Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0646/11
Data do Acordão:08/24/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CADUCIDADE
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:I - O procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito ou interesses que o requerente visa assegurar (cfr. art. 113.º, n.º 1, do CPTA), sendo que dessa instrumentalidade da providência decorre que a sua subsistência fica dependente de vicissitudes relativas ao processo principal, das quais pode resultar a caducidade da providência, como resulta do disposto no art. 123.º do CPTA.
II - A providência caduca, designadamente, nos casos em que «o requerente não fizer uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou» (cfr. art. 123.º, n.º 1, alínea a), do CPTA).
III - Não se justifica a apreciação do processo cautelar pela qual o requerente, com o fundamento de que o prédio vendido na execução fiscal já não pertence ao executado, porque lhe foi vendido anteriormente em execução judicial, pretende impedir a entrega do prédio, se está já excedido o prazo para o exercício do direito de acção relativo ao pedido de anulação de venda (cfr. art. 257.º do CPPT) e o requerente, apesar de notificado, não comprova que usou meio contencioso adequado a esse pedido.
IV - Nestas circunstâncias, ocorre a inutilidade superveniente do processo cautelar pois, mesmo que viesse a ser decretada a providência requerida, de imediato teria de se declarar a caducidade da mesma por não ter sido intentada dentro do prazo legal a anulação de venda de que aquela providência depende.
Nº Convencional:JSTA000P13173
Nº do Documento:SA2201108240646
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do despacho de indeferimento liminar proferido no processo de providência cautelar com o nº 2034/10.8BEBRG

1. RELATÓRIO
1.1 A… (adiante Requerente ou Recorrente) pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que obste à entrega do imóvel penhorado e vendido no processo de execução fiscal com o n.° 1775200501017861, com vista a «acautelar o seu legítimo direito de propriedade sobre o imóvel penhorado e consequente anulação da venda realizada nestes autos de execução».
A Requerente sustenta que esta providência cautelar é intentada ao abrigo do disposto no n.° 6 do art. 147.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), face ao seu fundado receio de uma lesão irreparável a causar pela Administração tributária (AT), na medida em que procedeu, na citada execução fiscal, à venda de um imóvel que ela já havia adquirido no âmbito de um processo de execução ordinária, isto é, alega que a AT procedeu a uma venda nula por incidir sobre bem alheio e pretende agora proceder à entrega desse imóvel ao adquirente na venda efectuada na execução fiscal, entrega que a Requerente pretende impedir com a presente providência cautelar.
1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga indeferiu liminarmente a providência cautelar com um duplo fundamento:
— no contencioso tributário apenas são admissíveis os meios processuais elencados no art. 97.° do CPPT e o art. 147.°, n.° 6, do mesmo Código, apenas prevê providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, sendo que a Requerente «não se apresenta nem com uma nem com outra qualidade» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.
);
— a pretensão da requerente não tem natureza tributária, mas cível, pois a Requerente apresenta-se em juízo a defender o seu alegado direito de propriedade «contra a possível agressão decorrente de igual pretensão possessória» da compradora no processo de execução fiscal, motivo por que «o meio adequado à tutela da pretensão cautelar da requerente é o previsto no artigo 395° do Código de Processo Civil, e não qualquer meio processual do contencioso tributário».
1.3 A Requerente não se conformou com essa decisão e dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
PRIMEIRA: A recorrente intentou a presente Providência Cautelar nos termos do disposto no n.° 6 do artigo 147° do C.P.P.T., tendo invocado o fundado receio de uma lesão irreparável a causar pela actuação da administração tributária.
SEGUNDA: Fundamentou o seu pedido no facto do imóvel lhe ter sido primeiramente adjudicado no âmbito de processo de execução judicial e só mais tarde ter sido adjudicado à requerida B… no âmbito do processo de execução fiscal.
TERCEIRA: O que lhe confere o direito de beneficiar da prioridade da sua aquisição, para além de a seu favor beneficiar ainda, no caso, de prioridade do registo de penhoras, sendo que, para além disso, a venda supostamente feita à requerida B… é nula por se estar na presença de venda de bens alheios, nos termos do disposto no artigo 892° do Código Civil.
