Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0639/18.8BEALM
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
RECURSO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
NULIDADE DE SENTENÇA
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
IRC
TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
DEDUÇÕES
PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
Sumário:I - A lei permite, excepcionalmente, a apresentação de documentos com as alegações de recurso nos seguintes casos: (i) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados; (ii) quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância (arts. 425.º e 651.º, n.º 1, do C. Proc. Civil).
II - Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
III - As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste.
IV - Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei.
V - Donde que, à colecta derivada de tributações autónomas apurada em sede de IRC, num determinado exercício, não é dedutível o pagamento especial por conta que tenha sido efectuado relativamente a esse mesmo exercício, porque essa dedução contraria a disposição do art.º 88º do CIRC.
VI - Esta interpretação normativo-legal dos preceitos tributários do CIRC e do Regime do PEC não foi alterada com a introdução do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC por efeito da aprovação da Lei n.º 7-A/2016.
Nº Convencional:JSTA000P27658
Nº do Documento:SA2202105120639/18
Data de Entrada:11/02/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....................................., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
********

Processo n.º 639/18.8BEALM (Recurso Jurisdicional)



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 05-05-2020, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A…………………………., S.A.” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que por sua vez apresentou do acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), dos anos de 2011 e 2012.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

I. Decidiu o Tribunal “a quo” pela procedência da presente Impugnação, ordenando a retirada da ordem jurídica da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IRC, relativas aos exercícios de 2011 e 2012, por entender que com a redação conferida ao n.º 21 do art.º 88.,º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, foi intenção do legislador “inovatoriamente” que não sejam feitas deduções ao montante global apurado com as tributações autónomas, pelo que não seria compaginável que essa limitação já se impusesse aos exercícios anteriores a 2016. Decisão com a qual, com o respeito devido, não se concorda, por não fazer a mesma a correta aplicação do direito;

II. Estriba, a Douta Sentença, a assente inovatoriedade daquele preceito legal no Acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 267/2017, de 25.07, no qual ficou decidido que a norma do art.º 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, ao conferir natureza interpretativa ao n.º 21 do art.º 88.º, aditado pelo art.º 133.º da mesma Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2016, violou o disposto no n.º 3 do art.º 103.º da CRP, o qual proíbe a criação de impostos com natureza retroativa;

III. No entanto, o citado Acórdão funda a apreciação que faz em anterior “interpretação e aplicação do direito infraconstitucional”, realizada pelo Centro de Arbitragem, assumindo assim, como ponto de partida, estar a ser analisada situação em que não decorria, anteriormente à alteração legislativa, de nenhuma norma do CIRC, que os Pagamentos Especiais por Conta (assim como as demais deduções referidas no artigo 90.º, n.º 2, do citado Código) realizado num dado ano não podiam ser deduzidas à coleta de IRC apurada nesse ano, nesta se incluindo as Tributações Autónomas, pois não estando previsto expressamente qualquer regime especial quanto a estas, era de aplicação o regime geral previsto para a liquidação do IRC;

IV. Com o devido respeito, faz a Sentença de que aqui se recorre uma inversão da devida ordem coisas pois vai concluir pela inovatoriedade da redação do n.º 21 do art.º 88.º do CIRC conferida pela LOE 2016, sem previamente analisar e pronunciar-se sobre o regime legal anteriormente vigente. E afirma que assim é porque assim o decidiu o Tribunal Constitucional, o que nem corresponde exatamente à verdade:

V. O Tribunal Constitucional pronuncia-se no seguimento de decisão do Centro de Arbitragem em que ficou estabelecido ser a Lei inovadora – situação que o Tribunal Constitucional se absteve de apreciar, por se tratar de questão infraconstitucional, tendo antes concluído que “A decisão recorrida fundamentou, com base em argumentos de ordem literal, teleológica e sistemática tal caráter inovador e evidenciou a existência de, pelo menos, quatro outras decisões jurisdicionais no mesmo sentido. Assim, não deve o Tribunal Constitucional corrigir a interpretação da norma recusada aplicar pelo tribunal a quo nem inverter o juízo de inconstitucionalidade por este formulado”;

VI. Decidido pelo Centro de Arbitragem que o n.º 21 do art.º 88.º do CIRC, na redação conferida pela LOE 2016, tem caráter inovador, analisou o Tribunal Constitucional precisamente da possibilidade de estender o inovador regime às situações anteriores à entrada em vigor da Lei, ou seja, da constitucionalidade do disposto no art.º 135.º da LOE 2016, quando confere natureza interpretativa àquela redação fixada ao n.º 21 do art.º 88.º do CIRC pelo art.º 133.º da mesma LOE 2016;

VII. Dispensando-se à análise do regime legal aplicável anteriormente à entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2016, aceitou o Tribunal “a quo” como boa a decisão do direito infraconstitucional encontrada pelo Centro de Arbitragem, e dela ficou refém. Decisão que nem sequer é maioritária mesmo junto daquele Centro de Arbitragem, bem pelo contrário;

VIII. Existe assim evidente défice na análise do direito aplicável, falha que se entende conduzir necessariamente a uma má aplicação do direito, única razão pela qual decidiu o Tribunal “a quo” como decidiu a final;

IX. E fazendo a análise do direito infraconstitucional aplicável anteriormente à Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, resulta evidente que aquilo que passou a estar expressamente na letra da Lei a partir do ano de 2016 resultava já dos normativos legais aplicáveis e necessariamente da natureza e razão de ser tanto do regime então vigente para Tributações Autónomas, como para os próprios Pagamentos Especiais por Conta. Foi aliás este o entendimento totalmente pacifico, até muito recentemente, mais concretamente até ao surgimento de algumas poucas decisões arbitrais. A liquidação das Tributações autónomas fazia-se nos termos do art.º 89.º do CIRC, não lhe sendo efetuadas quaisquer deduções (com exceção das previstas no n.º 12 do mesmo art.º 88.º do CIRC);

X. Considerar que ao montante de imposto liquidado por Tributações Autónomas eram feitas todas as deduções admissíveis à coleta do IRC, nos termos do disposto no art.º 90.º do CIRC, pois não constava ali qualquer distinção ou exceção, apenas pode resultar de um total alheamento do regime e natureza das próprias Tributações Autónomas. Aceitar que possam ser realizadas deduções às Tributações Autónomas é esvaziar qualquer sentido para a sua existência, é desvirtuar a finalidade da sua criação e imposição. Atento tal regime e natureza, com todo o respeito devido, não se vê como teriam que estar excecionadas as deduções às mesmas em sede de IRC;

XI. No sentido da natureza anti abuso das Tributações Autónomas, por exemplo, o Acórdão do TCA Sul de 27.10.2016, emitido no proc.º 9774/16, ou o Acórdão n.º 197/2016, de 13.04.2016, do mesmo Tribunal Constitucional, no qual se lê: «E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.»;

