Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02264/15.6BELRS
Data do Acordão:02/09/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PRESTAÇÕES
DESEMPREGO
CADUCIDADE
Sumário:Não é de admitir revista se, tendo em conta a interpretação dada aos preceitos constitucionais dos arts. 17º, 18º e 59º, nº 1, da CRP e arts. 58º, nºs 1 e 2, als. a) e b), 59º, nº 2 e 89º, nº 1, al. h), todos do CPTA, a questão objecto da presente revista terá sido decidida pelo acórdão recorrido com acerto, estando o acórdão juridicamente fundamentado através de um discurso plausível e consistente, fundando-se na jurisprudência deste STA.
Nº Convencional:JSTA000P30580
Nº do Documento:SA12023020902264/15
Data de Entrada:12/13/2022
Recorrente:AA
Recorrido 1:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
AA recorre de revista do acórdão do TCA Sul de 09.09.2022 que manteve a decisão do TAC de Lisboa, que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção, absolvendo o Demandado Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP da instância.
O Autor recorre de revista, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, alegando que a questão decidenda assume manifesta relevância social e jurídica.

O Recorrido não contra-alegou.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Os presentes autos tiveram origem numa oposição ao processo de execução fiscal nº 1102201400617857 apresentada pelo Executado AA, no qual figura como Exequente o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, pedindo aquele a declaração de nulidade do despacho de 14.09.2011, com a referência nº 71/20111UP/NPD, que determinou a revogação das prestações de desemprego concedidas ao executado em 18.03.2005, e da nota de reposição nº 7505827, de 22.11.2011, pela qual foi o executado interpelado a proceder à restituição da importância de €27.440,87, correspondente aos pagamentos recebidos a título de subsídio de desemprego.
Por meio daquela oposição à execução o ora Recorrente pretende obter a declaração de nulidade do acto administrativo que revogou as prestações de subsídio de desemprego que lhe foram concedidas em virtude da cessação, no último trimestre do ano de 2001, do contrato de trabalho que o vinculava à empresa T..., sendo tais prestações pagas entre Março de 2005 e Março de 2007.
O despacho impugnado determinou a revogação das prestações de desemprego concedidas ao aqui Recorrente com o fundamento de que este “exerceu actividade profissional pelo menos desde Março de 2005 e que não integrava a composição societária da empresa V..., Lda, porque recebia prestações de desemprego.
O ora Recorrente alegou que aquele acto é nulo por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental – art. 133º, nº 2, alínea d) do CPA/91.

Por decisão de 25.06.2021, o Juízo de Execuções Fiscais e de Recursos Contra-Ordenacionais do Tribunal Tributário de Lisboa julgou-se incompetente, em razão da matéria, declarando materialmente competente o TAC de Lisboa, ordenando a remessa dos autos a este Tribunal.

O TAC de Lisboa no despacho saneador-sentença, proferido em 04.10.2021, julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção, absolvendo a Entidade Demandada da instância.

O acórdão recorrido, confirmou a decisão sumária do Relator, que havia negado provimento ao recurso do Autor [no qual se imputou à decisão recorrida, essencialmente, violação das normas dos arts. 17º, 18º e 59º, nº 1, alínea e) da CRP por resultar da correcta interpretação e conjugação daquelas normas, o direito dos trabalhadores à assistência material em situação de desemprego involuntário, constitutivo de um direito fundamental com natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, sendo directamente aplicável a norma do referido art. 59º, nº 1, al. e)] mantendo a decisão de 1ª instância.
Disse-se no acórdão recorrido, nomeadamente, o seguinte: “Como é evidente, o reconhecimento do direito ao subsídio de desemprego está dependente do preenchimento dos respectivos pressupostos legais, naturalmente que devendo obediência ao plasmado na Constituição.
Carecendo de qualquer fundamento o entendimento de que cada decisão negativa relativa ao reconhecimento do direito àquele subsídio possa redundar numa violação do conteúdo essencial de direito fundamental.
Sem que se possa afirmar que o ato impugnado enferma de vício gerador de nulidade, por não se verificar a ofensa prevista no artigo 133.º, nº 2, al. d) do CPA/1991, a presente ação teria de ser intentada no prazo de três meses, a contar da sua notificação, cf. artigo 58.º, n.º 1, al. b), e 59.º, n.º 2 do CPTA.
O que manifestamente não sucedeu.
Pelo que efectivamente procede a exceção dilatória da caducidade do direito de ação, que nos termos do artigo 89.º, n. 1, al. h), do CPTA/2002, obsta ao prosseguimento da ação.”.
Quanto à alegada pelo recorrente, violação do direito constitucional à prova e dos princípios da cooperação e do inquisitório, considerou o acórdão carecerem de relevância para o objecto do recurso, que se prende com a verificação ou não do prazo de caducidade do direito de acção, pelo que o seu conhecimento pressupõe a improcedência da excepção.