QUARTA: A requerente invocou ainda a ocorrência de litispendência — sic. artigo 497º do C.P.C. — por a Fazenda Pública ter reclamado créditos nesse processo de execução judicial e ter ordenado a instauração de processo de execução fiscal para cobrança desse mesmo crédito.
QUINTA: Na medida em que a venda em causa nos autos de execução fiscal é nula, ineficaz e inexistente, veio a requerente PEDIR, através desta providência cautelar, que o requerido SERVIÇO DE FINANÇAS DE FELGUEIRAS não proceda à entrega efectiva do imóvel à requerida B…, como assim foi devidamente entendido pelo Tribunal de 1ª Instância.
SEXTA: Surpreendentemente, decidiu, porém, o Tribunal de 1ª Instância rejeitar liminarmente a presente providência, com fundamento no disposto no artigo 97° do Código de Procedimento e Processo Tributário, na consideração feita de que a requerente não se apresenta na qualidade de contribuinte nem de obrigada tributária e ainda de que a sua pretensão não tem natureza tributária, mas cível, sendo o meio adequado à tutela da sua pretensão cautelar o previsto no artigo 395° do Código de Processo Civil.
SÉTIMA: Não, pode, porém, a aqui recorrente conformar-se, nem aceitar, os argumentos defendidos pelo Tribunal de 1ª Instância para rejeitar a presente providência cautelar, desde logo porque é evidente que a pretensão da requerente não tem cobertura no artigo 395° do C.P.C., dado que tal providência visa proteger os direitos de posse do requerente, o que manifestamente não ocorre nos presentes autos, na medida em que a requerente não se mostra ainda investida na posse do imóvel em causa nos autos, razão pela qual, não foi alegada a sua qualidade de possuidora do bem.
OITAVA: No que concerne ao argumento expendido na sentença de que a pretensão da requerente não tem natureza tributária, mas cível, parece evidente não assistir razão ao Mm. Juiz do tribunal de 1ª Instância, dado que a pretensão da requerente tem um destinatário devidamente identificado, que é a ADMINISTRAÇÃO FISCAL, NO CASO, O SERVIÇO DE FINANÇAS DE FELGUEIRAS, a quem se pede que SE ABSTENHA DE PROCEDER À ENTREGA DO IMÓVEL EM CAUSA NOS AUTOS À REQUERIDA B….
NONA: E sendo assim parece evidente que a pretensão da requerente não tem natureza cível, mas tributária, como, aliás, decorre do artigo 4° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, onde o Tribunal de 1ª Instância se deveria ter recorrido para aferir se a pretensão da requerente se inseria em matéria do foro cível ou tributário.
DÉCIMA: Por outro lado, o argumento utilizado na sentença recorrida de que a pretensão da requerente não se enquadra na previsão do artigo 97° do Código de Procedimento e Processo Tributário e de que a requerente não se apresenta na qualidade de contribuinte nem de obrigada tributária é, afastada, pela simples leitura do n.° 6 do artigo 147° do C.P.P.T., invocado pela requerente, que estatui, de forma expressa e clara, que o disposto no presente artigo aplica-se, com as adaptações necessárias, às providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários...
DÉCIMA PRIMEIRA: Donde não restam dúvidas da admissibilidade no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal de providências cautelares inominadas, do tipo da que se discute nestes autos, a favor do contribuinte (como é o caso da requerente) contra a actuação da administração tributária (no caso a prática de um acto administrativo que consiste na entrega do imóvel à requerida B…), desde que, obviamente, seja invocado, como foi, o fundado receio de uma lesão irreparável da requerente a causar pela actuação da administração tributária e a providência requerida.
DÉCIMA SEGUNDA: E assim sendo, não pode a recorrente conformar-se com o entendimento perfilhado pelo Tribunal de que o artigo 97° do C.P.P.T. não prevê providências do tipo da que se discute neste recurso, desde logo porque tal normativo faz referência expressa a providências cautelares de natureza judicial (i) e ainda a outros incidentes (o).
DÉCIMA TERCEIRA: Mas ainda que assim não fosse nem por isso se admitiria a inadmissibilidade legal do procedimento cautelar em causa em sede de contencioso tributário, porque tal entendimento violaria, como assim foi violado pelo Tribunal de 1ª Instância, o disposto no n.° 6 do artigo 147° do C.P.P.T. (que prevê a existência de procedimentos cautelares a favor do contribuinte contra actos da administração tributária) e ainda o consignado no artigo 4° do E.T.A.F. (que prevê a competência do Tribunal Administrativo e Fiscal para apreciar e decidir a providência intentada pela recorrente), o que se requer venha a ser reconhecido por este Venerando Tribunal.
