Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0771/17
Data do Acordão:07/12/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22158
Nº do Documento:SA1201707120771
Data de Entrada:06/26/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. RELATÓRIO

A……………………………….., intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), contra o Município desta cidade, acção administrativa especial pedindo:
“I – O reconhecimento do deferimento tácito da impugnação administrativa, consubstanciada na interposição de recurso hierárquico impróprio, em 20/10/20105, do acto de indeferimento do pedido de licenciamento datado de 11/07/2005
Ou subsidiariamente
II – A anulação do acto de 11/07/2005 da Vereadora do Pelouro do Urbanismo que indeferiu o pedido de licenciamento de obras de alteração relativo ao processo n.º 453/EDI/2004.
III – A condenação do Réu à prática do acto legalmente devido, que consiste na emissão de novo acto que licencie as obras de alteração da Autora, deferindo a sua pretensão, em substituição total do acto ora impugnado.”
Para tanto alegou (i) vícios na fundamentação da decisão de indeferimento; (ii) erro nos pressupostos de direito; (iii) erro manifesto de apreciação; (iv) violação do princípio da proporcionalidade; e, (v) violação do n.º 2 do art.º 60.º, do RJUE.
Aquele Tribunal julgou procedente o pedido principal, formulado pela Autora na presente acção, e em, consequência, declarou verificado o deferimento tácito da pretensão formulada pela B…………… no requerimento de recurso dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa em 20-10-2005, ficando prejudicada a apreciação do pedido subsidiário.”

A CML recorreu para o TCA Sul e este, por Acórdão de 24/04/2017 concedeu provimento ao recurso.

A A………….. interpôs, então, recurso de revista dessa decisão, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA,

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAC de Lisboa julgou procedente o pedido principal formulado nesta acção administrativa especial com a seguinte fundamentação:
“…A verdade, porém, é que o deferimento determinado pelo n.° 2 do art.° 114° do RJUE não é um acto administrativo, mas sim consequência de uma decisão do legislador, mais precisamente uma sanção, imposta pela lei pelo não cumprimento pela Administração do dever de decidir a impugnação administrativa dentro do prazo legal e que opera ex vi legis.
A referida decisão do legislador é o resultado da ponderação dos bens protegidos pelas prescrições e proibições das normas do direito do urbanismo, de um lado, e do interesse público da celeridade das decisões administrativas dos procedimentos impugnatórios, a pensar também, naturalmente, nos interesses do impugnante, do outro.
O deferimento previsto no n° 2 do art.° 114° do RJUE põe termo, ope legis, ao procedimento de impugnação administrativa, precludindo qualquer direito ou pretensão revogatórios da Administração, e, por ser expressão de uma decisão do poder legislativo, prevalece sobre o Regulamento do PDM de Lisboa (RPDML) e, por maioria de razão, sobre qualquer acto administrativo.
Por este conjunto de razões, é um contra senso falar-se em ilegalidade e em revogação tácita de um suposto “acto administrativo” de deferimento tácito por um subsequente acto expresso de indeferimento do recurso, praticado depois da extinção do procedimento de impugnação administrativa por força do deferimento ex vi legis da pretensão da recorrente.
Admitir a “revogabilidade” do deferimento previsto no n° 2 do art.° 114° do RJUE seria, em qualquer caso, privá-lo de qualquer utilidade e deixar sem defesa os interesses cuja protecção inspirou o instituto.
Por tudo o que ficou dito, procede o pedido de reconhecimento do deferimento da pretensão formulada pela B………………. no requerimento de recurso dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, ficando prejudicada apreciação do pedido subsidiário.

