Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0758/17
Data do Acordão:10/04/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:Atenta a natureza excepcional do recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA, (quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito), não se verificam os respectivos pressupostos se as questões suscitadas não revestem tal relevância e tais características.
Nº Convencional:JSTA000P22334
Nº do Documento:SA2201710040758
Data de Entrada:06/26/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na formação a que se refere o nº 1 do art. 150º do CPTA, da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) em 11/05/2017, no processo que aí correu termos sob o nº 440/14.8BELLE e no qual se negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida no TAF de Loulé, que julgara procedente a impugnação deduzida pela A…………, Lda., contra o acto de inscrição na matriz predial urbana, de imóvel do tipo “Outros”, correspondente ao Aerogerador nº 2 do Parque Eólico de Relva do Lobo e Fonte dos Monteiros.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
i) Visa o presente recurso reagir contra o douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, o qual negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida, tendo considerado em síntese que à míngua do terceiro pressuposto, não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de I.M.I., uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer elemento que compõe o parque eólico, mas apenas em relação a este na sua unidade, atenta a sua finalidade.
ii) É contra tal entendimento que se insurge a ora Recorrente, pretendendo submeter à apreciação desse Colendo Tribunal, questão que se reveste de elevada relevância jurídica e social, e de importância fundamental, cuja admissão é necessária para uma melhor aplicação do direito.
iii) Primeiramente urge referir que, não obstante o CPPT não prever um recurso de natureza semelhante ao estatuído no Art. 150° do CPTA, a Secção de Contencioso Tributário desse STA tem vindo a admitir este tipo de recurso em matéria tributária (v.d. Acórdão de 14.07.2008 no âmbito do Processo: 0410/08, e em sentido semelhante se pronunciaram também os Acórdãos de 15.02.2007, Processo nº 01015/06, de 02.04.2008, Processo nº 01061/07, de 21.05.2008, Processo nº 0128/08 e de 02-07-2008 Processo nº 0173/08).
iv) Neste conspecto, é indubitável que o recurso de revista é admissível em matéria tributária.
v) No que concerne à relevância jurídica e social e à importância fundamental da questão, é entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo que a importância fundamental da questão há-de resultar quer da relevância jurídica quer social, aquela entendida não num plano meramente teórico mas prático em termos de utilidade jurídica de revista, e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular e que, por outro lado, a melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito (veja-se neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 20/05/09, Processo nº 295/09 e de 29.06.2011 Processo nº 0568/11, e Acórdão de 30/05/07, Processo nº 0357/07).
vi) Ora, a questão decidenda subjacente ao presente recurso de revista pretende apreciar uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental, bem como a admissão do presente recurso é necessário para uma melhor aplicação do Direito, nomeadamente, porque a questão tem utilidade jurídica e prática, ultrapassa os limites da situação singular, bem como a melhor aplicação do Direito deve resultar na possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do Direito.
vii) Assim a vexata quaestio, reside em saber se um aerogerador integrado num parque eólico, destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública tem, ou não, valor económico próprio, ou seja, se o referido aerogerador se pode considerar prédio para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).
viii) O Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, entendeu não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de IMI, uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer elemento que compõe o parque eólico, mas apenas em relação a este na sua unidade, atenta a sua finalidade, destarte, entende, a Recorrente, que o acórdão recorrido procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação do Art. 2° do Código do IMI (CIMI) - em clara violação de lei substantiva -, o que afecta e vicia a decisão proferida.
ix) Assim, a questão formulada detém uma enorme relevância jurídica e social e importância fundamental, atendendo à sua relevância prática, ultrapassando inelutavelmente os limites do caso singular, conforme se passa a expor.
x) Desde logo, a sua relevância social, advém do facto de a situação em causa apresentar contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, até porque, está em causa questão que revela especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a casos futuros do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa, em muito, os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
xi) Por outro lado a mesma questão assume também relevância jurídica fundamental, uma vez que a questão a apreciar é de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior à comum.
xii) In casu, o presente recurso é também absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito, uma vez que, o acórdão aqui em crise incorre em erro de interpretação, sendo certo que, o erro de julgamento é gerador da violação de lei substantiva.
