Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0412/12
Data do Acordão:05/09/2012
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SANTOS BOTELHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS
AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
Sumário:Não é de admitir o recurso de revista em situação na qual as questões colocadas não são particularmente complexas sob o ponto de vista jurídico, não apresentam relevância social fundamental, por não contenderem com interesses especialmente importantes da comunidade, nem se detecta um erro ostensivo na decisão do acórdão recorrido.
Nº Convencional:JSTA000P14130
Nº do Documento:SA1201205090412
Recorrente:A......
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
I - RELATÓRIO
1.1. A……… vem interpor recurso de revista, ao abrigo do n.° 1, do artigo 150.° do CPTA, do Acórdão do TCA Sul, de 13-10-2011, que negou provimento ao recurso jurisdicional por si interposto da decisão do TAC do Lisboa.
No tocante à admissão da revista, a Recorrente refere, nas suas alegações, nomeadamente, o seguinte:
“(…)
A decisão recorrida — como outras proferidas no mesmo sentido, sofrendo dos mesmos vícios que afetam todo este processo - implica um juízo sobre a dignidade da pessoa da mulher de um cidadão português, a quem o Estado pretende impedir o acesso à comunidade nacional, em termos de igualdade com os demais cidadãos e especialmente com seu marido, de forma que ofende, desde logo, de forma frontal e brutal, o princípio da igualdade dos cônjuges, garantido pelo art° 36°, 3 da Constituição.
Estamos, por isso mesmo, num quadro, em que se justifica a revista, nos termos do disposto no artigo 150°, 1 do CPTA (...)
(...)
Com este recurso, visa a recorrente reagir, essencialmente, contra um juízo que é xenófobo por natureza e que ofende a sua dignidade de ser humano.
Não faz sentido nem tem nenhum suporte legal a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte da mulher de um nacional português, que tem com ele um casamento verdadeiro e estável, do qual nasceu um filho que também é português.
(...)
Estamos, pois perante questão que, pela sua relevância jurídica e social, justifica a revista.
Do que se trata é de saber se o Estado português pode, no respeito pelas suas leis e pelas suas normas constitucionais, impedir a entrada na comunidade portuguesa dos cônjuges estrangeiros dos nacionais portugueses, em termos que, pelo que têm de humilhante, são um autêntico desafio ao divórcio.
(...)
Está a recorrente convencida de que o tribunal a quo violou, de forma clara e objetiva, tanto a lei substantiva como a lei processual, como procurará demonstrar nestas alegações.
(...)” - cfr. fls. 295-297 e 301.
1.2. Por sua vez, o ora Recorrido, Ministério Público, contra-alegou, pronunciando-se pela não admissibilidade do recurso de revista, salientando, designadamente, nas suas alegações, o seguinte
“(…)
Contudo, salvo melhor opinião, afigura-se-nos que as questões suscitadas do impedir a entrada da recorrente na comunidade portuguesa, não têm qualquer complexidade jurídica nem interesse social.
Além disso, não foi invocado nem existe qualquer erro clamoroso de aplicação da lei aos factos, nem parece possível uma melhor aplicação do direito do que aquela que foi considerada pelas duas instâncias decisoras e que implique uma decisão diferente da que foi tomada por este TCAS.
(...)” - cfr. Fls. 545.
1.3. Cumpre decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O recurso de revista a que alude o n.° 1, do artigo 150.° do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo facilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, se atendermos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial, se olharmos aos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que das decisões proferidas pelos TCA’s em sede de recurso não cabe, em regra, recurso de revista para o STA.
Temos assim, que de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (cfr., a “Exposição de Motivos”, do CPTA).
Vejamos, então.
2.2. Como resulta dos autos, o Acórdão recorrido negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela ora Recorrente.
Para assim decidir o TCA Sul salientou, designadamente, que “no caso presente é uma realidade que a ora Recorrente apenas apresentou como prova o casamento com um nacional português(...), é manifestamente insuficiente para a demonstração do quid legal da ligação à comunidade nacional em termos de efectividade e a efectividade, rectius a “ligação efectiva” à comunidade nacional, como conceito indeterminado que é, terá de ser deduzida a partir de uma base de factos da vida real e concreta do interessado, do seu quotidiano, do seu ambiente, daquilo que faz na sua vida normal e que, alegados e provados pelo interessado em adquirir a nacionalidade, permitam concluir, exactamente por essa sucessão de factos da sua vida ocorridos ao longo do tempo, que tem efectivamente uma ligação com o País cuja nacionalidade quer integrar na sua esfera jurídica a título de estado”, sendo que “naturalmente que não se pode limitar à circunstância de ter contraído casamento com um nacional, pois, se assim fosse, a hipótese legal da norma seria expressa e unicamente reduzida à celebração daquele contrato”-cfr. Fls. 280-281.
Já a Recorrente discorda do decidido no Acórdão do TCA Sul nos termos que explicita na sua alegação de recurso, a fls. 288-378.
Ora, contra o que sustenta a Recorrente, a posição assumida pelo TCA Sul enquadra-se no espectro das soluções jurídicas plausíveis para as questões sobre que se debruçou, não se evidenciando, por isso, que a pronúncia emitida no Acórdão recorrido esteja inquinada de erro grosseiro, com o que afastada fica a hipótese de fazer ancorar a admissão da revista, numa hipotética necessidade de melhor aplicação do direito.
Acresce que também não se vislumbra uma particular relevância social nas questões suscitadas pela Recorrente em sede de revista, não se surpreendendo, no caso dos autos, um interesse comunitário que, pela sua peculiar importância, pudesse levar, por si só, à admissão de revista, já que os interesses em jogo não ultrapassam significativamente os limites do caso concreto.
Finalmente, a resolução das questões ora levantadas não requer um esforço interpretativo particularmente acentuado, antes apresentando um grau de dificuldade que não ultrapassa o que é normal das controvérsias judiciárias, carecendo, por isso, as ditas questões de especial relevo jurídico.
É, assim, de concluir que, no caso dos autos, não se verificam os pressupostos de admissão da revista.
3 - DECISÃO
Nestes termos, acordam em não admitir o recurso de revista do Ac. do TCA Sul, de 13-10-2011.
Custas pela Recorrente
Lisboa, 9 de Maio de 2012. - José Manuel da Silva Santos Botelho (relator) - Rosendo Dias José – Luís Pais Borges.