Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01189/11
Data do Acordão:04/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
DOAÇÃO
DISTRATE
ANULAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - O artº 44º, nº 1. do CIMT é aplicável aos casos de anulação da liquidação de imposto pago por acto ou facto translativo que não chegou a concretizar-se, de que constituem exemplo as situações previstas no artº 22º, nº 2 do mesmo Código, enquanto o artº 45º se aplica aos casos em que o acto ou facto chegou a concretizar-se, mas veio a verificar-se a condição resolutiva ou a ter lugar a resolução do contrato.
II - Tendo tido lugar uma doação e tendo sido liquidado e pago o imposto de selo respectivo, o posterior distrate apenas confere o direito constante do artº 45º do CIMT, podendo a reclamação ter lugar no prazo de 120 dias contados da data do distrate.
Nº Convencional:JSTA00067547
Nº do Documento:SA22012041901189
Data de Entrada:12/28/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - SELO
Legislação Nacional:CIMT03 ART44 ART45 ART2 N3 ART46 ART47 ART22 N4
CCIV66 ART433 ART434 N1
CIS03 ART49 N2
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Loulé que julgou procedente a impugnação deduzida por A……, com os demais sinais nos autos, contra o indeferimento por intempestividade da reclamação graciosa, relativa ao imposto de selo liquidado pela escritura de doação outorgada em 01.08.2008, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

a) As questões decidendas são as seguintes: a doação em causa, face à lei civil, é resolúvel ou revogável? Aplica-se aqui o disposto no art.° 44.°, n.° 1 do CIMT ou no art.° 45.° n.° do CIMT?

b) A doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente (Cfr. n.° 1 do art.° 940.° do CC). A doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado (Cfr. n.° 1 do art.° 947.° do CC);

c) O doador, ou os seus herdeiros, também podem pedir a resolução da doação, fundada no não cumprimento dos encargos, quando esse direito lhes seja conferido pelo contrato (vide artº 966.° do CC). Enquanto não for aceita a doação, o doador pode livremente revogar a sua declaração negocial, desde que observe as formalidades desta. As doações são revogáveis por ingratidão do donatário (vide art.°s 969.° n.° 1 e 970.° ambos do CC);

d) As formas de extinção das relações contratuais, previstas na lei civil, são a resolução, a revogação e a denúncia. A resolução é "a destruição da relação contratual operada por um dos contraentes com base num facto posterior à celebração do contrato e tem efeitos retroactivos" (Cfr. Varela, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, Coimbra: Almedina, p. 277). A resolução só tem lugar quando resulta da lei ou da convenção das partes (vide art.° 432.°, n.° 1 do CC);

e) A revogação é "a destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato e projecta-se somente para o futuro, dado que esta figura jurídica reporta-se às declarações de vontade integradoras de negócios ainda não consumados" (Cfr. Varela, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7a edição, Coimbra: Almedina, p. 279);

f) Na doação, a resolução só pode ocorrer quando as partes no respectivo contrato previrem expressamente essa forma de cessação do contrato (vide art.° 966.° do CC e Ac. do Tribunal da Relação do Porto, recurso n.° 0536416, de 23/2/2006);

g) Quanto à revogação da doação, a lei apenas a admite em três casos: quando a doação não tenha sido aceite pelo donatário (vide Art.° 969.°, n.° 1 do CC); no caso de ingratidão do donatário (vide art.° 970.°, n.° 1 e 975.° ambos do CC) e quando se tratem de doações realizadas entre casados (vide art.° 1765.°, n.° 1 do CC);

h) A revogação consensual com efeitos ex tunc (efeitos retroactivos) corresponde, na prática, a uma resolução da doação que também não tem suporte legal (vide Ac. do Tribunal da Relação do Porto, recurso n.° 0330118, de 13/02/2003);

