Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01051/11
Data do Acordão:12/07/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Padece de nulidade, por excesso de pronúncia, a sentença que decide extinguir a execução fiscal com base na ilegalidade do despacho de reversão e no ilegal prosseguimento do processo executivo contra o responsável subsidiário, quando essa questão não fazia parte do elenco de problemas colocados ao Tribunal no quadro do litígio - dirigido exclusivamente à apreciação da legalidade do acto de indeferimento de pedido de pagamento da dívida em prestações – e não era de conhecimento oficioso.
Nº Convencional:JSTA00067299
Nº do Documento:SA22011120701051
Data de Entrada:11/21/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART125 N1 ART180 N1 N4 N5 ART196 ART276
CPC96 ART201 ART287 E ART660 N2
LGT98 ART60 ART103 N2
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da decisão que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel proferiu na reclamação que A…… apresentou, ao abrigo do disposto nos artigos 276.º e seguintes do CPPT, contra o acto praticado pelo Órgão da Execução no processo de execução fiscal n.º 3565-2008-01015478 que contra si reverteu, de indeferimento do pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações. A decisão recorrida julgou procedente a reclamação por força da ilegalidade do despacho de reversão da execução contra o Reclamante, declarando, por força disso, «extinta a instância executiva em relação ao Reclamante A……, nos termos do disposto no art.º 287.º, alínea e) do CPC, por impossibilidade superveniente da lide».
1.1. Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que concedeu provimento à reclamação da decisão do órgão de execução fiscal apresentada contra o despacho de indeferimento do pedido de pagamento em prestações e declarou extinta a instância executiva em relação ao reclamante, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art. 287.°, alínea e) do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2.° do CPPT.
B. Do conspecto do douto petitório apresentado pelo reclamante, constata-se que o mesmo apenas invoca fundamentos atinentes à anulação do despacho de indeferimento do pedido de pagamento em prestações da divida exequenda, ora revertida contra o reclamante.
C. Não peticionou o reclamante a nulidade do despacho de reversão. Não peticionou o reclamante a extinção da execução que contra ele corre os seus termos, mas tão só a anulação de um despacho proferido pelo órgão de execução fiscal relativo a um pedido de pagamento em prestações da dívida coerciva.
D. Como objectivo da reclamação por si interposta contra o despacho de indeferimento do pagamento em prestações da dívida exequenda, pretende o reclamante o pagamento da dívida exequenda em maior número de prestações que entende o órgão de execução fiscal, pretendendo assim o pagamento da dívida que contra si impende e não a sua extinção.
E. Em ponto algum do seu douto petitório, invoca o reclamante a desconformidade com o ordenamento jurídico da reversão contra si efectuada ou da execução da dívida em cobrança coerciva que contra si corre termos.
F. Com o devido respeito, que é muito, não poderia a Meritíssima Juiz decidir como decidiu, conhecendo de questão que não devia.
Ora
G. De acordo com o artigo 668.°, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi art. 2.°, al. e) do CPPT, é nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
H. Resulta, efectivamente dos arts 660.° do CPC e 125.° do CPPT que o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sejam de natureza processual (art. 660.°, n°1 do CPC) ou substantiva, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art. 660°, n.º 2 do CPC), e deve limitar-se a tais questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (art. 660°, n.º 2 in fine).
I. Tem sido entendido pela doutrina que questões para este efeito são todas as pretensões formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre elas, não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão.
J. No presente caso, está fora de qualquer dúvida que o Tribunal a quo ao apreciar e julgar procedente a reclamação do despacho do Órgão de execução fiscal, declarando nulo o despacho de reversão e extinguindo a execução relativamente ao reclamante, não conheceu da questão controvertida nos autos e do pedido formulado pelo reclamante, limitando-se a conhecer de questão que não lhe foi suscitada e formalizada como pedido da acção.
