Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0712/17
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22682
Nº do Documento:SA2201712130712
Data de Entrada:06/09/2017
Recorrente:CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. Caixa Económica Montepio Geral interpôs, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ação administrativa especial do despacho de indeferimento, proferido pela Subdiretora-Geral dos Impostos, por subdelegação, em 19/11/2013, que recaiu no pedido de isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), relativo ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ………, concelho de Amadora, sob o artigo n.º 2182 fração “C”, peticionando a sua revogação/anulação.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 11/02/206 (fls. 169/179), julgou improcedente, por não provada, a ação administrativa especial.
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1.3. A autora recorreu jurisdicionalmente para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 09/02/2017 (fls. 254/278), negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.
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1.4. É dessa decisão que a recorrente vem, nos termos do artigo 150.º do CPTA, requerer a admissão do recurso, terminando as suas alegações com o seguinte o quadro conclusivo:
«1. O presente recurso versa sobre uma questão que reveste importância fundamental, quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social, pois que,
2. Tendo em conta o número de PCUP existentes em Portugal, a questão controvertida, sendo aplicável a toda e qualquer PCUP, tem a virtualidade de se repetir em inúmeras ações.
3. Sendo ainda a admissão do Recurso – e consequente intervenção deste Venerando Supremo Tribunal – claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, visto que
4. Urge decidir quanto à (in) aplicabilidade da al. d) do n.º 1 da Lei 151/99 ao pedido de isenção de IMl no qual se fundam os presentes autos, tendo em conta, nomeadamente, o disposto no n.º 1 do artigo 28.º e nos n.ºs 1 e 6 do artigo 31.º ambos do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11,
5. Firmando-se jurisprudência quanto à aplicação da alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99 de 14 de setembro e/ou da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF;
6. Acresce que, o douto Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, que é muito, procede a uma errada aplicação do Direito,
7. Não se conformando a Recorrente com a tese segundo a qual a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99 apenas tinha aplicação no âmbito da então Contribuição Autárquica, sendo que, no caso dos autos, o tributo em causa é o IMl, ao qual será aplicável exclusivamente a norma constante do EBF.
Na verdade,
8. Aquando da aprovação do denominado Código do IMI, aprovação esta feita através do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, foi o EBF expressamente alterado, tendo sido opção expressa e inequívoca do legislador constante do artigo 10.º deste diploma, apenas alterar os artigos 41.º 42.º 45.º, tendo ainda aditado o artigo 40.º-A deixando inalterado o então artigo 40.º hoje correspondente ao artigo 44.º, todos do EBF.
9. Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, nos textos legais onde seja referida a contribuição autárquica, deverão os mesmos ser tidos como referentes ao imposto municipal sobre imóveis,
10. Acrescentando ainda o artigo 31.º, n.º 6 daquele diploma legal que se mantêm em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMl”.
11. Sublinha-se ainda o facto de, a norma que, nesta data, consta na alínea e) do artigo 44.º do EBF, se ter mantido inalterada desde o seu surgimento, em 1989, no então artigo 50.º, aprovado pelo Decreto-Lei n. 215/89, de 1 de julho, sendo certo que a Lei por cuja aplicabilidade pugna a Recorrente data de 1999.
12. Ora, se a disposição legal do EBF arredasse a aplicabilidade da norma constante na Lei n.º 151/99, por que motivo teria esta última surgido, quando aquela – do EBF – lhe é anterior?
13. Do exposto, forçoso será concluir, contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal “a quo” que, não foi a alínea e) do artigo 44.º do EBF que veio arredar aplicação da alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, mas sim exatamente o contrário.
14. Ou seja, e de acordo com o disposto nos artigos 28.º n.º 1 e 31.º, n.ºs 1 e 6 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, a isenção prevista na alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro, encontra-se em vigor, aplicando-se expressamente ao IMl.
