Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0880/12
Data do Acordão:09/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:Tendo a primeira instância decidido a questão de direito suscitada pela impugnante sem antes estabelecer a precisa situação de facto subjacente, é de determinar a ampliação da matéria de facto, uma vez que o Supremo Tribunal Administrativo, como Tribunal de revista, carece de poderes de cognição em sede de facto.
Nº Convencional:JSTA00067787
Nº do Documento:SA2201209190880
Data de Entrada:08/03/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...,LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF MIRANDELA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPC96 ART684 N3 ART685-A N1 ART729 N2
CPPTRIB99 ART34
LGT98 ART49 N1 N3
L 100/99 DE 1999/06/26
CCIV66 ART326 N1 ART327 N1
L 53-A/2006 DE 2006/12/29 ART89
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0639/11 DE 2011/08/03; AC STA PROC0748/09 DE 2009/08/12; AC STA PROC0144/11 DE 2011/06/08; AC STA PROC0720/10 DE 2010/10/20; AC STA PROC01010/10 DE 2011/09/14
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA NOTAS PRATICAS 2ED PAG74 PAG76.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A A……, Lda., identificada nos autos, reclamou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, do despacho do Chefe de Serviço de Finanças de Vila Real 1, que ordenou a penhora de rendas, tendo o Tribunal julgado verificada a prescrição da dívida, com a consequente extinção da execução.

2. Não se conformando, a Fazenda Pública recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando as respectivas alegações, das quais formulou as seguintes conclusões:
“1ª — A prescrição em geral, assenta em razões de segurança e certeza jurídicas, a par da sanção pela inércia do credor que negligencia a promoção da cobrança electiva do seu crédito;
2ª — Sendo o crédito tributário, por natureza e por definição legal, indisponível, na prescrição de dívidas tributárias, a inércia do credor é meramente residual e excepcional;
3ª — Com a LGT, adoptou-se uma solução mais ajustada ao equilíbrio dos interesses do credor e do devedor, introduzindo-se causas de suspensão da prescrição, cfr. Art° 49°;
4ª — Se para determinação do prazo de prescrição aplicável, em caso de sucessão de prazos legais diferentes, é necessário fazer uso do disposto no artigo 297.° do CC, já na determinação das causas de interrupção e de suspensão, é aplicável a legislação em vigor ao tempo da sua ocorrência, nos termos do artigo 12.° do CC;
5ª — Todas as causas de suspensão são desencadeadas por iniciativa do devedor e conduzem, inelutavelmente, à suspensão do processo de execução fiscal, impedindo assim, que o credor prossiga a cobrança da dívida, por determinação legal;
6ª — As reclamações graciosas, deduzidas contra as liquidações de Sisa de 1992 e de 1995, em plena vigência da LGT, determinam a interrupção e a suspensão da contagem do prazo de prescrição, desde a sua interposição até ao dia seguinte aquele em que terminou a discussão da legalidade de tais liquidações;
7ª — O recurso hierárquico deduzido na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa, mantém o efeito suspensivo do curso da prescrição, na justa medida em que suspensa continua a execução fiscal, garantida através de penhora de imóvel;
8ª — No caso dos autos, a prescrição interrompeu-se no dia 18/2/2000 com as reclamações graciosas e, com base na mesma causa, esteve suspensa entre aquele dia e 3/1/2008, data do indeferimento do recurso hierárquico, pelo que, na data da penhora de créditos de montante suficiente para extinção da execução só se haviam completado 3 anos, 8 meses e 20 dias do prazo de dez anos de prescrição;
9ª — A sentença que declarou verificada a prescrição, tendo em conta apenas e só o quadro normativo resultante do CPT, sem atender ao efeito interruptivo e suspensivo da reclamação graciosa, seguida de recurso hierárquico e acompanhada de garantia para suspensão da execução, violou o artigo 49.° da LGT.
Nestes termos, e nos mais que serão por esse Tribunal, doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, nomeadamente a revogação da sentença e, caso se entenda que o processo contém todos os elementos necessários, decisão sobre o objecto da causa, nos termos do n° 2 do art° 715º do CPC”.

