Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:073/15
Data do Acordão:04/22/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:APENSAÇÃO
PORTAGEM
RECURSO
PROCESSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
Sumário:I – Tendo o recurso judicial da decisão administrativa que aplicou uma coima por infracção como a dos autos dado entrada em Tribunal conjuntamente com outros recursos respeitantes ao mesmo infractor, ou quando, relativamente ao mesmo infractor, já se encontrarem pendentes no Tribunal recursos por infracções idênticas, deve o juiz ordenar a apensação de todos esses processos judiciais, assim cumprindo a regra estabelecida no artigo 25º do Código de Processo Penal;
II – Na fase judicial a apensação deve ser ordenada no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho (artigo 64º do RGIMOS e 82º do RGIT).
Nº Convencional:JSTA000P18853
Nº do Documento:SA220150422073
Data de Entrada:01/22/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A Fazenda Pública interpõe recurso do despacho da Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que admitiu liminarmente o recurso judicial de decisão administrativa proferida em processo de contra-ordenação apresentado pelo arguido ao abrigo do disposto no art. 63º, nº 1, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e nos arts. 3º, alínea b), e 80º, nº 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), bem como de todos os outros recursos judiciais em processos de contra-ordenação que lhe haviam sido já distribuídos e cuja apensação aos presentes autos determinou.
1.1. Rematou a alegação de recurso com as seguintes conclusões:

A) Vem o presente recurso interposto do douto despacho que admitiu liminarmente o recurso apresentado pelo arguido, o qual se circunscreve à questão de direito da decisão de apensação, determinada pela Meritíssima Juiz a quo de todos os processos de recurso de contra-ordenação que lhe foram distribuídos, do mesmo recorrente, o que resultou na apensação de 16 processos de contra-ordenação aos presentes autos.

B) Para assim decidir, considerou o Tribunal a quo, que “resulta da consulta do sistema informático que, me foram distribuídos outros processos de recurso de contraordenação instaurados por este mesmo recorrente”, determinando consequentemente, a apensação de 16 processos a estes autos.

C) Quanto à legitimidade da Fazenda Pública para interpor o presente recurso, importa ter em conta que, com a proposta de Lei nº 496/2012, de 10 de Outubro de 2012, de aprovação do Orçamento do Estado para 2013, foi alterada a redacção do art. 83º do RGIT, passando o Representante da Fazenda Pública, por força do nº 1 da referida norma, a ter legitimidade para interpor recurso da decisão proferida pelo tribunal, ampliando-se, deste modo, a sua possibilidade de intervenção no processo de contra-ordenação, que antes se limitava à produção de prova, nos termos do art. 81º, nº 2, do RGIT.

D) Deste modo, e tendo em conta a unidade do sistema jurídico e a aplicação subsidiária do RGCO neste âmbito, por força do art. 3º, alínea b), do RGIT, com a alteração legislativa ocorrida, a Fazenda Pública tem também legitimidade para recorrer nos recursos de processos de contra-ordenação tributária, ao abrigo do nº 2 do art. 73º do RGCO.

E) Observa-se de perto, quanto a esta questão, o douto entendimento dos Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos em “Regime Geral das Infracções Tributárias anotado”, 4ª edição, 2010, em anotação ao art. 83º, página 562 e seguintes, que se transcreve: “Porém, em matéria de direito sancionatório, não será compreensível que não exista também uma válvula da segurança do sistema de alçadas que permita assegurar a realização da justiça pelo menos em casos em que se esteja perante uma manifesta violação do direito, sendo esta possibilidade uma exigência do direito de defesa constitucionalmente consagrado. Por isso, deve-se concluir que será aplicável subsidiariamente o preceituado no n° 2 do art. 73º do RGCO.

F) Quanto à subida imediata do presente recurso, entende a Fazenda Pública que, no regime previsto no art. 84º do RGIT, complementado pelo RGCO, não é possível a execução das coimas e sanções acessórias antes do trânsito em julgado ou de se ter tornado definitiva a decisão administrativa que as aplicar, sendo esta a única interpretação que assegura a constitucionalidade material deste art. 84º do RGIT, nos casos em que o recurso é interposto de decisão condenatória, assim não sendo necessário a prestação de garantia para que o mesmo recurso goze de efeito suspensivo da decisão recorrida — conforme se doutrinou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15-11-2011, processo nº 04847/11; e na esteira do entendimento dos Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos em “Regime Geral das Infracções Tributárias anotado”, 4ª edição, 2010, em anotação ao art. 84º, página 582 e seguintes.