xiii) Torna-se assim fundamental a intervenção do STA, na qualidade de órgão de regulação do sistema, como condição para dissipar dúvidas, até porque, a questão ora em crise nos presentes autos é passível de replicação num número indeterminado de casos, existindo, actualmente, muitas centenas de processos a correr nos TAF’s de todo o País tendo por base a matéria aqui em causa, assim como, existem já diversas sentenças desses TAFs com decisões contraditórias, ou seja, algumas a considerar (que) o aerogerador é prédio (para efeitos de IMI) e outras a considerar que não, por falta do elemento de natureza económica.
xiv) Mostra-se assaz pertinente que o órgão de cúpula da justiça administrativa se pronuncie, de forma uniforme, sobre esta matéria, resultando, por isso, claramente necessária a intervenção desse STA, razão por que se crê estarem presentes - no que à questão dos autos concerne - os requisitos necessários à admissibilidade do recurso previsto no art. 150° do CPTA, devendo, por isso, o presente recurso ter seguimento.
xv) Por último, atente-se ainda que o presente recurso é necessário para uma melhor aplicação do direito, estando em causa a violação de lei substantiva, sendo que a melhor aplicação do direito, há-de resultar da possibilidade de repetição, num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito (v.d a este propósito o Acórdão do STA de 30 de Maio de 2007, proferido no recurso n° 0357/07, e ainda Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.6.2010, proferido no recurso n° 296/10).
xvi) Ora, a admissão da revista para melhor aplicação do direito terá lugar, designadamente, e segundo a referida jurisprudência, quando, em face das características do caso concreto, ele revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
xvii) Em face ao exposto, inexistem quaisquer dúvidas, que no caso concreto, se concretizam tais requisitos, desde logo, porque é indubitável que em face das características do caso concreto, a questão é passível de repetição em inúmeros casos futuros, pelo que, a admissão do presente recurso contribuirá, inelutavelmente, para uma melhor aplicação e uniformização do direito (veja-se a este propósito que se encontram pendentes de decisão nos TAFs centenas de processos sobre a mesma matéria com decisões contraditórias).
xviii) Entende, a Recorrente que o acórdão, recorrido para além de proceder a uma errónea apreciação e interpretação do conceito de prédio para efeitos fiscais, em manifesta e clara violação do disposto no Art. 2º do CIMI, enferma de erro de base nas premissas em que escorou a sua fundamentação, sendo, dessa forma, violadora dos princípios constitucionais da justiça, equidade e segurança fiscais.
xix) Com efeito, no tocante à incidência objectiva do IMI, consagra o Art. 2° do CIMI que é considerado prédio qualquer edifício ou construção dotado de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontre implantado, embora situado numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial, afastando-se da noção civilista, ou seja, o Art. 2º do CIMI estabelece um conceito específico para a determinação da incidência do IMI, mais amplo do que o constante no art. 204º do Código Civil (CC) (a este propósito veja-se os entendimentos de Rui Duarte Morais «Sobre o IRS», 2ª edição, Almedina, 2008, p. 116 e NUNO SÁ GOMES in: GOMES, Nuno Sá - Tributação do património. Lições proferidas no 1º curso de pós-graduação em Direito Fiscal na Faculdade de Direito da Universidade do Porto (2004), Coimbra, Almedina, 2005, pág. 12).
xx) Por outro lado, é entendimento generalizado da doutrina sobre a matéria que, para que uma determinada realidade seja considerada prédio para efeitos fiscais, tem de reunir os seguintes elementos: um elemento de natureza física (fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência) - estrutura física; um elemento de natureza jurídica (exigência de que a coisa - móvel ou imóvel - faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva) - patrimonialidade; e um elemento de natureza económica (exigência de que a coisa tenha valor económico em circunstâncias normais) - valor económico.
xxi) O acórdão recorrido deu como verificados, para efeitos de inscrição do aerogerador como prédio na matriz predial, o elemento de natureza física e o elemento de natureza jurídica, não tendo considerado como verificado o elemento de natureza económica, isto, por considerar que um aerogerador, por si só, não tem valor económico, sendo, no entendimento do referido acórdão, um componente do parque eólico, o qual é essencial para injectar na rede pública energia eólica.