O Réu apelou para o TCA Sul e este concedeu provimento ao recurso pela seguinte ordem de razões:
“Compulsados os autos afigura-se-nos manifesto que assiste razão ao Município recorrente, atento o disposto no art.º 141.º do primitivo CPA e considerando que o acto expresso proferido na Sessão da CML de 22/12/2006, que indeferiu o recurso hierárquico impróprio, e manteve o despacho da Vereadora ……………………., de 11/7/2005, determinou a revogação do deferimento tácito, que terá ocorrido em 5/12/2006, revogação essa que tem por fundamento a ilegalidade desse deferimento decorrente do disposto no art.º 114/2 do RJUE.
O que significa, salvo o devido respeito, que não se aceita o referido no acórdão recorrido a propósito do “ invocado deferimento tácito”, segundo o qual tal deferimento “Precludia qualquer direito ou pretensão revogatórias da Administração”, o que não encontra suporte legal ou doutrinal conhecido, ficando tais actos administrativos sujeitos ao regime de revogação previsto, ao tempo, no primitivo CPA.
E assim sendo, verifica-se que o referido deferimento tácito foi erradicado da ordem jurídica, restando revogar o acórdão recorrido que o deu por reconhecido, improcedendo o pedido principal formulado na acção administrativa especial, prosseguindo os autos no TAC de Lisboa para apreciação do pedido subsidiário formulado nos autos, se a tal nada mais obstar.
Atento o disposto no art. 149.º do primitivo CPTA entendemos que o Tribunal de recurso não poderá conhecer do referido pedido subsidiário, em substituição do TAC de Lisboa, por falta de previsão legal, sendo certo que não estará em causa a apreciação de um mero “fundamento” subsidiário da acção mas de um verdadeiro pedido.
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, em revogar o acórdão recorrido julgando improcedente o pedido principal formulado nos autos e em ordenar o seu prosseguimento em 1.ª Instância para apreciação do pedido subsidiário, se a tal nada mais obstar.

3. A Autora discorda dessa decisão e, por isso, requer a admissão desta revista para se reapreciem as seguintes questões:
“C. O presente recurso deve ser admitido por se verificar a relevância Jurídica fundamental em relação ao objecto principal do recurso por se tratar de uma questão dotada de significativa complexidade decorrente, principalmente, de ser “a concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos” tornando-se necessário conjugar:
a) as regras procedimentais do regime do licenciamento de obras de construção;
b) o instituto do recurso hierárquico impróprio;
c) o instituto do deferimento tácito;
d) o instituto da revogação dos actos administrativos - em especial, o regime da anulação administrativa e a revogação de actos administrativos constitutivos de direitos, a admissibilidade da conversão do indeferimento expresso extemporâneo em revogação implícita, bem como o princípio do paralelismo de formas e formalidades nos actos revogatórios;
D. De igual modo, verifica-se também relevância jurídica fundamental do objecto secundário do recurso, suscitando, como o acórdão recorrido o demonstra:
a) A “dificuldade das operações exegéticas a efectuar” a respeito da interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 149.º do CPTA (patente na opção terminológica do legislador no enunciado normativo: “questões... prejudicadas”), e da sua aplicabilidade aos pedidos subsidiários que não correspondam a “fundamentos subsidiários de um pedido principal” (à imagem do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo);
b) “um enquadramento normativo especialmente intricado” ou mesmo uma “necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos” resultante do cotejo do artigo 149º. do CPTA com as regras e princípios gerais do contencioso administrativo - em especial, o princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigo 2.º do CPTA), o princípio pro actione (artigo 7,º do CPTA), o regime da cumulação de pedidos (artigo 4.º do CPTA), e a natureza substitutiva do recurso de apelação (cf. artigo 149º do CPTA).”

4. Conforme resulta do Acórdão recorrido – cuja apreciação do direito se transcreveu na íntegra – a revogação do invocado deferimento tácito por posterior acto expresso teve por fundamento o disposto no art.º 114/2 do RJUE visto, ao contrário do que o Tribunal 1.ª supusera, esse alegado deferimento não precludia qualquer direito ou pretensão revogatória da Administração por tal deferimento estar sujeito ao regime de revogação previsto, ao tempo, no primitivo CPA. E nenhuma censura merece esse entendimento.
Deste modo, o Acórdão recorrido decidiu bem quando afirmou que referido deferimento tácito foi erradicado da ordem jurídica pelo indeferimento expresso e que, por isso, improcedia o pedido principal formulado na acção devendo os autos baixarem ao TAC de Lisboa para apreciação do pedido subsidiário formulado nos autos, se a tal nada mais obstar.
É, assim, desnecessária a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito.

DECISÃO

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 12 de Julho de 2017 – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.