15. Aferida que fica a disposição legal aplicável, cumprirá esclarecer o que deverá ser entendido por “prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários”,
16. Sendo assente, conforme supra se demonstrou, que qualquer interpretação efetuada deverá ter sempre em linha de conta a expressa vontade do legislador em não exigir uma afetação direta àqueles fins.
17. Ora, analisando a evolução histórica dos tributos que, ao longo do tempo, oneraram e oneram a propriedade e titularidade de bens imóveis, verificamos que, já no âmbito da Contribuição Predial se considerava que os rendimentos produzidos por bens imóveis, ao financiarem os fins da respetiva PCUP, integravam a previsão de “destinados à realização dos seus fins estatutários”.
18. Sendo ainda assente que, em termos de IMT, a Autoridade Tributária, considerada que um imóvel se destina aos fins diretos e imediatos de uma PCUP quando o mesmo se destine a gerar rendimentos para financiar essa mesma PCUP.
19. Em tal sentido vai, igualmente, o próprio Acórdão Recorrido, quando refere que “Já quando são os rendimentos do prédio que estão afetos a utilidade pública da pessoa coletiva, a relação entre o prédio e os fins de utilidade pública não é direta, mas indireta”.
20. Ou seja, o próprio Tribunal ad quem advoga que, a afetação dos rendimentos gerados por um imóvel aos seus fins de utilidade pública, consubstanciará já uma afetação aos fins da pessoa coletiva, não em termos diretos, como exigido pelo artigo 44.º do EBF, mas em termos indiretos, conforme se basta a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99.
21. Assim, forçoso será concluir que, não exigindo o legislador a afetação direta dos prédios, a isenção cujo reconhecimento foi requerido abrange não só os prédios que servem de instalações próprias, mas também aqueles que geram rendimentos às PCUP, tudo com vista a uma interpretação harmoniosa das normas fiscais, nomeadamente as isentivas,
22. Não devendo ser dadas interpretações diferentes a conceitos iguais, consoante o tributo ou imposto que esteja em causa, sob pena de violação do princípio da igualdade, na sua vertente de proibição de tratamento diferente de situações iguais, sob pena de essa mesma interpretação ser inconstitucional, o que desde já se alega e argui para todos os legais efeitos.
23. Encontra-se assente que a ora Recorrente, Caixa Económica anexa ao Montepio Geral – Associação Mutualista, IPSS, foi declarada PCUP por despacho do Primeiro-Ministro, datado de 08/10/1991;
24. Nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 136/79, de 18 de maio, que vigorava à data dos factos, as Caixas Económicas estão/estavam legalmente impedidas de adquirir ou possuir imóveis que não fossem “necessários às suas instalações próprias, salvo quando lhes advenham por efeito de cessão de bens, dação em cumprimento, arrematação ou qualquer outro meio legal de cumprimento de obrigações ou destinado a assegurar esse cumprimento, devendo, em tais casos, proceder à respectiva liquidação no prazo de três anos.” (artigo 18.º n.º 1).
25. No caso dos autos, o imóvel sobre o qual recaiu a decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI, foi adquirido por dação em cumprimento, ou seja, foi adquirido em reembolso de crédito próprio.
26. O que, por si só, manifestamente comprova que a detenção de tal prédio visa a realização dos fins estatutários da Recorrente.
Assim,
27. Provada que está a afetação do imóvel identificado nos autos aos seus fins estatutários,
28. Provada que está também a qualidade de Pessoa Coletiva de Utilidade Pública da recorrente, por declaração publicada em Diário da República,
29. E encontrando-se vigente e a produzir efeitos a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro,
30. Estão reunidos os pressupostos de aplicabilidade daquela isenção relativa ao IMI, devendo tal benefício ser concedido, sem mais, à ora Recorrente. Pois que,
31. Da análise às sucessivas alterações, quer à Lei n.º 151/99, quer ao EBF, quer ainda à Contribuição Autárquica, cujo nome foi alterado para IMI, pois que a sua ratio se mantém inalterada, resulta, a vontade expressa e inequívoca do legislador, em conceder e manter aquele referido benefício para as pessoas coletivas de utilidade pública, não sendo exigida a afetação direta aos fins estatutários.