XII. Também a Sentença emitida pelo mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, no âmbito de um outro processo de Impugnação, com o n.º 1060/16.8 BEALM, em que se lê «Segundo a doutrina e jurisprudência dominantes, as tributações autónomas foram criadas com o objetivo de, por um lado, incentivar os contribuintes a elas sujeitos a reduzirem, tanto quanto possível as despesas que possam ser facilmente desviáveis da atividade do sujeito passivo, afetando negativamente a formação do lucro tributável e, assim, a receita fiscal, e, por outro, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, que, assim, não seriam tributados na esfera dos respetivos beneficiários e, desta forma, combater a fraude e evasão fiscais. Esta intenção do legislador - de desincentivar a realização de determinado tipo de despesas – é, aliás, evidenciada, não só pelos sucessivos aumentos de taxa, mas, também, pelo facto de tais despesas serem tributadas independentemente da existência, ou não, de matéria coletável para efeitos de IRC.”, e onde se conclui que, os “fins visados pelo legislador com a criação das tributações autónomas são incompatíveis com as deduções previstas no artigo 90.º, n.º 2 do CIRC, que, assim, deve ser interpretado no sentido de apenas permitir deduções à parte da coleta que tem por base o lucro tributável»;

XIII. Sendo a intenção do legislador a de penalizar (ou desincentivar) a realização de certo tipo de despesas que diminuem a matéria tributável do IRC e a respetiva coleta, não faria sentido - seria até contrário ao pensamento do legislador - desincentivar as empresas à realização de despesas que diminuem o IRC, através de um encargo adicional, e, por outro, permitir que ao montante a esse título apurado fossem deduzidas quantias, a título de pagamento especial por conta;

XIV. Também para o Pagamento Especial por Conta e o respetivo objetivo de combater a fraude e evasão fiscais, vide o Acórdão do Tribunal Constitucional 494/2009, e a mesma citada Sentença do Tribunal de Almada, segundo a qual: «Também a doutrina vem sendo unânime em afirmar a assinalada natureza de «instrumento de combate à evasão fiscal» do pagamento especial por conta - veja-se, neste sentido, as posições apontadas no referido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 494/2009: TERESA GIL in “Pagamento especial por conta”, Fisco, n.º 107-108, ano XIV, março, 2003, p. 11; LUÍS MARQUES, in “O pagamento especial por conta no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades”, Fisco, n.º 107-108, ano XIV, março, 2003, p. 3; JOSÉ JOÃO DE AVILLEZ OGANDO, in “A constitucionalidade do regime do pagamento especial por conta”, Revista da Ordem dos Advogados, vol. 62, Tomo III, 2002, pp. 806 e 821; SALDANHA SANCHES e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in “O pagamento especial por conta de IRC: questões de conformidade constitucional”, Revista de Direito e Gestão Fiscal, julho, 2003, p. 10.”. Pelo que, a melhor interpretação da norma contida no art.º 90.º n.º 2 do CIRC não será seguramente aquela que permite deduzir os pagamentos especiais por conta ao montante resultante da aplicação das taxas de tributação autónomas»;

XV. Posteriormente ao Acórdão fundamento da presente Sentença decidiu já o Centro de Arbitragem: «Na verdade, já antes da alteração do art.º 88º do CIRC os pagamentos especiais por conta não podiam ser deduzidos à coleta de tributações autónomas conforme o entendimento maioritário da jurisprudência do CAAD, pelo que improcede o pedido arbitral – cfr. Decisão do processo 619/2018-T, de 30.07.2019;

XVI. E feita a devida apreciação do direito “infraconstitucional” haveria como única conclusão possível não haver sequer que apreciar, no caso, da constitucionalidade do art.º 105.º da Lei do Orçamento de Estado para 2016, quando confere eficácia retroativa à redação conferida pela mesma Lei ao n.º 21 do art.º 88.º. Pois o regime que resultava anteriormente era já o da não dedução dos Pagamentos Especiais por Conta às Tributações Autónomas - isso mesmo veio afirmar o mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, em idêntico processo: «E, por essa razão, não é necessário convocar o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC para fundamentar a posição que aqui preconizamos, sendo, para tanto, como visto, unicamente necessário lançar mão das regras de hermenêutica jurídica. De qualquer, forma, sempre se diga que este n.º 21 do artigo 88.º do CIRC nada mais veio fazer do que esclarecer, de entre as posições possíveis, aquela que o legislador considera como mais acertada (e dominante).».