i) No caso sub judice, resulta claro que a escritura de doação do imóvel celebrado entre o ora impugnante (na qualidade de donatário) e o doador, em 1 de Agosto de 2008, foi aceite por aquele, destinando o prédio a sua habitação secundária, logo não podia ser objecto de revogação, como o foi através de escritura de distrate da doação. Do próprio contrato de doação também não consta nenhuma cláusula em que as partes tenham convencionado a possibilidade de procederem à resolução do respectivo contrato, pelo que também não poderiam utilizar esta figura jurídica;

j) A qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a Administração Tributária, nos termos do n.° 4 do art.° 36.° da LGT, pelo que a escritura de distrate celebrada em 29/05/2009 apenas produz efeitos inter partes e não perante a Administração;

k) A doação aqui em causa, de acordo com o contratualizado, e em consonância com aquela que é a regra geral na lei civil, não é revogável ou resolúvel;

l) O n.° 1 do art.° 44.° do CIMT dispõe que "a anulação da liquidação de imposto pago por acto ou facto translativo que não chegou a concretizar-se pode ser pedida a todo o tempo, com o limite de 1 ano após o termo de validade previsto no n.° 4 do art.° 22.°, em processo de reclamação ou de impugnação judicial" e o n.° 1 e 2 do art.° 45.° do CIMT estabelece que "se, antes de decorridos 8 anos sobre a transmissão, vier a verificar-se a condição resolutiva ou se der a resolução do contrato, pode obter-se, por meio de reclamação ou de impugnação judicial, a anulação proporcional do IMT. Os prazos para deduzir a reclamação ou a impugnação com tais fundamentos contam-se a partir da ocorrência do facto";

m) A génese do citado art.° 44.° é a anulação da liquidação de IMT pago em função de acto ou facto tributário que não chegou a realizar-se, isto porque, em regra, a liquidação e cobrança do IMT deve efectuar-se em momento anterior à ocorrência do acto ou facto translativo de bens. A obrigação de imposto surge no momento em que ocorre a transmissão, seja por força de contrato que opere a transmissão de bens seja pela verificação de qualquer ficção de transmissão (Cfr. art.° 5.° n.° 2 do CIMT);

n) Já o art.° 45.° pressupõe a realização do acto ou facto translativo e a sua subsequente inutilização, sendo que nessa situação, os prazos para reclamar ou impugnar a liquidação contam-se a partir da resolução do contrato que titulou a transmissão;

o) O art.° 1º, n.° 1 do CIS define a incidência objectiva do imposto. Constituindo a doação uma transmissão gratuita, nos termos do art.° 1°, n.° 3, al. a) do CIS, está sujeita a imposto de selo. De igual modo, o distrate da doação fica abrangido pelas normas de incidência deste imposto (vide art.° 1° n.° 3, al. g) do CIS);

p) Acontece que, o facto tributário aqui em causa, chegou a concretizar-se, com a celebração de contrato de doação e sua aceitação por parte do donatário, em 1 de Agosto de 2008, pelo que o distrate da doação efectuado pelas partes, em 29 de Maio de 2009, não podia ter ocorrido porque não estavam verificadas as condições legais que permitissem essa revogação. Contudo, para efeitos fiscais, o distrate da doação apenas teria como efeito a inutilização dum facto translativo anteriormente ocorrido, gerando, quando muito, a anulabilidade da liquidação de imposto de selo;

q) E, nessa esteira, contrariamente, ao decidido pelo Mmº Juiz "a quo", aplica-se aqui o disposto no art.° 45.°, n.°s 1 e 2 do CPPT (vide art.° 49.°, n.° 2 do CIS conjugado com o art.° 45.°, n.°s 1 e 2 do CIMT e art.° 70.° e 102° do CPPT), logo é por demais evidente que a reclamação graciosa apresentada contra a liquidação ora impugnada, em 19 de Março de 2010, é extemporânea, não padecendo de qualquer ilegalidade o despacho que a indeferiu por intempestividade.

r) Assim sendo, a douta sentença enferma de erro de julgamento quanto à apreciação efectuada à matéria jurídica aqui subjacente, violando o disposto no art.° 969.°, n.° 1, art.° 966.°, art.° 432.°, n.° 1 todos do CC, art.° 49.°, n.° 2 do CIS, art.° 45.° n.° 1 e 2 do CIMT e art.° 70.° do CPPT.

