Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03014/11.1BEPRT
Data do Acordão:02/02/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRC
CORRECÇÃO TÉCNICA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A fundamentação dos actos tributários ou "praticados em matéria tributária" que "afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes" estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G.Tributária). Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, als.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17/06, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89, de 8/07.
II - Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material ou substancial: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
III - Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.A., então em vigor; artº.153, nº.2, do novo C.P.A.).
IV - O dever legal de fundamentação do acto administrativo reveste uma função exógena, a de dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou a sua impugnação graciosa ou contenciosa, e também uma função endógena, consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.
V - No caso "sub iudice", a correcção à matéria colectável sob exame padece do vício de insuficiente fundamentação, o qual equivale à inexistência da mesma (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.A., então em vigor; artº.153, nº.2, do novo C.P.A.), desde logo, não cumprindo a sua função exógena.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P28920
Nº do Documento:SA22022020203014/11
Data de Entrada:10/07/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, constante a fls.311 a 330 do processo físico, a qual julgou procedente a presente impugnação pela sociedade recorrida, "A…………, S.A.", intentada e tendo por objecto mediato liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 2001 e no montante total de € 120.538,26.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.335 a 342 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou procedente a impugnação que o “A…………, S.A.”, com os demais sinais dos autos, na sequência de indeferimento de recurso hierárquico interposto do indeferimento de reclamação graciosa, deduziu contra a liquidação adicional de IRC n.º 2003 80100190450, referente ao ano de 2001, no valor de € 120 538,26, designadamente, com referência à tributação autónoma no montante de € 405 789,62.
B-O acto de liquidação resultou de uma correção de natureza meramente aritmética efetuada em sede de acção inspectiva à impugnante, ao exercício de 2001, titulada pela Ordem de Serviço n.º 3/1/116, conforme descrição no capítulo III-1.2.1.1 do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) e que se reporta a “Despesas confidenciais e/ou não documentadas”, cfr. ponto 1.1.3 do capítulo III.
C-Efectuada nos termos das normas conjugadas dos artigos 23.º, n.º 1, 42.º, n.º 1 g) e 81.º, n.º 2 do Código do IRC, tendo como ponto de partida o “Enquadramento fiscal e regularidade da escrita – Regime fiscal” feito na parte inicial do RIT, mais concretamente no seu ponto 3.2 do capítulo II, onde se refere que: “O A………… Investimentos, SA encontra-se registado para efeitos fiscais no 10º Serviço de Finanças de Lisboa, pelo exercício da actividade bancária, estando sujeito ao regime geral de tributação de IRC e ao regime de isenção temporária, relativamente à sucursal financeira exterior na Zona Franca da Madeira. Em relação à actividade desenvolvida no regime de isenção temporária, ao abrigo do art.º 33.º do E.B.F.(…).
D-Uma leitura atenta da PI e mais concretamente das petições em sede de Reclamação Graciosa (art. 63.º a 78.º) e Recurso Hierárquico (art. 10.º a 23.º), mostra-nos que as correções de IRC levadas a juízo que nos ocupam, são as refletidas nos pontos 1.1.3 e 1.2.1.1 do capítulo III, tendo em conta o enquadramento fiscal do sujeito passivo descrito no ponto 3.2 do capítulo II do RIT, e assim foi entendido pela impugnante, quer no que se refere à identificação das contas donde provinham os custos não aceites e os concretos valores, quer no que se refere ao enquadramento fiscal que justificou a aplicação do agravamento previsto no n.º 2 do art. 81.º do CIRC.
E-Em sede administrativa, quer na reclamação graciosa, quer no recurso hierárquico, tampouco é invocada a falta de fundamentação do RIT, deixando a ideia que, no caso concreto, a AT deu a conhecer as razões por que foi decidido de uma maneira e não de outra, de molde a permitir ao seu destinatário optar conscientemente entre a aceitação das correcções e a impugnação graciosa e/ou contenciosa.