K. É patente, pois, que o respectivo julgador avançou para o conhecimento de uma questão não suscitada pelas partes, nem em concreto nem em abstracto, e da qual não poderia oficiosamente conhecer, dependendo antes da expressa arguição da parte a quem a aproveita (art. 202° CPC).
Pelo que,
L. Tendo conhecido oficiosamente dos pressupostos da reversão efectuada e decidido extinguir a execução que corre termos contra o reclamante, sem que deste fosse pretensão, o Tribunal a quo excedeu os seus poderes, incorrendo a sentença recorrida na nulidade prevista no art. 668°, n.º 1, al. d) do CPC, não podendo assim a mesma manter-se.
1.2. O Reclamante (ora Recorrido) não apresentou contra-alegações.
1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, por considerar que a decisão incorreu em erro de julgamento, por desacertada interpretação do artigo 180.º, n.º 5 do CPPT, aduzindo, para o efeito, a seguinte argumentação:
«A redacção deste preceito é a seguinte: “se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de execução, bem como sem prejuízo da prescrição”.
Sobre a aplicação do disposto no art. 180.° do CPPT, o S.T.A. começou por admitir como “razoável ser necessário, para que a execução pudesse prosseguir, que se tivesse de aguardar que fosse devolvida do processo de falência, para o qual tinha necessariamente de ser remetido, nos termos que, aliás, se encontram também expressamente previstos nos n.°s 3 e 4 do dito art. 180.° - assim, acórdão de 31-1-08 proferido no processos 0887/07, e demais ampla jurisprudência que cita.
No entanto, mais recentemente veio a decidir-se que tal podia não ser necessário, conforme decidido no acórdão de 10-2-10 proferido no proc. 01257/09, cujo sumario, tal como consta em www-dgsi.pt, se transcreve com a devida vénia:(...).
Ora, nem do dito art. 180.° n.° 5 do C.P.P.T. parece resultar que a referida aquisição de bens seja condição prévia à instauração da execução, nem tal disposição parece invalidar o que pode resultar do previsto no art. 24.° n.° 1 al. a) da L.G.T., em termos de, existindo culpa do gerente no caso de insuficiência do património da empresa falida, e verificados que sejam os necessários requisitos formais, ser possível a reversão.
Concluindo, afigura-se que foi efectuada uma incorrecta aplicação do direito aplicável, não resultando que, pelos fundamentos constantes da sentença recorrida, seja de declarar nula a reversão, nem que sejam nulos os referidos actos posteriores praticados, sendo, pois, de revogar o decidido.».
1.4. Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir em conferência.
2. Na sentença recorrida constam como provados os seguintes factos:
1. Em 13.10.2010 foi efectuada a citação pessoal do ora Reclamante, na qualidade de revertido no âmbito do processo de execução fiscal n° 3565200801015478 e Aps, instaurado pelo Serviço de Finanças de Valongo-2, na qualidade de responsável subsidiário (gerente) pela dívida de 4.212,44 euros, referente a pagamento em falta de IVA relativo ao período 2008.06T, originalmente liquidada relativamente à sociedade B……, Lda., NIF ……
2. A executada originária foi declarada insolvente por sentença preferida em 2 de Setembro de 2008 no Proc. 511/08.OTYVNG do 30 Juízo do Tribunal do Comércio, transitada em julgado em 23 de Outubro de 2008.
3. O processo de insolvência foi encerrado em 9 de Fevereiro de 2010.
4. Os processos de execução fiscal não foram avocados nem remetidos para apensação ao processo de insolvência.
5. Não foram apreendidos quaisquer bens do Reclamante, nem da devedora originária posteriormente à declaração de insolvência.
6. Na mesma data foi também (o ora Reclamante) citado pessoalmente como responsável subsidiário pela dívida da mesma empresa relativa aos processos executivos n.°s 3565200501050214 e Aps., 3565200501041673 e Aps., e 3565200801059564.
