Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02560/08.9BEPRT |
Data do Acordão: | 10/28/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | IVA EXPORTAÇÃO ISENÇÃO |
Sumário: | I - Cabe ao sujeito passivo que pretende beneficiar da isenção prevista na alínea s) do n.º do artigo 14.º do CIVA fazer prova de que os bens exportados saíram efectivamente do território nacional. II - Tal prova constitui um ónus do sujeito passivo, uma vez que se trata de uma operação, em princípio, sujeita a tributação ex vi do artigo 6.º n.º 17 do CIVA. |
Nº Convencional: | JSTA000P26604 |
Nº do Documento: | SA22020102802560/08 |
Data de Entrada: | 04/01/2020 |
Recorrente: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A....................., LDA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1- A representante da Fazenda Pública interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 3 de Novembro de 2019, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida A…………….., Lda., com os sinais nos autos, do acto de indeferimento da reclamação graciosa, relativa à liquidação adicional do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e correspondentes juros compensatórios referentes ao 3.º trimestre de 2004, apresentado, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo: «[…] A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial intentada por A………………, LDA., NIPC ……….., no segmento relativo à anulação, por erro nos pressupostos, da liquidação adicional de IVA e correspondentes juros compensatórios, relativa ao 3º trimestre de 2004, na parte atinente às correções efetuadas no montante de €8.730,25. B. Conforme decorre da petição inicial, no que a esta parte se refere, a impugnante apenas alega que as situações de isenção do art.º 14º n.º 1, al. s) e de não sujeição contemplada no artigo 6º n.º 18, ambos do CIVA, não pressupõem a comprovação referida no art.º 28º, n.º 8, do CIVA, não fazendo qualquer menção relativamente à isenção prevista na alínea q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA. C. Neste sentido, a impugnante apenas se insurge contra as correções que resultaram da desconsideração da isenção prevista no art.º 14º n.º 1, al. s) e da não-sujeição contemplada no artigo 6º n.º 18, não fazendo qualquer reparo às correções resultantes da desconsideração da isenção prevista na alínea q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA. D. No entanto, na sentença recorrida, o Tribunal a quo pronunciou-se relativamente à isenção prevista na alínea q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA, determinando a anulação da correção resultante da sua desconsideração pelos serviços de Inspeção Tributária. E. Nestes termos, pronunciou-se o Tribunal a quo sobre uma questão que, não sendo de conhecimento oficioso, não podia tomar conhecimento, considerando uma causa de pedir que não foi invocada. F. Motivo pelo qual, com o devido respeito, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 125º n.º 1 do CPPT e art.º 615º n.º 1 d) do CPC, aplicável por força do art.º 2º, al. e) do CPPT. Sem prescindir, G. A sentença recorrida anulou a liquidação impugnada na parte atinente correções efetuadas no montante de €8.730,25, por erro nos pressupostos, por considerar: que o n.º 8 do artigo 28.º do CIVA não é aplicável à isenção prevista na alínea s) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, pelo que, em relação às exportações, mostra-se incorreto o afastamento da isenção com tal fundamento; que a não aceitação da isenção prevista na alínea q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA com fundamento no disposto no n.º 8 do artigo 28.º não se mostra correta, porquanto esta norma legal estabelece uma imposição de comprovação através de “documentos alfandegários apropriados” e a Administração Tributária não invocou a falta de apresentação desses documentos, tendo efetuado a correção aos valores das transmissões intracomunitárias invocando tal norma e enquadrando na mesma a falta de registo dos adquirentes e de comprovação da saída dos bens do território nacional. H. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto entende que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por errada interpretação das alíneas q) e s) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA, bem como do art.º 28º n.º 8 do CIVA. I. Relativamente às prestações de serviços de intermediação relacionadas com transmissões intracomunitárias, concretamente, as comissões cobradas ao cliente “vendedor”, decorre inequivocamente do Relatório de Inspeção Tributária que o que obstou à isenção prevista na alínea q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA foi a falta de comprovação dos pressupostos desta isenção. J. Em relação às comissões cobradas ao cliente” adquirente”, considerou-se que seriam operações não tributáveis nos termos do n.