Na sua revista o Recorrente reafirma a sua posição de que o direito à protecção no desemprego, previsto no art. 59º, nº 1, al. e) da CRP, constitui um verdadeiro direito fundamental, com natureza idêntica aos direitos, liberdades e garantias, sendo os preceitos constitucionais respeitantes a tais direitos directamente aplicáveis e vinculando todas as entidades públicas e privadas (art. 18º, nº 1 e art. 17º da CRP), pelo que a sua violação acarretaria a nulidade do acto impugnado. Ao que acresceria uma violação à produção de prova, e do art. 20º da CRP, bem como do art. 411º do CPC, em que teria incorrido a sentença de 1ª instância.
Afigura-se-nos que a questão da caducidade do direito de acção, que é o que está em causa nos autos e, consequentemente na presente revista, foi correctamente decidida nas instâncias e de forma consonante.
Com efeito, a invocação de nulidade do acto impugnado, nos termos do disposto no art. 133º, nº 2, al. d) do CPA/91, determinando que tal acto pudesse ser impugnado a todo o tempo (cfr. nº 1 do art. 58º do CPTA), por estar em causa a violação directa do art. 59º, nº 1, al. e) da CRP, não se mostra convincente. Como refere o acórdão recorrido o que recebe consagração constitucional, a justificar, eventualmente, a aplicação imediata daquele preceito, é o próprio direito ao subsídio de desemprego e não o referente às prestações desse subsídio, cuja regulamentação cabe ao legislador infra-constitucional, estando o seu regime sujeito às regras estabelecidas em tal regulamentação.
Assim, tendo em conta a interpretação dada aos preceitos constitucionais dos arts. 17º, 18º e 59º, nº 1, da CRP e arts. 58º, nºs 1 e 2, als. a) e b), 59º, nº 2 e 89º, nº 1, al. h), todos do CPTA, a questão objecto da presente revista terá sido decidida pelo acórdão recorrido [como antes pelo TAC de Lisboa] com acerto, estando o acórdão juridicamente fundamentado através de um discurso plausível e consistente, fundando-se na jurisprudência deste STA (cfr. acórdão de 05.06.2007, Proc. nº 0275/07, naquele indicado) e do Tribunal Constitucional (acórdão nº 374/02).
Como também não se vislumbra que o acórdão recorrido tenha incorrido em violação do direito à produção de prova, e do art. 20º da CRP, bem como do art. 411º do CPC, já que, como nele bem se refere, tais questões não tinham que ser apreciadas, por as instâncias terem considerado que procedia a excepção de caducidade do direito de acção, cujo conhecimento precede uma eventual questão sobre a produção de prova.
Assim, perante a aparente exactidão do acórdão recorrido não deve ser admitido o recurso, não se vendo, na apreciação sumária que a esta Formação de Apreciação cabe fazer, que a questão seja particularmente relevante juridicamente ou que revista complexidade jurídica superior ao normal para este tipo de problemática, não sendo, igualmente, a revista necessária para uma melhor aplicação do direito, pelo que não se justificar postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 9 de fevereiro de 2023. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.