Pelo exposto e pelo muito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha a liquidação impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA.

2. Em contra-alegações, veio o recorrido concluir:

A) A razão que levou o impugnante a colocar em crise a liquidação de imposto de selo decorrente da escritura de doação outorgada em 1 de Agosto de 2008, foi o facto de considerar que o negócio jurídico que deu origem àquela liquidação foi um negócio jurídico inexistente.

B)A inexistência decorre do facto de quem doou não ser titular do bem doado,

C) bem como do facto de o bem doado (metade de um prédio urbano) nem sequer existir.

D)O acto translativo da propriedade não chegou a concretizar-se e, como tal, a anulação da liquidação pode ser pedida a todo o tempo.

E) A reclamação apresentada inicialmente não foi extemporânea e, face à inexistência da doação, deve manter-se a anulação da liquidação impugnada e, nessa medida, deve manter-se a sentença recorrida.

Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o suprimento de Vªs. Exas., deve a sentença recorrida manter-se na íntegra, tal como foi proferida e, desta forma, farão V. Exªs. JUSTIÇA.

3. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 88/89 no qual defende a improcedência do recurso, uma vez que a doadora era apenas titular do direito a quinhão hereditário e não da propriedade do imóvel. Deste modo, estando em causa bens alheios, a doação é nula e a nulidade invocável a todo o tempo. E, tendo sido pedida a anulação da liquidação do tributo no prazo de três anos contados da data da outorga da escritura de doação, é aplicável o disposto no artº 44º, nº 1 do CIS.

4. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

5. Com interesse para decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

A) Por escritura pública de doação outorgada em 01/08/2008, B…… doou ao seu irmão A…… metade do prédio urbano, sito em ……, ……., ……, freguesia de Alvor, concelho de Portimão, designado por lote número ……., destinado a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o número dois mil oitocentos e vinte e sete, inscrito a seu favor pela inscrição C - quatro e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 253, com o valor patrimonial de €63.956,52 - cfr. fls. 25.

B) O Imposto de Selo (verba 1.2 TG) foi liquidado no âmbito da Participação n° 613051, decorrente da escritura de Doação de 2008-08-01- cfr. fls. 13 da reclamação graciosa em apenso.

C) O imposto de selo impugnado foi pago em 26/02/2009, no montante de € 19.411,90, usufruindo do desconto previsto no art° 45° do CIS - cfr. fls. 35 da reclamação graciosa.

D) Por escritura pública de 29.05.2009, foi distratada de comum acordo e para todos os efeitos legais a escritura de doação a que se refere a alínea A) - cfr. fls. 28 a 33.

E) Em 2009.05.29, foi lavrada escritura de Doação de Quinhão Hereditário, B…… doou ao seu irmão A…… o quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C……, integrando o bem a que se refere a alínea A) - cfr. fls. 31 a 33.

F) O Imposto de Selo (verba 1.2 TG) foi liquidado no âmbito da Participação n° 740661- cfr. fls. 22 da reclamação graciosa em apenso.

G) Em 19/03/2010, o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação agora impugnada - cfr. fls. 24.

