Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0644/11
Data do Acordão:03/15/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
FACTO ILÍCITO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
FALTA DE SINALIZAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
DANO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I – Pertencendo a estrada em causa ao património viário do Município, o qual era o dono da obra que aí se estava a efectuar à data do acidente, detinha este, em exclusividade, a competência de zelar pela vigilância e conservação permanente dessa via, tomando todas as providências necessárias e adequadas a que nela se circulasse com segurança, tanto a nível de alterações ao traçado, como da pertinente sinalização da estrada, não existindo, portanto, qualquer facto ilícito que possa ser imputado à Ré Estradas de Portugal, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 2º e 6º do DL nº 48051.
II - Do Código da Estrada (CE), aprovado pelo DL nº 114/94, de 3/5, na redacção do DL nº 2/98, de 3/1, decorre a obrigação de sinalizar ao dispor no art. 5º, nº 1, que, “Nos locais que possam oferecer perigo para o trânsito ou em que este deva estar sujeito a restrições especiais e ainda quando seja necessário dar indicações úteis aos utilizadores devem ser utilizados os respectivos sinais de trânsito”. E igual obrigação resulta do art. 1º do Regulamento do CE, aprovado pelo Decreto nº 39987, de 22.12.54, na redacção da Portaria nº 46-A/94, de 17/1, em vigor à data dos factos.
III – Não tendo o R. Município sinalizado o local por onde circulava o veículo, com nenhum dos sinais, exigidos nas circunstâncias, quando é certo que o facto de a via ter as características provadas e se encontrar nas condições também provadas impunha aos condutores cuidados redobrados, comparativamente com os que seriam devidos em estradas em estado normal de conservação e com adequada sinalização, é, como tal, ilícita essa omissão total de sinalização e a não remoção dos obstáculos, areia, terra e detritos da via, que o próprio Réu admite que existiam no local.
IV - À responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, incluindo as autarquias locais, no domínio dos actos de gestão pública, é aplicável a presunção de responsabilidade prevista no art. 493º, nº 1 do CC, e, no caso, a omissão culposa do réu deve declarar-se quer em função desta presunção, quer, mesmo, por se encontrar provada a sua culpa nos termos gerais.
V - Tendo em conta a factualidade dada como provada, revela-se um processo causal dos danos ocorridos, mormente, da morte do condutor, sendo determinante o desgoverno da viatura, o qual, na cronologia dos acontecimentos, se seguiu à curva não sinalizada, existindo areia, terra e detritos na via, e embate no separador central, e na árvore nele existente, e, também não sinalizados.
VI - Os valores constantes da Portaria nº 377/2008 (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25/6) visam apenas a formulação por parte das empresas de seguros de uma proposta razoável a apresentar aos lesados por acidente automóvel, para indemnização de dano corporal (cfr. art. 1º).
VII - Tendo em consideração o nível económico que o pai dos AA. proporcionava ao seu agregado familiar, face aos rendimentos que auferia, quer através do exercício da profissão médica, quer através da sociedade “D………..”, e que no conceito de alimentos deve, como refere Vaz Serra, in RLJ, 102º-262, compreender-se «o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentado», há que concluir que a sentença recorrida não violou as regras da experiência e da equidade (cfr. arts. 494º, 495º, nº 3 e 564º, nº 1, todos do CC), com o montante arbitrado a título de alimentos que se afigura justo e equitativo.
Nº Convencional:JSTA00070609
Nº do Documento:SA1201803150644
Data de Entrada:06/27/2011
Recorrente:A... E OUTRO, MUNICÍPIO DE COIMBRA, C... - COMPANHIA DE SEGUROS, SA E EP-ESTRADAS DE PORTUGAL, SA
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
PROVIMENTO PARCIAL.
Indicações Eventuais:3 RECURSOS
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Legislação Nacional:DL 48051 DE 1967/11/21 ART2 ART6.
CCIV66 ART483 ART563 ART494 - 496.
LAL91 ART51 N4.
DL 100/84 DE 1984/03/29 ART90.
L 2110 DE 1961/08/19 ART2.
DL 369/77DE 1977/09/01 ART28.
CE94 ART5 N1.
DL 2/98 DE 1998/01/03.
RCE54 ART1.
RCE94 ART3 ART4 N1 N2 B ART5 D ART2 N2.
PORT 377/2008 DE 2008/05/26.
PORT 679/2009 DE 2009/06/25.
CCJ96 ART2 N1 E F.
CPC96 ART452.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01001/07 DE 2008/02/21.; AC STA PROC0827/10 DE 2012/02/07.; AC STA PROC0155/09 DE 2009/10/14.; AC STA PROC0477/11 DE 2012/03/13.; AC STJ PROC198/00.6GBCLD.L1 DE 2011/06/01.
Referência a Doutrina:ALMEIDA COSTA - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 10ED PÁG890-891.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

A…………… e B…………….. intentaram uma acção com processo ordinário contra o IEP - Instituto de Estradas de Portugal, sendo chamados a intervir o Município de Coimbra e Companhia Seguradora C…………. – Companhia de Seguros, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação sofrido pelo seu pai.
Na audiência preliminar foi proferido despacho julgando o então IEP parte legítima – cfr. fls. 255.
Desse despacho interpôs o R. IEP recurso para este STA, a fls. 258/259, formulando as seguintes conclusões:
1. Tendo o troço de estrada onde o acidente ocorreu, passado a integrar o património da Câmara Municipal de Coimbra – Município de Coimbra – tendo pois sobre ele toda a jurisdição, é da sua responsabilidade, mantê-la em perfeitas condições de segurança, nomeadamente reforçar ou complementar a sinalização, em situações de especial perigosidade, face à sua concepção, traçado e construção.
2. Por isso o IEP não é titular do interesse relevante, não tem interesse em contradizer, pelo que é parte ilegítima.
3. A sentença viola entre outros o disposto no artigo 13º, nº 2 do Dec. Lei nº 380/85 de 26 de Setembro, 26º, 288, nº 1, alínea d), 493, nº 2 e 494º alínea e) do CPC.

Os AA. contra-alegaram a fls. 263 a 267, formulando as seguintes conclusões:
1º - A decisão recorrida é justa e inatacável;
2º - Daí ser o IEP parte legítima como muito bem defendeu a Senhora Juíza a quo;
3º - Assim, deve o recurso do IEP ser julgado improcedente e não provado devendo manter-se a decisão recorrida por ser justa e legal.
Recurso que foi admitido, a subir a final.

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 22 de Julho de 2010, foi julgada parcialmente procedente a referenciada acção, sendo absolvida do pedido a ré Estradas de Portugal e, condenado o réu Município de Coimbra no pagamento da quantia total de 639.293,71€ a ambos os autores, e no pagamento do montante de 109.735,53€ ao autor A………., importâncias a que acrescem juros moratórios, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo pagamento.
Não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, na parte em que absolveu a ré Estradas de Portugal do pedido, vêm os AA., apenas quanto a esta absolvição do pedido, interpor recurso apresentando alegações a fls. 773 a 780, com as conclusões seguintes:
1 - O Instituto das Estradas (ex JAE), actualmente EP - Estradas de Portugal, S.A. concebe as obras, projecta-as, desenha-as e aprova-as.
2 - Depois transfere as mesmas para a Câmara, órgão executivo da R. Município de Coimbra.
3 - Impõe a sua execução na referida estrada tal e qual como a concebeu, desenhou, projectou e aprovou.
4 - Se a Câmara se afastasse da execução tal e qual como as concebeu, deixaria de participar na verba entregue. Só assim a EP, as financiava e pagava.
5 - A ex-JAE concebe-as, projecta-as e aprova-as, sem ter em conta, que as mesmas não se adaptavam ao local, à curva, à existência de árvores, faz mal os desenhos e os perfis, faz mal o separador, não calculou os perigos e a insegurança daí resultantes, não adequou as obras ao terreno, pelo que
6 - A sua responsabilidade existe em conjunto com a R. Município de Coimbra.
7 - Ao impor à Câmara a execução as obras de certa maneira, ela é responsável porque a Câmara executou-as de acordo com o projecto do Instituto de Estradas e deu no que deu.
8 - A ex JAE e o Instituto que legalmente lhe sucedeu são responsáveis igualmente pelo pagamento das indemnizações fixadas, pelo que nessa parte a sentença violou, entre outros os art 562º, 563º, 564º do CC e ainda as regras gerais de cuidado, prudência e as regras da boa técnica, os saberes da legis artis que no caso falharam de modo clamoroso.
Nestes termos devem V. Exas. darem provimento ao presente recurso e em consequência à condenação também da Ré EP - Estradas de Portugal.

A EP - ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., apresentou as suas contra-alegações que contém conclusões com o seguinte teor:
1- A Câmara mantinha a estrada em funcionamento e aberta ao trânsito sem sinalização horizontal ou vertical, sem nenhuma visibilidade, sem sinais a indicar por onde os condutores deveriam seguir, com sujidade a cobrir os traços delimitadores da via.
2- É pois a Câmara a única responsável e não a ora EP.
3- Não sendo, por isso, a recorrida parte legitima.
4- Não se configura a existência de qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão constantes da sentença recorrida.
5- Nestes termos devem improceder as conclusões de recurso respeitantes à alegada violação da sentença.
6- Não se mostram verificados nos presentes autos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público por actos ilícitos e culposos, para que a recorrida seja condenada.
7- O Município de Coimbra recebeu a estrada em causa, em 27 de Março de 1995, com tudo quanto ela continha, sucedendo então, e desde logo, nos direitos e obrigações, de tudo quanto decorre, da circulação de trânsito automóvel na dita estrada.
8- O troço da estrada em questão, no qual ocorreu o acidente dos autos, não se encontrava sob jurisdição da EP — Estradas de Portugal, S.A., e isto independentemente de quem procedeu à concepção do seu traçado e à sua construção.
9- Assim, se a concepção da estrada e consequente construção ainda pela JAE, oferecia perigosidade, competia ao Município de Coimbra, proceder às devidas alterações e à devida e complementar sinalização.
10- Após o momento em que o Município teve a jurisdição do troço da estrada em questão, passou a integrar o património do Município, só ele sendo responsável pelo cumprimento da obrigação de a manter em perfeitas condições de segurança, nomeadamente reforçar ou complementar a sinalização.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que serão por V. Exa. doutamente supridos, deve dar-se provimento ao recurso de agravo e negar-se provimento ao recurso interposto pelos AA, assim se fazendo, como sempre a costumada JUSTIÇA!

