 465 do pa. n.º 647/95.
15 - O Autor respondeu em 19/11/2003 – cfr. fls. 475 a 476 do pa. n.º 647/95.
16 - Em 23/12/2003 foi emitido novo parecer jurídico pela DSJ onde se conclui: “A demolição das obras em causa afigura-se inevitável, em obediência aos princípios da legalidade e irrenunciabilidade da competência, consagrados nos arts. 3.º e 29.º do CPA e deverá ser ordenada nos precisos termos do n.º 4 do art. 106.º do RJUE.
17 - Em 20/02/2004 mediante o ofício n.º 004239 foi notificado ao Autor o seguinte: “ Relativamente ao processo em referência, e em presença da exposição apresentada em 19.11.2003, cumpre-me informar V. Ex.ª, que, por despacho de 19.01.2004, a mesma foi indeferida, com base no parecer jurídico de 23.12.2003, cuja cópia se remete, para conhecimento e convenientes efeitos. Paralelamente, fica V. Ex.ª, notificado, nos termos do n.º 4 do art.º 106 do RJUE, para no prazo de 30 (trinta) dias, proceder à demolição das obras de ampliação a que se refere o presente processo, e todas as restantes obras executadas posteriormente sem qualquer licenciamento, sob pena de ser esta Câmara Municipal a promover os trabalhos em causa a suas expensas. “- cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.
18 - O autor em 22/02/1980, requereu o licenciamento de obras para ampliação da sua moradia, com construção até à estrema, a que deu origem o processo administrativo n.º 75/80 e foram consideradas as obras inatacáveis por Despacho Superior de 27/10/2003, que acolheu o Parecer Jurídico n.º 20, de 13/10/2003 – cfr. fls. 423 a 435 do pa. n.º 649/95 e doc. 5 junto com as alegações.
2.2. Matéria de direito
2.2.1. Objecto do recurso
Para se compreender e delimitar o objecto deste recurso de revista, vejamos o que se passou nos autos.
O acto impugnado ordenou a demolição das obras de ampliação num prédio urbano, levadas a cabo pelo ora recorrente.
Na 1ª instância, a questão decidida foi a “de saber se a ordem de demolição proferida deve ou não ser mantida” (fls. 212).
Entendeu-se que a ordem de demolição só pode ser dada “se a obra for insusceptível de ser licenciada ou se não for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares aplicáveis” (fls. 213). Porque, a seu ver, a “entidade demandada defende que a obra em causa é insusceptível de ser legalizada, porque viola o disposto nos artigos 59º e 60º do RGEU”, a sentença averiguou se tal era ou não exacto e concluiu que as obras de ampliação levadas a cabo não violavam qualquer destes dois preceitos legais e, em consequência, anulou a ordem de demolição.
No recurso para o TCA – Norte, o Município de Viseu veio insurgir-se contra o julgamento sobre a conformidade da ampliação com os artigos 59º e 60º do RGEU, levantando ainda a seguinte questão: a ordem de demolição assentava ainda (isto é para além da violação dos artigos 59º e 60º do RGEU) na violação do art. 73º do mesmo Regulamento, sendo que sobre este último fundamento a sentença nada disse. Qualificou este silêncio como omissão de pronúncia e, em consequência, imputou à decisão também o vício de omissão de pronúncia.
O TCA - Norte entendeu que não havia omissão de pronúncia, uma vez que na petição inicial o autor não faz qualquer referência à violação do art. 73º do RGEU e o mesmo acontece na contestação. “Deste modo – concluiu – é óbvio que, não tendo o recorrido trazido aos autos essa “questão” nem mesmo, como vimos, o recorrente jurisdicional, dela não poderia conhecer o Tribunal a quo; aliás se o tivesse efectivado, certamente que alguma das partes não deixaria de suscitar a nulidade, desta vez por excesso de pronúncia. Assim, porque esse vício não foi alegado por qualquer uma das partes, no momento próprio, dele não conheceu o Tribunal, nem como vimos, dele poderia conhecer, pelo que nenhuma nulidade se pode apontar ao acórdão recorrido” (fls. 281).
Na análise do mérito do recurso, o TCA Norte apreciou a interpretação acolhida na decisão recorrida sobre os artigos 59º e 60º do RGEU, mantendo-a nessa parte.