7. A dívida exequenda revertida totaliza o montante de 27.607,77 euros.
8. Em 12.11.2010 deu entrada no Serviço de Finanças de Valongo -2 um requerimento apresentado pelo ora Reclamante a solicitar o pagamento em prestações da referida dívida, tendo igual requerimento sido também apresentado relativamente aos processos executivos enumerados no ponto 2°.
9. No pedido apresentado (constante de fls. 42 a 67 dos autos) foi requerida a autorização do pagamento da quantia de 27.607,77 euros, no prazo de 6 anos, sob a forma de uma prestação mensal única de 383,44 euros ou alternativamente, em 60 prestações de 460,13 euros, igualmente a repartir por todos os processos executivos.
10.Por despacho proferido pelo Chefe de Finanças de Valongo-2 em 26.11.2010, foi o requerido indeferido por falta de enquadramento legal - cfr. doc. de fls.70 verso.
11.Alega no seu pedido não ter condições, face à sua actual situação financeira e patrimonial, para efectuar o pagamento da dívida em 36 prestações.
12.O despacho foi notificado ao ora Reclamante através do oficio n.°10334 de 26.11.2010, remetido sob registo postal com aviso de recepção, constando o mesmo assinado em 30.11.2010 - cfr. doc. de fls.72 dos autos.
13.Em 10.12.2010 foi recebida no referido Serviço de Finanças via fax, relativamente ao despacho proferido em 26.11.2010, uma petição de reclamação nos termos do art. 276° e seguintes do CPPT - cfr. doc. de fls.86 a 90 dos autos.
14.A mesma petição deu entrada via postal em 14.12.2010 - cfr. doc. de fls. 92 a 164 dos autos.
15.Relativamente a qual foi proferido o seguinte despacho:
«Pelo requerimento que antecede verifica-se que o executado não se conforma com a decisão de indeferimento do pedido de pagamento em prestações apresentado nos presentes autos.
Em circunstâncias normais as dividas de IVA e IRS retido na fonte não podem ser regularizadas através de pagamento em prestações salvo se se demonstrar a dificuldade financeira excepcional e previsíveis consequências gravosas para o executado, situação em que poderá ser autorizado um regime prestacional ate 12 prestações mensais, desde que cada uma delas não seja de valor inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.
Existindo somente duas situações de excepção à regra, uma quando se verifica o falecimento do executado, outra quando esteja em curso um plano de recuperação económica, e no âmbito deste se demonstre a imprescindibilidade da medida e se preveja a substituição dos administradores ou gerentes responsáveis pela constituição das dívidas.
Não estando o presente caso enquadrado em nenhuma das 2 situações de excepção, o revertido estaria ao contrário do alegado na reclamação apresentada, vinculado ao disposto nos n.°s 3 e 4 do artigo 196° do CPPT. Por outro lado a audiência dos interessados pode ser dispensada sempre que a administração tributária, como na situação em apreço, apenas aprecie os factos que lhe foram requeridos pelo contribuinte, limitando-se na sua decisão a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso.
Quanto ao dever da administração fiscal de notificar o requerente para aperfeiçoar o pedido, não se aplica ao presente caso, tendo em conta que foi constituído mandatário, e o pedido foi feito com alusão ao diploma legal e artigos correctos - artigo 196° do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Artigo 196° do CPPT, onde claramente no seu n° 6 se dispõe que o n° de prestações poderá ser alargado ate 60 meses em caso de notórias dificuldades financeiras mas só para valores da divida exequenda superiores a 500 unidades de conta, não devendo o valor de cada prestação ser inferior a 10 unidades de conta, modalidade de pagamento que não se aplica porém quando a dívida exequenda é de IVA e de IRS retido na fonte como no caso concreto.
De salientar que mesmo o somatório das quantias exequendas dos quatro processos em que o requerente é executado por reversão (27.607,77 euros), não perfaz as 500 unidades de conta que o n° 6 do artigo 196° impõe como condição para o alargamento do pagamento em prestações para os 60 meses.