Face ao exposto,
32. Deverá a decisão recorrida ser substituída por decisão que condene a Recorrida na prática do ato devido, isto é, a proferir decisão de deferimento do pedido de isenção de IMI apresentado pela Recorrente em relação ao imóvel identificado nos autos.».
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1.5. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.6. Por acórdão de 05/07/2017 (fls. 306/313), foi admitida a revista.
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1.7. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«Questões decidendas:
1ª Aplicação da norma de isenção de Contribuição Autárquica (CA) constante do art.1º al. d) Lei nº 151/99, 14 setembro à aquisição onerosa de imóvel por pessoa colectiva de utilidade pública, em data posterior à revogação do Código da Contribuição Autárquica, (CCA)
2ª Interpretação da norma constante do art. 44º nº 1 aI. e) EBF, por forma a determinar o sentido da expressão prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins
O recente acórdão STA-SCT 22.02.2017 processo nº 1658/15, proferido em julgamento ampliado do recurso (art. 148º CPTA), pronunciou-se sobre as questões decidendas nos seguintes termos:
1ª Questão
A isenção prevista no art. 1º al. d) Lei nº 151/99, 14 setembro mantém-se em vigor e abrange apenas os prédios urbanos pertencentes a pessoas colectivas de utilidade pública, destinados à realização dos fins estatutários, carecendo de reconhecimento pelo órgão competente da administração tributária, na sequência de pedido expresso formulado pelo interessado
A pronúncia funda-se nas seguintes premissas argumentativas:
-a Lei nº 151/99,14 setembro estabelece um regime especial de isenção de CA, distinto daquele que se encontrava plasmado no art. 40º nº 1 a EBF (numeração e redacção originárias, conferidas pelo DL 215/89, 1 julho):
-abrangendo apenas prédios urbanos;
-dependendo do reconhecimento casuístico pelo órgão competente da administração tributária, na sequência de pedido expresso formulado pelo interessado;
-este regime especial perdurou na vigência do CCA e prolongou-se pela vigência do CIMI, nos termos do art. 28º nº 1 DL nº 287/2003,12 novembro (diploma de aprovação do CIMI);
-em consequência, a norma de isenção constante do art. 1º a Lei nº 151/99, 14 setembro não deve considerar-se revogada, segundo qualquer dos critérios hermenêuticos legalmente estabelecidos (art. 7º nº 2 CCivil)
2ª Questão
A segunda questão decidenda enunciada foi resolvida com pronúncia de extrema singeleza: o prédio em causa nestes autos não é enquadrável no grupo daqueles que se encontram directamente afectos aos fins estatutários da autora
Por isso justifica-se fundamentação autónoma do Ministério Público, expressa no seguinte
Argumentário
1º Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, superiores aos da própria tributação que impedem (art. 2º nº 1 EBF);
2º Constituindo derrogação ao princípio da tributação universal do rendimento e do património, as normas que estabelecem benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitindo a interpretação extensiva quando o legislador se exprimiu com formulação que resulte numa injustificada restrição da extensão pretendida para o benefício fiscal (art.10º EBF);
3º A similitude entre a expressão que define o requisito da isenção da CA prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários (art. 1º al. d) Lei nº 151/99,14 setembro) e a expressão que define o requisito homólogo de isenção do IMI prédios destinados directamente à realização dos seus fins (art. 44º nº 1 al. e) EBF) revela que legislador não pretendeu alterar o objectivo do benefício fiscal: facilitação da realização dos objectivos de interesse público prosseguidos pelas pessoas colectivas beneficiárias;
4° A norma constante do art. 44º nº 1 al. f) EBF estabelece uma isenção de natureza subjectiva, incidente sobre todos os prédios de que as misericórdias sejam proprietárias, independentemente da sua destinação directa à realização dos fins que prossigam;