xxii) Tal argumento é, no nosso entendimento e salvo o devido respeito, claramente infundado, tendo em conta, a composição do parque eólico, composto por aerogeradores assíncronos (torres eólicas), subestações (edifícios de comando), redes de cabos que ligam os primeiros aos segundos e respectivos acessos, daí que, cada aerogerador é uma unidade independente em termos funcionais, e atendendo à sua natureza, o aerogerador só pode ser qualificado como prédio urbano do tipo "Outros", preenchendo, dessa forma, os requisitos estatuídos no Art. 2º do CIMI.
xxiii) Logo enquanto que uma subestação é uma instalação com um conjunto de equipamentos eléctricos destinados a elevar a tensão da electricidade produzida nas centrais eléctricas para ser transportada em alta tensão ou muito alta tensão para as zonas de consumo, ou, uma vez perto das zonas de consumo, baixar o nível de tensão para a energia eléctrica poder ser distribuída em média tensão, contendo pórticos de onde chegam e partem as linhas de alta e de média tensão, os transformadores de potência e todo o equipamento de alta tensão, bem como os equipamentos auxiliares de protecção, comando e controlo.
xxiv) Um aerogerador não precisa de estar integrado num parque eólico para produzir energia eléctrica, já que entre os aerogeradores de um mesmo parque eólico não existe qualquer ligação.
xxv) Com efeito, um aerogerador é uma unidade de produção de energia eléctrica completamente independente, sendo que, a comprová-lo, está o facto do parque eólico de Doninhas, (entre outros Cadraço (concelho de Tondela); Leiranco (concelho de Boticas); Serra Alta (concelho do Sabugal); Alturas do Barroso (Vila Pouca de Aguiar); Doninhas (concelho de Sever do Vouga), ser constituído por apenas um aerogerador (Cfr. http://www.apren.pt/fotos/editor2/anuario2011.pdf).
xxvi) O que um aerogerador necessita, para colocar a energia que produz na rede, é estar ligado a essa rede, eventualmente através de uma subestação (relembre-se, que a subestação é um prédio já existente, que permite elevar a tensão da electricidade produzida para ser transportada para as zonas de consumo), existindo situações em que a subestação nem sequer integra o parque eólico (veja-se, por exemplo, o caso do parque eólico de Cadafaz II, cujos aerogeradores estão ligados à Subestação de Folques que serve, simultaneamente, os aerogeradores de 5 parques eólicos - Cfr. http://siaia.apambiente.pt/AIADOC/AIA1863/RNT136S.pdf).
xxvii) Por outro lado, sendo certo que, em regra e num primeiro momento, a construção de uma torre eólica tem por finalidade a instalação de uma máquina (aerogerador) para a produção de energia eléctrica, nada impede que a essa mesma construção seja dada uma utilização diferente, a título exemplificativo chamam-se à colação os tradicionais moinhos de vento, que se destinavam, aquando da sua construção, à moagem de cereais, e que, com o advento da industrialização se tornaram obsoletos, sendo, agora, utilizados para os mais diversos fins, entre eles, o turismo de habitação.
xxviii) Também as torres eólicas podem ser dadas diversas utilizações, como resulta, por exemplo, daquela que se projectou para um parque eólico localizado na Dinamarca, que se poderá transformar num parque de diversões. (Cfr. http://p3.publicQ.pt/actualidade/ambiente/19041/um-parque-de-eolicas-transformado-num-parque-de-diversoes).
xxix) Perante estes factos, é por demais evidente que os aerogeradores, individualmente considerados e em circunstâncias normais, têm valor económico próprio, já que não dependem de outros aerogeradores para cumprir a sua função.
xxx) Aliás, cada aerogerador e cada subestação são unidades independentes em termos funcionais, pelo que, para efeitos do Art. 2° do CIMI, são prédios.
xxxi) Por outro lado, nos termos do Art. 203º do CC, as coisas podem ser, entre outras, móveis ou imóveis, simples ou compostas e, de acordo com art. 206º do mesmo Código, é havida como coisa composta ou universalidade de facto, a pluralidade de coisas móveis que, pertencendo à mesma pessoa, têm um destino unitário (v.d. a este propósito MENEZES CORDEIRO, in Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral Tomo II, Coisas, 2ª edição, 2009, páginas 162 a 166).