º 18º do art.º 6º do CIVA “quando o adquirente da prestação de serviços de intermediação seja um sujeito passivo registado, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, em outro Estado Membro e que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição”. K. Verificaram os serviços de Inspeção Tributária que o sujeito passivo, aqui impugnante/recorrida, debitou comissões ao “vendedor” e ao “adquirente” relativas a transmissões cujos adquirentes não se encontravam registados ou sem número de identificação fiscal (conforme decorre do anexo 1 e 2 do RIT). L. Por outro lado, constataram que não existiam elementos comprovativos de que os bens saíram de Portugal para outro Estado Membro, pressuposto fundamental para que os serviços de intermediação relacionados com transmissões intracomunitárias pudessem beneficiar da isenção de IVA. M. Ora, atenta a redação do art.º 28º n.º 8 do CIVA e o invocado no RIT sobre a falta de elementos comprovativos de que os bens saíram de Portugal para outro Estado Membro, entende a Fazenda Pública que não se afigurava necessária a menção específica à falta de “documentos alfandegários”, como parece decorrer da sentença. N. É a própria al. q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA (e não o art.º 28º n.º 8 do CIVA) que prevê que só há isenção destas prestações de serviços se estiverem relacionadas com a expedição ou transporte de bens destinados a outros Estados membros, quando o adquirente dos serviços seja um sujeito passivo do imposto registado e que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição. O. Tendo as correções efetuadas sido sustentadas na falta de comprovação de todos os pressupostos da isenção previstos prevista na alínea q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA, não podiam ser anuladas tais correções com o fundamento de que não foi feita menção, no RIT, à falta de apresentação de documentos alfandegários. P. No que concerne às prestações de serviços de intermediação relacionadas com exportações, ao contrário do que refere a sentença recorrida, o afastamento da isenção não se fundamentou no n.º 8 do artigo 28.º do CIVA, mas sim na falta de comprovativos do pressuposto da isenção prevista na alínea s) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, nomeadamente de que aquelas prestações de serviços estão relacionadas com transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade. Q. Dispõe a alínea s) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA que são isentas do imposto “As prestações de serviços realizadas por intermediários que atuam em nome e por conta de outrem, quando intervenham em operações descritas no presente artigo ou em operações realizadas fora da Comunidade”. R. Conforme se refere no RIT: “para que os serviços de intermediação possam beneficiar da isenção é necessário que estejam relacionados com exportações, ou seja, com transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste” conforme o disposto no art.º 14º do Código do CIVA (…) Para que estas operações possam beneficiar da isenção do disposto na alínea s) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA, tem que haver comprovativo dos pressupostos da isenção (…)” S. Ora, independentemente da menção ao n.º 8 do art.º 28º do CIVA, da leitura do RIT é patente que as correções decorrem da falta de comprovação de que aquelas prestações de serviço estão relacionadas com transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade, pelo que, não existindo qualquer elemento de prova nesse sentido, não podiam ser anuladas apenas por se considerar que as correções foram efetuadas com base na falta dos documentos a que se refere o art.º 28º n.º 8 do CIVA. T. Nestes termos, com ressalva do devido respeito, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece, além de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 125º n.º 1 do CPPT e art.º 615º n.º 1 d) do CPC, aplicável por força do art.º 2º, al. e) do CPPT, de erro de julgamento de direito, pois não faz uma adequada interpretação das alíneas q) e s) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA, bem como do art.º 28º n.º 8 do CIVA. Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências, assim se fazendo justiça. 2.ª Este recurso foi interposto, pela Fazenda Pública, para o SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, por requerimento de 21 de Novembro de 2019, 3.