F-No entanto, entendeu o Tribunal a quo quanto à questão da falta de fundamentação do relatório de inspecção,
“No caso em apreço a única fundamentação a considerar na apreciação da validade formal do ato impugnado é a que consta do relatório da inspeção que lhe serviu de suporte (e que integra o próprio ato, pois foi por ele apropriada), ou seja, a que é contemporânea da prática do ato, não relevando a fundamentação a posteriori.
…/…
No entanto, e conforme bem refere a impugnante, do relatório de inspeção nada é referido quanto à fundamentação da aplicação da taxa agravada de 70% sendo que apenas se estatui:
Procede-se, também, nos termos do n.º 2 do Art.º 81º do CIRC, à tributação autónoma de €405.782,45 (70%*579.689,45).
Ou seja, não há qualquer razão de facto ou de direito que justifique a aplicação de 70% da taxa de tributação autónoma e esta aplicação não pode resultar da dedução ou intuição do impugnante, ou da eventual ligação de partes do relatório.
Conclui-se portanto não ser suficiente, não colhendo a argumentação da Fazenda Pública, a referência na parte inicial do relatório de inspeção, que se dedica ao Enquadramento fiscal e regularidade da escrita – Regime fiscal, o seguinte: O A………… Investimentos, SA encontra-se registado para efeitos fiscais no 10º Serviço de Finanças de Lisboa, pelo exercício da actividade bancária, estando sujeito ao regime geral de tributação de IRC e ao regime de isenção temporária, relativamente à sucursal financeira exterior na Zona Franca da Madeira, para que ficasse claro que a agravação da taxa de 70% resulta da ligação do regime de isenção temporária à aplicação do requisito de sujeitos passivos total ou parcialmente isentos.
Assim teria que, no relatório de inspeção, estarem vertidas as razões de facto e de direito de onde resultava a agravação da taxa de tributação para 70%, o que não está.”
G-Concluindo, “Pelo exposto não estando fundamentado a aplicação da taxa agravada de 70%, quando a regra seria de 50%, procede o vício alegado pela impugnante, impondo-se a anulação da liquidação na parte relativa à tributação autónoma sobre despesas confidenciais ou não documentadas aqui em causa”.
H-Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, com fundamento em erro de julgamento - sobre a matéria de direito - relativamente à correcção constante dos autos, pelas razões que passa a expender.
I-Uma vez feita a leitura da decisão de direito plasmada, na sentença recorrida, temos que, relativamente ao segmento delimitado pela questão de saber se a liquidação impugnada padece de falta de fundamentação, a sentença recorrida concluiu pela procedência do invocado pela impugnante e com a qual a RFP não concorda.
J-Decorre do n.º 3, do artigo 268.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legitimamente protegidos, pelo que a decisão de correcção da matéria tributável não pode deixar de se mostrar acompanhada da correspondente fundamentação.
K-Os contornos dessa fundamentação recolhem-se, na lei ordinária, do artigo 77.º, da Lei Geral Tributária (LGT), que determina que ela se revista de uma sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
L-Sabemos que a fundamentação dos actos administrativos visa, além do mais, dar a conhecer as razões por que foi decidido de uma maneira e não de outra, de molde a permitir aos seus destinatários uma opção consciente entre a sua aceitação e a sua impugnação contenciosa.
M-É, conforme a jurisprudência do STA, um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto, dos seus antecedentes e de todas as circunstâncias com ele relacionadas, designadamente as típicas condutas administrativas, que permitam dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que levou a que fosse decidido dessa maneira e não de outra, estando suficientemente fundamentado quando um destinatário normal se aperceba das razões de ser da decisão e para se atingir aquele objetivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual.
N-Note-se que a fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
O-Ora, uma vez compulsados os autos, resulta das conclusões do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), sobre o qual incidiu despacho concordante, o seguinte:
“O A………… Investimentos, SA encontra-se registado para efeitos fiscais no 10º Serviço de Finanças de Lisboa, pelo exercício da actividade bancária, estando sujeito ao regime geral de tributação de IRC e ao regime de isenção temporária, relativamente à sucursal financeira exterior na Zona Franca da Madeira.