TERMOS EM QUE, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO N°6 DO ARTIGO 147° DO C.P.P.T. E AINDA NO ARTIGO 4º DO E.T.A.F., E NOUTROS QUE V/ EXAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA POR OUTRA QUE ADMITA A PROVIDÉNCIA CAUTELAR INTENTADA PELA RECORRENTE».
1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.5 O Tribunal Central Administrativo Norte julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, declarando que a competência para o efeito cabia ao Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a pedido da Requerente.
1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso.
1.8 Por despacho da Juíza relatora, a Recorrente foi notificada para vir aos autos esclarecer, como forma de averiguar da eventual caducidade da providência, se intentou alguma acção ou incidente com vista à anulação da venda efectuada no processo de execução fiscal ou ao reconhecimento do direito de propriedade que se arroga sobre o referido prédio.
1.9 Na sequência daquele despacho, a Recorrente apresentou nos autos documentos comprovativos de que «apresentou Termo de Protesto junto da Repartição de Finanças de Felgueiras» e de que interpôs recurso do despacho do Juiz do Tribunal Judicial da comarca Felgueiras que deu sem efeito a venda realizada no processo de execução que corre termos por aquele tribunal e pela qual a Recorrente alega ter adquirido o direito de propriedade sobre o imóvel cuja entrega pretende impedir.
1.10 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.
1.11 As questões suscitadas pelas alegações de recurso são as de saber se o despacho recorrido fez correcto julgamento quanto aos dois fundamentos em que alicerçou o indeferimento liminar da pretensão de tutela cautelar deduzida pela Requerente, ora Recorrente.
Prévia e oficiosamente, há que verificar se ocorre causa de inutilidade superveniente da lide, designadamente por verificação dos pressupostos que determinariam a caducidade da providência (cfr. art. 123.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)), questão sobre a qual foi dada oportunidade à Recorrente de se pronunciar.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
Com interesse para a decisão, importa ter presente a seguinte tramitação processual, resultante da consulta dos autos:
a) Em 15 de Novembro de 2010, A… fez dar entrada no Serviço de Finanças de Felgueiras a petição que deu origem ao presente processo, dirigida ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e na qual, invocando o disposto no art. 147.°, n.° 6, do CPPT, pediu, para além do mais, que se ordene àquele órgão da AT que não proceda à entrega do prédio penhorado e vendido na execução fiscal com o n.° 1775200501017861, alegando que o mesmo lhe foi vendido previamente no processo de execução com o n.° 160/1999, que corre termos sob pelo Tribunal Judicial de Vieira do Minho (cfr. fls. 3 a 8);
b) Por despacho de 20 de Janeiro de 2011, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga indeferiu liminarmente a providência requerida (cfr. fls. 51 a 53);
c) A Recorrente interpôs recurso desse despacho, recurso ora sujeito à apreciação deste Supremo Tribunal Administrativo (cfr. 64 e segs.);
d) Em 13 de Julho de 2011, a Juíza relatora proferiu despacho no qual, após tecer diversos considerandos em torno da caducidade das providências cautelares, ordenou a notificação da Requerente para, em dez dias, esclarecer se intentou acção ou incidente com vista à anulação da venda do imóvel efectuada no referido processo de execução fiscal (cfr. despacho a fls. 136);
e) Notificada desse despacho, a Requerente veio apresentar os documentos de fls. 141 a 147 (cfr. o processado de fls. 137 e segs.).