xxxii) Assim, tendo como objectivo a produção de energia eléctrica a partir do vento, isto é, ao aproveitamento da energia eólica, o parque eólico é composto por aerogeradores, sendo estes constituídos por três componentes assentes sob uma sapata de betão: a torre (estrutura tubular), a “nacelle” ou cabine (compartimento onde ficam instalados o gerador e os sensores de velocidade e direcção do vento) e 3 pás que giram conforme a velocidade do vento.
xxxiii) Estamos, assim, perante uma construção que, semelhantemente ao tradicional “moinho de vento”, foi construída para aproveitamento do vento e sua transformação em energia, logo, atendendo às definições de coisa simples e composta e, às realidades físicas em causa, é possível inferir que - contrariamente ao raciocínio sufragado no acórdão recorrido - cada aerogerador constitui uma unidade independente e possui valor económico e isto porque, cada aerogerador admite um único direito e opera como uma unidade, tratando-se de coisa simples, que abrange uma coisa com várias peças que perderam autonomia com a sua junção, com vista à prossecução de um fim unitário: a produção de energia eléctrica.
xxxiv) Em suma, cada aerogerador (“coisa simples” formada pela junção dos seus componentes: sapata de betão, torre, cabine e pás), constitui uma unidade funcional independente (dado que o aproveitamento energético do vento pode ser efectuado por uma só unidade); e o parque eólico, com os seus elementos e estruturas principais (torres eólicas, redes de cabos, acessos e edifício de comando) constitui uma “coisa composta”, isto é, engloba várias “coisas simples”, pertencentes à mesma pessoa e com um destino unitário, embora possa ser objecto de actos jurídicos unitários.
xxxv) Logo, para efeitos de subsunção ao conceito de prédio ínsito no Art. 2º do CIMI, cada aerogerador tem que ser considerado como realidade distinta, daí que à revelia do acórdão recorrido, os aerogeradores devem ser qualificados como prédios, de acordo com o disposto no art. 2° do CIMI, constituindo realidades físicas distintas ou autónomas dos terrenos em que se encontram implantadas, as quais possuem, claramente, valor económico.
xxxvi) Recorta-se assim, o preenchimento dos requisitos estatuídos na lei, para o aerogerador ser considerado como prédio para efeitos fiscais, incluindo o elemento económico, não considerado pelo acórdão a quo.
xxxvii) Quanto ao elemento de natureza económica, o acórdão sufragou que o mesmo não se encontra verificado por o aerogerador pertencer a um parque destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não se verificando, no entendimento do referido acórdão, o requisito da existência do valor económico em relação a cada um dos aerogeradores, mas apenas em relação ao parque na sua unidade, atenta a sua finalidade.
xxxviii) Como é consabido, o elemento económico tem como premissa que determinado bem, em circunstâncias normais, tenha valor económico, independentemente da susceptibilidade de produzir ou não rendimento, pelo que, o aerogerador é uma unidade claramente independente em termos funcionais do parque eólico, com autonomia e valor económico, o qual se traduz na susceptibilidade gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades para o seu titular (cfr. os entendimentos de Vasco Branco Guimarães in sobre o conceito fiscal de prédio. Estudo feito por ocasião da Comemoração do L aniversário do centro de Estudos Fiscais, aplicado na Ciência e Técnica Fiscal n° 433 pag. 180, NUNO SÁ GOMES (in “Os conceitos fiscais de prédio" - CTF e Caderno CTF n° 54 de 1967 pag. 120, J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas in: Os impostos sobre o património imobiliário - Anotados e Comentados” de, 1ª Edição - Engifisco - 2005, pag. 102 e ALFARO, Martins - O conceito de prédio no IMI e algumas contradições normativas. [Consult. 15 de Mar. 2013 Disponível em www.doutrina.net/p/revistadedoutrinatributária rd+11/conceitoprédioimi.htm e MATEUS, J. Silvério; FREITAS, L Corvelo - Os impostos sobre o Património Imobiliário - O Imposto de Selo. Lisboa: Engifisco, Lda., 2005, pp. 101-102.).