XVII. Apenas porque em sede de alguma minoritária jurisprudência arbitral tal dedutibilidade começou a ser admitida, entendeu o legislador esclarecer aquilo que resultava já dos normativos legais e da própria razão de ser das Tributações Autónomas, e mesmo dos Pagamentos Especiais por Conta [e que até então era regime totalmente pacífico para os diversos atores económicos e doutrina especializada, nem sequer existindo jurisprudência dos Tribunais superiores sobre tal matéria, tão harmonizada se apresentava], o que veio fazer na Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2016, a qual não configura uma lei inovadora pois nada inova, antes limita-se a consagrar interpretação que resultava já do regime legal anterior;
XVIII. E ainda que defendendo que anteriormente à redação que foi conferida ao n.º 21 do art.º 88.º do CIRC não resultava clara a impossibilidade de efetuar deduções dos Pagamentos Especiais por Conta às Tributações Autónomas, mesmo assim não existiria qualquer inconstitucionalidade do art.º 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, ao conferir natureza interpretativa àquela norma;
XIX. Esta mesma posição foi a adotada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 49/2020, de 16.01.2020, assim como pelo próprio Centro de Arbitragem que, afastando qualquer inconstitucionalidade, refuta a argumentação que suporta o Acórdão n.º 267/2017, de 25.07.2017, aqui se subscrevendo o que ficou neste Acórdão fundamentado e decidido - processo 619/2018-T, de 30.07.2019;
XX. E mesmo o Acórdão do Tribunal Constitucional que serve de fundamento à Sentença aqui recorrida não foi tirado por unanimidade, antes existindo declaração de voto em sentido diametralmente oposto àquele que obteve vencimento, em que fica dito que, «a interpretação dos respetivos enunciados não pode fazer descaso da “racionalidade” que inspirou o legislador na admissibilidade das deduções à coleta referidas no n.º 2 do artigo 90.º e na criação das tributações autónomas. As deduções previstas nesse artigo, segundo uma certa ordem de precedência (…) quando aplicadas às tributações autónomas frustram os objetivos por elas visados. Com efeito, se fosse possível deduzir benefícios fiscais ou o PEC à coleta das tributações autónomas neutralizar-se-ia a razão de ser dessas tributações.»;
XXI. Como afirma o Venerando Juiz Conselheiro, se «a norma era duvidosa e se foi criada uma controvérsia quanto à dimensão aplicativa da mesma, o expectável era que o legislador viesse resolver a incerteza num dos sentidos possíveis, provavelmente no sentido com a mesma sempre foi aplicada, que, como vimos, essa era a interpretação mais correta”, sendo que “o caso dos autos é paradigmático da inexistência de expectativas jurídicas ou de manutenção do regime legal pretensamente controverso»;
XXII. O mesmo Tribunal Constitucional, ainda que apreciando da dedução de benefícios fiscais às Tributações Autónomas, veio no já citado Acórdão n.º 49/2020, de 16.01.2020 decidir «Não julgar inconstitucional o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao artigo 133.º do mesmo diploma, na parte em que vem aditar o número 21 ao artigo 88.º do Código do IRC, fixando o sentido de que ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas em sede de IRC não pode ser deduzido o benefício fiscal apurado a título de SIFIDE nos exercícios fiscais anteriores a 2016;»;
XXIII. Atento o que, resultava já do regime legal anterior à redação do n.º 21 do art.º 88.º do CIRC conferida pelo art.º 133.º da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2016, a impossibilidade de realização de deduções ao imposto liquidado por Tributações Autónomas (com exceção do disposto no n.º 12 do art.º 88.º do CIRC), pelo que a não aceitação pela Autoridade Tributária das deduções dos Pagamentos Especiais por Conta não padece de qualquer ilegalidade;
XXIV. O n.º 21 do art.º 88.º do CIRC nada inovou em relação ao regime legal anterior, antes esclarece e procura resolver diferentes interpretações legais que o Centro de Arbitragem, a partir de dado momento passou a fazer, interpretações essas concretizadas em algumas (poucas) decisões no sentido da admissibilidade da aplicação do regime geral do art.º 90.º do CIRC às Tributações Autónomas;
XXV. O art.º 135.º da mesma Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2016, ao conferir natureza retroativa à redação daquele n.º 21 do art.º 88.º do CIRC mais não veio fazer que interpretação autêntica (substancial ou material) dos dispositivos legais vigentes (e a prática jurisprudencial tem admitido a existência de leis interpretativas em direito tributário), visando terminar com a incerteza jurídica resultante de umas poucas decisões arbitrais, não existindo qualquer frustração de expetativas, muito menos violação dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da proibição da retroatividade;
XXVI. Ao decidir, como decidiu, o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento de direito, consubstanciado quer na omissão da apreciação de questões jurídicas essenciais à boa decisão da causa, mas também na errada aplicação que fez do escasso direito que apreciou;
XXVII. Nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, é nula a Sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. O Tribunal conclui pela inovatoriedade da redação do n.º 21 do art.º 88.º do CIRC conferida pela LOE 2016, sem previamente analisar e pronunciar-se sobre o regime legal anteriormente vigente;
XXVIII. A decisão violou ainda o disposto nos art.ºs 88.º e 90.º do CIRC, o art.º 13.º do CC, o art.º 105.º da Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2016 e fez incorreta aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 103.º da CRP e, ao condenar a Autoridade Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, violou o disposto no art.º 43.º da LGT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Impugnação totalmente improcedente.”

A Recorrida “A……………………………….., S.A.” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“…

a) A questão suscitada na impugnação apresentada pela (ora) Recorrida, consiste em saber se decorria de alguma norma do CIRC que o PEC (assim como as demais deduções referidas no artigo 90.º, n.º 2, do citado Código) realizado num dado ano não podia ser deduzido à coleta de IRC apurada nesse ano, incluindo nessa coleta os montantes já pagos a título de tributações autónomas em sede de IRC.

b) O objeto do presente recurso versa sobre o efeito da norma do artigo 135.º da LOE 2016, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma da 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pelo artigo 133.º da citada Lei, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016, do que resultaria a impossibilidade de ser deduzidos os valores pagos a título de PEC nesse mesmo ano ao montante global resultante das tributações autónomas.

c) O juízo de inconstitucionalidade acerca das “interpretações autênticas” determinadas pelo art.º 135º, no que se refere à solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração introduzida pelo artigo 133.º da mesma LOE 2016, foi já objeto de, pelo menos, duas pronúncias do Tribunal Constitucional: a primeira, no acórdão n.º 267/2017; e a segunda, reafirmada na decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 11/2018 e confirmada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2018; E em ambos os casos, foi julgado inconstitucional por violação da proibição da retroatividade dos impostos, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao disposto no n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, na parte em que determina que não há lugar a quaisquer deduções (nomeadamente, dos pagamentos especiais por conta) aos montantes de tributações autónomas que integram a coleta do IRC.

d) Também a jurisprudência Arbitral entende no mesmo sentido, pois como se refere no Acórdão Arbitral da CAAD, proferido no Processo nº 744/2015-T, em 2016-05-03, «(…) entende-se que os contribuintes não podiam contar com a norma criada pelo disposto na 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, razão pela qual a norma em causa pode violar expectativas seguras e legitimamente fundadas.», entendimento de resto reiterado e recentemente reafirmado no Acórdão Arbitral da C.A.A.D., de 2019-05-20, proferido no Processo nº 457/2018-T.


*

e) A tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas efetuadas pela empresa, não visando a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico, mas antes desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa, constituindo, portanto, um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável, mas ainda assim, revelador da capacidade contributiva.

f) Porém, a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC.

g) Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário - como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, por via do art.º 133º da LOE/2016 – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas, sendo inovadora e diminuindo as possibilidades de o contribuinte realizar deduções à coleta de IRC.

h) A norma do art° 98° do CIRC, que instituiu o mesmo pagamento especial por conta e fixou os critérios do montante a pagar a esse título, não constitui nenhuma (outra, diferente) forma de liquidação do imposto que a final venha a ser devido mas apenas uma antecipação do pagamento do imposto que vier a ser liquidado, sendo precisamente essa a razão pela qual o instituto em causa não ofende a norma constitucional do art.° 104° n°2 da CRP, que dispõe que a tributação das empresas se faz pelo lucro real.

i) Resulta do artigo 11.º da LGT que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação, estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil , nos seguintes termos: «1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo», mas, «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal» devendo o intérprete «presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.».

j) Restringir a remissão que o nº 2 faz para o n.º 1 do artigo 90.º, CIRC ao montante da coleta do IRC stricto sensu (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 87.º do CIRC à matéria coletável) excluindo os montantes apurados a título de tributações autónomas (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 88.º do CIRC)», constitui manifesta violação da referida disposição legal, e bem assim, o disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária e o artigo 9.º do Código Civil.