Mas, apreciou ainda questão de saber quais os reflexos da falta de alegação pelo autor sobre a conformidade das obras de ampliação com o art. 73º do RGEU, tendo concluído, nessa parte, o seguinte:
“(…)
Porque indubitavelmente a ordem de demolição teve por base aqueles três normativos – cujo alcance e finalidade não são as mesmas, como resulta, aliás, dos acórdãos do STA, acima parcialmente transcritos - factos que o recorrido não podia ignorar, pois a decisão administrativa impugnada se estriba no Parecer de 23-12-2003, na sequência de anterior audiência prévia, onde já também esta questão era colocada – cfr. pontos 13 a 17 dos factos provados – tendo ele mesmo junto com a pi a decisão impugnada e o Parecer que lhe subjaz – fls. 33 a 36 dos autos – deveria também ter questionado a violação do art. 73º do RGEU. Não o tendo efectivado, ainda que se mantenha a anulação da decisão administrativa de demolição, por inexistir razão para aplicação dos artigos 59º e 60º do RGEU, o certo é que a decisão de demolição sempre se tem de manter com base na alegada violação do art. 73º do RGEU. Acresce que este TCA não pode sequer conhecer desta pretensa ilegalidade, porque não a tendo o recorrido trazido ao conhecimento do Tribunal, dela se não pode conhecer, além de que, não o tendo feito, também não resultam dos autos elementos suficientes para que se possa asseverar da sua verificação” (fls. 287). Terminou o acórdão do TCA por conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e “manter a ordem de demolição das obras de ampliação no prédio urbano, sito em Vale de Ferreiros, Repeses, Viseu, com base na pretensa violação do art. 73º do RGEU” (fls. 288).
Desta decisão foi interposto o presente recurso de revista considerando que o acórdão do TCA é nulo por excesso de pronúncia; a eventual violação do art. 73º do RGEU implicaria que o interessado fosse ouvido para sanar tal ilegalidade, sendo manifesta a desproporcionalidade entre a ordem de demolição das obras e aquela ilegalidade e ainda por não ter sido aplicado o art. 95º, 2 do CPTA, de onde resulta que todos os vícios do acto impugnado “são de conhecimento oficioso”.
No acórdão preliminar sobre a admissibilidade da revista excepcional este STA destacou esta última questão “atinente com a delimitação do específico objecto da acção administrativa especial para impugnação de acto administrativo”, designadamente, no sentido de “precisar o exacto sentido e alcance do regime prescrito no questionado art. 95º, n.º 2 do CPTA, nomeadamente, no respeitante aos poderes conferidos ao Juiz em sede de vícios geradores de mera anulação” (fls. 361).
A questão fundamental a decidir, que emerge da descrição das sucessivas decisões já proferidas nos autos, pode sintetizar-se assim: tendo um acto administrativo que indeferiu a legalização e ordenou a demolição de obras de ampliação numa habitação, três fundamentos (obras levadas a cabo violando os artigos 59º, 60º e 73º do RGEU), quais as consequências jurídicas do autor não imputar na petição inicial ao acto impugnado o erro nos pressupostos quanto à alegada desconformidade das obras com o art. 73º do RGEU?
Mas não é a única.
Impõe-se, porque a questão foi expressamente arguida nas alegações para este Supremo Tribunal, e antes de entrar naquela questão, saber se o TCA excedeu os seus poderes (excesso de pronúncia) ao apreciar a relevância da falta de alegação do aludido erro nos pressupostos.
Mas, e esta é uma outra questão, impõe-se apreciar o acerto do julgamento do TCA (caso não se conclua que o mesmo excedeu os limites do seu poder jurisdicional) quanto à sobrevivência do acto impugnado perante um dos seus fundamentos (não atacado): a invocada violação do art. 73º do RGEU pelas obras de ampliação levadas a cabo.
O recurso de revista é restrito a matéria de direito e desse modo o Supremo deve aceitar os factos dados como provados nas instâncias. Deste modo as questões levantadas nas conclusões 5ª e 6ª das alegações da revista não serão conhecidas. Diz o recorrente que o art. 73º do RGEU não fundamentou a deliberação recorrida, quando se deu como provado o contrário, questão que, por ser sobre matéria de facto, também está excluída do âmbito de cognição do tribunal de revista.
Apreciaremos assim, e por esta ordem, as seguintes questões:
(a) excesso de pronúncia;
(b) mérito do recurso de revista: (i) art. 95º, 2 do CPTA e sua relevância neste caso e (ii) aproveitamento do acto.