xxxix) Ora, a presença do elemento económico resulta do facto de o bem possuir, em circunstâncias normais, valor económico, independentemente da susceptibilidade de produzir ou não rendimento, sendo que este valor económico parece estar ligado intimamente ao preço de mercado, ou seja, é um valor expresso em moeda que se afere com objectividade e para cuja formação concorrem o valor de uso e o valor de troca, valores estes, eminentemente sociais e que se influenciam mutuamente.
xl) No Parecer nº 12/2008, de 2008-01-28, do Centro de Estudos Fiscais (CEF), da Jurista Helena Baptista Ferreira, pugna-se que: «o elemento de natureza económica do conceito de prédio também se encontra preenchido na medida em que todas as construções apresentam um valor económico».
xli) Conforme tem sido entendido pela jurisprudência, integra o conceito de prédio: um móvel designado por caravana tipo residencial, roulotte, assente no solo, com carácter de permanência, para efeito da incidência de tributação em Contribuição Autárquica (v.d. Supremo Tribunal Administrativo - Proc. nº 025292, de 11/10/2000; Proc. nº 025699 de 24/01/2001. Proc. nº 026016, de 30/05/2001; Proc. nº 026601, de 12/12/2001).
xlii) Resulta dos autos, o preenchimento do elemento económico através da licença emitida pela Direcção-Geral de Energia e Geologia, em 2012.
xliii) Logo, verifica-se que um aerogerador possui valor económico de per se, por força da sua natureza intrínseca e individual, bem como pela função que desempenha no conjunto, no parque eólico, traduzindo-se na susceptibilidade do aerogerador gerar rendimentos, através da comercialização da energia gerada com o parque eólico ou outro tipo de utilidades para o seu titular.
xliv) Logo, o aerogerador deve ser qualificado como prédio, de acordo com o disposto no Art. 2° do CIMI, constituindo uma realidade física distinta ou autónoma do terreno em que se encontra implantado, possuindo valor económico.
xlv) Neste contexto, seja qual for a perspectiva sob a qual seja analisado se «em circunstâncias normais» um aerogerador tem valor económico, seja pela óptica da susceptibilidade de geração de fluxos de rendimento, seja pela utilidade esperada da sua exploração ou fruição ou, ainda, pelo óptica do mercado, é inegável, que se está perante uma estrutura física apta a produzir um bem (energia) da qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros.
xlvi) Aliás, é por reunir estas características que é classificada, contabilisticamente, como um activo [cfr. definição do §49 da Estrutura conceptual do Sistema de Normalização Contabilística (SNC)].
xlvii) Donde resulta que um aerogerador, por si só e em circunstâncias normais, é um bem que tem valor económico susceptível de expressão monetária, seja qual for a perspectiva de análise - o mercado, a utilidade económica potencial ou os fluxos rendimento esperados - por conseguinte, preenche todas os requisitos legais que habilitam à qualificação como prédio para efeitos da incidência do IMI.
xlviii) Importa acrescentar, que se a utilidade da torre de um aerogerador é, nas circunstâncias normais atuais, a de servir de suporte aos equipamentos de produção de energia, isso não obsta a que finda essa funcionalidade, não possa, também em circunstâncias normais, no futuro, ter outro aproveitamento ou afectação, mantendo valor económico, tal como se verificou noutras realidades prediais do passado (e.g., moinhos de vento, actualmente convertidos em museus ou afectos a habitação).
xlix) Ao contrário do que é defendido no acórdão recorrido, a construção em que se consubstancia um aerogerador não é classificável como uma componente de um prédio correspondente ao “parque eólico”, antes, é uma realidade física e económica completa, que desempenha autonomamente uma função produtora, portanto, dotada de valor económico, e aliás, mesmo na perspectiva contabilística, o “parque eólico" não é tratado individualmente como um activo.
l) Daí que, não se vislumbra que tipo de paralelismo possa ser estabelecido entre, por um lado, as partes integrantes de um edifício, como sejam as portas e janelas, e, por outro, um aerogerador e o “parque eólico" em que se encontra inserido, tanto mais, que o referido parque pode reconduzir-se a um único gerador.