H) Em 15/04/2010, no Serviço de Finanças foi prestada a informação de fls. 54 da reclamação graciosa, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:
«(...) 3. Pelo requerimento de fls. 3 a 8 do presente processo vem o(a) contribuinte acima identificado(a) reclamar da liquidação n° 684970 de Imposto do Selo (verba 1.2 da TG), no valor de € 22.441,50, datada de 12.12.2008 e efectuada no âmbito, da Participação n.° 613051, decorrente da escritura de Doação de 01-08-2008.
Pretende a reclamante a anulação da referida doação, alegando o seguinte:
Pela escritura de Doação de 01-08-2008 (fls. 10 a 12), foi-lhe doada a metade indivisa do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Alvor, concelho de Portimão, sob o artigo 1253.
Por escritura de Distrate, de 29.05.2009 (fls. 15 a 17), foi distratada a referida escritura de Doação.
Em 29.05.2009, foi lavrada escritura de Doação de Quinhão Hereditário (fls. 18 a 20), integrando esse quinhão hereditário o bem acima identificado.
Entende a reclamante que, através desta última escritura, se pretendeu repor a correcção do negócio, já que, pela 1ª doação foi transmitido um bem inexistente.
Pelo que requer que seja declarada a inexistência da doação de 01-08-2008 e restituído o respectivo Imposto do Selo.
Face ao alegado pela reclamante e aos documentos reunidos no presente processo, é de referir o seguinte:
O pedido é extemporâneo.
Cada uma das 3 escrituras atrás referenciadas consubstancia uma transmissão sujeita a Imposto do Selo (verba 1.2 da TG).
Os Serviços Tributários não são a entidade competente para declarar a inexistência da doação de 01.08.2008.
É aqui dispensada qualquer apreciação relativa à forma como o negócio foi conduzido.
Face ao exposto, creio que o pedido deverá ser indeferido.»

H) O Director de Finanças de Faro, por despacho de 30.04.2010, indeferiu a reclamação graciosa, donde resulta com interesse para a decisão:
Pela reclamação graciosa constante de fls. 3 a 9 dos autos, interposta nos termos do art.° 68. ° do C.P.P. T. devidamente identificada quanto ao reclamante A……, NIF ……, residente na ……. Caixa Postal -…. em Portimão, representada no presente acto pelo procurador Dr. D……, advogado, com escritório Rua …….., Lote ….., …… em Portimão vem reclamar da liquidação n.° 684970 de Imposto do Selo (verba 1.2 da TG), no valor de €22.441,50, com base no facto da mesma não ser devida, por ter sido efectuada em 29.05.2009 (conf. Fls. 15 a 17) uma escritura de distrate onde foi distratada a escritura de doação datada de 01/08/2008 (conf. fls. 10 12), por ter sido transmitido um bem inexistente, pelo que requer que seja declarada a inexistência da doação e restituído o respectivo Imposto do Selo.
Verifica-se que embora o pedido seja legal e legítimo, peca por extemporâneo, porquanto ultrapassa o prazo previsto no nº 2 do artº 49º do Código do Imposto do Selo (C.I.S.) conjugado com os artigos 45° do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (C.I.MT.) e 70° e 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o reclamante tinha 120 dias contados a partir da ocorrência do facto - 01/08/2008 - data da escritura de doação para deduzir a reclamação, pelo que deveria ter procedido à entrega da presente reclamação até 29/11/2008, e só o fez em 22/03/2010.
Pelo exposto, no uso da competência que me é conferida pelo nº 2 do art° 75º do C.P.P.T., INDEFIRO LIMINARMENTE O PEDIDO, por extemporaneidade A presente decisão fica dispensada de audição a que se refere o artigo 60º da Lei Geral Tributária.
Notifique-se o reclamante nos termos do artº 36° do C.P.P.T., através de carta registada com aviso de recepção, enviando-lhe cópia da decisão e comunicando-lhe que o presente acto é susceptível de Impugnação Judicial, a interpor no prazo de 15 (quinze) dias (artº 102°, n.° 2 do CPPT) ou de recurso hierárquico a interpor no prazo de 30 (trinta) dias (art.° 76° n.° 1 do CPPT).»

I) O despacho a que se refere a alínea anterior foi notificado ao Impugnante em 05/05/2010, cfr. fls.

J) A petição inicial foi apresentada em 20/05/2010, cfr. fls.

6. A única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se reclamação graciosa, relativa ao imposto de selo liquidado pela escritura de doação outorgada em 01.08.2008, apresentada pelo recorrido era ou não tempestiva.

Consta da alínea H) do probatório a transcrição do despacho de indeferimento da reclamação, no qual se concluiu pela extemporaneidade do pedido: “ … porquanto ultrapassa o prazo previsto no nº 2 do artº 49º do Código do Imposto do Selo (C.I.S.) conjugado com os artigos 45° do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (C.I.MT.) e 70° e 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o reclamante tinha 120 dias contados a partir da ocorrência do facto - 01/08/2008 - data da escritura de doação para deduzir a reclamação, pelo que deveria ter procedido à entrega da presente reclamação até 29/11/2008, e só o fez em 22/03/2010”.