G) Neste sentido, não deverá ser considerada exequível para efeitos de decisão de instauração de processo de execução fiscal, a decisão judicial proferida nestes autos que decidiu apensar todos os recursos de contra-ordenações do mesmo recorrente, face à pendência do presente recurso, sob pena de se afectar o efeito útil do mesmo.

H) Especificando o que para aqui releva, quanto à apensação de vários processos de contra-ordenação, entende a Fazenda Pública, salvo melhor opinião, que não pode proceder o argumento expendido no douto despacho a quo, não se conformando a Fazenda Pública com a mesma e considerando que tal sentença padece de erro de direito, urgindo assim, a promoção da uniformização da jurisprudência face ao inerente perigo de repetição e desigualdade na aplicação entre os diversos tribunais tributários de 1ª instância, tudo nos termos do disposto no art. 83º do RGIT, em conformidade com o art. 73º, nº 2 do RGCO, aplicável por força da alínea b) do art. 3º do RGIT — cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-11-2012, proc. 0704/12; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-01-2007, proc. 01124/06.

I) A decisão subjacente o douto despacho a quo, de apensação dos 16 processos de contra-ordenação distribuídos à Meritíssima Juiz a quo aos presentes autos, tem unicamente em conta, quanto ao elemento de conexão existente entre os mesmos, a identidade do arguido.

J) No caso de processos de contra-ordenação tributários, é aplicável o RGIT e subsidiariamente o RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que contém norma específica no seu art. 3º, alínea b), sendo que não existe nestes diplomas norma legal que preveja a apensação de processos de contra-ordenação.

K) O artigo 36º do RGCO, aplicável subsidiariamente ao RGIT, prevê a “competência por conexão” em caso de concurso efectivo de contra-ordenações.

L) Neste âmbito importa observar o entendimento do Ilustre Juiz do TEDH Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2011, em anotação ao art. 36º, p. 128: “O critério do artigo 36º só opera relativamente aos processos que se encontrem na fase administrativa. (...) Na fase judicial, a conexão rege-se pelo disposto nos artigos 24º e seguintes do CPP.”

M) Assim, por força do disposto no art. 41º do RGCO, quanto à unidade e apensação de processos, terá de se recorrer aos preceitos reguladores do processo criminal, ou seja, às normas do Código de Processo Penal (CPP).

N) Perscrutado o referido diploma legal, temos que, quanto aos casos de conexão inerentes à apensação de processos, as situações são exclusivamente as previstas no seu art. 24º.

O) As infracções por falta de pagamento de taxas de portagens, como as dos presentes autos e dos autos ora apensados, não são cometidas através da mesma acção, na mesma ocasião ou lugar, não sendo também umas causa ou efeito das outras, nem se destinando umas a continuar ou a ocultar as outras, não sendo praticadas por vários agentes em comparticipação, não se verificando igualmente qualquer outra das condições aí taxativamente previstas — Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12/12/2013, proc. nº 07056/13.

P) Quanto à conexão subjectiva que sustentou a opção da Meritíssima Juiz a quo, salvaguarda-se que o art. 25º do Código de Processo Penal limita-se a ampliar o critério de conexão subjectivo determinado no art. 24º a todos os crimes cometidos na área de uma mesma comarca, da competência de diferentes tribunais dessa área, mas não prescinde, salvo melhor opinião, dos critérios de conexão processual subjectiva do art. 24º, sob pena de essa taxatividade perder toda a razão de ser, e se permitir mais, quando os crimes são do conhecimento de dois ou mais tribunais, com sede na mesma comarca, do que quando a apreciação da ocorrência de mais do que um crime cometido pelo mesmo agente é da competência do mesmo tribunal.

Q) O elemento subjectivo por si só não sustenta a conexão de processos, impondo a lei a verificação de algum dos elementos taxativos no art. 24º do CPP.

R) E neste pressuposto, só o funcionamento da conexão permite a apensação de processos, nos termos do nº 1 do artigo 29º do mesmo diploma legal, que tem em vista a economia processual e uniformidade de julgamento, mas impõe-se que se verifiquem, desde logo, os elementos objectivos de conexão tipificados na lei, o que não ocorre in casu.

S) No caso em apreço, os processos apensados correspondem ao levantamento de vários autos de notícia, autónomos entre si, face aos restantes, que deram lugar a diversos e independentes processos de contra-ordenação, aos quais, por decisão de condenação, foi aplicada a coima respectiva, ainda não transitada em julgado.

T) Sucede que os 16 processos de contra-ordenação em apreço não foram apensados pela autoridade tributária, mantendo autonomia entre si.