li) As estruturas que, no âmbito de um “parque eólico” têm como função a conversão da potência da energia eléctrica produzida pelo aerogerador e a sua injecção no ramal da rede pública de energia eléctrica, desempenham funções complementares da função nuclear que é a produção, pelo que considerar que, em circunstâncias normais, um aerogerador integrado num parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não tem valor económico próprio, é esvaziar a dimensão económica da actividade desenvolvida na fase nuclear - a produção - do circuito económico da energia.
lii) Sendo a actividade de produção de energia eólica em tudo semelhante à da produção de outros tipos de energia renovável, certamente a ninguém ocorreria afirmar que uma barragem hídrica não tem, em si mesma, valor económico.
liii) Ao contrário do que é sustentado no acórdão recorrido, não é o “parque eólico” que é remunerado, o que é objecto de venda nos termos do Decreto-Lei n° 33-A/2005 de 16.02 (que alterou o Decreto-Lei nº 339-C/2001, de 29.12), é a electricidade produzida por cada centro produtor (aerogerador), cujo volume e valor depende do número de aerogeradores concentrados em cada local designado por “parque eólico”.
liv) Jurisprudência igualmente relevante para o caso em apreço é a vertida por esse Colendo Tribunal de 2011-10-19, no âmbito do processo nº 0351/11 e mais recentemente, no estudo elaborado por Vasco Branco Guimarães (in sobre o conceito fiscal de prédio, Estudo feito por ocasião da Comemoração do L aniversário do centro de Estudos Fiscais, publicado na Ciência e Técnica Fiscal, nº 433 pag. 201).
lv) Resulta, assim, que o acórdão a quo procede a uma errada interpretação do disposto no Art. 2º do CIMI, na medida em que, como demonstrado, um aerogerador preenche todos pressupostos legais (elementos jurídico, físico e económico) para ser considerado como prédio parta efeitos fiscais.
lvi) O entendimento propugnado no acórdão recorrido enferma ainda de um erro nas suas premissas, ofendendo, claramente, os mais basilares princípios constitucionais da equidade, justiça e segurança fiscais, na medida em que aquilatou que o aerogerador integrado num parque eólico não tem valor económico próprio: entendendo, pelo contrário, que é no próprio parque eólico que se encontra a manifestação da capacidade contributiva que releva a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico, e não o aerogerador, que é remunerado e objecto de tributação.
lvii) Todavia, perguntar-se-á, então, de que modo é que o entendimento vertido no acórdão é compaginável com um parque eólico que é constituído por um único aerogerador? É o aerogerador considerado como parque eólico e, por essa via, sujeito a inscrição e posterior tributação?
lviii) Mas mais, seguindo o ideário argumentativo vertido no acórdão recorrido, e considerando que apenas o parque eólico deve ser objecto de tributação, uma vez que apenas aquele preenche os requisitos para ser qualificado como prédio para efeitos de IMI, perguntar-se-á de que modo tal entendimento é compaginável com parques eólicos que se encontram inseridos em vários Concelhos, cuja taxa de IMI é claramente díspar em todos eles? Qual, então, a taxa a aplicar? E como se tributa e inscreve tal realidade na matriz? Apenas num Concelho? Onde se encontrem situados o maior número de componentes? Através de um sistema de rotatividade?
lix) Neste desiderato, salienta-se que o entendimento preconizado no acórdão recorrido, o qual entende que a realidade a inscrever e tributar para efeitos de IMI é o parque eólico e não cada um dos componentes que o compõem, é claramente violador dos princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscal.
lx) Por fim, refira-se, que o entendimento vertido pela Recorrente é transversal em países da União Europeia, desde logo e a título meramente exemplificativo veja-se o caso de Espanha, no qual os parques eólicos são tributados em sede de Impuesto sobre Construcciones, Instalacionesy Obras (Inclusión en la base imponible del valor de las placas solares o de los aerogeneradores), e em sede de BICES (Impuesto sobre Bienes Inmuebles de Características Especiales, antes IBI, e de igual modo, no ordenamento jurídico francês, La cotisation foncière des entreprises (CFE) constitui um imposto baseado em valores de aluguer propriedade a que os parques eólicos se encontram sujeitos.
lxi) Neste desiderato, não pode deixar de se afirmar que o aerogerador reúne todos os requisitos legais para que seja qualificado como prédio para efeitos das normas de incidência em sede de IMI, razão pela qual o acórdão procede a uma errada interpretação e apreciação do Art. 2° do CIMI, colidindo, tal entendimento, com os princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscais.