O Município de Coimbra e C…………. – Companhia de Seguros, SA, também não se conformando com a sentença do TAF Coimbra, vieram interpor recurso, respectivamente a fls. 742 e 747 dos autos.

As alegações da C……………. – Companhia de Seguros, SA, têm as seguintes conclusões, a fls. 800 /804 dos autos:
1- Dão-se aqui como reproduzidas as conclusões constantes das alegações apresentadas pelo recorrente Município de Coimbra;
2- O Réu Município estava obrigado, nos termos do Protocolo, a fazer-se as obras de acordo com o projecto elaborado pela JAE.
3- Apenas dele se podendo afastar com fundamento em motivo justificado;
4- Não resulta provado da matéria apurada a existência de qualquer motivo justificado;
5- E tendo o projecto sido elaborado pela JAE — entidade especialmente vocacionada para a construção e modificação das estradas nacionais, como era o troço de estrada onde ocorreu o acidente ajuizado, com a consequente elaboração dos respectivos projectos — era de presumir, pelo Município de Coimbra, que o Projecto em causa estava elaborado de acordo com as regras técnicas aplicáveis;
6- Pelo que estava vedado ao Município de Coimbra introduzir, na sua execução, alterações ao projectado;
7- Sob pena de violação não só do Código dos Direitos de Autor, como também do Protocolo;
8- Perdendo a comparticipação acordada com a JAE e com o FEDER;
9- Por outro lado, os montantes indemnizatórios fixados mostram-se manifestamente exagerados;
10- Muito superiores aos valores que resultariam da aplicação da Portaria 377/2008,
11- A qual, não sendo vinculativa, será indicativa para o Julgador, por forma a realizar o princípio constitucional da igualdade de todos os cidadãos perante a lei;
12- Consequentemente, a douta decisão recorrida viola o Protocolo outorgado entre a JAE e o Município de Coimbra, bem como o art. 13º da Constituição da República e a Portaria 377/2008.
13- Pelo que a mesma deve ser revogada quanto à condenação do Réu Município de Coimbra; ou, quando assim se não entenda, fixar-se a indemnização em montante aproximado do que resultaria da aplicação dos critérios e valores constante da Portaria 377/2008.

O Município de Coimbra alegou a fls. 840 a 853 dos autos, formulando as seguintes conclusões:
1º Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as doutas alegações de recurso apresentadas pela Interveniente, também recorrente, C…………., SA.
2º No âmbito da presente acção, não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do ora recorrente.
3º Contrariamente ao constante na douta sentença recorrida, a participação do Réu IEP não se reduziu a mera participação financeira.
4º A estrada onde ocorreu o acidente integrava a rede municipal que, nos termos do previsto no DL n.º 380/85, de 26/9 e no âmbito da transferência de gestão das estradas nacionais, passou a ser gerida pelo recorrente a partir de 27/03/1995.
5º Em 10 de Abril de 1995, entre a Câmara Municipal de Coimbra, a Comissão de Coordenação da Região Centro e a ex-Junta Autónoma das Estradas, foi celebrado o acordo de colaboração para a execução da obra: “Reabilitação da EN 111-1 entre Cidreira (Km 0,000) e Coimbra (KM 4,532)”.
6º Como constava do protocolo, a participação financeira da Junta Autónoma das Estradas e do FEDER, podiam ser canceladas se a execução das obras se afastar, sem motivo justificado, do projecto aprovado pela JAE, bem como do caderno de encargos ou do programa de trabalhos.
7º As obras da referida empreitada tiveram por base as plantas, perfis longitudinais e perfis transversais extraídos do projecto inicial da ex-JAE e a alteração do separador foi aprovada por despacho proferido em 1998.06.26, pelo Presidente da CMC.
8º Ou seja, as obras foram projectadas e aprovadas pela ex-JAE, por técnicos especializados e de acordo com as regras técnicas exigíveis, assim como foi esta entidade que elaborou o caderno de encargos e o programa de trabalhos.
9º Projectos que foram elaborados pela JAE no âmbito das suas atribuições, conforme previsto nos diplomas que regulamentavam, àquela data, o plano rodoviário nacional.
10º O recorrente estava obrigado a executar as obras de acordo com os projectos que, para tal, foram elaborados por quem tem as atribuições e competências específicas para tal.
11º O recorrente tinha obrigação de cumprir com o projecto que lhe foi apresentado e apenas podia afastar-se do mesmo se houvesse razões que o justificassem.
12º Pelo que, a dever-se o acidente ao traçado da via e à existência e configuração do separador central após a curva para a esquerda, considerando o sentido de marcha Cidreira-Coimbra — o que se não aceita e por mera hipótese de trabalho se considera — tal não pode ser imputado ao recorrente, que não elaborou o projecto da estrada, nem a configuração do separador onde ocorreu o embate.
13º Não existindo facto ilícito, no sentido do antes exposto, não se pode concluir pela responsabilização do Município.
14º O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios (art° 13.° do Cód. da Estrada=CE)
15º Nos cruzamentos, entroncamentos e rotundas, o trânsito faz-se por forma a dar a esquerda à parte central dos mesmos ou às placas, postes, ilhéus direccionais ou dispositivos semelhantes existentes, -desde que se encontrem no eixo da faixa de rodagem de que procedem os veículos (art° 16°, n.° 1 do CE).
16º Quando na faixa de rodagem exista algum dos dispositivos referidos no n.° 1, o trânsito, sem prejuízo do disposto nos art°s 13.° e 14°, faz-se por forma a dar-lhes a esquerda (n.° 2 do art° 16°).
17° A visibilidade, para efeitos do CE, é reduzida ou insuficiente sempre que o condutor não possa avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 metros (art° 19.º do CE).
18º O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo (às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente (art° 24.° do CE).
19º Ou seja, não obstante a inexistência de sinalização, o certo é que a mesma - se existisse - não era idónea a evitar o embate, dado que foi o pai dos Autores que, com a sua conduta, violou as regras de trânsito impostas nos art°s 13°, 14° 16°, 19° e 24° do CE na medida em que, se circulasse, como era sua obrigação, pelo lado direito da sua faixa de rodagem, dando a sua esquerda ao “separador” existente no eixo da via e se fosse atento, regulando a sua condução às características da via e ao estado do tempo - que se apresentava chuvoso -, o acidente não teria certamente ocorrido, tanto mais que ainda estava dia e havia areia, terra e detritos no piso, cobrindo a parte central da estrada, o que obrigava também a um especial cuidado na condução.
20º E estando de dia no momento do embate o falecido tinha a obrigação de avistar e de se aperceber da existência do separador central com árvores onde veio a embater, o que só aconteceu por conduzir desatento, distraído, imprimindo uma velocidade desadequada (caso contrário sempre poderia ter controlado, através do sistema de travões, a trajetória do veículo que conduzia) face às circunstâncias concretas, sendo certo que também não cumpria a regra de circulação pelo lado direito (art.° 13° do CE).
21º A existência de uma estrada com curvas e contra-curvas impõe a um condutor zeloso e cauteloso um redobrar de atenção, justamente porque não consegue ver, em toda a extensão a via, como acontece numa via em recta.
22º Também a existência do separador central ou ausência de sinalização não “explicam” o embate ou são, sem mais, “causa” desse mesmo embate.
23º E outros veículos circularam pelo local no dia do acidente ajuizado — decorre da experiência tratar-se de via que era muito utilizada na comunicação entre a zona da Figueira da Foz - Montemor-o-Velho - Geria e Coimbra - e, fazendo o mesmo percurso, não embateram no separador central e nem na árvore.
24º O mesmo ocorre quanto à existência do traço contínuo - ainda que provisório -, na medida em que a sua existência ou inexistência nenhuma relevância tem para o caso, pois, além do mais, a sua existência impedia que o pai dos autores circulasse pela esquerda, considerando o seu sentido, onde depois aparecia o referido “separador”.
25º E o facto do mesmo não se encontrar visível não pode ser imputado ao ora recorrente, dado que está dado como provado que havia areia, terra e detritos no piso, cobrindo a parte central da estrada, resultantes da circulação de veículos de carga, pesados e ligeiros, devido à estrada ser rodeada de campos agrícolas — facto que não é, assim, imputável ao recorrente.
26º Não se vislumbra, atendendo aos quadros anexos ao Dec-Reg. n.° 22- A/98, de 1/10, a existência de qualquer sinal de perigo ou de obrigação que pudesse evitar o acidente.
27º Os sinais A1a e A1c destinam-se a indicar a existência de curva à direita e curva à direita e contracurva — ora, não está dado como provado que o pai dos Autores não tivesse efectuado as curvas e apenas está dado como provado (facto 14.) que a primeira curva à direita é que era fechada.
28º O sinal D3a, a existir — sendo certo que, pelo anteriormente exposto, a sua colocação não seria necessária por existir regra de circulação em relação ao mesmo - seria colocado no início do próprio separador, ou seja, na proximidade imediata do local (cfr. art° 28°), pelo que a sua existência não evitaria o embate.
29º Os sinais O6a, O6b, O7a e O7b são de mera indicação complementar, que, sendo de dia, nenhuma relevância importam para o caso, dado que não evitariam o embate.
30º Mesmo admitindo-se a existência de facto ilícito — o que não se aceita e por mera hipótese de raciocínio se aflora -, a matéria de facto dada como provada é manifestamente insuficiente para condenar o recorrente.
31º Nada há nos autos que nos permita estabelecer um nexo causal entre os factos e o embate.
32º A causalidade que se fala é a causalidade necessária, mas esta não é condição suficiente para imputar — em termos de imputação objectiva do resultado à conduta do agente — o resultado à acção do agente como “obra sua”.
33º O nexo de causalidade de que fala a lei não é o nexo naturalístico de “causa-efeito” (teoria da conditio sine qua non); a lei alude a um critério normativo, de imputação (teoria da imputação objectiva).
34º Segundo a teoria da imputação objectiva, é necessário, para que possa afirmar-se que o resultado (morte) seja “obra” do recorrente, que esta, com a sua acção, criasse um perigo juridicamente relevante que se realizaria no resultado a imputar.
35º Pelo que o juízo naturalístico — ao que se julga, seguido pelo tribunal recorrido — deve ser corrigido por um juízo normativo de imputação.
36º Com recurso aos factos julgados como provados não pode sustentar-se, que o resultado verificado (a morte do pai dos autores) é objectivamente imputável à acção e/ou omissão do recorrente, pois que o risco inerente à sua conduta (permitir a existência do separador central com árvore ou não colocar sinalização), não foi causal do acidente.
37º Não é a existência do separador central com árvore ou a ausência de sinalização que “explicam”, sem mais, o embate.
38º A insuficiência de factos provados para afirmar este nexo de imputação objectiva é patente.
39º Lançando mão de um critério normativo que pressuponha uma determinada conexão da ilicitude, não basta para a imputação de um evento a alguém que o resultado tenha surgido em consequência da conduta descuidada do agente, sendo ainda necessário que tenha sido precisamente em virtude do carácter ilícito dessa conduta que o resultado se verificou. -
40º Percorrendo os factos dados como provados e relativamente ao embate apenas se conclui que o condutor do veículo identificado no ponto 13 deste probatório, pai dos Autores, ao circular nas condições ali referidas, numa via com duas faixas de rodagem, uma em cada sentido de marcha, deparou-se com a estrada que ali formava duas vias separadas e distintas em virtude do separador central e foi embater no separador central e de seguida na árvore que ali existia dentro, ou seja, o separador apresentava-se para o pai dos Autores à sua esquerda.
41º Circulando o pai dos Autores pela faixa de rodagem da direita, e deparando-se com o separador central à sua esquerda, não se verifica qualquer ponto de conflito ou colisão, se o mesmo circulasse sempre, como era sua obrigação, pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais possível das bermas ou passeios.
42º Assim, não se verifica o nexo de causalidade entre o alegado facto ilícito e o dano ocorrido, nem a matéria de facto dada como provada é, a nosso ver, suficiente para estabelecer o nexo causal.
43º Os montantes indemnizatórios fixados pelo Tribunal “a quo” são manifestamente exagerados, atendendo aos factos, bem como atendendo a um juízo de equidade.
44º Não deve ser atribuída qualquer indemnização pelos alegados danos não patrimoniais sofridos pela vítima, dado que não está provado que a mesma sofreu quaisquer dores ou agonia durante esse período, que estivesse consciente ou que se apercebeu que iria falecer.
45º Às lesões sofridas pela vítima foram de tal forma graves - lesões traumáticas meningoencefálicas — que determinaram a sua morte, o que aponta no sentido de que a vítima, entre o embate e a morte, esteve totalmente inconsciente.
46º A indemnização atribuída aos Autores a título de danos não patrimoniais revela-se excessiva, devendo a mesma — acaso este tribunal entenda haver responsabilidade da ora recorrente, o que não se aceita - fixar-se, atendendo à data do acidente (1998), em 12.500,00€ para ambos os Autores.
47º Quanto à fixação da indemnização por alimentos aos Autores/menores deverá atender-se ao período em que se manteria a obrigação de alimentos da vítima.
48º Conforme dado como provado (ponto 24) o Autor A…………. já explorava um bar em 2009, ou seja, já antes de ter completado os 26 anos de idade, auferindo, portanto, rendimentos próprios.
49º Considerando que um curso universitário podia ir dos 3 aos seis anos, a formação escolar dos Autores terminaria aos 21/23 anos, pelo que não se aceita que a obrigação de alimentos da vítima tivesse de se manter até aos 26 anos.
50º Considera ainda o Tribunal para cálculo dos alimentos que a vítima gastaria cerca de 1/6 do seu rendimento em cada um dos filhos, sem fazer qualquer referência se para o mesmo contribuía a mãe ou não.
51º Considerando o rendimento médio líquido da vítima (quer no exercício público, quer no exercício privado), 1/6 desse mesmo rendimento para cada um dos filhos significaria que o mesmo gastaria cerca de 1.911,87€/mês para cada um, ou seja, mais 3.800,00€ com ambos os filhos (83.262,82€+54.392,25€= 137.655,07€/ano: 12=11.471,25€/mês; 1/6 equivale de 1.911,87€ x 2= 3.823,75€)
52º Mesmo considerando que a vítima era médico, atendendo à qualidade e estilo de vida da vítima e dos Autores, não é lógico, nem racional que o mesmo gastasse mensalmente com os seus filhos 3.800,00€, ou seja, 45.600,00€/Ano.
53º Aliás, não está dado como provado qualquer facto que nos permita concluir desta forma, pelo que uma presunção de gasto obrigatório viola as regras da experiência e da equidade.
54º Mais consentâneo com a realidade de uma família classe alta, em Portugal, será o pai dos menores gastar, mesmo atendendo ao referido estilo de vida, menos de 1/10 com ambos os filhos.
55º E considerando a obrigação de alimentos até aos 23 anos de idade, a indemnização a atribuir aos menores nunca atingirá, por qualquer forma, os valores peticionados e em que o recorrente foi condenado.
56º Não se aceita a fixação da indemnização ao Autor A………… pela sociedade D……., uma vez que nada está dado como provado que o referido Autor recebia os referidos lucros, nem que a sociedade produziria sempre lucros.
57º Considerando que os valores da indemnização fixados na sentença ora recorrida estão actualizados à data em que a mesma foi proferida, o que depreende da sua leitura, não há razão para condenar o ora recorrente nos juros desde a citação, pelo que, sendo o recorrente condenado — o que não se aceita - os juros deverão ser contabilizados apenas a partir da data da sentença.
59º Consequentemente, violou a douta sentença recorrida, entre outros, o Protocolo outorgado entre a JAE e o recorrente, bem como os artigos 13.° e 22.° da Constituição da República Portuguesa, artigos 483°, 487°, 496°, 805°, 806°, 2009.° e 2013.° do Código Civil, artigos 4.° e 6° do Dec. 48051, de 21/11/1967, artigos 13°, 14°, 16°, 19.° e 24 do Código da Estrada e Dec-Reg. n.° 22-A/98, de 1/10.
Termos em que e no mais de direito, deve ser dado integral provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida ou quando assim se não entenda, fixar-se a indemnização nos termos supra expostos, assim se fazendo JUSTIÇA!