5º A clara distinção na redacção das normas de isenção confinantes permite afirmar que, na formulação da norma interpretanda (art. 44º nº 1 al. e) EBF) o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados; em consequência, deve recusar-se interpretação extensiva que contemple no âmbito da isenção prédios não destinados directamente à realização dos fins das pessoas colectivas, embora geradores de rendimentos afectados ou susceptíveis de afectação àqueles fins;
6º Para a exclusão do benefício com a extensão pretendida pela recorrente não será alheio o facto de a volatilidade dos fluxos financeiros resultantes dos rendimentos tornar difícil o controlo pela administração tributária da sua aplicação na realização dos fins das pessoas colectivas beneficiárias;
7º A recorrente não apresentou o requerimento de concessão do benefício fiscal acompanhado de certidão ou cópia autenticada de deliberação dos órgãos sociais de onde conste expressa e concretamente o destino do imóvel ou dos rendimentos resultantes da sua alienação ou arrendamento;
8º Contrariamente à alegação da recorrente, a interpretação propugnada não viola a coerência interna do sistema jurídico, antes se articula harmoniosamente com o regime de isenção paralela de IMT;
-prédios adquiridos por pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, de mera utilidade pública, IPSS e entidades legalmente equiparadas, destinados direta e imediatamente à realização dos seus fins estatutários (art. 6º als. d) e e) CIMT);
-comprovação dos pressupostos da isenção por apresentação de certidão ou cópia autenticada da deliberação sobre a aquisição onerosa dos bens, da qual conste expressa e concretamente o destino destes (inexistente no caso concreto) (art.10º nº 2 al. b) CIMT)
A conjugação das premissas argumentativas antecedentes permite extrair a conclusão de que a norma de isenção deverá ser interpretada por forma a excluir da incidência do benefício os prédios que não sejam destinados directamente à realização dos fins das pessoas colectivas, embora constituam fonte de rendimentos concretamente afectados ou suceptíveis de afectação àqueles fins. O recurso merece provimento parcial.
A decisão de inaplicação da norma de isenção constante do art. 44º nº 1 al. e) EBF deverá ser confirmada.
-A decisão de inaplicação da norma de isenção constante do art. 1º aI. d) Lei nº 151/99,14 setembro deve ser revogada e substituída por decisão que condene o órgão competente da administração tributária à apreciação do pedido formulado de isenção do IMI, nos termos do art. 1º al. d) Lei nº 151/99,14 setembro».
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Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. Na decisão recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
«A. A Autora, Caixa Económica Montepio Geral, integra -se no Montepio Geral - Associação Mutualista - cfr. cópia parcial dos Estatutos, a fls. 39 a 41;
B. Por despacho do Primeiro-Ministro de 08.10.1991, publicado no Diário da República, nº 243, ll Série, de 22.10.1991, a Caixa Económica de Lisboa, anexa ao Montepio Geral, foi declarada pessoa colectiva de utilidade pública - cfr. documento a fls. 42 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido;
C. Em 02.05.2013, a Autora adquiriu, no Cartório Notarial de ………, em Lisboa, a fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente a cave do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ………, nºs …… e ……, freguesia da ………, concelho de Amadora, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 2182º - cfr. requerimento a fls. 16 e 17 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido;
D. Em 10.05.2013, a Autora apresentou um requerimento junto do Serviço de Finanças de Amadora 2, pedindo o reconhecimento oficioso da isenção de IMI relativamente ao prédio referido na alínea antecedente, ao abrigo da alínea d) do artigo 1º da Lei nº 151/99, de 14 de Setembro e da alínea e) do nº 1, da alínea b) do nº 2 e o nº 4 do artigo 44º do EBF - cfr. fls. 16 a 18 dos autos;