2.2.2. Excesso de pronúncia
O TCA Norte considerou que a falta de alegação do erro nos pressupostos do acto impugnado vedava ao TAC de Viseu conhecer esse vício.
Entendeu ainda que haveria que retirar as devidas consequências de tal omissão.
E, por isso, considerou que não iria apreciar esse vício (aliás sublinhou que nem havia nos autos elementos de facto para saber se as obras violavam ou não o art. 73º do RGEU).
Mas, apesar de não apreciar o vício (isto é indagar se as obras violavam ou não o art. 73º do RGEU) apreciou a relevância da não alegação do vício pelo autor.
Conclui, neste ponto, que não tendo o vício sido alegado, o respectivo fundamento ficava de pé, isto é, era válido o acto que ordenava a demolição com fundamento na desconformidade das obras com o art. 73º do RGEU.
Não há, a nosso ver, excesso de pronúncia, desde logo, pois o TCA não apreciou o vício. Manteve-se, de resto, coerente com o entendimento sobre os poderes de cognição do Tribunal perante vício não alegados: do mesmo modo que indeferiu o pedido de omissão de pronúncia por não ter sido apreciado na 1ª instância o aludido erro nos pressupostos (não alegado), também o não apreciou.
Mas, poderia o TCA Norte depois de dizer que não iria apreciar o vício, apreciar a relevância da falta de alegação do mesmo?
Esta questão não lhe fora colocada por nenhuma das partes e, portanto, só poderia ser conhecida no TCA se fosse de conhecimento oficioso.
Antes de mais, que questão é esta?
Podemos afirmar – desde logo - que não é uma questão sobre o âmbito do art. 95º, 2 do CPTA. A questão nada tem a ver com os novos poderes de cognição que este preceito veio consagrar. Trata-se de uma questão que já se colocava no domínio de vigência da LPTA, e que consistia em saber se, não obstante a constatação de erro num dos fundamentos do acto era possível não o anular.
Também não nos parece que seja uma questão de “inutilidade originária da lide”. O TCA - Norte enquadrou-a como “inutilidade originária da lide” (fls. 287) que “imporia a inutilidade da lide” (…) “a decretar na 1ª instância, impondo-se (…) além da revogação da decisão recorrida (…)”.
Julgamos que não é exacta esta qualificação jurídica.
Aliás, o efeito da falta de alegação de um vício não pode ser o da extinção da instância, tanto mais que não foi essa a conclusão do Acórdão do TCA. Ora se a questão fosse de inutilidade da lide, a consequência jurídica só poderia ser o da respectiva extinção da instância, nos termos do art. 287º, al e) do CPC.
O que está em causa, a nosso ver, é outra coisa.
Estamos perante um acto com três fundamentos, sendo que – segundo o entendimento do TCA - cada um deles era, só por si, bastante para justificar o seu conteúdo. Deste modo o acto só poderia ser anulado se todos os seus fundamentos fossem errados. Se um, apenas um, dos fundamentos subsistir na ordem jurídica, e for bastante para suportar a validade do acto, não se decretar respectiva anulação.
Alguma jurisprudência do STA enquadra esta matéria no “aproveitamento do acto administrativo”. Em rigor, não é uma situação de aproveitamento do acto inválido, mas sim de validade do acto que só aparentemente é inválido. A questão é, assim, a da irrelevância dos motivos ilegais do acto, perante a subsistência de, pelo menos, um motivo bastante para a sua manutenção na ordem jurídica. A consequência jurídica nunca poderia ser a da inutilidade da lide, mas sim a da improcedência da pretensão anulatória – ou seja uma questão sobre o mérito.
Trata-se, portanto, de uma questão de direito sobre o enquadramento jurídico da pretensão anulatória, que cabe nos poderes oficiosos do Tribunal, nos termos do art. 664º do CPC.
Deste modo não houve excesso de pronúncia, pelo que improcede a arguida nulidade. Saber se o Tribunal decidiu, ou não com acerto, já é outra questão que oportunamente apreciaremos.
2.2.3. Mérito do recurso de revista: violação do art. 95º, 2 do CPTA e aproveitamento do acto.
(i) Violação do art. 95º, 2 do CPTA.
Impõe-se, então, saber se o TCA Norte decidiu bem ao revogar a decisão do TAF de Viseu, por falta de alegação de um erro nos pressupostos do acto que determinou a demolição.