*

É que, por um lado,

k) Atendendo ao elemento literal da norma constante do artigo 90.º, n.º 2 d) do Código do IRC, ao montante da colecta de IRC apurado, é dedutível o pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º daquele Código, uma vez que, no apuramento do lucro tributável incluem-se as despesas, gastos e encargos previstos no artigo 88.º do Código do IRC, as quais, no entanto, são objecto de tributação autónoma, não existindo no Código do IRC qualquer norma especial aplicável à liquidação das tributações autónomas, que nos permita concluir pela inaplicabilidade da norma geral estabelecida no artigo 90.º do Código do IRC.

l) De facto, a liquidação das tributações autónomas tem a mesma base legal que a liquidação de IRC - é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º, n.º 1 do Código do IRC - sendo, no entanto, a matéria colectável e as taxas de tributação aplicáveis diversas, o que de resto a própria Administração Tributária sempre assumiu, Cfr. Informação n.º 1221/2012, no âmbito do processo de consulta à AT, sancionada em 16 de Julho de 2012.

m) Em consequência, e numa interpretação literal das normas envolvidas, apenas é possível concluir que prevendo-se na alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC que “Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada: (…) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º”; do ponto vista literal, o PEC deve ser deduzido à colecta (de IRC, incluindo as tributações autónomas).

n) Assim, tendo em conta que a colecta de IRC inclui as despesas, gastos e encargos objecto de tributação autónoma (Embora as taxas de tributação autónoma não sejam dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 23.-A, n.º 1 a) do Código do IRC), então, atento o disposto no n.º 2 d) do artigo 90.º da Código do IRC, o PEC deve ser deduzido à colecta de IRC apurada, que abrange as taxas de tributação autónoma devidas.

o) O propósito subjacente à criação das taxas de tributação autónoma é o combate à evasão fiscal, o que foi de resto expressamente assumido pelo legislador na Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.

p) A autonomia da Tributação Autónoma, restringe-se às taxas aplicáveis e à respectiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efectuado nos termos do artigo 90.º, referente às formas de liquidação do IRC e aplicável ao apuramento do imposto devido em todas as situações prevista no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10), razão pela qual se aplica também à liquidação do montante das tributações autónomas, por não haver qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

q) Acresce que, mesmo que assim não se entendesse, na ausência de norma especial relativamente à forma de liquidação das taxas de tributação autónoma, esta deverá processar-se nos termos gerais previstos no Código do IRC, por força do princípio da legalidade tributária, que resulta do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da C.R.P. e do artigo 8.º da LGT, que impedem que a liquidação de imposto se efectue sem base legal.

r) E não se vê de que modo se possa entender existir um conflito de normas e daí retirar como consequência a impossibilidade de dedução do PEC à colecta, aí incluindo as tributações autónomas, até porque, o propósito subjacente à sua criação é o combate à evasão fiscal, objectivo que não é desvirtuado pelo facto desse imposto poder ser satisfeito pelo imposto cobrado através do PEC.

s) Afinal, de acordo com o n.º 4 do artigo 11.º da LGT, “As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”, pelo que, na ausência de norma especial relativamente à forma de liquidação das taxas de tributação autónoma, esta deverá processar-se nos termos gerais previstos no Código do IRC, por força do princípio da legalidade tributária, que resulta do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da C.R.P. e do artigo 8.º da LGT, que impedem que a liquidação de imposto se efectue sem base legal, impedindo, de igual forma, uma interpretação “restritiva” que não encontra, no elemento literal da norma, o mais vestigial suporte.

t) Mesmo que lograsse essa demonstração de se estar perante uma lei (a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC) interpretativa autêntica, ainda assim a eventual pretensão de atribuição de carácter retroactivo a esta norma não se coadunaria com a proibição constitucional de retroactividade da lei fiscal.

u) É que, como se expressou o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 172/00, do princípio constitucional de proibição de retroactividade dos impostos deduz-se também a proibição de leis interpretativas, sejam ou não “autênticas” leis “interpretativas”, sendo indiscutível que, depois da revisão constitucional de 1997, as normas ditas interpretativas ou materialmente interpretativas publicadas em matéria fiscal não serão aceites por vigorar o princípio da proibição da lei fiscal retroactiva. (Cfr. Saldanha Sanches, Manual …, 3.ª Edição, Coimbra Ed. 2007, p. 196).

v) Conclui-se, assim, que a norma prevista no artigo 90.º, n.º 1 e 2 d) do Código do IRC, deve ser interpretada no sentido de se considerar que a colecta de IRC abrange as taxas de tributação autónoma, que são também IRC, sob pena de àquelas norma, a fim de contornar a grosseira violação da proibição constitucional de impostos retroativos (cfr. o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), em que o legislador ordinário incorreu com a solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração introduzida pelo artigo 133.º da LOE 2016, ser dada uma interpretação claramente desconforme ao princípio da segurança jurídica ou da confiança inscrito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º da C.R.P.), bem como, do princípio da legalidade tributária (artigo 103.º, nº3 da C.R.P. e artigo 8.º da Lei Geral Tributária).

Termos em que deverá o Recurso improceder e em consequência, ser a douta sentença recorrida confirmada e por acórdão que, declarando procedente a impugnação, fará sã e serena Justiça!”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em analisar a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia e indagar da possibilidade legal de deduzir o montante dos pagamentos especiais por conta (PEC) ao valor da colecta das tributações autónomas apurado na autoliquidação de IRC dos exercícios de 2011 e 2012, sem olvidar a situação relativa à admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. No exercício da sua actividade, a Impugnante encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, adoptando um período de tributação coincidente com o ano civil – cfr. artigo 41.º da petição inicial, não controvertido;

2. No dia 30 de Maio de 2012, a Impugnante submeteu, via internet, a declaração anual de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 2011 – cfr. fls. 151 a 158 do documento a fls. 174 dos autos, numeração SITAF;

3. Na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC referida no ponto anterior, a Impugnante fez constar no campo 365 do Quadro 10 – Tributações Autónomas -, o valor de € 50.217,22 – cfr. fls. 155 do documento a fls. 174 dos autos, numeração SITAF;

4. No exercício de 2011, a Impugnante apurou prejuízo fiscal no montante de € 4.620.808,46 e um total de IRC a pagar no valor de € 40.495,11 – cfr. fls. 151 a 158 do documento a fls. 174 dos autos, numeração SITAF;

5. A Impugnante procedeu ao pagamento do IRC relativo ao exercício de 2011, no montante de € 40.495,11, em 31 de Maio de 2012 – cfr. fls. 166 do documento a fls. 174 dos autos, numeração SITAF;

6. No exercício de 2011, a Impugnante realizou dois pagamentos especiais por conta, em 31 de Março de 2011 e 31 de Outubro de 2013, cada um no valor de € 23.347,51 – cfr. fls. 166 do documento a fls. 174 dos autos, numeração SITAF;