U) Com todo o respeito que nos merece a fundamentação expendida pelo douto Tribunal a quo, entende a Fazenda Pública que a apensação dos processos determinada pela Meritíssima Juiz a quo, não tem sustentação legal, pelo que não poderá a decisão do tribunal de 1ª instância versar numa única sentença sobre os 16 recursos dos processos de contra-ordenação.

V) Pelo que, concluímos ser ilegal a apensação de processos por despacho do douto Tribunal a quo.

W) Entende a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que é muito, que o douto despacho sob recurso enferma de erro na aplicação do direito, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis, mais concretamente as que regem a unicidade e apensação de processos, mormente os artigos 24º, 25º, 28º e 29º do CPP, aplicáveis por força do art. 41º do RGCO, norma esta por sua vez aplicável ao abrigo do disposto na alínea b) do art. 3º do RGIT, atendendo a que estão em causa recursos de processos de contra-ordenação tributária.



1.2. O Ministério Público apresentou contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

1. Excepção feita às questões prévias da legitimidade e efeito da interposição do presente recurso, não assiste razão ao/à recorrente/R., nem os argumentos pelo/a mesmo/a aduzidos poderiam fundamentar a revogação da/o douta/o decisão/despacho posta/o em crise, a/o qual não merece reparo, pois que não enferma do alegado “erro na aplicação do direito,” (sic), nem aliás de qualquer outro e não faz “errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis” (sic), designadamente das “que regem a unicidade e apensação de processos, mormente os artigos 24º, 25º, 28º e 29º do CPP, aplicáveis por força do art. 41º do RGCO” (sic).

2. Relativamente às questões prévias, da legitimidade, mormente na vertente da admissibilidade do presente recurso, atentos os invocados fundamentos legais (nº 1, do art. 83º do RGIT e art. 73º, nº 2 do RGIMOS, aplicável ex vi al. b) do art. 3º daquele RGIT), além de o/a R. deter legitimidade como invoca, também se nos afigura admissível a interposição do presente recurso para melhoria da aplicação do direito e tendo em vista, sobretudo, a promoção da uniformidade da jurisprudência; e da requerida e judicialmente determinada subida imediata, visto o objecto do presente recurso e o prescrito no nº 1, do art. 407º do CPP, subsidiariamente aplicável nos termos do disposto no art. 41º daquele RGIMOS, julga-se adequado o fixado regime de subida.

3. A argumentação do/a R. baseia-se no, se não errado, pelo menos infundamentado pressuposto de que “A decisão subjacente o douto despacho a quo, de apensação dos 16 processos de contra-ordenação .../... aos presentes autos, tem unicamente em conta, quanto ao elemento de conexão existente entre os mesmos, a identidade do arguido.” (sic conclusão I.).

4. Sendo inegável a identidade do/a arguido/a/recorrente em todos os processos de contra-ordenação e subsequentes recursos apresentados em causa e constituindo embora esta, nos termos que de seguida melhor se exporão, fundamento bastante e suficiente para a determinada apensação dos referidos 16 (dezasseis) processos ao presente, inquestionável é todavia também, que da/o douta/o decisão/despacho sub judice não consta que tenha sido tal fundamento o único para decidir a determinada respectiva apensação.

5. Sendo facto que apenas discorre e argumenta o/a R. com base em tal pressuposto e tendo ainda em conta a suficiência do pressuposto em causa, não cabe aqui cuidar dos demais (eventuais) fundamentos da decidida apensação, que sempre extravasariam o objecto do interposto recurso, delimitado, nos termos legais, pelas conclusões do/a R.

6. O/A R. apresenta interpretação, absolutamente inovadora mas, salvo melhor entendimento, inaceitável, do disposto nos citados preceitos legais do CPP, mormente no respectivo art. 25º.

7. Pretende o/a R. que “quanto aos casos de conexão inerentes à apensação de processos, as situações são exclusivamente as previstas no seu art. 24º” (sic conclusão N.) e “Quanto à conexão subjectiva .../... que o art. 25º do Código de Processo Penal, limita-se a ampliar o critério de conexão subjectivo determinado no art. 24º, …/...” (sic conclusão P.).

8. Porém, ao contrário do que, aparentemente defende o/a R., o art. 25º do CPP dispõe quanto à conexão de processos, não só da competência de tribunais com sede na mesma comarca mas, desde logo, naturalmente, também do mesmo tribunal, prescrevendo a conexão subjectiva, sendo indiscutível, face ao respectivo teor que, independentemente da existência, ou não, de conexão objectiva nos termos previstos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 24º, há conexão, quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes (neste contexto, várias contra-ordenações), cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca e logo, por maioria de razão, também do mesmo tribunal.