O recorrente alega que o TCA violou o art. 95º, 2, do CPTA, por não ter apreciado a existência do eventual vício do acto (erro nos pressupostos quanto à alegada violação do art. 73º do RGEU.
Vejamos.
O art. 95º, n.º 2 do CPTA veio modificar o anterior art. 57º da LPTA – que indicando uma ordem de apreciação dos vícios, foi interpretado como implicando a prejudicialidade do conhecimento de todos os vícios perante a procedência de um deles – e determinar que “nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas pelas partes contra o acto impugnado, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito”.
Mas não ficou por aqui.
Acrescentou ainda que: “assim como deve identificar a existência de outras causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório”.
Do preceito resulta, sem dúvida, o dever do juiz identificar causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, o que levanta vários problemas.
Com interesse para o julgamento deste recurso impõe-se saber em que termos o art. 95º, 2 impõe ao juiz o dever de identificar novas causas de invalidade e se o Tribunal de Recurso também tem esse poder.
Numa primeira leitura poderíamos ser tentados a ver no art. 95º, 2, do CPTA a consagração de uma regra que tornava de conhecimento oficioso todos os vícios do acto administrativo.
Nesse sentido, por exemplo, AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, ob. cit. pág. 483, quando consideram de conhecimento oficioso, podendo ser conhecidas ainda que não suscitadas pelas partes, os “vícios do acto administrativo que as partes não tenham alegado – art. 95º, n.º 2”. A consequência deste entendimento é a de que todos os vícios do acto “mesmo aqueles que apenas são fonte geradora de anulabilidade passam a ser de conhecimento oficioso” (ob. cit. pág. 485).
Mais cauteloso VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 8ª Edição, pág. 221 e nota 430, também admite que o juiz deve “averiguar oficiosamente a existência de ilegalidades do acto impugnado”, propondo todavia uma interpretação “em termos restritivos” limitando esse dever aos casos de ofensa de “direitos fundamentais”.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, propõem uma leitura restritiva do preceito limitando, pelo menos, “de jure condendo” o poder - dever do juiz, à violação de interesses públicos – direitos fundamentais e lesão de interesses referidos no art. 9º, 2 do CPTA.
ELISABETH FERNANDES, Cadernos de Justiça Administrativa, 76, pág. 44 e seguintes sustenta que apesar de haver um dever de identificar as causas de invalidade, o juiz só pode conhecer das mesmas se for do interesse do autor : “… o tribunal só está autorizado a exercer a sua função de fiscalização se o autor a quiser adicionar ao acto postulativo com que deu início à demanda – acolhendo os benefícios da causa de invalidade acabada de identificar (…)”.
A nosso ver a lei não impõe qualquer restrição ao tipo de invalidades em causa não havendo razão para restringir o preceito à violação dos interesses a que se refere o art. 9º, 2 do CPTA. E também não permite distinguir entre o dever de identificar o vício e o dever de o conhecer.
Contudo, importa ter em atenção outras disposições do CPTA, com reflexos no “objecto do processo” que, de algum modo podem limitar e restringir o uso de tal poder dever.
Em primeiro lugar, o próprio art. 95º, 2, do CPTA, na primeira parte, exclui o dever de pronúncia quando o tribunal “não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito”. Qualquer que seja o sentido desta exclusão, o certo é que afasta o dever de pronúncia mesmo relativamente a questões suscitadas pelas partes, desde que não existam nos autos elementos indispensáveis. Julgamos que o artigo se reporta a situações deste tipo: um acto é atacado por falta de fundamentação e erro nos pressupostos e o Tribunal anula-o por falta de fundamentação sem poder apreciar o vício de erro de direito por não ser possível identificar cabalmente os motivos de facto e de direito.
Em segundo lugar, resulta do art. 91º, n.º 5 do CPTA que “nas alegações pode o autor invocar novos fundamentos do pedido, de conhecimento superveniente ou restringi-los expressamente e deve formular conclusões”. Deste preceito decorre que o autor pode abandonar “expressamente” fundamentos do acto, o que significa que, essas causas de invalidade abandonadas não podem ser conhecidas pelo Tribunal ao abrigo do art. 95º, n.º 2 do CPTA sob a “capa” de outras causas de invalidade não alegadas.