7. Os pagamentos especiais por conta referidos no ponto anterior não foram deduzidos à colecta das tributações autónomas – facto não controvertido;

8. No dia 30 de Setembro de 2013, a Impugnante submeteu, via internet, a declaração anual de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 2012 – cfr. fls. 159 a 164 do documento a fls. 174 dos autos, numeração SITAF;

9. Na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC referida no ponto anterior, a Impugnante fez constar no campo 365 do Quadro 10 – Tributações Autónomas -, o valor de € 14.301,26 – cfr. fls. 163 do documento a fls. 174 dos autos, numeração SITAF;

10. No exercício de 2012, a Impugnante apurou prejuízo fiscal no montante de € 68.984,01 e um total de IRC a pagar no valor de € 13.515,01 – cfr. fls. 159 a 164 do documento a fls. 174 dos autos, numeração SITAF;

11. A Impugnante procedeu ao pagamento do IRC relativo ao exercício de 2012, no montante de € 13.515,01, em 12 de Setembro de 2013 – cfr. fls. 166 do documento a fls. 174 dos autos, numeração SITAF;

12. No exercício de 2012, a Impugnante realizou dois pagamentos especiais por conta, em 30 de Março de 2012 e 26 de Outubro de 2013, cada um no valor de € 30.140,63 – cfr. fls. 166 do documento a fls. 174 dos autos, numeração SITAF;

13. Os pagamentos especiais por conta referidos no ponto anterior não foram deduzidos à colecta das tributações autónomas – facto não controvertido;

14. Com data de registo de entrada nos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira de 29 de Março de 2016, a Impugnante efectuou pedido de revisão oficiosa das autoliquidações dos períodos de tributação de IRC de 2011 e 2012 – cfr. fls. 121 a 149 do documento a fls. 174 dos autos, numeração SITAF;

15. Em 19 de Março de 2018, a Directora de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas proferiu despacho a indeferir o apresentado pela Impugnante – cfr. fls. 14 do documento a fls. 174 dos autos, numeração SITAF;

16. O sistema informático da Autoridade Tributária através do qual é liquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos de apuramento do imposto por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas, o pagamento especial por conta – cfr. o artigo 110.º da petição inicial, não controvertido.

II- B - DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, não existem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objecto do litígio, que devam julgar-se como não provados.

II- C - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os factos acima enunciados encontram-se, todos eles, comprovados pelos documentos acima discriminados, que não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e foram tidos em consideração por haverem sido articulados pelas partes ou por deles serem instrumentais [cfr. artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil].


«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da possibilidade legal de deduzir o montante dos pagamentos especiais por conta (PEC) ao valor da colecta das tributações autónomas apurado na autoliquidação de IRC dos exercícios de 2011 e 2012.

Questão prévia - admissibilidade da junção dos documentos (com as alegações de recurso)


A Recorrente vem requerer a junção de Sentença proferida pelo mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, no âmbito de um outro processo de Impugnação com idêntico objecto, cuja decisão foi proferida em sentido contraria à recorrida.

Nos termos do art. 651º nº 1 do C. Proc. Civil, no caso de recurso, as partes podem juntar documentos às alegações, não só nas situações excepcionais a que se refere o art. 425º do mesmo diploma legal, como também no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

Tal significa que são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 15 ao art. 279.º, págs. 341 a 344.) - cfr. Ac. do S.T.A. de 27-05-2015, Proc. nº 0570/14, www.dgsi.pt.

Sobre esta questão da junção de documentos conjuntamente com as alegações de recurso de apelação, pode ler-se a dado passo da anotação de A. Varela, RLJ, ano 115º, pág. 95 e ss:

“A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado. Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (…). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (…) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (…). A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. …”.

Pois bem, na situação em apreço, a ora Recorrente solicita “a junção da Sentença emitida pelo mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, no âmbito de um outro processo de Impugnação com idêntico objeto, ainda que com diferente autor, por se considerar ter ali sido realizada uma muito bem fundamentada análise e, em consonância, ter-se chegado a decisão em sentido contrário à dos presentes Autos e que se entende fazer a melhor aplicação do direito - Junta-se Sentença emitida no âmbito do processo de Impugnação com o n.º 1060/16.8 BEALM, ainda que não transitada em julgado, e para cujo conteúdo se fazem remissões no articulado supra.”.

Neste contexto, é manifesto que o documento "ex-novo" junto aos autos com o recurso de apelação não se tornou pois necessário em virtude do julgamento da 1ª instância, não se integrando ademais, em qualquer das excepções contempladas no art. 425º do C. Proc. Civil, em ordem a poder ser admitido e tomado em consideração no julgamento em 2ª instância, até porque a sentença só tem força de caso entre as partes (inter partes), ou seja, só vincula o juiz num novo processo em que as partes sejam as mesmas que no anterior e ainda que a sentença em apreço já tivesse transitado em julgado (o que ainda não sucedeu como dá nota a Recorrente), caso em “a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele”, mas tudo “dentro dos limites fixados pelos arts. 580º e 581º” (art. 619º nº 1 do C. Proc. Civil), limites esses que são precisamente os da identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, identidade essa que de modo algum ocorre entre a causa dos presentes autos e a decidida no processo relacionado com a sentença junta aos autos.

Pelo exposto, sem necessidade de maiores considerações, por não se verificarem os necessários requisitos legais, decide-se não admitir a junção aos autos do referido documento ora junto pela Recorrente com as suas alegações de recurso que, nesta medida, terá de suportar as custas do presente incidente a fixar em sede de dispositivo.

A partir daqui, e tendo presente a matéria essencial a analisar no âmbito do presente recurso, temos que a Recorrente insiste que, atento o que, resultava já do regime legal anterior à redacção do n.º 21 do art.º 88.º do CIRC conferida pelo art.º 133.º da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2016, a impossibilidade de realização de deduções ao imposto liquidado por Tributações Autónomas (com excepção do disposto no n.º 12 do art.º 88.º do CIRC), pelo que a não aceitação pela Autoridade Tributária das deduções dos Pagamentos Especiais por Conta não padece de qualquer ilegalidade, pois que o n.º 21 do art.º 88.º do CIRC nada inovou em relação ao regime legal anterior, antes esclarece e procura resolver diferentes interpretações legais que o Centro de Arbitragem, a partir de dado momento passou a fazer, interpretações essas concretizadas em algumas (poucas) decisões no sentido da admissibilidade da aplicação do regime geral do art.º 90.º do CIRC às Tributações Autónomas, sendo que o art.º 135.º da mesma Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2016, ao conferir natureza retroactiva à redacção daquele n.º 21 do art.º 88.º do CIRC mais não veio fazer que interpretação autêntica (substancial ou material) dos dispositivos legais vigentes (e a prática jurisprudencial tem admitido a existência de leis interpretativas em direito tributário), visando terminar com a incerteza jurídica resultante de umas poucas decisões arbitrais, não existindo qualquer frustração de expectativas, muito menos violação dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da proibição da retroactividade, pelo que, ao decidir, como decidiu, o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento de direito, consubstanciado quer na omissão da apreciação de questões jurídicas essenciais à boa decisão da causa, mas também na errada aplicação que fez do escasso direito que apreciou, verificando-se que nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, é nula a Sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. O Tribunal conclui pela inovatoriedade da redacção do n.º 21 do art.º 88.º do CIRC conferida pela LOE 2016, sem previamente analisar e pronunciar-se sobre o regime legal anteriormente vigente, além de que a decisão violou ainda o disposto nos art.ºs 88.º e 90.º do CIRC, o art.º 13.º do CC, o art.º 105.º da Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2016 e fez incorrecta aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 103.º da CRP e, ao condenar a Autoridade Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, violou o disposto no art.º 43.º da LGT.
Será assim?