E. Por ofício datado de 27 de Maio de 2013, o Serviço de Finanças de Amadora 2 notificou a Autora do projecto de indeferimento do pedido formulado na alínea antecedente - cfr. fls. 19, que, aqui se dá por integralmente reproduzido;
F. Em 19.06.2013, o Chefe do Serviço de Finanças de Amadora 2 indeferiu o pedido de isenção de IMI referido na alínea D. supra, - cfr. fls. 23 dos autos, que se dá por reproduzida;
G. Em 19.07.2013, a Autora apresentou recurso hierárquico contra a decisão referida na alínea antecedente - cfr. fls. 17 a 21 do PAT, que se dão por reproduzidas;
H. Em 28.10.2013, foi elaborado a Informação nº 2013/1491 pelos serviços da Ré relativamente ao recurso hierárquico referido na alínea antecedente, no qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…) ao contrário daquilo que a Recorrente alega e pretende, não se podem enquadrar na previsão daquela norma qualquer outra realidade senão a realidade física do prédio, excluindo-se quaisquer rendimentos, ainda que por ele originados. Além de que os rendimentos, quer as mais-valias, quer os outros rendimentos provenientes dos imóveis, ocorrem na esfera jurídica da Caixa Económica e são parte integrante da actividade financeira prosseguida por esta, que em nada se relacionam com os interesses públicos que a norma de isenção pretende proteger e fomentar, in casu, o mutualismo. (...) Pelas razões expostas, conclui-se que o recurso hierárquico não merece provimento, devendo manter-se o despacho recorrido por não estarem reunidos os pressupostos legais exigidos pela alínea e) do n°1 do artigo 44° do EBF. (...)” - cfr. fls. 34 a 41 do PAT, que se dão por reproduzidas;
1. Em 19.11.2013 a Subdirectora Geral da Ré proferiu despacho indeferindo o recurso hierárquico apresentado pela Autora, nos termos e com os fundamentos expostos na informação e pareceres dos serviços - cfr. fls. 34 do PAT, que se dá por reproduzida.».
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3.1. O acórdão do STA-SCT de 22.02.2017, recurso nº 1658/15, proferido em julgamento ampliado do recurso, nos termos do artigo 148º do CPTA, apreciou já as diversas questões que, igualmente, se encontram controvertidas no presente recurso com a mesma recorrente.
Acompanhamos o seu percurso argumentativo bem como a decisão a que o mesmo chegou pelo que entendemos transcrever os excertos seguintes:

“Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
O presente recurso de revista foi admitido para que se reaprecie as seguintes questões:
-saber se à isenção de IMI relativa a pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) se aplica, a partir de 1/12/2003 (data do início da vigência do CIMI, em substituição do CCA), o disposto na al. d) do art. 1º, da Lei nº 151/99, de 14/9, ou se aplica o disposto na al. e) do art. 44º do EBF ou, ainda, se ambos os regimes serão aplicáveis;
- saber que realidades estão subsumidas na expressão legal «prédios destinados directamente à realização dos seus fins», prevista na al. e) do nº 1 do art. 44º do EBF, [isto, caso se entenda que é aplicável o disposto nesse normativo, em exclusividade ou em conjunto com o regime da Lei 151/99].
Portanto, a questão que se coloca nestes autos consiste em saber se os imóveis de que a recorrente é proprietária estão, todos eles, isentos do Imposto Municipal sobre Imóveis, vulgo IMI, ou apenas beneficiam de tal isenção os que sejam destinados directamente à realização dos seus fins estatutários.
No sentido de todos os prédios beneficiarem de tal isenção, argumenta a recorrente com o disposto nos artigos 1º, al. d) da Lei 151/99 de 14.09 e 44º, n.º 1, als. e) e f) do EBF, em sentido contrário contrapõe-se que no caso apenas se aplica o disposto no artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF, uma vez que não é aplicável o disposto no artigo 1º, al. d) da Lei 151/99 de 14.09.
Vejamos então.
Dispõe o artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF, sob a epígrafe “Isenções” (relativas a bens imóveis) que, estão isentas de imposto municipal sobre imóveis as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins.