Os Autores apresentam as suas contra-alegações, a fls. 856 a 865, contendo a resposta aos recursos quer da Seguradora C………., S.A., quer do Município de Coimbra, e não apresentam conclusões.

As contra-alegações da E.P. Estradas de Portugal, S.A, de fls. 874 a 881, são resposta aos recursos interpostos pela C………….. - Companhia de Seguros, S.A. e pelo Município de Coimbra e apresentam as conclusões seguintes:
1- No dia 27 de Março de 1995, foi celebrado o “Auto de Transferência, para a Câmara Municipal de Coimbra, do troço da EN 111-1, entre o Km 0+000 e 4+532”, o qual foi homologado por despacho proferido em 3 de Abril de 1996, pelo então Secretário de Estado.
2- O Município de Coimbra recebeu a estrada em causa, em 27 de Março de 1995, com tudo quanto ela continha, sucedendo então, e desde logo, nos direitos e obrigações, de tudo quanto decorre, da circulação de trânsito automóvel na dita estrada.
3- Ressalta da matéria provada que a EN 111-1, entre o km 0+500 e 1+400, não se encontrava sob jurisdição da EP.
4- Após o momento em que o Município teve a jurisdição do troço da estrada em questão, passou a integrar o património do Município, só ele sendo responsável pelo cumprimento da obrigação de a manter em perfeitas condições de segurança, nomeadamente reforçar ou complementar a sinalização.
5- O troço da estrada em questão, no qual ocorreu o acidente dos autos, não se encontrava sob jurisdição da EP — Estradas de Portugal, S.A., e isto independentemente de quem procedeu à concepção do seu traçado e à sua construção.
6- O acidente deu-se porque no terreno a C. M. de Coimbra não procedeu segundo as legis artis e não colocou no local sinais adequados, não vigiou a estrada como devia, não a limpava, não a zelava, ou seja não cuidou da sua segurança.
7- A Câmara Municipal de Coimbra, mantinha a estrada em funcionamento e aberta ao trânsito sem sinalização horizontal ou vertical, sem nenhuma visibilidade, sem sinais a indicar por onde os condutores deveriam seguir, com sujidade a cobrir os traços delimitadores da via.
8- O Município aceitou o seu traçado, concordou com o que estava projectado, aceitou-o como lhe foi apresentado, já que até adjudicou a empreitada “Beneficiação entre Cidreira e Coimbra” à empresa E…………, S.A., pela Deliberação n.º 2526/95, da Câmara Municipal de Coimbra.
9- Neste sentido é a Câmara Municipal de Coimbra a única responsável, por aquele troço de estrada e não a ora EP.
10- Não sendo, por isso, a recorrida parte legitima.
11- Não se mostram verificados nos presentes autos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público por actos ilícitos e culposos, para que a recorrida EP seja condenada.
12- Assim, se a concepção da estrada e consequente construção ainda pela JAE, oferecia perigosidade, competia ao Município de Coimbra, proceder às devidas alterações e à devida e complementar sinalização.
13- Foi o Município de Coimbra, que procedeu à adjudicação da empreitada, à recepção provisória e definitiva da mesma, não tendo a EP qualquer intervenção na empreitada.
14- Sem prejuízo de toda a demais fundamentação das presentes contra- alegações, o valor da indemnização impressiona pela sua indemnização, resultando intuitivamente a convicção de excesso e desrazoabilidade, donde resulta, também, dúvida legítima sobre a justeza da sua aplicação, até porque o pedido foi praticamente concedido na íntegra.
15- Não se configura a existência de qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão constantes da sentença recorrida.
16- Fazendo-se Justiça, será a recorrida EP, totalmente absolvida do pedido, como aliás, o foi na douta Sentença proferida.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que serão por V. Ex doutamente supridos, deve negar-se provimento ao recurso interposto pelo Município de Coimbra e pela C……….. - Companhia de Seguros, S.A, assim se fazendo, como sempre, a costumada JUSTIÇA!

O Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão de 27.05.2011, julgou-se incompetente em razão da hierarquia e da matéria para apreciar os recursos jurisdicionais interpostos da sentença e que lhes foram dirigidos.

Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público, tendo a Exma Procurador-Geral Adjunta emitido parecer no sentido de que o recurso dos Autores merece provimento, a fls. 929 a 944 dos autos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Os Factos
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. F……………. (também conhecido por F………) nasceu no dia 6 de Setembro de 1954 e faleceu no dia 1 de Junho de 1998, no estado de solteiro.
2. A…………… nasceu no dia 30 de Abril de 1984 e encontra- se registado na CRC de Coimbra, como filho de F……………. e, de G…….
3. B……………... nasceu no dia 17 de Junho de 1989 e encontra-se registado na CRC de Coimbra, como filho de F……………… e de G…………..
4. No dia 15 de Outubro de 1998 foi celebrada, no Cartório Notarial da Lousã, a escritura de habilitação de herdeiros que constitui fls. 23 e 24 dos autos.
5. No dia 27 de Março de 1995, foi celebrado o “auto de transferência, para a Câmara Municipal de Coimbra, do troço da EN 111-1, entre o Km 0,000 e 4,532” - cfr. teor de fls. 72 dos autos, que aqui se dá por reproduzido -, o qual foi homologado por despacho proferido em 3 de Abril de 1996, pelo então Secretário de Estado — fls. 78.
6. Em 10 de Abril de 1995, entre a Câmara Municipal de Coimbra, a Comissão de Coordenação da Região Centro e a ex-Junta Autónoma das Estradas, foi celebrado o ACORDO DE COLABORAÇÃO para a execução da obra: “Reabilitação da EN 111-1 entre Cidreira (Km 0,000) e Coimbra (Km 4,532)”, contendo no Ponto 6 o seguinte: «(...) A participação financeira da Junta Autónoma das Estradas e do FEDER, podem ser canceladas se a execução das obras se afastar, sem motivo justificado, do projecto aprovado pela JAE, bem como do caderno de encargos ou do programa de trabalhos” - fls. 75 a 77 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7. Pela deliberação nº 2526/95, da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), proferida em 26 de Junho de 1995, foi adjudicada à empresa E……………. S.A. a empreitada “Beneficiação entre Cidreira e Coimbra” — cfr. teor de fls. 222 a 226, 219 e 220, 214 a 217 (trabalhos a mais, aprovados por deliberação da CMC em 14-07-1998 - fls. 206 a 212, e 204 e 205).
8. As obras da referida empreitada, tiveram por base as plantas, perfis longitudinais e perfis transversais, entre o perfil 0+500 e o perfil 1+400, extraído do projecto inicial da ex-JAE (Direcção dos Serviços Regionais de Estradas do Centro), e a alteração do separador foi aprovada por despacho proferido em 1998.06.26, pelo Presidente da CMC — cfr. teor de fls. 199 a 203 dos autos.
9. O auto de recepção provisória da obra “EN n.º111.1 — Beneficiação entre Cidreira e Coimbra” ocorreu em 2 de Fevereiro de 1999.
10. Em 26 de Janeiro de 2000, foi celebrado o auto de vistoria para recepção provisória total da obra “EN 111.1 - Beneficiação entre Cidreira e Coimbra” dele constando, designadamente, que: “(...) Tendo sido percorrido todo o trajecto da via em causa (Km 0+000 a Km 1+137 — troço ainda não recebido) e examinados os respectivos trabalhos que pelo empreiteiro foram realizados, com base no projecto, caderno de encargos e demais elementos técnicos, verificou-se que as obras não apresentavam deficiências ou deteriorações pelas quais se deve responsabilizar o empreiteiro (…)” — cfr. teor de fls. 170 e 171 dos autos.
11. Em 10 de Fevereiro de 2000, foi celebrado o auto de recepção provisória total — cfr. teor de fls. 172 dos autos.
12. Entre o Município de Coimbra e a Companhia de Seguros C……….., foi celebrado um contrato de seguro — responsabilidade civil geral de exploração — titulado pela apólice nº ……………, em vigor à data de 31 de Maio de 1998 — cfr. teor de fls. 104 a 115 dos autos;
13. No dia 31 de Maio de 1998, F…………… circulava na Estrada Nacional nº 111/1, pela metade direita da hemi-faixa de rodagem, no sentido Cidreira-Coimbra, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ………….., de marca BMW, modelo 318 injecção, propriedade da empresa D…………..
14. Na Estrada Nacional nº 111/1 no sentido Cidreira-Coimbra, a cerca de 800 metros do entroncamento (onde actualmente existe uma rotunda), entre essa via e aquela que vai para Antuzede (vinda da Figueira), a estrada desenhava uma curva fechada para a direita, seguida de outra curva para a esquerda, com dois sentidos de trânsito diferentes, configuração esta, resultante da fase inicial das obras a que se alude nos pontos 6 a 11 deste probatório (anteriores alíneas F) a L) da matéria assente).
15. Na referida curva e imediatamente após, existiam árvores de grande porte, que marginavam a estrada à esquerda e à direita e, outras que ficavam no meio da estrada (separador), entre os dois sentidos de trânsito, no meio das duas vias de rodagem, separadas.
16. No sentido e local referidos, antes da curva, não existia qualquer sinalização horizontal ou vertical indicativa da existência das duas vias separadas de trânsito, nem sinal obrigando os condutores a circular pela direita do separador.
17. A curva não sinalizada aparecia “escondida” no fim de uma recta e, imediatamente após a curva, apresentava-se uma intersecção-separador, que transformava e bifurcava, de forma repentina, a estrada de rodagem, que até aí era una, numa estrada com dois sentidos, em duas vias separadas, uma em cada sentido diferente com árvores a separá-las.
18. O traço contínuo marcado no eixo da estrada até ao separador central era provisório - foi assim colocado em virtude das obras referidas nas alíneas F) a L) da factualidade assente [pontos 6 a 11 supra] — e não permitia uma perfeita visibilidade.
19. Não havia sinais indicadores da existência do separador central no meio da estrada, nem sinais a indicar que os condutores que provinham do lado da Cidreira tinham de contornar o separador pela direita.
20. Nem o separador central se encontrava prolongado, de forma a permitir aos condutores aperceberem-se de que no fim da recta existiam duas faixas de rodagem, em sentidos diferentes e separadas, num local que imediatamente antes era uma só via, com traçado único.
21. No dia, local e hora referidos nos pontos 13 e 14 deste probatório (anteriores artigos 10 e 20 da base instrutória), o tempo estava chuvoso e havia areia, terra e detritos no piso, cobrindo a parte central da estrada, bem como os traços delimitadores da mesma, em especial o traço contínuo separador da faixa de rodagem de dois sentidos, resultantes da circulação de veículos de carga, pesados e ligeiros, devido à estrada ser rodeada de campos agrícolas.
22. O condutor do veículo identificado no ponto 13 deste probatório (anterior artigo 1º da BI), pai dos autores, ao circular nas condições ali referidas, deparou-se com a estrada que ali formava duas vias separadas e distintas e foi embater no separador central, e de seguida na árvore que ali existia dentro.
23. Devido ao embate e em consequências das lesões traumáticas meningoencefálicas sofridas pelo condutor do veículo, foi o mesmo socorrido nos serviços de urgência dos HUC, tendo falecido devido a essas mesmas lesões.
24. Os autores A…….. e B…………. eram, à data da instauração da presente acção, ambos estudantes, o primeiro na Universidade e o segundo no ensino secundário, e actualmente o primeiro frequenta um curso de pós-graduação e explora um bar, e o segundo frequenta o ensino superior.
25. O pai dos autores era médico especialista de cardiologia (assistente graduado) e trabalhava nos HUC, onde desempenhava as funções de responsável pelo Departamento de .................
26. Entre 1996 até à data da sua morte, nos HUC, o pai dos autores auferiu o vencimento líquido total de 15.505.844$00 (€ 77.342,82).
27. Trabalhando, ainda, em clínicas médicas privadas, em Oliveira do Hospital, Alcobaça, Leiria, Coimbra e Benedita, fazendo consultas e prescrevendo exames.
28. Tendo constituído, para o efeito, uma sociedade por quotas denominada D……………., Lda., da qual detinha 95% do capital e o autor A…………. 5%.
29. Esta sociedade tinha equipamento próprio, de Ecocardiografa-Ecendiografia, que explorava, unicamente, com o trabalho do pai dos autores e pessoal técnico por este contratado, no âmbito da especialidade de cardiologia.
30. Os exames prescritos pelo pai dos autores na clínica de Coimbra referida no ponto 27 deste probatório (anterior artigo 15° da BI) eram depois efectuados no equipamento pertencente à Sociedade referida em 28 (anterior artigo 16° da BI), que se destinava desta forma, unicamente a rentabilizar a actividade médica do pai dos autores, sendo que exames prescritos pelo pai dos autores nas restantes clínicas privadas referidas no ponto 27 deste probatório eram depois efectuados em equipamentos pertencentes a essas clínicas.
31. Aquela sociedade facturou no ano de 1997, a quantia de esc. 29.532.874$00, tendo tido um resultado líquido de 12.788.760$00.
32. Aquela sociedade facturou no ano de 1996, a quantia de esc. 30.738.017$00, tendo tido um resultado líquido de 10.168.443$00.
33. Desde a morte do pai dos autores que a referida sociedade deixou de prestar quaisquer serviços e de produzir rendimentos, dado que era unicamente aquele que angariava clientes e os acompanhava medicamente.
34. No ano de 1996, nos HUC e como médico em exercício clínico privado, o pai dos autores teve um rendimento bruto de esc. 16.327.893 (= € 81.443,19), sendo a quantia de 7.284.126$00 respeitantes ao trabalho dependente, e o montante de 9.043.767$00 relativos ao exercício da sua profissão em regime de trabalho independente.
35. No ano de 1997, nos HUC e como médico em exercício clínico privado, o pai dos AA teve um rendimento bruto de esc. 17.057.500$00, (= € 85.082,45), sendo a quantia de 6.974.965$00 respeitantes ao trabalho dependente, e o montante de 10.082.535$00 relativos ao exercício da sua profissão em regime de trabalho independente.
36. O veículo automóvel conduzido pelo pai dos autores no dia do despiste era de marca BMW e matrícula ………., e valia naquela data a quantia de esc. 4.000.000$00.
37. O funeral do pai dos autores custou, com publicação, a quantia de esc. 157.246$00.
38. O pai dos autores vivia com eles e em comum com a mãe destes, formando uma família feliz e harmoniosa.
39. Os autores gostavam do pai, de quem recebiam carinho e amor, prendas, mimos, atenções e alimentos, tendo sofrido pela sua morte, na sequência da qual passaram por períodos muito difíceis e ficaram muito perturbados.
40. O pai dos autores ia ao estrangeiro com frequência, quer em passeios, quer em congressos, levando-os consigo e frequentando restaurantes e hotéis.
41. O pai dos autores era um homem saudável, atlético, feliz, auspicioso, e tinha uma carreira médica promissora.
42. O pai dos autores morreu cerca de 24 horas a seguir ao acidente.
43. Quando ocorreu o acidente sofrido pelo pai dos autores ainda estava dia.
44. Após o dia 31 de Maio de 1998, o traçado da via e seu separador, no local do acidente, foram alterados, prolongando-se este de forma a ser visto por quem ali circule, antes de entrar na curva.