Quanto à matéria da nulidade da sentença, cumpre notar que, segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.

Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.

Porém, é patente que o tribunal emitiu pronúncia sobre a realidade em equação, como flui do seguinte trecho da sentença:

“…

Assim, se foi intenção do legislador – inovatoriamente, como conclui o Tribunal Constitucional -, que não sejam feitas deduções ao montante global apurado com as tributações autónomas, também daí decorre, num juízo de verosimilhança, que não seria compaginável que essa limitação já se impusesse aos exercícios anteriores.

Destarte, não existindo, até redacção – inovatória, repete-se -, do Orçamento de 2016 referida, norma sobre liquidação das tributações autónomas distinta daquela que regula a liquidação em geral, será de aceitar que a colecta de IRC as engloba, sendo, portanto, dedutíveis à colecta apurada das mesmas, nomeadamente e para o que ora releva, os pagamentos especiais por conta.

Isto porque, como se referiu supra, o artigo 90.º do Código do IRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código.

Por isso, o citado artigo 90.º, nomeadamente na parte das deduções previstas no n.º 2, aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo (ou pela Administração Tributária), na sequência da apresentação das declarações de rendimentos, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Motivo por que a razão está com a Impugnante, impondo-se concluir pela procedência da impugnação apresentada, como se determinará a final. …”

Pois bem, quando se tem presente o exposto pela Recorrente, é manifesto que não estamos perante uma omissão de pronúncia propriamente dita, mas sim perante uma abordagem da questão que a ora Recorrente censura, por no seu entender não ser a mais correta, o que significa que o que é posto em crise não é a falta de pronúncia sobre determinada questão que tenha sido submetida à apreciação do tribunal, mas sim sobre os termos dessa pronúncia, pois considera que foi feita uma incorrecta interpretação ou enquadramento da realidade em análise, ou seja, afinal, aquilo que está na base da posição assumida pela ora Requerente é, precisamente, o julgamento que o Tribunal fez da matéria submetida à sua apreciação, o que conflitua com o mérito desse julgamento e não com a omissão de pronúncia sobre a questão da possibilidade legal de deduzir o montante dos pagamentos especiais por conta (PEC) ao valor da colecta das tributações autónomas apurado na autoliquidação de IRC dos exercícios de 2011 e 2012.

Razão por que não se verifica a invocada nulidade da sentença.