Por sua vez dispõem os n.ºs. 2, al. b) e 4, do mesmo inciso legal, que as isenções se iniciam a partir do ano, inclusive, em que se constitua o direito de propriedade e são reconhecidas oficiosamente, desde que se verifique a inscrição na matriz em nome das entidades beneficiárias, que os prédios se destinem directamente à realização dos seus fins e que seja feita prova da respectiva natureza jurídica.
Também dispõe o artigo 1º, al. d) da Lei n.º 151/99 (Actualiza o regime de regalias e isenções fiscais das pessoas colectivas de utilidade pública) que, sem prejuízo de outros benefícios previstos na restante legislação aplicável, pode ser concedida às pessoas colectivas de utilidade pública isenção de contribuição autárquica de prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários.
As instâncias tiveram como certo, e não vem agora posto em causa pelas partes, que se verifica o elemento subjectivo das previsões legais.
A primeira questão que importa resolver passa por saber, face aos termos em que se fundamentou o acórdão recorrido, se a norma da Lei n.º 151/99 se mantém ou não em vigor.
Desde já se pode dizer que o disposto nesta Lei, relativamente à isenção prevista na alínea d) do n.º 1, não foi expressamente revogado por qualquer Lei posterior de igual valor nos termos do disposto no artigo 7º, n.º 1 do Código Civil, nem se deve considerar revogado nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo preceito legal (A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior) tal como vem referido no acórdão recorrido.

Não há dúvida, assim, que a Assembleia da República pretendeu estabelecer um regime “especial” para as pessoas colectivas de utilidade pública, no tocante à isenção de contribuição autárquica, diferente daquele que se encontrava estabelecido no artigo 50º, n.º 1, al. e) do EBF.
Como já vimos, este regime perdurou até à entrada em vigor do CIMI - aprovado pelo DL n.º 287/2003, de 12/11-, ou seja, esteve vigente na pendência do Código da Contribuição Autárquica e mantém-se em vigor na vigência deste novo código do IMI por força do disposto no artigo 28º, n.º 1 daquele diploma legal - Todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).
Sendo certo, também, que a redacção do EBF respeitante à isenção de IMI respeitante às pessoas colectivas de utilidade pública, -actualmente artigo 44º, n.º 1, al. e)- mantém inalterada a redacção inicial que havia sido dada ao artigo 50º, n.º 1, al. e), pelo que, também agora não há qualquer contradição entre o texto do EBF e o texto da Lei 151/99, como anteriormente não havia à data da edição desta Lei.
Na verdade as situações abrangidas por este artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF respeitam àqueles prédios que estão directamente afectos aos fins estatutários da pessoa colectiva, v.g., no dizer da Lei 2/78, de 17/01, os necessários à instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários e por essa razão é que presentemente o seu reconhecimento é oficioso nos termos do disposto no artigo 44º, n.º 4 do EBF.
Só esta interpretação da norma, com apoio expresso no elemento literal, é que respeita o disposto no artigo 9º, n.º 1 do Código Civil, caso contrário, estar-se-ia a fazer uma interpretação em violação do disposto no n.º 2 do mesmo preceito legal.
E tal reconhecimento já era oficioso à data da edição da dita Lei 151/99, uma vez que idêntico preceito do artigo 50º foi alterado para uma redacção próxima da actual por via da Lei do Orçamento de Estado de 1998.
Portanto, o regime de isenção estabelecido pela Lei n.º 151/99, tratou-se de um regime de isenção diverso daquele que se encontrava previsto no EBF, destinado a abranger (1) somente os prédios urbanos, (2) que se encontrem destinados à realização dos fins estatutários e (3) que carecem de reconhecimento por parte do órgão competente, dependente de pedido expressamente formulado nesse sentido pelo interessado (como resulta do preâmbulo do projecto de lei acima mencionado não foi intenção do legislador introduzir qualquer alteração no regime de concessão das isenções, pelo que, não cabendo o reconhecimento desta isenção na categoria daquelas que são reconhecidas oficiosamente apenas pode ser incluída na regra geral), ou seja, no dizer do corpo do artigo 1º “Sem prejuízo de outros benefícios previstos na restante legislação aplicável, podem ser concedidas às pessoas colectivas de utilidade pública as seguintes isenções”, cfr. artigo 65º, n.º 1 do CPPT.