Em relação à actividade desenvolvida no regime de isenção temporária, ao abrigo do art.º 33.º do E.B.F.(…)”
…/…
“1.1.3 – Despesas confidenciais e/ou não documentadas (Artº. 42º, nº 1, al. h))
Na análise dos custos do exercício, foi efectuada amostragem aos registos de montante mais significativo, efectuados nas seguintes contas: (…)
O contribuinte foi notificado para apresentar os documentos comprovativos dos registos mencionados nos anexos referidos. Dado que, não foram apresentados documentos justificativos dos referidos custos, procedemos, nos termos da alínea g) do nº 1 do Artº. 42º do CIRC, conjugada com o nº 1 do Artº. 23.º (por não ter sido possível comprovar a indispensabilidade do montante em causa), à correcção total de € 579.689,45 (116.217.299$60), discriminada pelas referidas contas: (…)
Procede-se, também, nos termos do nº 2 do Artº. 81º do CIRC, à tributação autónoma de € 405.782,62 (70%*579.689,45).
P-Mais, a Impugnante acaba por contextualizar, nos presentes autos, a situação sub judice, como assim o refletem os pontos 55.º a 76.º, da sua PI (que recorre a um parecer do Professor Saldanha Sanches sobre a matéria em discussão), e já o reflectiam os artigos 63.º a 78.º da petição de reclamação graciosa e artigos 10.º a 23.º da petição de recurso hierárquico, onde nem sequer invoca falta de fundamentação.
Q-Nestes termos, a aqui impugnante, acaba por fazer emergir na sua PI a questão controvertida nos presentes autos, revelando ter compreendido o caminho cognoscitivo e valorativo percorrido pelos SIT na elaboração do relatório final e consequente introdução das correções meramente aritméticas do IRC relativo ao exercício de 2001, que acabaram por fundamentar a estruturação da liquidação ora impugnada.
R-De outra forma, não lhe teria sido possível, como foi, o estruturar, em sede contenciosa, do ataque que dirige ao RIT, conforme os artigos 55.º a 76.º da PI demonstram.
S-Enfim, a Impugnante apreendeu, na íntegra, a fundamentação, de facto e de direito, que motivou as correções introduzidas, o que lhe permitiu reagir contenciosamente, atacando, “cirurgicamente” os argumentos utilizados, pelos SIT, e plasmados no RIT.
T-Pelo que os SIT satisfizeram o requisito de fundamentação exigível, do ponto de vista formal, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da AT, dado que deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questões que se situam no âmbito da validade formal do acto.
U-Ora, concatenando o alegado, pela aqui Impugnante, na sua PI, com o segmento dado como provado nos pontos 3, 4, 15, 16 e 21, da sentença recorrida, nos termos acima expostos, temos de concluir que a aqui Impugnante não se conforma, no fundo, com a correcção efetuada pelos SIT, tal como a mesma se encontra plasmada no RIT, e isto, com o devido respeito por perspectiva diferente da nossa, parece-nos evidente.
V-Ou seja, conforme resulta da leitura do RIT, melhor contextualizada pela aqui Impugnante em sede de meios tutelares administrativos, quer com o alegado em sede de PI, o que está na origem das correções efectuadas, pelos SIT, é o (concreto) enquadramento dos custos não aceites, porque não documentados, e da tributação à taxa agravada, no âmbito do seu enquadramento fiscal e do regime a que estava sujeita.
W-Deste modo, parece-nos perfeitamente admissível e legal que a Impugnante possa não concordar, nos termos acabados de expor, com as correcções efectuadas, em sede de IRC, nos termos expostos no RIT, mas nesse caso já não estamos no âmbito da fundamentação formal, mas sim, no âmbito substancial que tem a ver com o acerto (legalidade) das correções efetuadas.
X-Ora, uma vez consultada a sentença recorrida, no segmento que aqui nos interessa, não há dúvida que a mesma fundamenta a procedência do invocado vício de falta de fundamentação da liquidação impugnada em sentido formal.