ª e admitido por despacho de fls. _, dado em 10 de Janeiro de 2020. 4.ª A impugnação judicial sobre que incidiu a sentença recorrida, teve na sua origem uma acção inspectiva realizada pela AT, cujo objectivo foi analisar e concluir sobre a actuação da Impugnante/Recorrida enquanto sujeito passivo de IRC e de IVA, anos de 2003 e 2004. 5.ª Dessa acção inspectiva resultaram correcções meramente aritméticas introduzidas à matéria tributável da ora Recorrida, quer em IRC, quer em IVA, anos de 2003 e 2004. 6.ª A ora Recorrida, inconformada com a forma como decorreu a sobredita acção inspectiva e com os resultados nela apurados, apresentou a defesa dos seus direitos, legitimamente protegidos, entre os anos de 2007 e 2008. 7.ª Por sua vez, a Recorrente, indiferente ao sentido das decisões entretanto já proferidas, prossegue na senda dos recursos. 8.ª No presente recurso a Recorrente invoca dois argumentos para sustentar o consequente pedido de provimento: (i) a sentença é nula; (ii) o julgamento enferma de erro. - Quanto à nulidade da sentença 9.ª Essa (pretensa) nulidade decorreria, segundo a Recorrente, do facto de a sentença se ter pronunciado sobre uma questão de que não podia tomar conhecimento. Teria havido excesso de pronúncia por parte da sentença. 10.ª O excesso de pronúncia residiria, então, na circunstância de a Impugnante/Recorrida não ter feito alusão, a propósito da isenção, à norma do art. 14.º/1-q) do CIVA. 11.ª Só que a Impugnante/Recorrida tratou a matéria da isenção em causa, e não apenas incidentalmente ou de passagem: fê-lo nos arts. 47.º e 48.º da petição inicial e fê-lo também no exercício do direito de audição, no âmbito da reclamação graciosa, descrevendo os factos que enquadram a previsão do referido art. 14.º/1-q) do CIVA. 12.ª E é aqui, na descrição da realidade e na menção dos factos, que reside o ónus de quem litiga no processo tributário, como expressivamente se diz no célebre brocardo “dabo mihi factus, dabo tibi jus”. 13.ª Não pode nunca esquecer-se que, para além doutros princípios fundamentais caracterizadores do contencioso tributário, como o princípio da legalidade e o princípio da verdade material, o princípio aqui dominante é o princípio do inquisitório correctamente interpretado e aplicado na sentença sob recurso, à luz de um contencioso tributário de plena jurisdição. - Quanto ao erro de julgamento 14.ª Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o julgamento feito na sentença recorrida, quer quanto à identificação fiscal dos adquirentes, quer quanto à saída dos bens do território nacional não padece de qualquer insuficiência ou inexactidão. 15.ª E nem a identificação feita mediante a indicação do número do grupo que integra empresas clientes da Recorrida deveria ser susceptível de provocar qualquer reparo, sabido como é que constitui um procedimento aceite nos vários Estados-Membros. 16.ª Sem esquecer, porque estamos no domínio do IVA, o princípio da neutralidade fiscal. 17.ª A comprovação da saída das mercadorias está feita em muitos dos documentos incorporados nos volumes que constituem a perícia colegial realizada. 18.ª É o próprio RIT que declara existir prova de que parte dos bens saíram do país e que quanto a outra parte não há prova inequívoca, não explicando nem a AT (no RIT), nem a Recorrente o que seja uma prova não inequívoca, pelo que não pode, obviamente, desconsiderar a isenção em causa. 19.ª Inequívoca é a declaração produzida no Relatório Pericial, pronunciando-se sobre o montante por que a correcção fixada pela AT deverá ser corrigida. 20.ª Em suma, a sentença sob recurso não enferma de excesso de pronúncia, pelo que lhe não é aplicável a norma do art. 125.º/1 – parte final do CPPT, nem, obviamente, a norma do art. 615.º/1-d), parte final do CPC; e também não enferma de erro de julgamento na interpretação que fez das normas do art. 14.º/1-q) e s) e 28.º/8, todas do CIVA, aplicando-as com justa observância dos princípios da legalidade tributária, do inquisitório e da verdade material. 21.ª Julgando como julgou, a sentença sob recurso fez correcta interpretação da LEI e do DIREITO, não merecendo qualquer censura. Nestes termos e nos mais, de Direito, aplicáveis, deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmada a sen tença recorrida, para que se cumpra a LEI e se faça JUSTIÇA. […]».
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que anulou a liquidação adicional de IVA respeitantes ao 3.º trimestre de 2004, nas correcções no montante de €8.730,25.
Custas neste recurso pelo Recorrido [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário]. |