Temos, assim, que concluir que o regime dos benefícios fiscais respeitantes a IMI de que usufruem as pessoas colectivas de utilidade pública tem duas vertentes, uma, e que respeita aos prédios directamente afectos à realização dos seus fins estatutários, encontra-se regulada no EBF, outra, e que respeita aos prédios urbanos destinados à realização dos fins estatutários, encontra-se regulada na Lei n.º 151/99.
Aqui chegados, podemos desde já afirmar que no acórdão recorrido se decidiu correctamente a questão da não aplicação ao caso concreto do disposto no artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF, uma vez que o prédio em causa nestes autos não é enquadrável no grupo daqueles que se encontram directamente afectos aos fins estatutários da autora, mas, por outro lado, decidiu-se menos bem a questão da não aplicação ao caso concreto do disposto na Lei n.º 151/99 por se ter considerado extinto o benefício aí previsto.
E a consideração do disposto em tal Lei era essencial para a decisão da presente acção uma vez que a autora quando formulou o pedido de isenção relativamente ao prédio em questão, junto da entidade tributária competente, invocou expressamente o disposto em tal Lei, que no seu entender lhe concedia o benefício da isenção pretendida.
E relativamente aos prédios rústicos, e à parte rústica dos prédios mistos, é manifesto e evidente não ser de aplicar tal Lei 151/99, por os mesmos terem sido expressamente afastados da sua previsão pelo legislador.
Portanto, não tendo o órgão decisor da AT emitido pronúncia quanto a saber se a situação concreta é subsumível ao disposto na Lei n.º 151/99, estando o mesmo incumbido por lei de o fazer, deve agora emitir tal pronúncia, uma vez que isso lhe foi expressamente pedido pela autora.
A autora pretende com a presente acção que lhe seja reconhecida a isenção de IMI relativamente ao seu prédio com fundamento na Lei 151/99 e/ou com fundamento no EBF; já vimos que a isenção pretendida não cabe na previsão da norma do EBF, mas pode caber na previsão da norma da Lei n.º 151/99, contudo a apreciação “primária” de tal pretensão não cabe ao Tribunal, mas antes à entidade tributária competente, o que, como também já vimos, não o fez e deveria ter feito.
Assim, e porque o pedido não pode ser julgado procedente nos precisos termos em que vinha formulado, o Tribunal condenará a entidade ré a reapreciar o pedido da autora à luz do disposto na Lei n.º 151/99, nos termos do disposto no artigo 609º do CPC.”.
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I- A isenção a que alude o artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF, apenas respeita aos prédios que estão directamente afectos aos fins estatutários da pessoa colectiva de utilidade pública, v.g., os necessários à instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários, sendo o seu reconhecimento oficioso nos termos do disposto no artigo 44º, n.º 4 do mesmo EBF.
II - A isenção prevista no artigo 1º, al. d) da Lei n.º 151/99 mantém-se presentemente em vigor e abrange apenas os prédios urbanos que pertençam às pessoas colectivas de utilidade pública, que se encontrem destinados à realização dos fins estatutários e carece de reconhecimento por parte do órgão competente, dependente de pedido expressamente formulado nesse sentido pela interessada.
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4. Termos em que acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em conceder parcial provimento ao recurso e, nessa medida, revogar o acórdão recorrido e julgar a ação parcialmente procedente e condenar a entidade demandada a reapreciar o pedido da autora à luz do disposto na Lei n.º 151/99, nos termos anteriormente apontados.
Custas nas instâncias e neste STA na proporção de 50%, para cada uma das partes, sem taxa de justiça pela FP por não ter apresentado contra-alegações.
Lisboa, 13 de dezembro de 2017. – António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.