2.2 DE DIREITO
2.2.1 DO CONHECIMENTO DA CADUCIDADE DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR
O procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado (cfr. art. 113.°, n.° 1, do CPTA) e dessa instrumentalidade decorre que a sua subsistência fica dependente de vicissitudes relativas ao processo principal, das quais pode resultar a caducidade da providência, como resulta inequivocamente do disposto no art. 123.°, n.° 1, do CPTA, preceito que dispõe:
«1 — As providências cautelares caducam nos seguintes casos:
a) Se o requerente não fizer uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou;
b) Se, tendo o requerente feito uso desses meios, o correspondente processo estiver parado durante mais de três meses por negligência sua em promover os respectivos termos ou de algum incidente de que dependa o andamento do processo;
c) Se, no processo utilizado nos termos da alínea a), for proferida decisão desfavorável à pretensão do requerente que não seja impugnada dentro do prazo legal ou não seja susceptível de impugnação;
d) Se esse processo findar por extinção da instância e o requerente não intentar novo processo, nos casos em que a lei o permita, dentro do prazo fixado para o efeito;
e) Se se extinguir o direito ou interesse a cuja tutela a providência se destina;
f) Quando se verifique o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo principal, no caso de ser desfavorável ao requerente;
g) Se for executada decisão que ponha termo ao processo principal, em sentido favorável ao requerente». Da alínea a) do n.° 1 do referido preceito legal decorre que a providência cautelar caduca se «Se o requerente não fizer uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou».
Ou seja, para obstar à declaração de caducidade da providência cautelar ao abrigo do disposto nessa norma, mister é que o Recorrente demonstre ter usado, dentro do prazo legal, meio contencioso adequado à tutela do interesse que pretendeu acautelar com a providência.
Poderá dizer-se que estes considerandos são despiciendos no caso sub judice pois não foi decretada qualquer providência cautelar, motivo por que não pode colocar-se a questão da caducidade da mesma. Concedemos que o campo de aplicação do art. 123.° do CPTA se restringe às providências já decretadas, ou seja, não pode declarar-se a caducidade de uma providência que ainda não foi decretada. Mas nada obsta e, pelo contrário, impõe-se que o tribunal, quando da apreciação do processo cautelar, verifique se caducou já o direito de acção relativamente ao pedido a formular na acção principal. Na verdade, verificada que esteja a falta do «uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou», a apreciação do processo cautelar deixará de revestir qualquer utilidade pois, mesmo que eventualmente viesse a ser decretada a providência, de imediato teria que se declarar a sua caducidade nos termos da alínea a) do n.° 1 do art. 123.° do CPTA.
Nessa situação, o procedimento cautelar extingue-se, a nosso ver, por inutilidade superveniente da lide (cfr. art. 287.°, alínea e), do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA) (É certo que no art. 123.°, n.° 1, do CPTA («As providências cautelares caducam»), contrariamente ao que sucede no n.° 1 do art. 387.° do CPC («O procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca»), não se alude à extinção do procedimento cautelar, mas apenas à caducidade da providência. A nosso ver, não pode retirar-se dessa diferença de redacções qualquer argumento no sentido de que o processo cautelar regulado pelo CPTA não haja de se extinguir nos casos em que, verificadas as circunstâncias previstas no n.° 1 do art. 123.° do CPTA, a providência não tenha ainda sido decretada. Essa diferença justifica-se porque no CPTA o legislador terá entendido que não era exigível referência expressa à extinção do processo para as situações em que a providência não tinha sido ainda decretada porque essa extinção resulta já das regras gerais da extinção da instância por inutilidade superveniente.)
Assim, sempre haverá o tribunal que averiguar da verificação dos pressupostos que determinariam a caducidade da providência cautelar cujo decretamento é pedido, designadamente os da citada alínea a) do n.° 1 do art. 123.° do CPTA.
2.2.2 DA CADUCIDADE DA PROVIDÊNCIA REQUERIDA
No caso sub judice, a Requerente pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que obvie à entrega do imóvel penhorado e vendido no processo de execução fiscal com o n.° 1775200501017861, com o fundamento de que adquiriu esse imóvel no âmbito de um processo de execução ordinária, isto é, alega que a AT procedeu a uma venda nula por incidir sobre bem alheio e pretende agora proceder à entrega desse imóvel ao adquirente na venda efectuada na execução fiscal, entrega que a Requerente pretende obstar.
No recurso interposto do despacho que indeferiu liminarmente aquela providência, a Juíza relatora ordenou a notificação da Recorrente para comprovar que tinha intentado acção ou incidente com vista à anulação da venda efectuada na execução fiscal, dando conta de que essa comprovação era decisiva no julgamento sobre a caducidade da providência.
A Recorrente não veio demonstrar que tenha instaurado meio contencioso adequado ao pedido de anulação da venda efectuada na execução fiscal, pelo que se tem de concluir pela sua inexistência.