Finalmente e em terceiro lugar, o art. 92º, 5 reporta-se à elaboração da sentença, o que quer dizer que só na fase de elaboração da sentença e depois de ter todos os elementos de facto o juiz coloca a hipótese de existirem outras causas de invalidade não alegadas. Tal pressupõe que os factos adquiridos processualmente nesse momento, devem ser suficientes para apreciar o vício não alegado.
Deste modo, o dever de identificar causas de invalidade não alegadas limita-se às nulidades e às anulabilidades que o autor não tenha expressamente abandonado e relativamente às quais (nulidades e anulabilidades) tenham sido oportunamente alegados pelas partes, ou resultem da discussão da causa, factos suficientes para o seu conhecimento. Estão neste campo, por exemplo, os vícios estritamente jurídicos como sejam os decorrentes de aplicação de normas inconstitucionais ou ilegais.
Por outro lado, as anulabilidades, cujos factos principais de onde decorrem, não constem do processo, não devem ser identificadas pelo juiz na fase da sentença, o que significa, por exemplo, que o Tribunal nunca poderá reabrir a fase de instrução para conhecer as invalidades não suscitadas tempestivamente pelas partes.
Ora, conforme decidiu o TCA – Norte, no caso dos autos, não existiam factos alegados para se poder saber se o motivo invocado no acto (obras de ampliação em desconformidade com art. 73º do RGEU) era, ou não, exacto nem sequer o juiz tinha o dever de identificar essa possível causa de invalidade do acto. O STA, como Tribunal de Revista, deve aceitar os factos dados como provados, sendo que o TCA disse expressamente a fls. 287 que “não resultam dos autos elementos suficientes” para que a violação do art. 73º do RGEU possa ser verificada.
Deste modo, torna-se desnecessário saber se o TCA, na qualidade de Tribunal de Apelação, podia ou não fazer uso do art. 92º, 5 do CPTA, pois ainda que o pudesse fazer só poderia atender aos factos constantes do processo. Como o processo não fornecia os factos indispensáveis para o seu conhecimento, então, é certo e seguro que a questão da eventual violação do art. 73º do RGEU não poderia ser conhecida no TCA – ou melhor não poderia ser identificada e depois conhecida.
Assim podemos concluir que a recorrente não tem razão quando imputa ao acórdão recorrido a violação do art. 92º, 5, do CPTA.
(ii) Aproveitamento do acto
Só que o TCA não ficou por aqui – como já vimos quando abordamos o vício de excesso de pronúncia que lhe foi imputado, neste recurso. Abordou, ainda, uma outra questão, qual seja a de saber se perante a evidência de um motivo do acto que ordenou a demolição que não foi posto em causa e sobre o qual não havia elementos para dele conhecer, os vícios reconhecidos pela sentença na 1ª instância determinavam, ou não a anulação do acto. Foi nesta medida que o acórdão do TCA Norte revogou a sentença. É que, não obstante a constatação de que o acto impugnado, continha dois fundamentos errados, o TCA Norte entendeu que – mesmo assim – não deveria decretar a sua anulação.
Fez este juízo porque, em seu entender, não foi alegado nem podia ser conhecida qualquer invalidade do acto resultante do alegado incumprimento do art. 73º do RGEU. E, portanto, subsistindo esse fundamento do acto, sendo tal fundamento bastante para justificar a ordem de demolição das obras, não poderia julgar-se procedente a pretensão anulatória.
Tem sido este o entendimento deste STA considerando irrelevante o erro de facto e de direito face ao “princípio do aproveitamento do acto”, em casos de plurima fundamentação, quando um ou alguns dos fundamentos são exactos e suficientes para suportar a legalidade do acto, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 23-1-2002, recurso 45967; 22-7-82, recurso 16746 e de 20-3-97, recurso 27930, este último sublinhando que “(…) o referido princípio conduz à validade do acto quando apesar de apoiado este em um fundamento ilegal, outro ou outros fundamentos também invocados, estes legais, conduzem à introdução no ordenamento jurídico dos efeitos pretendidos por lei”. Como expressivamente se diz no acórdão deste STA de 7-2-2002, proferido no recurso 046611 “O princípio do aproveitamento do acto administrativo é, no domínio de apreciação de invalidade dos actos administrativos, o corolário do princípio da economia dos actos públicos, refracção do princípio geral de direito que se exprime pela fórmula utile per inutile non vitiatur, servindo o interesse de que não devem ser tomadas decisões sem alcance real para o impugnante, porque a economia de meios é, também em si, um valor jurídico, correspondendo a uma das dimensões indispensáveis do interesse público (Cfr, acerca da razão de ser do aproveitamento dos actos administrativos pelo juiz, Prof. Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pag. 332 e sgs).