E quanto ao mais?
Neste domínio, em que está em causa saber se é dedutível à colecta de tributações autónomas de IRC o valor adiantado a título de pagamento especial por conta, cumpre desde logo assinalar, que à luz da jurisprudência pacífica deste STA sobre a natureza das tributações autónomas, não se pode deduzir à colecta o valor dos PEC’s suportados no mesmo exercício, porque essa dedução contraria a disposição do art. 88º do CIRC.
Na verdade, conforme se acolhe do Ac. deste Supremo Tribunal (Pleno) de 24-02-2021, Proc. nº 86/19.4BALSB, www.dgsi.pt, a questão da natureza jurídica das tributações autónomas tem vindo, desde há muito, a ser objecto de apreciação por este Tribunal apontando-se, entre inúmeros, os acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 06.7.2011 proferido no processo com o n.º 281/11 e de 27.09.2017, tirado no processo com o n.º 146/16, ambos disponíveis em www.dgsi.pt sempre no sentido de que «estas tributações autónomas […] embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal materialmente distinta deste».
Depois, como se refere no Ac. deste Supremo Tribunal (Pleno) de 08-07-2020, Proc. nº 10/20.1BALSB, www.dgsi.pt:
“…
3.2.1. O pressuposto material em que repousa a decisão (…) baseia-se, como dissemos, em jurisprudência consolidada do STA quanto à qualificação das tributações autónomas como imposição fiscal diversa do IRC e, nessa medida, não subordinadas às regras gerais da liquidação daquele imposto (…)
3.2.3. Do que vimos de dizer depreende-se que para a decisão do presente caso importa compulsar a orientação perfilhada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017 e o que sobre ela se explicita no acórdão n.º 107/2018. Decisões pelas quais aquele Tribunal, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, julgou inconstitucional o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, com fundamento em violação da regra consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição de proibição de criação de imposto com natureza retroactiva. Apesar de decidirem de forma coincidente, não há, como veremos, total coincidência entre estes acórdãos, sendo a respectiva diferença - que se deve interpretar como complementaridade - muito significativa.
O acórdão n.º 267/2017 conclui pela inconstitucionalidade do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016 por entender que a alteração da redacção do artigo 88.º do CIRC (em especial o aditamento do n.º 21) assume conteúdo inovador quanto à proibição de dedução à colecta das tributações autónomas do montante apurado em sede de pagamento especial por conta.
Este aresto, embora com eficácia limitada ao processo em que foi proferido (artigo 80.º, n.º 1 da LTC (Lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actualizada.)), parece, numa primeira leitura, revelar que o Tribunal Constitucional, em linha, de resto, com um pendor já assinalado ao acórdão n.º 18/2011, vem, pela via da “constitucionalização material das questões”, “interferir metodologicamente” com a competência deste Supremo Tribunal Administrativo no que respeita à “última palavra” quanto à interpretação jurídico-legal das normas tributárias e à qualificação dos respectivos conceitos jurídicos. Vejamos.
3.2.3.1. No acórdão n.º 267/2017, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma em que a AT se baseara para impedir a dedução do valor do pagamento especial por conta à colecta das tributações autónomas de IRC relativas ao exercício fiscal de 2012, com o fundamento de que essa impossibilidade de dedução resultava exclusivamente da alteração da redacção do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, introduzida pelo artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016, à qual o artigo 135.º da mesma lei atribuíra a qualificação de norma interpretativa, sendo essa qualificação afastada pelo Tribunal Constitucional, que a classificou, como já dissemos, como norma de conteúdo inovador e, enquanto tal, violadora da regra contida no n.º 3 do artigo 103.º da CRP (proibição de criação de impostos retroactivos) (Sublinhe-se que a decisão arbitral fundamento “afasta” a jurisprudência vertida neste acórdão ao concluir que in casu é desnecessário lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao artigo 21.º do artigo 88.º do Código do IRC.).
A questão crítica relativa a esta decisão prende-se com o facto de no exercício hermenêutico que levou a efeito para alcançar o resultado da inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional ter, aparentemente, adentrado metodologicamente no âmbito da qualificação jurídica de conceitos jurídico-tributários, substituindo-se inevitavelmente à interpretação e qualificação jurídica que o Supremo Tribunal Administrativo havia feito das tributações autónomas (Uma “sobreposição” de competência material para a qual expressamente se alerta no voto de vencido que acompanha esta decisão, como, de resto, já havia sucedido no acórdão n.º 18/2011 e na respectiva declaração de voto que o acompanha.), como resulta expressamente do excerto seguinte:
«[…]Em suma, a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico, mas antes desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa. A despesa objeto de tributação constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação, sendo a sua realização assumida pelo legislador como facto revelador da capacidade contributiva.
Porém, a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas […]» (destacados nossos).
Com efeito, a qualificação que este aresto assim, aparentemente, opera da colecta das tributações autónomas como “parte integrante da configuração legislativa do IRC” consubstancia uma pronúncia pouco clara, que está na base de alguma confusão que perpassa nas contra-alegações do presente recurso, e que pode ser interpretado como extrapolando o âmbito da “questão de constitucionalidade”, e assim afectando o âmago da tarefa jurisdicional de interpretação legal da norma fiscal e de qualificação de uma categoria tributária, como são as tributações autónomas.
A admitir-se uma tal interpretação daquela decisão do Tribunal Constitucional, a mesma estaria até em contradição com a orientação que havia sido firmada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 465/2015, em que, chamado a apreciar a conformidade constitucional das tributações autónomas a se com os princípios fundamentais da tributação das empresas pelo rendimento real, da capacidade contributiva, da igualdade fiscal, da proporcionalidade e da protecção do direito de propriedade, aquele Tribunal havia afirmado que:
“[…] a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.
[…]
Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa (acórdão do STA de 12 de abril de 2012, Processo n.º 77/12) […]”
Como a dado passo se diz no aresto que vimos de citar, as tributações autónomas revelam capacidade contributiva a partir das despesas (“evitáveis”, porque não, ou não estritamente, ligadas à actividade empresarial) que constituem o respectivo facto tributário, pelo que o contribuinte tem, nos casos em que realiza essas despesas, de estar em condições de suportar o encargo fiscal que elas representam:
“[…] A lógica da tributação autónoma a que se referem as disposições do n.º 13 do artigo 88.º parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para atribuir aos seus gestores indemnizações excessivas e não contratualmente previstas e que não têm direta relação com o desempenho individual na obtenção de resultados económicos positivos. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas.
A despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização despesa […]”.
Não ignoramos que, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo também tem admitido, o legislador tem vindo a alargar a categoria das tributações autónomas e a torná-la cada vez mais complexa e difícil de recortar dogmaticamente como categoria unitária – v., por todos, acórdão de 27 de Setembro de 2017 (proc. 146/16), onde se conclui que não obstante as tributações autónomas não constituírem imposto sobre o rendimento, elas também não podem qualificar-se como encargos fiscais dedutíveis, uma vez que o intérprete e primacial aplicador da lei deve assegurar que aquela espécie tributária cumpre integralmente a sua função sistémica no ordenamento jurídico tributária, qual seja, mormente, a de assegurar que despesas não intrinsecamente empresarias possam ser aproveitadas no âmbito da tributação do rendimento empresarial como forma de desagravamento da tributação geral dos rendimentos dessas actividades:
«[…] Tanto mais que, a nosso ver, a teleologia das tributações autónomas impõe a recusa da dedutibilidade dos encargos fiscais suportados com as mesmas. Essa recusa é evidente relativamente àquelas despesas que não são, elas mesmas, dedutíveis para efeitos de determinação da matéria tributável, como é o caso das despesas não documentadas e quanto às importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal privilegiado. Mas também nos casos – como o de que ora nos ocupamos – em que as tributações incidem sobre encargos fiscalmente dedutíveis, mal se compreenderia que a intenção do legislador, que é a de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução, fosse depois contrariada pela dedução dos encargos com essas tributações. Se a tributação autónoma serve, nestes casos, para fazer face à dificuldade de controlo rigoroso de despesas da carácter empresarial e de carácter pessoal, desincentivando a realização das mesmas, e para compensar a perda de receita fiscal decorrente dessa realização, constituindo, ao final, uma redução do montante dos custos dedutíveis na determinação da matéria tributável, não faria sentido que, depois, fosse permitir a dedução dos encargos com a tributação autónoma […]».
Ora, partindo desta compreensão interpretativa geral das tributações autónomas, que este Supremo Tribunal Administrativo continua a sufragar, admitir que as deduções que não podem ser efectuadas à colecta de IRC por ausência ou insuficiência desta pudessem ser deduzidas à colecta das tributações autónomas, seria frustrar a razão de ser desta categoria tributária autónoma.
Por todas estas razões, nunca poderia resultar da fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017 uma “adulteração” do conceito legal e da racionalidade jurídico-tributária das tributações autónomas, tal como ela é definida por este Supremo Tribunal Administrativo. Sobretudo, porque estamos ante uma questão de interpretação da legalidade tributária (alheia às competências do Tribunal Constitucional) e não uma questão de constitucionalidade.
E, de facto, não foi isso que se pretendeu com aquela jurisprudência, como, de resto, é expressamente dito no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2018, quando aí se destrinça a dimensão funcional do exercício judicativo de cada uma das jurisdições, deixando expressamente afirmado o seguinte:
«[…] O Tribunal Constitucional não «sufragou» qualquer interpretação da lei em matéria de deduções dos pagamentos especiais por conta aos montantes das tributações autónomas que integram a colecta do IRC. Não o fez, desde logo, por não lhe compete determinar o sentido da lei, mas apenas apreciar a constitucionalidade da lei com o sentido que lhe foi fixado pelas instâncias. Daí decorre que o facto de certa interpretação da lei ser inconstitucional, no juízo do Tribunal Constitucional, não implica a adesão a qualquer interpretação alternativa da lei, nem sequer o juízo de que tal interpretação, a vir a ocorrer, não é inconstitucional; significa apenas que a interpretação que constitui o objeto do recurso ─ e apenas essa ─ é inconstitucional. Em todo o caso, no Acórdão n.º 267/2017, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC ─ nos termos da qual os pagamentos especiais por conta não podem ser deduzidos aos montantes das tributações autónomas -, mas a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que lhe atribui natureza interpretativa (e, por essa via, nos termos das regras gerais, efeito retroativo). A constitucionalidade da solução consagrada no n.º 21 do artigo 88.º não esteve, nesse ou no presente recurso, em causa. Mais: o que o Tribunal julgou inconstitucional foi a imposição legal de determinado sentido, o que em nada impede que o mesmo sentido seja alcançado através da interpretação jurisdicional da lei, ou seja, não porque o legislador a impôs, mas porque entende o tribunal do caso que essa é a interpretação correta da lei […]».
Em suma, como decorre, cristalinamente, do excerto antes transcrito, o decidido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017 não contende com a interpretação e qualificação que o Supremo Tribunal Administrativo sempre fez das tributações autónomas.
3.2.4. A conclusão que, aparentemente, a Recorrida pretende extrinsecar do acórdão n.º 267/2017 do Tribunal Constitucional é resultante de uma incorrecta compreensão da metodologia do processo de fiscalização concreta da constitucionalidade, como aqui procuramos esclarecer.
O objecto do controlo na fiscalização concreta ― “os recursos de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restrito à questão da inconstitucionalidade (…) suscitada no âmbito de um processo” (artigo 71.º, n.º 1 da LTC) ― desencadeia permanentes dificuldades metodológicas, não só na destrinça entre “a norma que serviu de parâmetro de decisão ao caso” (o objecto do controlo) e a “decisão judicial que aplicou essa norma” (a qual não integra o objecto do recurso), mas também quanto ao sentido que as decisões positivas e negativas de constitucionalidade podem assumir. O Tribunal Constitucional atem-se ao parâmetro de decisão mobilizado pelo julgador do Tribunal a quo, ou seja, à interpretação da norma legal em que se fundou a decisão do caso, ignorando o sentido da decisão material recorrida, pois a sua competência é restrita à questão normativa da constitucionalidade da norma aplicada como parâmetro de decisão e não abrange a cassação das decisões recorridas, nem envolve qualquer poder de julgamento em substituição.
Mas a questão pode tornar-se mais complexa quando o parâmetro normativo convocado e aplicado pelo Tribunal a quo envolva, simultaneamente, a qualificação jurídico-material do conceito atinente à área jurídica a que respeita a questão controvertida e a sua interpretação (sua, leia-se, do tribunal a quo) em conformidade com a constituição ― ou, numa formulação metodológica que nos parece mais correcta, o tribunal constitucional seja chamado a controlar a conformidade constitucional do sentido normativo-conceitual alcançado segundo as regras da hermenêutica jurídica aplicadas à área jurídica a que o conceito pertence a partir da interpretação constitucional do mesmo construída e aplicada pelo Tribunal a quo ― é neste caso que surgem os aparentes conflitos positivos de competência como aquele que a Recorrida entende que está aqui presente, mas que na realidade não existe.
O que foi decidido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, e reiterado no acórdão n.º 107/2018, foi apenas a inconstitucionalidade do segmento normativo, consagrado no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, que impunha a interpretação e aplicação aos casos controvertidos anteriores da solução explicitada no novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC. A dimensão inovadora e merecedora de censura constitucional é, no entendimento daqueles arestos, apenas a que resulta da obrigação de aplicação do sentido fixado no n.º 21 do artigo 88.º do CIRC a factos tributários anteriores à sua entrada em vigor e não o conteúdo dessa norma tributária.
Assim, é evidente que: primeiro não resulta das referidas decisões do Tribunal Constitucional que seja inconstitucional a inadmissibilidade de deduzir à colecta das tributações autónomas o montante do pagamento especial por conta (lembre-se que era esta a questão discutida); segundo o Tribunal a quo que tenha decidido não admitir a dedução à colecta com fundamento na aplicação da norma interpretativa (o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016) julgada inconstitucional, pode, em sede de reforma da sua decisão no âmbito da execução do disposto no n.º 2 do artigo 80.º da LTC, manter a proibição da referida dedução, desde que fundada noutra norma, designadamente, na interpretação de que aquela proibição já resultava, implicitamente, da redacção anterior dos artigos 88.º e 90.º do CIRC, como sucede na decisão arbitral aqui recorrida.”