Y-Recordamos aqui que “(a) lei tributária, na concretização a que procede do direito constitucionalmente garantido à fundamentação dos actos administrativos (artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República), admite especificamente que esta se faça de forma sumária, desde que contenha as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria colectável e do tributo, sendo este dever o mais das vezes cumprido pela Administração tributária de forma “padronizada” e “informatizada”, atenta a natureza de “processo de massa” da moderna gestão dos impostos - Saldanha Sanches/João Taborda da Gama, «Audição-Participação Fundamentação…».
Z-De modo que o essencial é que se não frustrem os fins últimos tidos em vista com a exigência de fundamentação, ou seja, racionalidade da decisão e criação das condições materiais para o adequado exercício dos direitos de defesa por parte, in casu, da aqui Impugnante.
AA-Assim sendo, e com o devido respeito por perspectiva diferente da nossa, parece-nos que as correções levadas a efeito pela inspecção tributária estão suficientemente fundamentadas, dando a conhecer ao contribuinte as razões de facto por que se decidiu como se decidiu, habilitando-o a uma decisão esclarecida de aceitação ou impugnação do acto tributário.
BB-Em suma, a decisão recorrida enferma, na parte em que julgou procedente a impugnação, relativamente à procedência do invocado vício de falta de fundamentação da liquidação impugnada, do erro de julgamento que a RFP lhe imputa, carecendo, por isso, nessa medida, de ser revogada.
CC-Não se verificando o vício de fundamentação (formal) do RIT sentenciado, padece a douta sentença de erro de julgamento em matéria de direito, conforme acima explanado, por ter violado o disposto o disposto no artigo 77.º, da LGT, bem como o artigo 74.º, do mesmo diploma; bem como ao n.º 1, do artigo 123.º, do CPPT, e o n.º 3, do artigo 607.º, do CPC, aplicável supletivamente, devendo considerar-se válido o acto tributário impugnado e, como tal, manter-se o mesmo na ordem jurídica.
X
A sociedade impugnante/recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.344 a 356 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-No relatório de inspeção tributária notificado à sociedade incorporada pelo Recorrido, não é feita qualquer referência, nem mesmo sucinta, às razões, de facto ou de direito, que, efetivamente, motivaram a aplicação da referida taxa agravada de 70%, plasmada na liquidação adicional de IRC impugnada, pelo que a mesma se encontra viciada de total falta de fundamentação;
B-Atendendo ao disposto no número 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, ao disposto no número 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, a fundamentação consiste num requisito formal do ato (administrativo e tributário), que visa responder às necessidades de esclarecimento do seu destinatário, consistindo na explicitação das razões, de facto e de direito, que levaram o autor à prática do mesmo e, naturalmente, a dotá-lo de certo conteúdo;
C-No domínio das relações jurídicas tributárias, a fundamentação visa exteriorizar aquele que foi o procedimento interno de formação da vontade decisória da Autoridade Tributária, esclarecendo devidamente os respetivos destinatários a respeito da motivação do ato, nunca numa lógica abstrata, mas sim com referência à situação concreta em causa;
D-No caso concreto, atento o relatório de inspeção tributária que serviu de fundamento à liquidação sob escrutínio, está-se, apenas, perante um mero “simulacro” daquilo que é, efetivamente, exigido, quer pela Constituição da República Portuguesa, quer pelas demais normas atinentes ao dever legal de fundamentação, vertidas nos códigos tributários, uma vez que a Autoridade Tributária se limita a referir, na parte inicial do relatório de inspeção tributária, que “[o] A………… Investimentos, SA encontra-se registado para efeitos fiscais no 10º Serviço de Finanças de Lisboa, pelo exercício da actividade bancária, estando sujeito ao regime geral de tributação de IRC e ao regime de isenção temporária, relativamente à sucursal financeira exterior na Zona Franca da Madeira”, procurando dar um “salto” lógico - que, na realidade, não é acompanhável por um “destinatário normal” deste ato, tornando-se, nessa medida, ilógico -, para a aplicação, sem mais, do disposto no número 2 do artigo 81.º do Código do IRC, referindo que “procede-se, nos termos do nº. 2 do Artº 81º do CIRC, à tributação autónoma € 405.782,62 (70%*579.689,45)”;