3. O Direito
A presente acção de responsabilidade civil extracontratual, intentada contra o “IEP - Instituto de Estradas de Portugal” [actualmente EP – Estradas de Portugal, SA], tem por fundamento os danos decorrentes do acidente de viação que vitimou o condutor do veículo, pai dos AA, imputável aos erros de concepção do projecto de alargamento e alteração da via que terão criado uma situação de perigo, e à falta de sinalização da mesma.
O Réu, Instituto de Estradas de Portugal, excepcionou a sua ilegitimidade com fundamento no facto da estrada em causa estar sob a sua jurisdição do Município de Coimbra, dada a transferência para esta em 27.03.1995, nos termos do DL nº 380/85, de 26/9, que procedeu à desclassificação da via.
Os AA., na sua Resposta, requereram, a intervenção como Réu do Município de Coimbra, nos termos dos arts. 31º-B e 325º, do CPC (na versão então vigente), que foi admitida. Por sua vez, na sua contestação o Município de Coimbra requereu a intervenção acessória provocada da C…………., Companhia de Seguros, nos termos do art. 330º do CPC, igualmente admitida.

Nos autos vêm interpostos os seguintes Recursos:
1 - Recurso interposto pelo Réu IEP do Despacho de fls. 255, que o julgou parte legítima para a acção;
2 - Recurso interposto da sentença pelos AA., na parte em que esta absolveu as Estradas de Portugal do pedido;
3 - Recursos interpostos da sentença pelo Município de Coimbra, e pela Seguradora C……………. - Companhia de Seguros, S.A

1 - Recurso interposto pelo Réu, I.E.P do despacho que o julgou parte legítima para a acção.
A ocorrência do acidente vem imputada, como já referimos, às seguintes razões:
i) Erro de concepção do projecto a que obedeceram as obras de alargamento e reparação da via, por ter sido concebida a implantação de um separador central, imediatamente após uma curva, e com uma configuração de que resultava o aparecimento daquele ao condutor de forma imprevisível. Facto que criou uma situação de perigo – cfr. artigos 16º, 19º a 21º, 24º, 26º e 27º, 32º, 34º e 39º a 41º da petição inicial;
ii) Falta de sinalização que, com antecedência, alertasse o condutor para a aproximação do separador central bem como a falta de manutenção em condições de visibilidade do traço contínuo separador da faixa de rodagem de dois sentidos – cfr. artigos 21º, 23º, 25º e 27º, 28º a 31º e 45º da petição.
Dispunha o 26º, nº 3, do CPC (na versão vigente à data da propositura da acção) que: “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito de legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Assim sendo, invocado que foi que o acidente ocorreu porque na concepção e projecto das obras de beneficiação da via, que a ex-JAE (pela Direcção dos Serviços Regionais de Estradas do Centro) aprovou, não foram observadas as regras de zelo e ponderação e as regras técnicas que se impunham, criando uma situação de perigo que lhe é imputada a título de responsabilidade civil extracontratual, forçoso é concluir, tal como no despacho recorrido, que o então IEP é sujeito da relação controvertida, tal como configurada pelos autores, sendo, portanto, parte legítima.
Termos em que o recurso interposto do despacho de fls. 255 não merece provimento.

2 - Recurso interposto da sentença pelos AA, na parte em que aquela absolveu o IEP do pedido / 3 – Recurso interposto pelo R. Município / C………….
Os Autores alegam que, além da responsabilidade do Município, existe também responsabilidade da ex-JAE, porque foi esta que concebeu, projectou e aprovou as obras, cuja execução transferiu para o Município, “sem ter em conta que as mesmas não se adaptavam ao local, à curva, à existência de árvores, fez mal o separador, não calculou os perigos e a insegurança daí resultante”, violando as regras de prudência e da boa técnica.

Por sua vez o R. Município [acompanhado pela interveniente C…………… – Companhia de Seguros] alegou, em síntese, o seguinte:
- As obras foram projectadas e efectuadas pela ex-JAE, por técnicos especializados, e de acordo com os diplomas que regulamentavam à data o plano rodoviário nacional;
- Estava obrigado por força do Acordo de Colaboração a cumprir o projecto conforme lhe tinha sido apresentado;
- Pelo que, a dever-se o acidente ao traçado da via e à existência e configuração do separador central, tal não lhe pode ser imputado;
- E não existindo facto ilícito, não é possível concluir pela sua responsabilização;
- Apesar da inexistência de sinalização, o acidente é apenas imputável ao pai dos AA, porque este não seguia pelo lado direito da faixa de rodagem e não adequou a sua condução às características da via e estado do tempo, o que constitui violação de arts. 13º, 14º, 16º, 19º e 24º do CE.
- O facto de não estar visível o traço contínuo, marcado no eixo da estrada até ao separador central não pode ser imputado ao Município porque, como resultou provado, havia areia e terra provenientes da circulação de veículos de carga por a estrada ser rodeada de campos agrícolas;
- Atendendo aos anexos do Dec-Reg nº 22-A/98, de 1/10, não se vislumbra a existência de qualquer sinal de perigo ou de obrigação, designadamente os referidos na sentença, que pudesse evitar o acidente.
- E ainda que houvesse ilicitude, não verifica nexo causal entre os factos e o acidente, nem os factos dados como provados são suficientes para estabelecer o nexo causal;
- Não deve ser atribuída indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima porque não está provado que esta sofreu danos, que estivesse consciente ou que se tivesse apercebido que ia falecer;
- A indemnização atribuída aos AA a título de danos não patrimoniais revela-se excessiva, devendo — caso o Tribunal entenda haver responsabilidade do recorrente — ser fixada, atendendo à data do acidente, em 12.500,00€ para ambos os AA;
- A fixação da indemnização atribuída aos AA, a título de alimentos, também não está de acordo com os factos provados e violar as regras da experiência e da equidade, porque não teve em consideração que o Autor A………. já explorava um bar em 2009, (portanto antes de completar 26 anos), auferindo rendimentos próprios e que a formação escolar dos AA terminaria aos 21/23 anos e porque considerou que a vítima gastava mensalmente com os filhos 1/6 do seu rendimento médio, (3.800,00€);
- Não é aceitável a indemnização atribuída ao A. A………. pela Sociedade “D………., Lda, porque não está provado este A. recebia os referidos lucros nem que a sociedade os produzia;
- Considerando que os valores da indemnização fixados na sentença foram actualizados naquela data não há fundamento para condenar o recorrente nos juros desde a citação;
- A sentença recorrida violou, entre outros, os arts. 13º e 22º da CRP, 483º, 487º, 496º, 805º, 806º, 2009º e 2013º do CC., 4º e 6º, do Dec-Lei 48.051, 13º, 14º, 16º, 19º e 24º, do C.E. e Dec-Reg. nº 22-A/98.

Conheceremos conjuntamente dos recursos interpostos, visto que têm por pressuposto a aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no domínio dos actos de gestão pública, à data do acidente, previsto no DL nº 48051, de 21.11.67 (hoje previsto na Lei nº 67/2007, de 31/12), respectivos arts. 2º a 6º, no art. 483º e seguintes do CC e ainda o art. 90º do DL nº 100/84, de 29/3 (LAL), quanto ao Município de Coimbra.
De acordo com o art. 90º da LAL, no que respeita à responsabilidade das autarquias locais, estas “respondem civilmente perante terceiros por ofensa de direitos destes ou de disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes no exercício das suas funções ou por causa desse exercício”.
Isto é, segundo estes preceitos, e como decorre da regra geral do art. 483º, nº 1 do CC, da qual o art. 2º do DL nº 48051 e o art. 90º da LAL são decalcados, para que se verifique a obrigação de indemnizar é necessário que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

A sentença recorrida, com fundamento em que a Câmara Municipal não estava impedida de, com motivo justificado, alterar o traçado da estrada e em que esta era património municipal, considerou que a Câmara Municipal devia ter tomado as providências adequadas, alterando o traçado da via e procedendo a sinalização que alertasse para a existência do separador.
Concluiu, por isso, que o acidente é exclusivamente imputável às omissões do Município, por ser razoável concluir que o cumprimento dos deveres de fiscalização e sinalização adequados teria, com toda a probabilidade, impedido o resultado, porque se a aproximação do perigo estivesse adequadamente sinalizada o acidente seria, com toda a probabilidade evitável e não teria ocorrido.