3. A recorrida A……., Lda. produziu contra-alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões:
“PRIMEIRO
Consistindo a questão em análise deste recurso, como consiste, numa questão meramente de direito, ele recurso deveria ter sido interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, e não, como foi, para o Tribunal Central Administrativo Norte (artigo 280°, do C.P.P.T.).
SEGUNDO

Tribunal Central Administrativo Norte este que é pois hierarquicamente incompetente para do recurso em questão conhecer (artigos 2°-e), do C.P.P.T e 71° e 72°, do C.P.C.)
TERCEIRO
Trata-se de unia incompetência absoluta, que aqui vai tempestivamente arguida, por quem para isso tem legitimidade (artigos 2°-e), do C.P.P.T. e 102°, do C.P.C.), determinativa da absolvição da recorrida A…… LDA desta instância de recurso, ou então do indeferimento dele recurso (artigos 2°-e), do C.P.P.T. e 105°-1, do C.P.C.), o que se peticiona.
QUARTO
Se, contra o que se espera assim não for entendido, então, e muito embora sem prescindir deverá ser considerada prescrita a quantia exequenda na execução fiscal em causa, improcedendo pois o recurso, e mantendo-se a aliás douta sentença de 1ª instância recorrida.
Assim decidindo, como, temos a certeza não poderá deixar de suceder, farão V. Exas., Eméritos Senhores Doutores Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte, a mais justa justiça, que aliás soem habitualmente fazer, pelo que a isso nos têm sistematicamente habituado.

4. Por Acórdão do TCAN, de fls. 344 e segs. ficou decidido julgar aquele Tribunal incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e competente a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

5. Remetidos os autos ao STA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

6. Com dispensa de vistos, por o processo ser urgente, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
“1. Em 16/12/1999 foi instaurado contra a Reclamante processo de execução fiscal por dívidas de sisa referentes aos anos de 1992 e 1995 — fls. 1 do PA
2. Em 20/12/1999 a Reclamante foi citada — fls. 4 do PA;
3. Em 18/2/2000 apresentou reclamações graciosas;
4. Em 23/12/2003 foram indeferidas;
5. Em 5/2/2004 a Reclamante apresentou recurso hierárquico, que veio a ser indeferido em 3/1/2008 — fls. 391 e art.° 8 da contestação;
6. Antes, em 21/10/2004 a Reclamante foi notificada da penhora do prédio correspondente ao artigo 215 da freguesia de S. Dinis, efectuada em 18/10/2004;
7. Em 2/11/2004 a Reclamante apresentou reclamação da decisão do órgão de execução fiscal relativa àquela penhora, que foi julgada procedente por sentença de 22/6/2005;
8. Em 30/1/2007 foi ordenada o levantamento da penhora;
9. Em 28/9/2007 a AT penhorou o prédio correspondente ao art.° 1260 da freguesia de Moucos;
10. Em 2/10/2007 a Reclamante foi notificada;
11. Em 16/10/2007 a Reclamante apresentou reclamação da decisão do órgão de execução fiscal referente à dita penhora;
12. Em 31/10/2007 foi proferida decisão pelo TAF a qual determinou que a reclamação apenas subisse a final após a realização da venda do artigo penhorado;
13. Em 17/10/2011, mas por ofício datado de 8/10/2011, a Reclamante foi notificada de penhora de rendas em — fls. 21 e contestação;
14. Esta acção deu entrada em 27/10/2011.
Para além das fls. que se indicaram, cfr. fls. 391 e 392 do PA”.

2- DE DIREITO

2.1. Questões a apreciar e decidir

A A……., Ldª, executada no processo 2496199901009869, deduziu reclamação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, da decisão do órgão de execução fiscal, Serviço de Finanças de Vila Real, que ordenou a penhora de rendas destinada a satisfazer o pagamento coercivo da dívida exequenda e acréscimos legais, relativa a imposto de Sisa dos anos 1992 e 1995.
Por sentença proferida, em 28/2/2012, aquele Tribunal julgou verificada a prescrição por dívidas com a consequente extinção da execução.
Para tanto ponderou o Mmº Juiz “a quo”:
““A execução subjacente à Reclamação de despacho de penhora de rendas reporta-se a dívida de Sisa dos anos de 1992 e 1995.
À data dos factos estava em vigor o CPT, que, no art.° 34.°, n.° 2, dispunha que o prazo de prescrição se contava desde o início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário.
A situação real e concreta que a lei pretende atingir — facto tributário - ocorreu em 1992 e 1995.
Entretanto em 1/1/99 entrou em vigor a Lei Geral Tributária que, no art.° 48.°, n° 1, reduziu esse prazo prescricional para 8 anos.
Dispõe, porém, o art.° 297°, n° 1 do CC que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Sendo assim e fazendo aplicação do estabelecido neste preceito legal ao caso em apreço, à data da entrada em vigor da LGT estavam decorridos 6 anos do prazo prescricional, faltando oito anos se se aplicasse a LGT, e quatro anos se se aplicasse o CPT (para o imposto de 1992); e estavam decorridos 3 anos, faltando oito anos se se aplicasse a LGT, e sete anos se se aplicasse o CPT — relativamente ao imposto de 1995.
De acordo com o citado art.° 297°, há-de ser aqui aplicável o regime fixado no CPT, contando-se esse prazo desde 1/1/96, terminando, portanto, em 31/12/05 - se não sofrer interrupções.
Estabelece, contudo, o citado art.° 34°, n° 3 que “(…) a instauração da execução interrompe a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
No caso sub iudice é certo que ocorreu uma interrupção com a instauração da execução em 16/12/1999.
Contudo, desde 18/2/2000 (data em que a Reclamante apresentou reclamações graciosas) até 23/12/2003 (data em que foram indeferidas) o processo esteve parado por facto não imputável ao contribuinte. Ou seja, estando parado mais de um ano somar-se-á o tempo que decorreu após esse período de um ano (portanto, desde 19/2/2001 até à presente data) ao que tiver decorrido até à data da instauração da execução, ou seja de 1/1/1996 até 16/12/1999.
Feitas as contas o prazo de prescrição da divida de Sisa referente ao ano de 1995 já prescreveu, e, por maioria de razão, também o relativo ao do ano de 1992.
Assim, se a dívida está prescrita não se justifica penhora que a garanta”.

Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública, com base, em síntese, nos seguintes argumentos:
- A sentença recorrida não atendeu ao efeito suspensivo e interruptivo da reclamação graciosa seguida de recurso hierárquico e acompanhada de garantia para suspensão da execução, com violação do art. 49º da LGT
“(…), a prescrição interrompeu-se no dia 18/2/2000 com as reclamações graciosas e, com base na mesma causa, esteve suspensa entre aquele dia e 3/1/2008, data do indeferimento do recurso hierárquico, pelo que, na data da penhora de créditos de montante suficiente para extinção da execução só se haviam completado 3 anos, 8 meses e 20 dias do prazo de dez anos de prescrição”.
Em face das conclusões da recorrente que delimitam o objecto do presente recurso, nos termos do estatuído nos arts. 684º, nº3, e 685º-A/1, do CPC, a questão sub judice traduz-se em saber se ocorreu a prescrição das dívidas exequendas relativas a SISA dos anos de 1992 e 1995”.

2.2. Da prescrição da dívida exequenda

1. No caso em apreço, tanto quanto resulta da fundamentação da sentença recorrida, o Mmº Juiz “a quo” considerou as dívidas exequendas prescritas por aplicação exclusiva do quadro normativo constante do CPT, não dando relevo a factos ocorridos na vigência da LGT e com efeitos suspensivos e interruptivos do curso da prescrição.
Contra este entendimento se insurge a Fazenda Pública, porquanto os prazos de prescrição de 10 anos, por aplicação do CPT, iniciados a partir de Janeiro de 1993 (para a dívida de 1992) e Janeiro de 1996 (para a dívida de 1996), terminariam em 2003 e 2006, respectivamente.
Assim sendo, neste aspecto particular, não podemos deixar de dar razão à recorrente, tendo em conta a jurisprudência firme e reiterada deste Supremo Tribunal, vertida, entre outros, no Acórdão de 3/8/2011, proc nº 639/11, segundo a qual “o facto de ser aplicável o disposto no artigo 34º do C.P.T. relativamente ao prazo de prescrição (10 anos) não implica que seja este (em exclusivo) o regime a considerar no que respeita às causas de interrupção e suspensão da prescrição, porquanto as causas concretamente atendíveis para a contagem do prazo de prescrição serão as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com a regra consagrada no nº 2 do artigo 12º do C.C., não sendo aplicável o artigo 297º do C.C. em virtude deste preceito apenas se referir à lei que altere o prazo e não a tudo o mais que releve para o seu decurso”.
Do elenco dos factos provados, os ocorridos em plena vigência da LGT e com interesse para o prazo de prescrição são os seguintes:
1. Em 16/12/1999 foi instaurado contra a Reclamante processo de execução fiscal por dívidas de sisa referentes aos anos de 1992 e 1995 — fls. 1 do PA
2. Em 20/12/1999 a Reclamante foi citada — fls. 4 do PA;
3. Em 18/2/2000 apresentou reclamações graciosas;
4. Em 23/12/2003 foram indeferidas;
5. Em 5/2/2004 a Reclamante apresentou recurso hierárquico, que veio a ser indeferido em 3/1/2008 — fls. 391 e art.° 8 da contestação;
6.Em 17/10/2011, mas por ofício datado de 8/10/2011, a Reclamante foi notificada da penhora de rendas.
Resulta desta forma do probatório que as situações passíveis de possuir efeitos suspensivos e/ ou interruptivos tiveram início em 20/12/1999, pelo que para efeitos de causas de interrupção e de suspensão é aplicável o regime previsto no art. 49º da LGT, nas suas várias redacções, sem prejuízo de se manter aplicável o C.P.T., no que respeita ao quantum do prazo prescricional e ao seu termo inicial.
2. Não se discutindo a aplicabilidade, ao caso, do prazo de 10 anos previsto no CPT, vejamos se esse prazo de prescrição já ocorreu.
Em face do regime da LGT ocorreram os seguintes factos com consequências interruptivas da prescrição:
- Em 20/12/1999 com a citação da reclamante;
- Em 18/2/2000 com a apresentação das reclamações graciosas;
- Em 5/2/2004 com a apresentação do Recurso hierárquico;
Na sentença recorrida foi considerado como primeiro facto interruptivo a instauração da execução em 12/2/2000, mas como já estava em vigor a LTG, segundo a redacção dada ao art. 49º, nºs 1 e 3, pela Lei nº 100/99, de 26 de Junho, a instauração da execução deixou de constituir causa interruptiva do prazo de prescrição.
Assim, o conteúdo dos mencionados preceitos passou a ser o seguinte:
Artigo 49º
«Interrupção e suspensão da prescrição
1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»