O seu âmbito de aplicação não se determina mecanicamente pela antítese vinculação <-> discricionariedade, em termos de sempre ser de excluir no domínio dos actos praticados no exercício de um poder discricionário. Limitando-nos ao erro (nos pressupostos ou na base legal) porque é desse tipo o vício em causa, há erros respeitantes a actos praticados no uso de um poder discricionário cuja anulação o juiz administrativo pode abster-se de decretar por invocação do referido princípio, atendendo à razão que o justifica. Mesmo neste domínio, o tribunal pode negar relevância anulatória ao erro, sem risco de substituir-se à Administração (Cfr. Prof. Afonso Queiró, RLJ-117º, pags. 148 e sgs.), quando, pelo conteúdo do acto e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa porque não afectou as ponderações ou as opções compreendidas (efectuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário”.
Ora, um juízo de certeza deste tipo, só poderia ser feito se o tribunal tivesse elementos bastantes para concluir que apenas com aquele fundamento a ordem de demolição seria idêntica, isto é abrangia toda a ampliação, o que no caso não ocorre.
Não ocorre, alega desde logo, o autor porque (i) cabia ao réu provar que o art. 73º do RGEU fora violado e que (ii) mesmo que o fosse, tal violação nunca implicava, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade, a demolição de todas as obras.
A primeira razão não procede, pois já não está em causa a prova dos factos relativos à violação (ou não) do art. 73º do RGEU. Tal questão só surgia se estivesse em causa a apreciação do vício. Como o vício não foi alegado, e como já vimos por falta da respectiva alegação de factos não podia ser conhecido temos que ter o vício por não verificado.
Mas, a segunda razão já procede. Na verdade, conforme nos diz o art. 106º, n.º 2 do RJUE “a demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração”.
Deste modo, a não impugnação da desconformidade das obras com o disposto no art. 73º do RGEU implica é certo que se dê como adquirida essa desconformidade, ou seja que se tenha como exacta a violação daquele art. 73º, impondo-se todavia a análise da possibilidade de correcção ou alteração das obras, tendo também como exacto que não existe violação dos artigos 59º e 60º do RGEU.
Em termos rigorosos, se é verdade que a violação do art. 73º do RGEU implicava necessariamente o indeferimento daquele pedido de legalização, já não é verdade que, apesar disso, não seja possível assegurar o cumprimento de disposições legais e regulamentares e portanto, a obtenção doutro licenciamento.
Não sendo possível fazer, desde já, um juízo de certeza sobre o conteúdo do novo acto (recusa de licenciamento de toda a construção, ou possibilidade de licenciamento com modificação da parede onde ocorre a violação do art. 73º do RGEU) não podia o Tribunal decidir por não anular o acto que ordenou de demolição, depois de constatar que o mesmo tinha pressupostos errados quando à alegada violação dos artigos 59º e 60º do RGEU. A ordem de demolição terá que ser equacionada perante uma situação diversa daquela em que se baseou o que implica o re-exercício do poder conferido no art. 106º, n.º 2 do RGUE à Administração e a opção pela demolição apenas se não for possível licenciar as obrar através da realização de trabalhos de correcção ou de alteração, cujo desfecho não pode, desde já e com toda a certeza, ser antecipado.
Do exposto resulta que deve ser revogado o acórdão do TCA Norte, embora com os fundamentos acima enumerados, isto é, ficando assente que não obstante se ter como exacta a desconformidade da ampliação em causa com o disposto no art. 73º do RGEU, o acto que ordenou a demolição sofre do vício de erro nos pressupostos julgados procedentes e, por isso, deve ser anulado.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão do TCA Norte, subsistindo a sentença que anulou o acto impugnado, embora de acordo com a fundamentação acima exposta.
Custas pelo recorrido na 1ª instância e no Tribunal Central Administrativo Norte, fixando a taxa de justiça em 4 e 6 UC respectivamente (neste Supremo Tribunal Administrativo o recorrido não contra - alegou e, por isso, não é condenado em custas).
Lisboa, 28 de Outubro de 2009. – António Bento São Pedro (relator) – Edmundo António Vasco MoscosoJoão Manuel Belchior.