Os AA. questionam o assim decidido, defendendo que não só o R. Município incorreu em responsabilidade civil extracontratual, mas também o então IEP, hoje Estradas de Portugal, é solidariamente responsável pelo acidente por este se ter devido, por um lado, a erros de concepção no traçado, da responsabilidade do IEP, e, por outro, a falta de sinalização adequada da via da responsabilidade do Município.

Atentemos no que foi dado como assente:
Resulta provado que o troço da estrada onde ocorreu o acidente, à data do mesmo, fazia já parte do património do Município de Coimbra, para quem a propriedade foi transferida, de acordo com o disposto no DL nº 380/85, de 26/9, em 27 de Março de 1995, sendo celebrado o “auto de transferência, para a Câmara Municipal de Coimbra, do troço da EN 111-1, entre o Km 0,000 e 4,532”, o qual foi homologado por despacho proferido em 3 de Abril de 1996, pelo então Secretário de Estado.
Em 10 de Abril de 1995, entre a Câmara Municipal de Coimbra, a Comissão de Coordenação da Região Centro e a ex-Junta Autónoma das Estradas, foi celebrado o ACORDO DE COLABORAÇÃO para a execução da obra: “Reabilitação da EN 111-1 entre Cidreira (Km 0,000) e Coimbra (Km 4,532)”, contendo no Ponto 6 o seguinte: «(...) A participação financeira da Junta Autónoma das Estradas e do FEDER, podem ser canceladas se a execução das obras se afastar, sem motivo justificado, do projecto aprovado pela JAE, bem como do caderno de encargos ou do programa de trabalhos”.
Pela deliberação nº 2526/95, da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), proferida em 26 de Junho de 1995, foi adjudicada à empresa E………….. S.A. a empreitada “Beneficiação entre Cidreira e Coimbra”.
As obras da referida empreitada, tiveram por base as plantas, perfis longitudinais e perfis transversais, entre o perfil 0+500 e o perfil 1+400, extraído do projecto inicial da ex-JAE (Direcção dos Serviços Regionais de Estradas do Centro), e a alteração do separador foi aprovada por despacho proferido em 1998.06.26, pelo Presidente da CMC.
Após o dia 31 de Maio de 1998, o traçado da via e seu separador, no local do acidente, foram alterados, prolongando-se este de forma a ser visto por quem ali circule, antes de entrar na curva.
Ora, como se vê dos factos assim descritos, à data do acidente era já o Município de Coimbra o proprietário do troço de estrada aqui em causa, sendo certo que as obras de beneficiação no troço em questão foram decididas pela respectiva Câmara Municipal, a qual adjudicou a empreitada das obras àquele respeitantes.
É certo que as obras da referida empreitada tiveram por base o projecto inicial da ex-JAE e que o ponto 6 do “Acordo de Colaboração” (ponto 6 dos FP) contemplava a hipótese de cancelamento da comparticipação financeira desta e do FEDER em caso de a execução das obras se afastar, sem motivo justificado, do projecto aprovado pela JAE.
No entanto, tal cláusula pressupõe que existindo tal motivo justificado, visando uma boa execução ou melhoramento na realização da obra, em termos de segurança para o trânsito, o dono da obra podia, ou tinha mesmo obrigação de alterar ou sugerir alterações ao projecto aprovado.
Aliás, a alteração veio a suceder conforme se encontra provado, após a data do acidente, alteração essa no separador que foi aprovada por despacho do Presidente da Câmara Municipal de 26.06.1998. Isto é, menos de 1 mês após o acidente.
Assim sendo, tal como entendeu a sentença recorrida, pertencendo a estrada em causa ao património viário do Município, o qual era o dono da obra que aí se estava a efectuar à data do acidente, detinha este, em exclusividade, a competência de zelar pela vigilância e conservação permanente dessa via, tomando todas as providências necessárias e adequadas a que nela se circulasse com segurança, tanto a nível de alterações ao traçado, como da pertinente sinalização da estrada.
Não existe, portanto, qualquer facto ilícito que possa ser imputado à Ré Estradas de Portugal, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 2º e 6º do DL nº 48051, não tendo a sentença recorrida violado os art 562º, 563º, 564º do CC.
Termos em que, a sentença recorrida ao absolver a R. Estradas de Portugal do pedido não incorreu em erro de julgamento, improcedendo o recurso dos autores e as conclusões 2º a 13º do R. Município.

No seu recurso alega o R. Município [acompanhado pela Companhia de Seguros interveniente] que não existe da sua parte facto ilícito, não sendo possível concluir pela sua responsabilização. E que apesar da inexistência de sinalização, o acidente é apenas imputável ao pai dos AA, porque este não seguia pelo lado direito da faixa de rodagem e não adequou a sua condução às características da via e estado do tempo, o que constitui violação de arts. 13º, 14º, 16º, 19º e 24º do CE. E ainda que houvesse ilicitude, não se verifica nexo causal entre os factos e o acidente, nem os factos dados como provados são suficientes para estabelecer o nexo causal. Questiona igualmente a verificação de certos danos e o montante de outros.

Vejamos então se se verificam os pressupostos ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade, no que respeita à omissão de sinalização no local em que ocorreu o acidente rodoviário que causou ao pai dos autores as lesões traumáticas que determinaram o seu falecimento.
De acordo com a matéria de facto provada o acidente ocorreu nas seguintes circunstâncias:
No dia 31 de Maio de 1998, o pai dos AA. circulava na Estrada Nacional nº 111/1, pela metade direita da hemi-faixa de rodagem, no sentido Cidreira-Coimbra, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ………..
Na Estrada Nacional nº 111/1 no sentido Cidreira-Coimbra, a cerca de 800 metros do entroncamento (onde actualmente existe uma rotunda), entre essa via e aquela que vai para Antuzede (vinda da Figueira), a estrada desenhava uma curva fechada para a direita, seguida de outra curva para a esquerda, com dois sentidos de trânsito diferentes, configuração esta, resultante da fase inicial das obras a que se alude nos pontos 6 a 11 deste probatório.
Na referida curva e imediatamente após, existiam árvores de grande porte, que marginavam a estrada à esquerda e à direita e, outras que ficavam no meio da estrada (separador), entre os dois sentidos de trânsito, no meio das duas vias de rodagem, separadas.
No sentido e local referidos, antes da curva, não existia qualquer sinalização horizontal ou vertical indicativa da existência das duas vias separadas de trânsito, nem sinal obrigando os condutores a circular pela direita do separador.
A curva não sinalizada aparecia “escondida” no fim de uma recta e, imediatamente após a curva, apresentava-se uma intersecção-separador, que transformava e bifurcava, de forma repentina, a estrada de rodagem, que até aí era una, numa estrada com dois sentidos, em duas vias separadas, uma em cada sentido diferente com árvores a separá-las.
O traço contínuo marcado no eixo da estrada até ao separador central era provisório - foi assim colocado em virtude das obras referidas nos pontos 6 a 11 do probatório - e não permitia uma perfeita visibilidade.
Não havia sinais indicadores da existência do separador central no meio da estrada, nem sinais a indicar que os condutores que provinham do lado da Cidreira tinham de contornar o separador pela direita.
Nem o separador central se encontrava prolongado, de forma a permitir aos condutores aperceberem-se de que no fim da recta existiam duas faixas de rodagem, em sentidos diferentes e separadas, num local que imediatamente antes era uma só via, com traçado único.
No dia, local e hora referidos nos pontos 13 e 14 do probatório, o tempo estava chuvoso e havia areia, terra e detritos no piso, cobrindo a parte central da estrada, bem como os traços delimitadores da mesma, em especial o traço contínuo separador da faixa de rodagem de dois sentidos, resultantes da circulação de veículos de carga, pesados e ligeiros, devido à estrada ser rodeada de campos agrícolas.
O condutor do veículo identificado no ponto 13 do probatório, pai dos autores, ao circular nas condições ali referidas, deparou-se com a estrada que ali formava duas vias separadas e distintas e foi embater no separador central, e de seguida na árvore que ali existia dentro.
Devido ao embate e em consequências das lesões traumáticas meningoencefálicas sofridas pelo condutor do veículo, foi o mesmo socorrido nos serviços de urgência dos HUC, tendo falecido devido a essas mesmas lesões.

Sobre a ilicitude pela omissão de sinalização do local do acidente refere, nomeadamente, a sentença recorrida:
Ora, independentemente da concepção, a verdade é que, como dono da via, o Município não podia desconhecer dos perigos que a estrada oferecia (cfr. missiva que constitui fls. 321 a 323 dos autos, que aqui se reproduz) e, ao omitir a sinalização adequada a transmitir aos utilizadores da via [aquela] a existência daquele perigo, é forçoso concluir que se demonstrou a violação dos deveres de ordem técnica ou de prudência comum que devam ter sido tidos em consideração por parte do Município”.