E-A jurisprudência dos Tribunais superiores refere-se ao “destinatário normal” dentro do arquétipo do homem médio - o referido bonus pater familiae -, suposto pela ordem jurídica, exterior ao caso concreto, com a experiência razoável da vida e das coisas, considerando o Recorrente que, no presente caso, face à parca motivação aventada pela Autoridade Tributária no relatório de inspeção (que, desde já se diga, assenta num juízo meramente conclusivo, sem a componente fundamentadora), não é possível garantir que o “destinatário normal” fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelos serviços, apreendendo adequadamente, sem ter de recorrer à intuição, os fundamentos da decisão;
F-Não pode, neste contexto, ser um sujeito passivo castigado - através da sonegação da fundamentação que lhe é devida -, pelo facto de, possivelmente, deter uma estrutura técnica e humana capaz de o tornar apto a intuir (e apenas isso), em maior medida (e quiçá, com maior facilidade), acerca da problemática jurídica eventualmente em causa e, bem assim, do acervo factual em crise;
G-O facto de, apenas e só por intuição (e dedução), ter a sociedade incorporada pelo Recorrido procurado reagir contra o ato tributário sub judice, não pode eximir a Autoridade Tributária do dever de fundamentação que sobre a mesma se impõe por força da Lei Geral Tributária e da Constituição da República Portuguesa, pois tal significaria esvaziar de qualquer sentido o dever de fundamentação que impende sobre a Administração, em sentido lato, pondo em risco a concretização dos seus diversos propósitos e, mais grave, legitimando-se a violação de um direito-garantia, com assento constitucional, por parte da Autoridade Tributária;
H-O cumprimento das exigências de fundamentação pressupõe que o destinatário do ato possa aceder ao iter cognoscitivo e valorativo da entidade decisora, por forma a que, eventualmente, possa impugnar o mesmo de forma esclarecida, sem ter de o fazer baseado em meras suposições ou presunções, o que não sucedeu no caso concreto;
I-No presente caso está-se perante uma fundamentação do tipo conclusivo, pois que a Autoridade Tributária parte de um sintético enquadramento de uma entidade (in casu, o A………… Investimentos, S.A.), em matéria fiscal, para, sem lograr efetuar uma demonstração clara e lógica, considerar que se impõe tributar autonomamente, a uma taxa gravada, alegadas despesas confidenciais ou não documentadas referentes àquela entidade, sem nunca explicar, concretamente, por que razão estaria abrangido pelo escopo de aplicação do disposto no número 2 do artigo 81.º do Código do IRC, deixando essa tarefa de “adivinhação” para a sociedade incorporada pelo Recorrido;
J-De uma leitura atenta da reclamação graciosa apresentada pela sociedade incorporada pelo Recorrido, resulta que a argumentação aventada é o produto da mera intuição e indagação daquela, o que é manifesto face à redação adotada naquela sede;
K-A vingar na ordem jurídica o entendimento no sentido em que a intuição do destinatário do ato, corporizada na sua reação perante um ato administrativo (in casu, tributário), claramente ablativo da sua esfera patrimonial, é suscetível de converter em cumprido o dever de fundamentação que impende sobre a Autoridade Tributária e que configura um direito-garantia dos administrados -, está-se a esvaziar de conteúdo esse mesmo dever de fundamentação, tornando-o irrelevante e verdadeiramente inócuo, o que não pode ser admitido pelo Tribunal ad quem;
L-Embora a Recorrente questione o facto de o vício de falta de fundamentação não ter sido arguido em sede de reclamação graciosa, bem como em sede de recurso hierárquico, parece ignorar, de forma obtusa, que a impugnação judicial não está limitada aos argumentos alegados em fase procedimental, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do ato tributário, como é o caso da falta de fundamentação e, portanto, o Tribunal a quo estava, como o fez, adstrito ao conhecimento do referido vício;
M-Não pode considerar-se suprida a falha da Autoridade Tributária, ao nível da fundamentação, face aos argumentos que posteriormente fez constar da decisão de reclamação graciosa, em que, por fim, vai mais além, tentando colmatar a falta de fundamentação relativamente aos requisitos exigíveis para aplicação da taxa de tributação autónoma agravada de 70% aos sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, aí incluindo a sucursal financeira detida pela sociedade incorporada pelo Recorrido;