Termina pedindo:
. a admissibilidade do presente recurso de revista por se encontrarem preenchidos os requisitos elencados no Art. 150º do CPTA;
. o provimento do recurso, pois o entendimento preconizado pelo Acórdão do TCAS, para além de se afastar da mens legislatoris, viola lei substantiva vertida no aludido Art. 2º do CIMI, colidindo com os princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscais.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal emitiu o seguinte Parecer:
«1. O presente recurso vem interposto do acórdão do TCA Sul de 11/05/2017, exarado a fls. 308 e seguintes dos autos, o qual julgou improcedente o recurso interposto da sentença do TAF de Loulé que julgara procedente a acção administrativa especial intentada contra o ato de indeferimento de reclamação, por sua vez apresentada contra o ato de inscrição na matriz de um aerogerador, classificado como prédio na espécie de "outros", por parte do Serviço de Finanças.
Considera a recorrente que se impõe a intervenção do STA, atenta a relevância jurídica e social da questão e a necessidade de uma melhor aplicação do direito, dada a pendência de centenas de casos nos tribunais tributários, cuja apreciação não tem sido uniforme.
Entende a Recorrente que o acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artigo 2º do CIMI, ao adotar o entendimento de que a realidade em causa – aerogerador - não reunia os requisitos para ser classificado como prédio, só podendo ser classificado como tal o "parque eólico" de que aquele faz parte.
E termina pedindo a revogação do acórdão do TCA Sul.
2. A questão que a Recorrente pretende ver apreciada consiste em saber se um "aerogerador" integrado num parque eólico, destinado a injectar energia eléctrica na rede pública tem, ou não, valor económico próprio de forma a ser considerado "prédio" para efeitos de imposto municipal sobre imóveis (IMI).
Não subsistem dúvidas que estamos perante questão de relevante valor jurídico e social, atenta a proliferação de instalação de parques eólicos em Portugal, na sequência do forte investimento na energia eólica, sendo certo que a questão, pela capacidade de expansão da controvérsia, tem a possibilidade de se repetir num número indeterminado de casos, ultrapassando, assim, os contornos da situação singular dos autos.
E certo que tanto as instâncias [(1) Cfr. Acórdão do TCA Sul de 26/01/2017, proc. n° 516/5.4BELLE, do mesmo relator], como o próprio STA já se pronunciaram sobre esta mesma questão e no sentido propugnado no acórdão recorrido - cfr., acórdãos do STA de 15/03/2017, proc. nº 0140/15, e de 07/06/2017, proc. n° 01417/16.
Também se nos afigura certo que tal facto não é por si suficiente para afastar o interesse na apreciação da questão em sede de revista. Todavia e aparentemente a jurisprudência do STA vertida nos dois arestos supra referidos parece ser pacífica.
É o que transparece do acórdão do STA de 28/06/2017, proc. 0321/17, que entendeu não se mostrarem reunidos os requisitos de admissão da revista em situação similar, do qual respigamos a seguintes fundamentação:
“Ora, para além de, como se disse, o recurso de revista excepcional de revista não ter como finalidade directa a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional, no caso, também não se verificam as alegadas vicissitudes em que a Fazenda faz assentar a admissibilidade da revista: por um lado, a interpretação legal preconizada na sentença do TAF de Loulé e no recorrido acórdão do TCA Sul, igualmente tem vindo a ser reafirmada quer pelo STA, conforme se pode constatar dos acórdãos aqui proferidos em 15/3/17, no proc. n° 0140/15 e de 7/6/17, no proc. n° 01417/16, quer em outros arestos do TCA (referenciados nos autos) - aqui claudicando, pois, a alegação do MP quanto à novidade desta questão, bem como quanto à doutrina que aparentemente sustentaria o sentido de que o aerogerador se integra no conceito de prédio - e, por outro lado, não se vê que a questão se configure como de relevância jurídica fundamental, pois que nem é de elevada complexidade jurídica ou de complexidade jurídica superior ao comum (em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, com necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos), nem se vislumbra que a respectiva apreciação revista complexidade hermenêutica determinante para a admissão da revista excepcional.