Posteriormente, a Lei nº 100/99, de 26/6, alterou os nºs. 1 e 3 deste art. 49º da LGT, os quais ficaram a ter a seguinte redacção:
«1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
Tendo presente o mencionado quadro legal, começando pela dívida de 1992, o início da contagem do prazo de 10 anos inicia-se em Janeiro de 1993 e terminaria em Janeiro de 2002.
Mas, entretanto, o prazo de prescrição interrompe-se com a citação em 20/12/1999.
Como se pode ler, entre outros, no Acórdão deste Supremo Tribunal de 12/8/2009, proc nº 748/2009, “o facto interruptivo inutiliza para a prescrição o prazo decorrido até à sua verificação e o novo prazo só começa a correr com a decisão final (processo de natureza administrativa), a decisão que puser termo ao processo de execução fiscal ou o trânsito em julgado da decisão (processo judicial)- v. artigos 326º, nº 1, e 327º, nº1, do CC.”
Acontece que com a reclamação graciosa, em 18/2/2000, e o recurso hierárquico, em 5/2/2004, surgiram outras causas de interrupção da prescrição, constituindo jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal vazada, entre outros, no Acórdão atrás mencionado, que, sendo anteriores à entrada em vigor da nova redacção do nº 3 do art. 49º da LGT, introduzidas pelo art. 89º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, devem todas elas ser consideradas.
No sentido apontado, pode ler-se, no ponto III do Sumário do Acórdão de 12/8/2009, “A redacção actual do nº 3 do artigo 49º da LGT, estabelecendo expressamente que a interrupção se opera uma única vez, aplica-se apenas aos factos interruptivos verificados após o início da vigência do diploma que introduziu a alteração da norma”.
Ocorrendo a segunda causa de prescrição (reclamação) é eliminado o tempo decorrido deste novo prazo e a prescrição não corre até ao termo do processo, se este não estiver parado, por facto não imputável ao contribuinte, por período superior a um ano, elemento decisivo para a contagem da prescrição (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª ed., 2010, p. 74.).
Com efeito, como ficou consignado no Acórdão de 8/6/2011, proc nº 174/11, no seguimento de jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, “face ao nº 2 do art. 49º da LGT (na redacção da Lei 100/99, de 26 de Julho), a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo teria feito cessar o efeito previsto no nº 1 do mesmo preceito legal, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
No mesmo sentido, pode ler-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, “as causas de interrupção da prescrição que ocorreram antes da alteração ao nº 3 do art. 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte (cfr., entre outros, neste sentido, os acs. deste STA, de 20/10/2010 e 2/3/2011, nos procs. 720/10 e 1038/10, respectivamente”.
Face a este duplo efeito do facto interruptivo (um efeito instantâneo, que determina a inutilização para a prescrição do prazo decorrido até à sua verificação - cfr. o nº 1 do art. 326° do CCivil) e um efeito suspensivo (que determina que o novo prazo só começa a correr após a decisão que puser termo ao processo - cfr. Ibidem, p. 57)”
Aplicando o exposto ao caso em apreço, tendo “as causas de interrupção posteriores à primeira o seu efeito próprio, independentemente de ter ou não ocorrido qualquer outra interrupção”, haveria que ter em conta os efeitos interruptivos ocasionados quer com a reclamação (18/2/2000) quer com o recurso hierárquico (5/2/2004), com o inerente efeito interruptivo.
Assim sendo, além da eliminação do tempo decorrido, a prescrição não decorreria entre 18/2/2000 a 23/12/2003, data do indeferimento da reclamação e 5/2/2004 e 3/1/2008, data do indeferimento do recurso hierárquico.
No caso da paragem do processo por mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte, “a primeira causa interruptiva da prescrição passa a ter efeito suspensivo da prescrição, obstando ao seu decurso entre o momento da instauração do processo e o momento em que se completou esse ano de paragem do processo” (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., p. 76.), e assim sucessivamente.