N-O Recorrido não estava obrigado a lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porquanto o mesmo não tem o propósito de proporcionar à Autoridade Tributária um período adicional para colmatar, a posteriori, a eventual falta de fundamentação das liquidações de imposto já notificadas aos sujeitos passivos, desde logo porque a emanação dos atos tributários, e independentemente da sua válida notificação posterior, deve ser contemporânea e contextual à sua própria fundamentação, ou seja, aquela que se integra no próprio ato, e em face da qual se procede à apreciação contenciosa da respetiva legalidade, sendo que, no caso em análise, facilmente se constata que o vício de falta de fundamentação é reconduzível ao próprio ato de liquidação notificado, tendo sido isso mesmo alegado pelo Recorrido na sua petição inicial;
O-Constata-se, portanto, que a sentença recorrida não se revela merecedora de qualquer censura, devendo a mesma manter-se válida na ordem jurídica nos termos em que foi prolatada pelo Tribunal a quo e, em consequência, ser anulada a liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 2001, na parte respeitante à aplicação da taxa agravada de tributação autónoma às despesas confidenciais incorridas pelo Recorrido, em razão da manifesta falta de fundamentação de que padece.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.360 a 362-verso do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.312 a 324 do processo físico):

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datada de 25-09-2007 - fls. 263 a 276 do PA junto aos autos.

[Imagem]

- Cfr fls 421 a 427 do PA apenso aos autos;

12. Em 03-06-2008 foi proferido o seguinte despacho:
“Não tendo a reclamante, no exercício de direito de audição trazido elementos novos susceptíveis de alterar o sentido da decisão, submetam-se os autos à consideração superior com proposta de decisão no sentido do deferimento parcial, aceitando-se o acréscimo de €776,176,47 na dedução de prejuízos fiscais relativa a IRC de 2001, com os fundamentos expressos na informação”.
– Cfr fls 420 verso do PA apenso aos autos;
13. Em 04-07-2008 foi proferido, sobre a informação datada de 30-05-2008 e despacho de 03-06-2008, despacho de concordância, pelo qual se deferiu parcialmente o pedido da reclamante, nos termos ali propostos que se transcreve:
“Concordo, pelo que convolo em definitivo o projecto de decisão com os fundamentos constantes daqueles, bem como da presente informação e respectivos pareceres, defiro parcialmente o pedido da reclamante, nos termos em que vêm propostos.
Notifique-se”
– fls. 420 do PA junto aos autos.
14. Por ofício nº 052924 de 10-07-2008 foi a impugnante notificada do despacho referido em 13) – cfr fls 428 do PA apenso aos autos;
15. Em 12-08-2008 a impugnante apresentou junto do Gabinete do Ministro de Estado e das Finanças “recurso hierárquico do despacho de deferimento parcial emitido no âmbito do processo de reclamação nº 3255-04/400079.0, que correu os seus termos na direção de Finanças de Lisboa, referente ao Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (IRC) do exercício de 2001”, o que fez acompanhar de diversos documentos – fls. 1 a 14 do PA – RH junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
16. Do requerimento de recurso hierárquico consta, além, do mais, o seguinte:
(…)

[Imagem]
(…)

[Imagem]


17. Em 17-02-2009 foi emitido parecer – cfr fls 76 a 79 do PA – RH junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
18. Em 13-03-2009 foi proferido despacho de concordância e ordenada a remessa dos autos à Direção de Serviços de IRC – cfr fls 75 do PA – RH junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
19. Em 07-04-2011 foi emitido parecer pela Direção de Serviços de IRC que se transcreve:
(…)

[Imagem]

– Cfr. fls. 187 a 193 do do PA – RH junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20. No âmbito do procedimento de recurso hierárquico foi proferida a seguinte decisão em 11-04-2013:
“Indefiro o recurso com os fundamentos invocados”
– fls. 186 do PA – RH apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
21. A impugnante em 14-10-2008 enviou pelo correio a presente ação que conclui nos seguintes termos:
“III. Conclusões
a) A decisão de indeferimento parcial do recurso hierárquico que imediatamente se impugna viola a lei por, ao não ser precedida da notificação do Impugnante para efeitos do exercício do seu direito de audição prévia, preterir formalidades essenciais do procedimento, a que acresce a sua falta de fundamentação;
Subsidiariamente,
b) A decisão de indeferimento parcial do recurso hierárquico que se impugna viola a lei por na decisão de indeferimento parcial da reclamação terem sido violados os princípios constitucionais da boa fé e da imparcialidade nas relações entre os particulares e a Administração Pública;