Para conhecer da tempestividade temos então de saber, tal como resulta da conclusão da alínea a) das alegações da recorrente, se ao caso é aplicável o disposto no artº 44º ou no artº 45º, ambos do CIMT.

6.1. Estes normativos estabelecem, respectivamente, o seguinte:

“Artigo 44º
Anulação por acto ou facto que não se realizou
1 - A anulação da liquidação de imposto pago por acto ou facto translativo que não chegou a concretizar-se pode ser pedida a todo o tempo, com o limite de um ano após o termo do prazo de validade previsto no n.º 4 do artigo 22.º, em processo de reclamação ou de impugnação judicial.
2 - Quando tiver havido tradição dos bens para o reclamante ou impugnante ou este os tiver usufruído, o imposto será anulado em importância equivalente ao produto da sua oitava parte pelo número de anos completos que faltarem para oito, de acordo com a data em que o mesmo abandonou a posse.

Artigo 45º
Anulação proporcional
1 - Se antes de decorridos oito anos sobre a transmissão, vier a verificar-se a condição resolutiva ou se der a resolução do contrato, pode obter-se, por meio de reclamação ou de impugnação judicial, a anulação proporcional do IMT.
2 - Os prazos para deduzir a reclamação ou a impugnação com tais fundamentos contam-se a partir da ocorrência do facto.
3 - O imposto é anulado em importância equivalente ao produto da sua oitava parte pelo número de anos completos que faltarem para oito”.

6.2. Resulta do probatório que, por escritura pública de doação outorgada em 01/08/2008, B…… doou ao seu irmão A……. metade do prédio urbano, a que se reportam os autos, tendo sido liquidado Imposto de Selo (verba 1.2 TG) no âmbito da Participação n° 613051, o qual foi pago em 26/02/2009 (alíneas a), b) e c) do probatório).

Mais resulta das alíneas d) a e) do mesmo probatório que por escritura pública de 29.05.2009, foi distratada de comum acordo e para todos os efeitos legais a referida escritura de doação, tendo na mesma data sido lavrada escritura de Doação de Quinhão Hereditário, em que B…… doou ao seu irmão A…… o quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C……, integrando o bem acima referido.
Relativamente a esta doação foi liquidado e pago imposto de Selo (verba 1.2 TG) no âmbito da Participação n° 740661 (alínea f) do mesmo probatório).

Em 19/03/2010, o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação agora impugnada (alínea g) do probatório).

6.3. Com base nestes factos entende a recorrente, em resumo, que a doação foi aceite em 1 de Agosto de 2008, destinando o donatário o prédio a sua habitação secundária.
Sendo assim, o facto tributário aqui em causa, chegou a concretizar-se, com a celebração de contrato de doação e sua aceitação por parte do donatário, em 1 de Agosto de 2008, pelo que o distrate da doação efectuado pelas partes, em 29 de Maio de 2009, não podia ter ocorrido porque não estavam verificadas as condições legais que permitissem essa revogação. Contudo, para efeitos fiscais, o distrate da doação apenas teria como efeito a inutilização dum facto translativo anteriormente ocorrido, gerando, quando muito, a anulabilidade da liquidação de imposto de selo.

Deste modo, não tem aqui aplicação o citado art.° 44.° que prevê a anulação da liquidação de IMT pago em função de acto ou facto tributário que não chegou a realizar-se, isto porque, em regra, a liquidação e cobrança do IMT deve efectuar-se em momento anterior à ocorrência do acto ou facto translativo de bens.

Daqui resulta então que tendo ocorrido acto translativo há que aplicar o artº 45º citado e os prazos nele previstos, e não o artº 44º.