9. A própria letra do art. 25º afasta a interpretação pugnada pelo/a R. de que o mesmo apenas “amplia” “o critério de conexão subjectivo determinado no art. 24º” (sic).

10. A expressão “Para além dos casos previstos no artigo anterior” constante do art. 25º em análise significa inequivocamente que aos casos previstos no artigo anterior, se acrescentam/adicionam/aditam/juntam outros, não se reportando por conseguinte, manifestamente, apenas aos mesmos casos quando o respectivo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca.

11. A conclusão do/a R. - “O elemento subjectivo por si só não sustenta a conexão de processos, impondo a lei a verificação de algum dos elementos taxativos no art. 24º do CPP” (cfr. conclusão Q.) -, resulta, além de indemonstrada, inaceitável face à letra e espírito da lei.

12. Sendo embora a economia processual e a uniformidade de julgados os critérios que presidem à conexão de processos, sendo certo que, no que ao último concretamente concerne, a ausência de apensação pode implicar decisões contrárias quanto à mesma situação, em última instância, o princípio que subjaz à conexão/apensação, é o do direito ao devido processo legal que constitui direito fundamental consagrado na DUDH (cfr. art. 8º), que se concretiza, entre outros, nos princípios da justiça material, da equidade e do direito de defesa, constitucionalmente consagrados (cfr. arts. 20º, 32º, nº 10, e 202º, nº 2, da CRP).

13. A não determinação de apensação dos processos, quando (como no caso) entre os mesmos se verificar qualquer das situações de conexão previstas na lei (de conexão objectiva ou subjectiva, portanto e no caso então, pelo menos subjectiva), e não se verificando as excepções legalmente previstas para a separação de processos (cfr. art. 30º do CPP) - aplicáveis mutatis mutandis para a manutenção da autonomia de processos conexos entre si - constitui ilegalidade, por errada aplicação do direito, mormente, do citado/analisado pelo/a R., art. 25º do CPP.

14. Pretendendo o R. “que não poderá a decisão do tribunal de 1ª instância versar numa única sentença sobre os 16 recursos dos processos de contra-ordenação” (sic parte final da conclusão U), contrapõe-se que não só pode como aliás deve, sob pena de ilegalidade por violação das prescrições dos arts. 25º e 29º do CPP.

15. Concluindo a final o/a R. “ser ilegal a apensação de processos por despacho do douto Tribunal a quo” (sic conclusão V.), conclui ao contrário o MP que, verificando-se como inquestionavelmente se verifica no caso, conexão subjectiva, ilegal seria não determinar a apensação.

16. Não se verificando o invocado erro na aplicação do direito, nem aliás qualquer outro, bem ao contrário, mostrando-se a determinada apensação válida e legal, o douto despacho recorrido deve ser confirmado/mantido.

1.3. O Ministério Público, neste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:
«A nosso ver, o recurso deve ser admitido, não nos termos do disposto no artigo 73º/2 do RGCO, aplicável ex vi do artigo 3º/b) do RGCO, mas nos termos do estatuído no artigo 83º/1 do RGIT.
(…)
Quanto ao mérito da causa parece-nos que, salvo melhor juízo, não assiste razão à recorrente Fazenda Pública.
Nos termos do disposto nos artigos 24º a 31º do CPP, aplicável ex vi dos artigos 41º do RGCO e 3º-b) do RGIT, ocorrendo conexão, objectiva ou subjectiva, de processos, instaurados processos distintos, logo que tal conexão for verificada deve ser ordenada a sua apensação.
Se é verdade que não ocorre conexão objectiva, nos termos do disposto no artigo 24º do CPP, não é menos verdade que, como deflui dos elementos constantes dos autos, ocorre conexão subjectiva, nos temos do disposto no artigo no artigo 25º do CPP.
Efectivamente, a autoria de todas as contra-ordenações é imputado ao recorrido, sendo certo que para conhecimento das mesmas é competente o mesmo tribunal.
Mas para que possa ser determinada a apensação de processos não basta, apenas, a ocorrência de conexão, objectiva ou subjectiva, sendo, ainda, necessário que os processos se encontrem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento (artigo 24º/2 do CPP).
Será que, no caso em análise, ocorre tal pressuposto?
Como bem se refere no despacho de fls. 86, a questão reside em saber se o recurso de decisão de aplicação de coima é um verdadeiro recurso ou antes um processo de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima.
No primeiro caso não seria permitida a apensação, pois que já estaria ultrapassada a fase de julgamento.
No segundo caso já seria admitida a apensação, pois que se estaria, ainda, em fase de julgamento.
Parece-nos ser de sustentar a tese referida em último lugar.
Com efeito, a apresentação de recurso de decisão de aplicação de coima equivale a acusação, sendo certo que há lugar a julgamento ou despacho alternativo ou substitutivo
Trata-se, pois, de um verdadeiro julgamento em primeira instância e, como tal, é possível a apensação de processos, pois que com esta se atingem, plenamente, os seus objectivos e que são a economia processual e a uniformidade de julgados.
E, como parece óbvio, o regime de cúmulo material actual (novamente) estatuído no artigo 25º do RGIT não contende com a apensação dos processos.
O despacho recorrido, a nosso ver, não merece censura.».