Na verdade, na sequência daquela notificação, a Recorrente limitou-se a juntar aos autos cópias de um requerimento pelo qual deu a conhecer ao Serviço de Finanças de Felgueiras que o prédio vendido na execução fiscal «tinha sido já vendido e adjudicado a si própria no Tribunal Judicial de Vieira do Minho, pelo processo 160/99», de um despacho proferido pelo Juiz do Tribunal Judicial de Vieira do Minho no referido processo de execução ordinária n.° 160/99 a dar sem efeito a venda realizada nesses autos e de um requerimento pelo qual a ora Recorrente interpôs recurso desse despacho para o Tribunal da Relação de Guimarães.
Ora, nenhum desses documentos comprova o uso «do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou»: o primeiro, porque é um mero requerimento endereçado ao órgão da execução fiscal, insusceptível de dar origem a qualquer meio contencioso; os demais, porque se referem à venda que foi efectuada pelo Tribunal Judicial de Vieira do Minho, quando a venda que está em causa nos presentes autos é a que foi efectuada pelo Serviço de Finanças de Felgueiras.
Por outro lado, há muito está findo o prazo que a lei estabelece para o exercício do direito de acção com vista à anulação da venda, como resulta inequivocamente do disposto no art. 257.° do CPPT ( Diz o art. 257.°, n.°s 1 e 2 do CPPT:
«1 - A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes:
a) De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado; b) De 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do n.° 1 do artigo 203°;
c) De 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.
2 - O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, ou do trânsito em julgado da acção referida no n.° 3.
3 - Se o motivo da anulação da venda couber nos fundamentos da oposição à execução, a anulação depende do reconhecimento do respectivo direito nos termos do presente Código, suspendendo-se o prazo referido na alínea c) do n.° 1 no período entre a acção e a decisão.
4 - A anulação da venda não prejudica os direitos que possam assistir ao adquirente em virtude da aplicação das normas sobre enriquecimento sem causa».).
Assim, a providência cautelar requerida, caso viesse a ser decretada, de imediato teria que se declarar a caducidade ( Caducidade que pode e deve ser oficiosamente conhecida e declarada pelo tribunal (cfr. nº 3 do art. 123º do CPTA)) da mesma nos termos do disposto no art. 121°, n.° 1, alínea a), do CPTA, por não ter sido intentada a anulação de venda de que aquela providência depende e estar já excedido o prazo para o efeito.
Do que vimos de dizer resulta que ocorre a inutilidade superveniente do processo cautelar, devendo as respectivas custas serem suportadas pela Recorrente, atenta a regra do art. 450.°, n.° 3, do CPC, aplicável subsidiariamente.
Declarada a extinção da instância cautelar por inutilidade superveniente da lide, fica prejudicado o conhecimento do objecto do recurso, tudo como decidiremos a final.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito ou interesses que o requerente visa assegurar (cfr. art. 113 .°, n.° 1, do CPTA), sendo que dessa instrumentalidade da providência decorre que a sua subsistência fica dependente de vicissitudes relativas ao processo principal, das quais pode resultar a caducidade da providência, como resulta do disposto no art. 123.° do CPTA.
II - A providência caduca, designadamente, nos casos em que «o requerente não fizer uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou» (cfr. art. 123.°, n.° 1, alínea a), do CPTA).
III - Não se justifica a apreciação do processo cautelar pela qual o requerente, com o fundamento de que o prédio vendido na execução fiscal já não pertence ao executado, porque lhe foi vendido anteriormente em execução judicial, pretende impedir a entrega do prédio, se está já excedido o prazo para o exercício do direito de acção relativo ao pedido de anulação de venda (cfr. art. 257.° do CPPT) e o requerente, apesar de notificado, não comprova que usou meio contencioso adequado a esse pedido.
IV - Nestas circunstâncias, ocorre a inutilidade superveniente do processo cautelar pois, mesmo que viesse a ser decretada a providência requerida, de imediato teria de se declarar a caducidade da mesma por não ter sido intentada dentro do prazo legal a anulação de venda de que aquela providência depende.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, julgar extinto o presente processo cautelar por inutilidade superveniente da lide e, em consequência, não tomar conhecimento do objecto do presente recurso jurisdicional.
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Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 24 de Agosto de 2011. – Francisco Rothes (relator) – Madeira dos Santos – Políbio Henriques.