Vejamos.
Segundo o art. 6º do DL nº 48051, “Para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.
E já vimos que, especificamente quanto às autarquias locais, estas respondem civilmente, nos termos do art. 90º do DL nº 100/84, de 29/3.
Ora, a LAL, na redacção da Lei nº 18/91, de 12/6, no seu art. 51º, nº 4, alínea e) afirma que compete à câmara municipal “Deliberar sobre tudo o que interessa à segurança e comodidade do trânsito nas ruas e demais lugares públicos e não se insira na competência de outros órgãos ou entidades”.
Já a Lei nº 2110 de 19.08.61 (Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais), na redacção do DL nº 369/77, de 1/9, dispõe no seu art. 2º: “É das atribuições das câmaras municipais a construção, conservação reparação das estradas e caminhos municipais”.
E o art. 28º, que regula a sinalização dispõe no seu nº 1: “Os locais das vias municipais que possam oferecer perigo para o trânsito ou onde este tenha de ser feito com precaução, deverão ser assinalados por meio de placas com os sinais fixados na legislação em vigor”.
Do Código da Estrada (CE), aprovado pelo DL nº 114/94, de 3/5, na redacção do DL nº 2/98, de 3/1, decorre também essa obrigação de sinalizar ao dispor no art. 5º, nº 1, o seguinte:
Nos locais que possam oferecer perigo para o trânsito ou em que este deva estar sujeito a restrições especiais e ainda quando seja necessário dar indicações úteis aos utilizadores devem ser utilizados os respectivos sinais de trânsito”. E igual obrigação resulta do art. 1º do Regulamento do CE, aprovado pelo Decreto nº 39987, de 22.12.54, na redacção da Portaria nº 46-A/94, de 17/1 (em termos em tudo semelhantes, no que ao caso importa, ao prescrito no Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1/10 a que a sentença recorrida fez apelo).
Tal como bem entendeu a sentença recorrida, “a inexistência de sinalização apropriada, aliada à perigosidade resultante da configuração da via não podem, neste caso, deixar de ser consideradas segundo as regras da experiência e normalidade, como apropriadas ou adequadas para produzir o acidente e os danos sofridos na sua sequência”.
Com efeito, não há dúvidas de que há o dever por parte das autarquias locais de fazer a manutenção, reparação e sinalização das vias municipais.
O Recorrente Município questiona qual seria a sinalização pertinente.
Ora, tal como entendeu a sentença recorrida vários eram os sinais com utilidade e que podiam reduzir ou mesmo anular o perigo que a via em questão apresentava.
Nos termos do Regulamento referido, em vigor à data, podiam ser utilizados os sinais de perigo (cfr. art. 3º) e de obrigação (cfr. art. 4º, nºs 1 e 2, al. b)) e os sinais complementares (art. 5º, al. d)):
A1a ou A1c que indicam a proximidade de uma curva perigosa à direita ou de uma sucessão de curvas perigosas, sendo a primeira à direita e A29 (outros perigos); seguidos, após a curva, e no início do separador central do sinal D3a ou D3b que indicam a obrigação de contornar a placa ou obstáculo: indicação da obrigação de contornar a placa ou obstáculo pelo lado indicado na seta inscrita no sinal (no caso pela direita); e complementarmente os sinais O7a e O7b “balizas de posição: indicam a posição e limites de obstáculos existentes na via”. Além de se sinalizar a curva fechada para a direita, no fim de uma recta (seguida de uma curva para a esquerda), tais sinais (A29 e os seguintes indicados) seriam adequados a indicar que para além dessa curva “escondida” para a direita, e imediatamente após ela, apresentava-se uma intersecção-separador, que transformava e bifurcava, de forma repentina, a estrada de rodagem, que até aí era una, numa estrada com dois sentidos, em vias separadas, uma em cada sentido diferente com árvores a separá-las.
Ora, nenhum destes sinais, exigidos nas circunstâncias, foi utilizado pelo recorrente, quando é certo que o facto de a via ter as características provadas e se encontrar nas condições também provadas impunha aos condutores cuidados redobrados, comparativamente com os que seriam devidos em estradas em estado normal de conservação e com adequada sinalização.
É como tal ilícita a omissão total de sinalização e a não remoção dos obstáculos, areia, terra e detritos da via, que o próprio Réu admite que existiam no local.
À responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, incluindo as autarquias locais, no domínio dos actos de gestão pública, é aplicável a presunção de responsabilidade prevista no art. 493º, nº 1 do CC (neste sentido, v.g., o ac. deste STA de 14.10.09, Proc. 0155/09 e a restante jurisprudência nele indicado). E, no caso, a omissão culposa do réu deve declarar-se quer em função desta presunção, quer, mesmo, por se encontrar provada a sua culpa nos termos gerais.
Com efeito, verifica-se que estão provados os factos atinentes à demonstração da culpa do réu Município, já que devia ter havido uma determinada actuação e não houve, pelo que a omissão é ilícita, e, nada afastando a imputação de tal omissão ao réu, estamos perante uma ilicitude culposa.
Efectivamente, ela só poderia ser afastada se viesse provado qualquer facto que excluísse o dever de sinalização, ou que demonstrasse que este não tinha podido ser cumprido. Ou de que tinham sido cumpridas as exigíveis diligências de sinalização e de remoção da areia, terra e detritos, ou que a sinalização desaparecera por razões não imputávreis ao Réu e que aqueles tinham surgido de forma que não podia ter sido evitada, face às circunstâncias apuradas e tendo em conta a diligência de um bom pai de família (cfr. art. 487º, nº 2 do CC).
Mas nada disto ficou apurado, admitindo o Réu que não havia qualquer sinalização (que considera ser irrelevante) e que a existência de areia, terra e detritos no piso, cobrindo a parte central da estrada, resultante da circulação de veículos de carga, pesados e ligeiros, se devia à estrada ser rodeada de campos agrícolas (cfr. conclusão 25º do recurso do réu). Circunstância esta que devia determinar por parte daquele tanto uma adequada sinalização, como uma maior fiscalização e manutenção/limpeza no sentido de retirar da via detritos diversos provenientes dos campos agrícolas que circundavam a via.
Assim, são de considerar assentes o facto ilícito, consubstanciado na falta de sinalização e de remoção de obstáculos, como é o caso de areia, terra e detritos no piso, e a culpa, que advém da imputação do facto ao Réu.
Quanto ao nexo de causalidade tem vindo a ser entendido por este Supremo Tribunal e também pelo Supremo Tribunal de Justiça que o art. 563º do CC, consagrou a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, correspondente ao ensinamento de Ennecerus-Lehmann segundo a qual “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (…) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto” (cfr. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 10ª ed., pág. 890/1 e, v.g., Acs. deste STA de 21.02.2008, Proc. 1001/07, de 07.02.2012, Proc. 827/10, de 14.10.2009, Proc. 0155/09, e de 13.03.2012, Proc. 0477/11).
Com efeito, prevê-se no art. 563º do CC, que: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
A sentença recorrida entendeu o seguinte: “(…) tendo presente que o artigo 563º do Código Civil acolheu, de acordo com Jurisprudência e Doutrina unânimes, a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa, o prejuízo deve recair sobre quem agindo ilicitamente criou a condição do dano. Assim, o facto ilícito que, no caso concreto foi efectivamente condição do resultado danoso, só deixa de ser causa adequada se for de todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano”. E, concluiu que a conduta omissiva do réu tinha aptidão para produzir o resultado, não sendo na ordem natural das coisas indiferente à produção do dano, sendo efectiva condição do resultado.
Segundo o Recorrente e contrariamente ao decidido, não foi a falta de sinalização da curva, do separador central ou da areia e outros detritos que causou o acidente, pois ele sempre teria ocorrido ainda que não existisse tal sinalização. Isto por o acidente ser apenas imputável ao pai dos AA, porque este não seguia pelo lado direito da faixa de rodagem e não adequou a sua condução às características da via e estado do tempo, violando as regras estradais. Conclui que não há nexo de causalidade entre as invocadas omissões do Réu Município e a produção do acidente, que se teria devido exclusivamente à actuação do condutor do veículo, pai dos Autores.
Mas sem razão.
Com efeito, não é isso o que resulta dos factos dados como provados.
Perguntava-se na base instrutória: sob o nº 36º se “A estrada no local do acidente, era asfaltada, piso liso, sem qualquer depressão, terras ou areias?”; sob o nº 37º se “O condutor do veículo referido em 1º, e pai dos AA, circulava a mais de 90 ou 100Km/h aquando do despiste e, sem atenção ao trânsito rodoviário?”; sob o nº 38º, se “O separador central, em forma oval era visível para qualquer condutor de veículos automóveis, a uma distância de cerca de 100 metros, considerando o sentido de marcha do pai dos AA?”; sob o nº 39º se “Bem como, eram visíveis as árvores de grande porte, implantadas no referido separador?”; sob o nº 41º se “O pai dos AA conhecia a estrada onde ocorreu o acidente, designadamente, o local em concreto, pois por aí circulava com assiduidade?”. E todos estes “quesitos” receberam resposta negativa.
O que significa que dos factos provados não resulta qualquer elemento donde se possa concluir pela falta de diligência ou a imperícia do condutor.
Isto é, não se provou que o condutor do veículo circulasse em excesso de velocidade e desatento ao trânsito, que conhecesse o local ou que o separador central e as árvores nele implantadas fossem visíveis, tendo violado as regras de trânsito impostas nos arts. 13º, 14º, 16º, 19º e 24º do CE. Mas provou-se que não existia qualquer sinalização, sendo certo que os sinais de trânsito devem ser colocados a uma distância adequada dos condicionamentos ou obstáculos que pretendem sinalizar, com vista a chamar a atenção do condutor, com a antecipação necessária e suficiente, de forma a que possa adequar a sua condução aos condicionamentos ou obstáculos da via pela qual circula (cfr. o citado art. 5º, nº 1 do CE e o art. 2º, nº 2 do Regulamento).
Ora, tendo em conta a factualidade dada como provado nos pontos 13 a 23 do probatório, revela-se um processo causal dos danos ocorridos, mormente, da morte do condutor, sendo determinante o desgoverno da viatura, o qual, na cronologia dos acontecimentos, se seguiu à curva não sinalizada, existindo areia, terra e detritos na via, e embate no separador central, e na árvore nele existente, e, também não sinalizados. Ou seja, os factos provados permitem estabelecer, com base nas regras de experiência comum, um nexo de causalidade adequada entre a falta de sinalização da via e as condições da mesma e o acidente, e, consequentemente, os danos do mesmo resultantes, contrariamente ao que defendem os recorrentes Município e a seguradora C……….. de que este sempre se teria produzido mesmo que a sinalização existisse.