6.4. A decisão recorrida, por sua vez, seguindo a tese do impugnante, entendeu de forma diversa, louvando-se nos seguintes argumentos:
Com o distrate o impugnante e a doadora revogaram por mútuo acordo entre ambos o contrato de doação que celebraram em 01.08.2008.
A resolução dos contratos é equiparada à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico – artigo 433.° do Código Civil (C.C.).
A resolução tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução – artigo 434.°, nº 1, do C.C..
No caso dos autos, a revogação do contrato de doação teve efeito reportado à data da doação, ou seja, à data de 01.08.2008.
Assim, o contrato nunca produziu efeitos e tudo se passa como se nunca tivesse sido celebrado.
Nos termos do artigo 49.°, nº 2, do Código do Imposto do Selo, aplica-se às liquidações do imposto nas transmissões gratuitas, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 42º a 47º do CIMT.
E, nos termos do artigo 44º do CIMT, a anulação da liquidação de imposto pago por acto ou facto translativo que não chegou a concretizar-se pode ser pedida a todo o tempo, com o limite de um ano após o termo do prazo de validade previsto no nº 4 do artigo 22º, em processo de reclamação ou de impugnação judicial.
E, nos termos do artigo 22.°, nº 4, do CIMT, não se realizando dentro de dois anos o acto ou facto translativo por que se pagou o IMT, fica sem efeito a liquidação, podendo a anulação desta ser pedida no prazo de três anos.
Tendo a escritura pública de doação sido outorgada em 01/08/2008, a anulação da liquidação do imposto de selo podia ser requerida até 01.08.2011, pelo que a apresentação da reclamação em 19.03.2010 foi tempestiva.

Vejamos então qual destas teses entendimento colhe o apoio legal?

6.5. Desde já adiantaremos que nos parece que a recorrente tem razão.

Vejamos porquê.

O acto de doação ocorrido em 01.08.2008 estava sujeito a incidência de imposto de selo (artº 1º, nº 1 do respectivo Código).
A escritura produziu os seus efeitos, nomeadamente para efeitos fiscais.
Portanto, o facto translativo chegou a concretizar-se, pelo que não pode ser aplicado o artº 44º, nº 1 que, expressamente, prevê o caso de acto ou facto translativo que não chegou a concretizar-se.
Como bem refere a recorrente, estão aqui previstos casos em que a liquidação e cobrança do IMT deve efectuar-se em momento anterior à ocorrência do acto ou facto translativo de bens.
É que, em regra, obrigação de imposto surge no momento em que ocorre a transmissão, seja por força de contrato que opere a transmissão de bens seja pela verificação de qualquer ficção de transmissão, mas existem casos em que a lei exige a liquidação e pagamento antes da transmissão. É o caso, por exemplo das situações previstas no artº 22º, nº 2 do CIMT em que nas transmissões previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 3 do artigo 2.º, o imposto é liquidado antes da celebração do contrato-promessa, antes da cessão da posição contratual, da outorga notarial da procuração ou antes de ser lavrado o instrumento de substabelecimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
Nestes casos, se não vier a ser celebrado o negócio, tem então lugar a aplicação do nº 1 do artº 44º citado, aplicável ao imposto de selo “ex vi” artº 49º, nº 2 do respectivo Código.
Daqui resulta então que - e não iremos aqui entrar na questão de saber se a doação era resolúvel ou revogável por nos parecer irrelevante para o caso, uma vez que o negócio produziu logo efeitos fiscais - a reclamação para efeitos de obtenção da anulação da liquidação deveria ter sido apresentada a partir da ocorrência do facto (artº 45º, nº 2 citado), ou seja, no prazo de 120 dias contados de 25.05.2009, data da realização do distrate.
Deste modo, a apresentação de tal reclamação em 19.03.2010 é intempestiva.

Sendo assim, o recurso procede.

7. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso revoga-se a decisão recorrida e, julgando-se improcedente a impugnação, mantém-se a liquidação impugnada.
Custas pelo recorrido, neste STA e em 1ª instância.
Lisboa, 19 de Abril de 2012. – Valente Torrão (relator) – Francisco Rothes – Fernanda Maçãs.