Por outro lado não parece inocente o pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda apresentado autonomamente relativamente a cada processo executivo, com pedido de isenção de prestação de garantia, quando o que verdadeiramente se pretende é efectuar um único pagamento por conta mensal, e garantir simultaneamente a suspensão de todas as execuções.
De referir que na petição apresentada a mandatária do executado alega dificuldades económicas como factor impeditivo do pagamento da dívida em 36 prestações, pelo que se nos afigura inútil um deferimento do pedido em 12 prestações, conforme determina o n° 4 do artigo 96° do CPPT para o caso em apreço.
Não me parece pois que o acto reclamado mereça reparo, pelo que e face ao disposto no art.° 278° do CPPT, e com vista a assegurar a utilidade da presente reclamação atendendo a que foi invocado prejuízo irreparável, determino a imediata remessa dos autos para o Tribunal - cfr. doc. de fls. 174 a 175 dos autos.».
3. O inconformismo da Recorrente, integrante do objecto do presente recurso jurisdicional, reconduz-se exclusivamente à questão de saber se a decisão recorrida padece da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e de idêntico preceito do Código Processo Civil [artigo 668.º, n.º 1, alínea b], por ter conhecido de questão que as partes não haviam colocado nem era passível de conhecimento oficioso.
Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.
Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
Em suma, esta nulidade colhe o seu fundamento no princípio dispositivo e corresponde à sanção pela inobservância da regra acolhida no n.º 2 do artigo 660.º do CPC.
No caso vertente, verifica-se que o acto impugnado é constituído pelo despacho proferido pelo órgão da execução fiscal que indeferiu o pedido formulado pelo reclamante/executado - devedor subsidiário contra quem reverteu a execução fiscal – no sentido de que lhe fosse autorizado o pagamento da dívida exequenda em prestações ao abrigo do disposto no artigo 196.º do CPPT.
Na reclamação, o executado atacou a legalidade desse indeferimento, pedindo a sua anulação com fundamento na errada interpretação desse artigo 196.º, falta de fundamentação do acto e violação do dever de audição previsto artigo 60.º da LGT.
A decisão recorrida, depois de descrever, de modo exacto e preciso, o acto reclamado, e de identificar correctamente as questões colocadas, passou, de forma inopinada e sem qualquer explicação, à análise da norma contida no artigo 180.º do CPPT, que dispõe sobre os efeitos do processo de recuperação de empresa e de falência na execução fiscal, concluindo que «depois de findo o processo de falência podem ainda ser instauradas novas execuções ou prosseguirem as instauradas anteriormente contra o falido e o responsável subsidiário nos termos previstos no art. 180°, n.º 5 do CPPT», mas «a lei exige que o falido, a empresa ou o responsável subsidiário venham a adquirir bens» e isso «pressupõe que já tenha sido proferido o despacho de reversão»; e tendo, neste caso, a execução revertido contra o reclamante já depois da declaração de insolvência da devedora originária, sem que se provasse que este tivesse adquirido bens depois disso, teria ocorrido «uma clara violação do disposto nos números 1°, 4° e 5° do art.180°, do CPPT, o que ocasiona a respectiva nulidade e, por via disso, acarreta a ilegalidade da reversão contra o ora Reclamante. Ora, da ilegalidade consubstanciada no prosseguimento da execução decorre a nulidade dos actos processuais executados posteriormente. Assim, é nulo o despacho de reversão».
E foi com esta fundamentação que se decidiu julgar procedente a reclamação e declarar «extinta a instância executiva em relação ao Reclamante A……, nos termos do disposto no art. 287°, alínea e), do CPC, por impossibilidade superveniente da lide».