Subsidiariamente,
c) A decisão de indeferimento do recurso hierárquico que imediatamente se impugna e a liquidação contestada violam a lei por falta de fundamentação e por incorrecta aplicação da legislação relevante.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exa. suprirá, deverá a presente impugnação ser dada como procedente, por provada, e, em consequência, deverá ser anulada a decisão de indeferimento do recurso contra a decisão de indeferimento parcial da reclamação contra a liquidação n.º 2003 80100190450 e a liquidação identificada, com as legais consequências.” – Cfr. fls. 22 dos autos físicos.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "… Inexistem factos não provados com relevância para a decisão…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A decisão da matéria de facto, efetuou-se com base no exame dos documentos, certidões e informações oficiais constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente a presente impugnação, mais anulando a liquidação adicional de I.R.C., objecto mediato do presente processo, na parcela relativa à tributação autónoma sobre despesas confidenciais ou não documentadas, dado padecer do vício de falta de fundamentação, e considerando prejudicado o conhecimento dos outros esteios da acção.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a sentença recorrida, no segmento que aqui nos interessa, alicerça a procedência do invocado vício de falta de fundamentação da liquidação impugnada em sentido formal. Que a correcção meramente aritmética levada a efeito pela inspecção tributária e em causa no processo (aplicação da taxa agravada de 70%, quando a regra seria de 50%, na parte relativa à tributação autónoma sobre despesas confidenciais ou não documentadas, ao abrigo do artº.81, nº.2, do C.I.R.C.), está suficientemente fundamentada, dando a conhecer à sociedade impugnante as razões de facto e de direito por que se decidiu como se decidiu, mais o habilitando a uma decisão esclarecida de aceitação ou impugnação do acto tributário. Que a sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito, por ter violado o disposto nos artºs.74 e 77, da L.G.T. (cfr.conclusões A) a CC) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A fundamentação dos actos tributários ou "praticados em matéria tributária" que "afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes" estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G.Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, als.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17/06, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material ou substancial: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/07/2011, rec.656/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/04/2020, rec.1371/08.6BELRA; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/04/2021, rec.290/11.3BELRA).
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J. 26/04/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. Edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/02/1990, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação "per relationem" - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo, então em vigor).
Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 125, nº.2, do C.P.Administrativo, então em vigor). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final. E recorde-se que o dever legal de fundamentação do acto administrativo reveste uma função exógena, a de dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou a sua impugnação graciosa ou contenciosa, e também uma função endógena, consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/02/2006, rec. 1114/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/05/2018, rec.572/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/10/2018, rec.1422/17.3BESNT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/04/2020, rec.1371/08.6BELRA; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/04/2021, rec.290/11.3BELRA; Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª. Edição, 2012, pág.675 e seg.).
No caso "sub iudice", em sede de fundamentação formal do acto tributário impugnado, a única a considerar é a que consta do relatório da inspecção que lhe serviu de suporte (e que integra o próprio acto, pois foi por ele apropriada - cfr. nº.1 da factualidade provada), ou seja, a que é contemporânea da prática do acto, não relevando qualquer fundamentação "a posteriori", conforme jurisprudência uniforme deste Tribunal.