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. O despacho objecto do presente recurso tem o seguinte teor:

«Por ser legal, tempestivo e obedecer às exigências legais, admito liminarmente o recurso (arts. 63º, nº 1, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro e alterações posteriores (RGIMOS), 3º, alínea b), e 80º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)).

Este tribunal tem conhecimento que lhe foram distribuídos inúmeros processos de recurso de contra ordenação instaurados pelo mesmo recorrente. Todos esses recursos são legais, tempestivos e obedecem às exigências legais, pelo que admito liminarmente esses recursos (ares. 63º, nº 1, do RGIMOS, 3º, alínea b), e 80º, nº 1, do RGIT) e determino a sua apensação a estes autos.

Junte cópia deste despacho a esses processos. Notifique.».


3. A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da decisão que, no âmbito de recurso judicial de decisão administrativa condenatória apresentado pelo arguido em processo de contra-ordenação, admitiu esse recurso e, bem assim, todos os outros dezasseis recursos que nesse tribunal foram apresentados pelo mesmo arguido e se encontravam distribuídos ao mesmo Juiz, determinando a sua apensação a estes autos.
A questão que se coloca é a de saber se essa decisão enferma de erro de julgamento em matéria de direito ao ter determinado a referida apensação.
Dado que a legitimidade da Fazenda Pública para este recurso jurisdicional não é questionada pelo recorrido nem se nos afigura que se verifique qualquer obstáculo processual nessa matéria, não iremos emitir pronúncia sobre ela.
Já relativamente à questão da admissibilidade do recurso, importa apreciá-la, tendo em conta que o recurso foi interposto e admitido ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 73º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), isto é, com a invocação de que ele era necessário para uma melhoria da aplicação do direito ou promoção da uniformidade da jurisprudência.
Tendo em conta que este Supremo Tribunal tem conhecimento de que a questão ora colocada está a ser discutida em centenas ou milhares de processos que já se encontram pendentes nos Tribunais Tributários, consideramos que se justifica a admissão do recurso com o invocado fundamento, isto é, que ele se justifica perante a necessidade premente de definir o direito aplicável a todas a essas situações e obter uma uniformização da jurisprudência sobre a matéria.
Termos em que importa passar ao conhecimento do mérito do recurso.

A questão colocada neste recurso foi já decidida, em sentido uniforme, por este Supremo Tribunal em quatro acórdãos muito recentes – acórdãos de 4 de Março de 2015, recursos nº 1396/14, de 11 de Março de 2015, nos recursos nº 1557/14 e nº 74/15, e de 8 de Abril de 2015, no recurso nº 075/15.
Tendo em conta a suprema importância da uniformidade da jurisprudência no âmbito interno dos tribunais, sobretudo em face da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar e que encontra expressa consagração no art.º 9.º, n.º 3, do Código Civil – ao impor ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – cumpre-nos aderir a essa orientação jurisprudencial e aos fundamentos em que se estribam tais acórdãos, vertidos, de forma abreviada mas elucidativa, nos respectivos sumários, do seguinte teor no que a esta matéria diz respeito:
II - No momento em que a impugnação da decisão administrativa que aplicou uma sanção relativa a uma infracção como a dos autos dá entrada em Tribunal, conjuntamente com outras respeitantes ao mesmo infractor, ou quando relativamente a esse infractor já se encontrem pendentes nesse Tribunal processos por infracções idênticas, o juiz deve ordenar a apensação de processos, assim cumprindo a regra estabelecida no artigo 25º do Código de Processo Penal;
III - Na fase judicial a apensação deve ser ordenada no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho, cfr. artigo 64º do RGIMOS e 82º do RGIT.

Razão por que, com a referida fundamentação, se impõe negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

4. Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 22 de Abril de 2015. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão LopesAna Paula Lobo.