O que, para além de revelar uma enorme confusão de conceitos, revela desatenção quanto ao objecto do processo e pretensão deduzida, bem como desconhecimento de regras e princípios estruturantes do processo civil, como é o caso do princípio dispositivo, na sua vertente de ónus de alegar, reflectido nos artigos 264.º e 664.º do CPC, a que está sujeito o contencioso tributário no que tange à alegação das causas de pedir em que se funda o pedido de anulação do acto impugnado.
Como se sabe, a reclamação prevista no artigo 103.º, n.º 2 da LGT e no artigo 276.º do CPPT destina-se a controlar a legalidade dos actos praticados pelo órgão da administração tributária no processo de execução fiscal, constituindo um misto de recurso contencioso (por se tratar do controlo de um acto de um órgão administrativo por parte do tribunal) e de recurso jurisdicional (na medida em que o acto controlado pelo tribunal é um acto praticado num processo judicial), visando, necessariamente, a apreciação da legalidade do concreto acto sindicado tal como ele ocorreu, com vista à declaração da sua invalidade ou anulação.
E porque, como também decorre do princípio dispositivo das partes, o objecto da reclamação é definido e delimitado pelo reclamante na respectiva petição inicial, no presente caso havia que atender, exclusivamente, ao teor e fundamentação do acto impugnado para aferir da sua validade e decretar [ou não] a sua anulação, estando vedado o conhecimento de questões que não foram colocadas ao órgão da execução fiscal e que, por isso, não fazem parte da motivação do acto impugnado, bem como de todos aquelas que não são de conhecimento oficioso pelo tribunal - como é o caso da eventual ilegalidade de outros actos praticados na execução, designadamente do acto de reversão e do prosseguimento do processo executivo contra o Reclamante, ora Recorrido.
Com efeito, quer se considere essa eventual ilegalidade do despacho de reversão como um vício de violação de lei de acto tributário de reversão, determinante da sua anulação [artigo 135.º do CPA], quer se considere o acto de prosseguimento da execução contra o Reclamante como prática de acto processual que a lei não admite [artigo 201.º do CPC], o certo é que ambas as situações estão dependentes de arguição pela parte interessada num certo e determinado prazo, exorbitando dos poderes de conhecimento oficioso do Tribunal, pois que não existe razão justificativa para submeter o seu conhecimento a um regime diferente do geral.
Dado que o responsável subsidiário nunca invocou a ilegalidade do acto de reversão ou do prosseguimento da execução contra si, nem essa questão faz parte do elenco de problemas que colocou ao Tribunal no quadro deste litígio - dirigido exclusivamente à apreciação da legalidade do acto de indeferimento de pedido de pagamento da dívida em prestações – e dado que essas eventuais ilegalidades não são de conhecimento oficioso, é inquestionável que ocorreu violação do princípio dispositivo e da regra acolhida no n.º 2 do artigo 660.º do CPC.
Resta esclarecer que embora o surgimento de uma impossibilidade superveniente da lide por perda de objecto, prevista no artigo 287.º, alínea e), do CPC, seja de conhecimento oficioso do juiz, gerando a extinção da instância, ela tem de reportar-se à própria lide ou causa que o juiz tem pendente para julgamento, o que não acontece na situação vertente, pois que essa causa - processo de reclamação - não perdeu o seu objecto nem se tornou, supervenientemente, impossível ou inútil.
Em conclusão, tendo conhecido oficiosamente da legalidade do acto de reversão e decidido extinguir a execução fiscal que corre termos contra o Reclamante, sem que deste fosse pretensão, o Tribunal “a quo” excedeu os seus poderes, incorrendo a sentença na nulidade prevista nos artigos 125.º do CPPT e 668°, n.º 1, alínea d), do CPC.
Procedem, por isso, as conclusões da alegação da Recorrente.
4. Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, anular a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos Tribunal “a quo” para conhecimento das questões suscitadas na reclamação.
Sem custas.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2011. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Lino Ribeiro - Casimiro Gonçalves.