3. Em face do exposto, voltando à análise da primeira causa de interrupção, a citação em 20/12/1999, por aplicação da jurisprudência e doutrina mencionadas, há que ter em conta o seu efeito interruptivo, consubstanciado quer na eliminação para a prescrição do tempo decorrido desde Janeiro de 1993, quer no impedimento do decurso do prazo da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo à execução, data a partir da qual se começa a contar novo prazo da prescrição (10 anos). Isto só não será assim se o processo de execução esteve parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, situação em que os efeitos interruptivos seriam transmutados em suspensivos (Neste sentido, cfr. o Acórdão do STA proc nº 504/2012, que aborda situação similar.).
Por conseguinte, outra poderá ser a solução se o processo tiver estado parado por facto não imputável ao contribuinte, por período superior a um ano, facto que que não foi tido em conta pelo Mmº Juiz “a quo” nem consta do probatório.
Por outro lado, embora na fundamentação da sentença recorrida se diga, a dado passo, tendo por referência a reclamação, que o processo esteve parado por mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte, nenhuma factualidade se julgou provada quanto a essa matéria.
Por seu turno, alega a Fazenda Pública que “a prescrição interrompeu-se no dia 18/2/2000 com as reclamações graciosas e, com base na mesma causa, esteve suspensa entre aquele dia e 3/1/2008, data do indeferimento do recurso hierárquico, pelo que, na data da penhora de créditos de montante suficiente para extinção da execução só se haviam completado 3 anos, 8 meses e 20 dias do prazo de dez anos de prescrição”.
Ora, a reclamação e o recurso hierárquico só por si não suspendem a contagem do prazo de prescrição, mas apenas quando associado à paragem do processo de execução fiscal, nos termos do disposto no nº 3 do art. 49º da LGT, o que se verifica quando além da dedução da reclamação ou do recurso hierárquico tiver sido prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes par garantira a dívida exequenda e o acrescido.
Como se pode ler no Acórdão do STA de 14/9/2011, proc nº 1010/10, com as necessárias adaptações, porque centrado na impugnação judicial, “Uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de efeito interruptivo da prescrição”.
Acontece que, no caso sub judice, além da omissão quanto a eventual paragem do processo de execução fiscal, também não se percebe qual a relação entre as penhoras referidas no probatório (pontos 6 e 9) e a sua repercussão no processo de execução fiscal.
Em suma, se atentarmos nos factos dados como provados pelo Mmº Juiz “a quo” verificamos que há, efectivamente, um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão da prescrição, não dispondo este Tribunal de recurso de base factual para o decidir.
Com efeito, tendo em conta o quadro jurídico atrás exposto, torna-se necessário apurar se após a citação o processo de execução fiscal esteve parado por facto não imputável ao contribuinte e, se a resposta for positiva, entre que datas. Importa também averiguar se a reclamação e o recurso hierárquico foram ou não acompanhados de prestação de garantia e qual a relação com a penhora de 2004, em especial, saber se esta cobria a totalidade da dívida. Finalmente, também não consta do probatório se a reclamação esteve parada e em que período e o mesmo se diga do recurso hierárquico.
Sobre todas estas questões se imporia que a sentença recorrida emitisse um juízo probatório fundamentado, na ausência do qual este Tribunal não dispõe de poderes para decidir o recurso por o mesmo pressupor uma realidade de facto que não está pré-estabelecida, nem aqui pode estabelecer-se, por carecer de poderes de cognição em sede matéria de facto.
Há assim, um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa, que impõe a necessidade de ampliação da matéria de facto.

III- DECISÃO

Nestes termos acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 729º do CPC, revogar a sentença impugnada, para ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual, de acordo com o que atrás se apontou, assim concedendo provimento ao recurso.

Custas pela recorrida.
Lisboa, 19 de Setembro de 2012. Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.