Conclui-se, em suma, que não se preenchem os requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional (art. 150° do CPTA) que, assim sendo, não pode ser admitido”.
Afigura-se-nos, assim, que em face da aparente consolidação da mesma jurisprudência nas instâncias e no STA sobre a questão em causa, não só a importância que a Recorrente atribui à mesma terá ficado esvaziada, como a sua admissão não se revela necessária em razão de uma melhor aplicação do direito».

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Nos termos do disposto no nº 6 do art. 663º do CPC dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o probatório constante do acórdão recorrido (fls. 308/323).

3.1. Por decisão proferida no TAF de Loulé foi julgada procedente a impugnação deduzida pela A…………, Lda., contra o acto de inscrição na matriz predial urbana, de imóvel do tipo “Outros”, correspondente ao Aerogerador nº 2 do Parque Eólico de Relva do Lobo e Fonte dos Monteiros.
A Fazenda Pública interpôs dessa decisão recurso para o TCA Sul onde, por acórdão de 11/5/2017 (fls. 308 a 323), foi negado provimento a tal recurso, com fundamento, no essencial, em que o acto impugnado enferma do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, uma vez que não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de IMI.
A mesma entidade (Fazenda Pública) interpõe agora para o STA este recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, alegando que o acórdão recorrido procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação do art. 2° do CIMI, ao adoptar o entendimento de que a realidade em causa – aerogerador - não reúne os requisitos para ser classificado como prédio (“outros”), só podendo ser classificado como tal o "parque eólico" de que aquele faz parte, e que, por isso, se verificam os requisitos de admissibilidade desse recurso, atenta a relevância jurídica e social da questão e a necessidade de uma melhor aplicação do direito, dada a pendência de centenas de casos nos tribunais tributários, cuja apreciação não tem sido uniforme.
Há, então, que apreciar se o recurso é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos no próprio art. 150º do CPTA, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

3.2. Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema».(Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss.)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito,(Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.) também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo caber, em princípio, ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

3.3. No caso, afigura-se-nos que não estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional, como, aliás, já se entendeu nos acórdãos proferidos por esta mesma formação, em 28/06/2017 e em 13/09/2017, nos recursos de revista excepcional nº 0321/17 e 0543/17, onde análogas questões foram colocadas ao STA para (re)apreciação, com idêntica justificação.
Como ali se deixou salientado, para além de o recurso de revista excepcional não ter como finalidade directa a eliminação de meros «erro de julgamento em que porventura tenham caído as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional, no caso, também não se verificam as alegadas vicissitudes em que a Fazenda faz assentar a admissibilidade da revista: por um lado, a interpretação legal preconizada na sentença (…) e no recorrido acórdão (…), igualmente tem vindo a ser reafirmada quer pelo STA, conforme se pode constatar dos acórdãos aqui proferidos em 15/3/17, no proc. nº 0140/15 e de 7/6/17, no proc. nº 01417/16, quer em outros arestos do TCA (…), e, por outro lado, não se vê que a questão se configure como de relevância jurídica fundamental, pois que nem é de elevada complexidade jurídica ou de complexidade jurídica superior ao comum (…), nem se vislumbra que a respectiva apreciação revista complexidade hermenêutica determinante para a admissão da revista excepcional.».
E com referência às reticências do MP, o que se observa é que, no essencial, se mantém a argumentação da recorrente, no que respeita às razões discordantes da interpretação legal sufragada na apontada jurisprudência.
Sendo que, como se disse, o recurso excepcional de revista não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso e não pode ser utilizado para a imputação de erros de julgamento ao aresto recorrido sem a verificação dos ditos requisitos previstos no art. 150º do CPTA.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista excepcional, por se considerar que não estão preenchidos os pressupostos a que se refere o n° 1 do artigo 150º do CPTA.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 4 de Outubro de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.