Como se retira do probatório constante da sentença recorrida, do relatório de inspecção tributária resulta que os SIT fundamentam a identificada correcção meramente aritmética (aplicação da taxa agravada de 70%, quando a regra seria de 50%, na parte relativa à tributação autónoma sobre despesas confidenciais ou não documentadas, ao abrigo do artº.81, nº.2, do C.I.R.C.), com os seguintes dizeres: "Procede-se, também, nos termos do n.º 2 do Art.º 81º do CIRC, à tributação autónoma de € 405.782,45 (70%*579.689,45)".
O citado artº.81, do C.I.R.C. (actual artº.88), na redacção em vigor no ano de 2001, estabelecia:
Artigo 81º
(Taxas de tributação autónoma)
1 - As despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo do disposto na alínea g) do nº.1 do artigo 42.º (Redacção do Dec. Lei 198/2001, de 3/07)
2 - A taxa referida no número anterior é elevada para 70% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola (Redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29/12)
(…)
Da exegese do identificado normativo conclui o intérprete que a taxa a aplicar em sede de tributação autónoma sobre as despesas confidenciais ou não documentadas era de 50% (regra), mais sendo agravada para 70% nas situações previstas no nº.2 do preceito.
Aqui chegados, este Tribunal concorda com o teor da fundamentação de direito da sentença recorrida, para a qual remete:
"(…)
conforme bem refere a impugnante, do relatório de inspeção nada é referido quanto à fundamentação da aplicação da taxa agravada de 70% sendo que apenas se estatui: Procede-se, também, nos termos do n.º 2 do Art.º 81º do CIRC, à tributação autónoma de € 405.782,45 (70%*579.689,45).
Ou seja, não há qualquer razão de facto ou de direito que justifique a aplicação de 70% da taxa de tributação autónoma e esta aplicação não pode resultar da dedução ou intuição do impugnante, ou da eventual ligação de partes do relatório.
Conclui-se portanto não ser suficiente, não colhendo a argumentação da Fazenda Pública, a referência na parte inicial do relatório de inspeção, que se dedica ao Enquadramento fiscal e regularidade da escrita – Regime fiscal, o seguinte: O A………… Investimentos, SA encontra-se registado para efeitos fiscais no 10º Serviço de Finanças de Lisboa, pelo exercício da actividade bancária, estando sujeito ao regime geral de tributação de IRC e ao regime de isenção temporária, relativamente à sucursal financeira exterior na Zona Franca da Madeira, para que ficasse claro que a agravação da taxa de 70% resulta da ligação do regime de isenção temporária à aplicação do requisito de sujeitos passivos total ou parcialmente isentos.
Assim teria que, no relatório de inspeção, estarem vertidas as razões de facto e de direito de onde resultava a agravação da taxa de tributação para 70%, o que não está.
(…)
Pelo exposto não estando fundamentado a aplicação da taxa agravada de 70%, quando a regra seria de 50%, procede o vício alegado pela impugnante, impondo-se a anulação da liquidação na parte relativa à tributação autónoma sobre despesas confidenciais ou não documentadas aqui em causa.
(…)".
Em suma, atento o teor do relatório da inspecção que lhe serviu de suporte (e que integra o próprio acto de liquidação, na parcela sob escrutínio), é manifesto que a taxa agravada de 70% aplicada pela A. Fiscal à tributação autónoma das despesas confidenciais ou não documentadas existentes na contabilidade da sociedade impugnante e ora recorrida carece de justificação factual e jurídica, desde logo, atendendo à previsão da norma constante do identificado artº.81, nº.2, do C.I.R.C.
Com estes pressupostos, deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que a correcção à matéria colectável sob exame padece do vício de insuficiente fundamentação, o qual equivale à inexistência da mesma (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.A., então em vigor; artº.153, nº.2, do novo C.P.A.), desde logo, não cumprindo a sua função exógena.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a recorrente em custas, porque vencida, na presente instância de recurso (cfr.artº.527, do C.P.Civil).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 2 de Fevereiro de 2022. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.