Perante o carácter assertivo do que ficou exposto e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, sem olvidar o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, resta apenas reiterar o que ficou ali consignado, o que significa que, à luz da jurisprudência consolidada do S.T.A., não podemos acompanhar a decisão recorrida, na medida em que a solução normativa do artigo 90º nº 2 do CIRC, interpretada num sentido puramente literal, como pretende o Tribunal “a quo”, poderia abranger quer a liquidação do IRC, quer a liquidação das tributações autónomas, o que, como se viu, não se coaduna com o espírito da lei, nem é conforme às especificidades e natureza próprias das tributações autónomas e às finalidades subjacentes ao pagamento especial por conta, sendo forçoso interpretá-la de modo a restringir a remissão que faz para o nº 1 do artigo 90º nº 1 do CIRC ao montante da colecta do IRC stricto sensu (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 87º do CIRC à matéria coletável) e não aos montantes apurados a título de tributações autónomas (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 88º do CIRC), pois só assim se reconstituirá o pensamento do legislador, fazendo prevalecer a solução que lhe corresponde.
Em suma: ao valor contabilizado a título de tributações autónomas referente aos exercícios de 2011 e 2012 não poderá ser deduzido o montante dos pagamentos especiais por conta efectuados nos termos reclamados pela Impugnante, o que equivale a dizer que a actuação da AT não merece qualquer censura, situação que retira também qualquer suporte legal ao pedido de reembolso das quantias de € 50.217,22 e € 14.301,26, referentes aos montantes de tributações autónomas indevidamente pagos e entregue nos cofres do Estado em resultado da não dedução dos pagamentos especiais por conta, nos exercícios de 2011 e 2012, respectivamente, e bem assim, ao invocado direito a juros indemnizatórios calculados sobre os montantes a restituir, contados desde 31 de Maio de 2012 quanto à quantia de € 50.217,22 e desde 31 de Maio de 20123 quanto à quantia de € 14.301,26, até ao integral reembolso das mesmas, de modo que, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogar-se integralmente a sentença recorrida, com a natural improcedência da presente impugnação judicial.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em i) Não admitir a junção aos autos do documento junto pela Recorrente com as suas alegações de recurso e ii) conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a decisão recorrida e julgar totalmente improcedente a presente impugnação judicial.

A Recorrente suportará as Custas do Incidente a que deu causa, que se fixam em 1 Uc.

No mais, Custas pela Recorrida em ambas as Instâncias.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 12 de Maio de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (Relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.