Verificados que estão os pressupostos da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade entre o facto e o acidente e os danos dele resultantes, resta, pois, determinar se os valores fixados a título de indemnização pelos danos foram correctamente estabelecido.
No seu recurso a C………… – Companhia de Seguros, SA defendeu que os montantes das indemnizações fixadas são muito superiores aos valores que resultariam da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, reconhecendo serem estes apenas indicativos, no que foi acompanhada pelo Réu Município de Coimbra.
Quanto a esta alegação, diremos que os valores constantes da Portaria nº 377/2008 (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25/6) visam apenas a formulação por parte das empresas de seguros de uma proposta razoável a apresentar aos lesados por acidente automóvel, para indemnização de dano corporal (cfr. art. 1º).
Os valores constantes da Portaria em questão devem ficar restritos ao âmbito para que nela foram definidos.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 01.06.2011, Proc. 198/00.6GBCLD.L1: «(…), aqueles valores fora do referido âmbito, constituirão apenas uma referência, nada impedindo que os tribunais, usando os critérios previstos no Código Civil, fixem valores superiores, o que até constituirá a situação normal, tendo em vista que a aceitação da proposta de acordo da empresa seguradora por parte do lesado desonera este das desvantagens e incómodos que a via judicial comporta, como contratar advogado, indicar testemunhas, lidar com a natural relutância destas em irem a tribunal, por razões evidentes, suportando custos antes de receber seja o que for, para além do risco de, por qualquer razão, não conseguirem fazer valer total ou parcialmente os seus direitos. E, como se viu, o diploma nem contempla todos os danos susceptíveis de indemnização».
Assim, ao Tribunal cabia no presente caso julgar segundo os critérios estabelecidos no Código Civil, segundo a equidade (cfr. arts. 494º, 495º, nº 3 e 496º do CC), o que fez, não estando sujeito a critérios normativos fixados em diploma não aplicável ao caso, competindo a este Supremo Tribunal aquilatar se os montantes estabelecidos se mostram correctos apenas face à previsão do Código Civil.

A sentença recorrida fixou os seguintes montantes a título de indemnização:
A – Danos não patrimoniais:
1 – dano morte da própria vítima - € 39.903,83
2 – danos não patrimoniais sofridos pela vítima - € 20.000,00
3 – danos não patrimoniais sofridos pelos Autores - € 39.903,83

B – Danos Patrimoniais:
1 – custo do funeral - € 784,34
2 – alimentos aos autores - € 538.701,71
3 – danos sofridos pelo A. A…………. com a perda da quota de 5% que detinha na sociedade D…….. - € 109.735,53.

Destes montantes indemnizatórios apenas vem interposto recurso quanto aos danos não patrimoniais da própria vítima (A-2), quanto ao montante dos danos não patrimoniais dos autores (A-3), e quanto aos montantes devidos por alimentos perdidos (B-2) e danos sofridos pelo A. A……… com a perda da quota (B-3).
Vejamos.
Quanto à indemnização atribuída pelos danos não patrimoniais da vítima (A- 2 supra):
Entendeu a sentença recorrida atribuir o montante de € 20.000,00 de indemnização por danos morais sofridos pela própria vítima.
Por sua vez o Réu questiona essa atribuição indemnizatória, por não se ter provado que o mesmo sofreu quaisquer dores ou agonia durante o período em que permaneceu vivo.
Assiste, a nosso ver, razão ao Recorrente.
O facto de o pai dos AA ter sentido dores, ou sofrimento por prever a morte, não se provou, mas apenas que, “o pai dos AA. morreu cerca de 24 horas a seguir ao acidente” (cfr. resposta ao nº 34 da BI, fls. 637 e fundamentação de fls. 646).
Ora, sobre os AA. impendia o ónus da prova do dano (art. 342º, nº 1 do CC), pelo que a falta dessa prova é resolvida contra os mesmos, não havendo lugar à atribuição da indemnização em causa, contrariamente ao decidido na sentença recorrida.

A - Quanto à indemnização atribuída aos AA a título de danos não patrimoniais (A-3 supra)
A importância de € 39.903,83€ (8.000.000$00), atribuída em conjunto aos dois AA, não é excessiva, tendo em conta, como na sentença se refere «a idade que tinham na altura da morte do pai (14 e 9 anos - pontos 2 e 3 do probatório), o facto de viverem com o seu pai (juntamente com a mãe), formando uma família feliz e harmoniosa (ponto 38 do probatório), o estilo de vida que levavam (ponto 40 do probatório) e sobretudo a factualidade descrita no ponto 39 do probatório, «os autores gostavam do pai, de quem recebiam carinho e amor, prendas, mimos, atenções e alimentos, tendo sofrido pela sua morte, na sequência da qual passaram por períodos muito difíceis e ficaram muito perturbados».
Assim, entendemos que a fixação do montante em causa observou o disposto nos arts. 496º, nº 3 e 494º do CC, devendo manter-se.
B – Quanto às indemnizações por danos patrimoniais
Quanto à indemnização por alimentos (B-3 supra)
Considerou a sentença recorrida que a indemnização reclamada “deverá ser determinada pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que os autores podiam receber do seu pai, mantendo o nível de vida que até aí gozavam”. E que, segundo a jurisprudência do STJ e deste STA no cálculo da indemnização o tribunal deve seguir as regras da equidade na respectiva fixação.
Atendeu nessa fixação ao seguinte:
«- As idades dos autores (14 e 9 anos – pontos 2 e 3 do probatório) e às necessidades destes durante a respectiva menoridade e até completarem a sua formação escolar, que é de prever, na actualidade, que vá até ao limite máximo dos 26 anos, e portanto, careceriam de alimentos por mais 12 e 17 anos;
- A idade e profissão do pai dos autores, e que tinha uma carreira médica promissora (pontos 1, 25 e 41 do probatório), sendo previsível que mantivesse os seus rendimentos e até os aumentasse;
- que devem ser tidos em consideração os rendimentos que o pai dos autores auferia através do exercício da profissão médica, ou que podia auferir através da sociedade comercial, que se destinava desta forma, unicamente a rentabilizar a actividade médica do pai dos autores (ponto 31 do probatório), quer através do exercício da profissão médica, devem ser tidos em consideração:
- que como médico nos HUC e em exercício privado, auferiu, no ano de 1996, nos HUC e como médico privado, a importância de esc. 16.327.893 (= € 81.443,19), e em 1997, um rendimento de esc. 17.057.500$00, (= € 85.082,19) – pontos 34 e 35 do probatório – o que equivale a uma média anual de 83.262,82 €;
- que a sociedade de que detinha 95% teve um resultado líquido de 10.168.443$00 no ano de 1996, e de 12.788.760$00 no ano de 1997, o que equivale a lucros médios anuais de 11.478.601$00 (=57.255,00€), sendo de 54.392,25 € o montante que, pelo valor da sua quota, (95%) o pai dos autores podia dispor anualmente.
- o estilo de vida que levavam (ponto 40 do probatório);
- e que é legítimo concluir que gastaria cerca de 1/6 do seu rendimento dos filhos;
O montante peticionado pelos alimentos perdidos – 108.000.000$00 (=€ 538.701,71) – não se apresenta de modo algum exagerado, ficando até aquém das importâncias que se pressupõe que o pai dos autores despenderia com eles, não fora a sua morte».

Está em causa, aqui, a compensação pelos “alimentos” que os autores deixaram de obter. Isto é, segundo a noção constante do art. 2003º, nºs 1 e 2 “(…) tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário” e “(…) também a instrução, educação do alimentado no caso do menor”. E que lhes seriam prestados de acordo com a medida prevista no art. 2004º, nº 1, do CC, “Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”.
Assim, tendo em consideração o nível económico que o pai dos AA. proporcionava ao seu agregado familiar, face aos rendimentos que auferia, quer através do exercício da profissão médica, quer através da sociedade “D……….”, e que no conceito de alimentos deve, como refere Vaz Serra, in RLJ, 102º-262, compreender-se «o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentado», há que concluir que a sentença recorrida não violou as regras da experiência e da equidade (cfr. arts. 494º, 495º, nº 3 e 564º, nº 1, todos do CC).
Com efeito, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo sofrido, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (referido art. 564º, nº 1 do CC), mas também os danos futuros previsíveis, tendo presente que o grau de previsibilidade é o da suficiente segurança, resultante da sua probabilidade. Daí que partindo dum rendimento médio mensal de cerca de € 15.000,00 (que os factos assentes comprovam), o montante arbitrado a título de alimentos se afigura justo e equitativo.
Quanto ao facto do A. A……….. explorar um bar do qual alegadamente lhe podem advir lucros, não resultou provado que o A. A……….. obtivesse, com a exploração do bar, lucros expressivos. Além de que, o A. estava nessa data, a frequentar um curso de pós-graduação, (ponto 24 dos FP) com as despesas que tal comporta.
Quanto à fixação ao A. A…….. de indemnização pela perda de lucros da Sociedade “D…………” na qual tinha uma quota de 5%, alega o R. Município que não está dado como provado que o referido Autor recebia os referidos lucros, nem que a sociedade produziria sempre lucros.
Com efeito, os factos que se mostram fixados não permitem concluir pela verificação deste dano, já que não se provou que o A. A………. recebia ou recebeu em momento algum rendimentos provenientes da distribuição ou participação nos lucros da sociedade e, nessa medida, não seria agora que passaria a ter de os receber.
Assim, devem manter-se as indemnizações atribuídas na sentença, bem como os seus montantes, com excepção da indemnização atribuída pelos danos não patrimoniais da vítima e da indemnização ao A. A…………. pela perda de lucros da Sociedade “D………..”, procedendo apenas nestes pontos os recursos.
Os juros legais sobre as referidas quantias, deverão ser calculados desde a data da citação até integral pagamento, uma vez que a sentença não procedeu à actualização dos valores das indemnizações fixados, como dela resulta (arts. 805º, nº 1 e 806º, nº 1 do CC).
Nestes termos, procedem os recursos do R. Município e da Seguradora apenas quanto a não ser devidas indemnizações por danos morais sofridos pela vítima do acidente e pai dos autores e pela perda da quota quanto ao A. A…….. (conclusões 44º, 45º e 56º do recurso do Município).

Pelo exposto, acordam em:
a) - negar provimento ao recurso do R. IEP;
b) - negar provimento ao recurso dos autores;
c) - conceder parcial provimento aos recursos do R. Município de Coimbra e da seguradora interveniente, condenando o Município a pagar a ambos os autores o montante total de € 619.293,71, importância a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
d) – Custas pelos autores na proporção em que decaíram (1/4), sem prejuízo do apoio judiciário concedido, estando os Réus isentos (cfr. art. 2º, nº 1, als. e) e f) do CCJ/96) e a Seguradora dispensada do pagamento face a esta isenção (cfr. art. 452º do CPC na redacção anterior à introduzida pelo DL nº 226/2008, de 20/11 – art. 22º).


Lisboa, 15 de Março de 2018. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – António Bento São Pedro – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.