Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0776/17.6BEPRT
Data do Acordão:12/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23977
Nº do Documento:SA1201812180776/17
Recorrente:A....
Recorrido 1:PRES DO CONSELHO DE GESTÃO DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………. intentou, no TAF do Porto, contra o FUNDO GARANTIA SALARIAL (doravante FGS), acção administrativa especial pedindo:
i. Declaração de nulidade ou anulação do ato de administrativo proferido pelo Presidente do FGS, que indeferiu à Autora o pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, determinando o pagamento de retribuições nos valores ilíquidos no montante de € 9.173,09;
ii. Condenação do Réu à prática do acto administrativo devido, em substituição do acto praticado, de indeferimento do pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, determinando o pagamento à Autora, dos créditos laborais ilíquidos de € 9.173,09.”

O TAF julgou a acção procedente e anulou o acto impugnado.

Decisão que o TCA Norte revogou, julgando a acção improcedente.

É desse acórdão que a Autora vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. A Autora requereu a declaração de nulidade, ou a anulação, do acto praticado pelo Presidente do Conselho de Gestão do FGS que indeferiu o pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, indeferimento que foi fundamentado na prescrição dos créditos reclamados.

Inconformada, a Autora impugnou esse acto no TAF do Porto e este julgou a acção procedente e anulou-o com a seguinte fundamentação:

Nos termos do artigo 2.º, n.º 8, do Regime material do Fundo de Garantia Salarial:
«O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».
Este prazo de caducidade não existia anteriormente, pelo que o legislador passou a prever um novo prazo para impulsionar o exercício de um direito, ou seja, estabeleceu pela primeira vez um prazo por correspondência à data da cessação do contrato de trabalho.
….
Considerando que o n.º 8 do art.º 2.º vem, inovadoramente, dispor sobre as condições de validade formal do pedido de pagamento de créditos laborais, deve entender-se que só visa os factos novos. Ou seja, só pode aplicar-se às situações que ocorram após a sua entrada em vigor. Por outras palavras, o prazo de um ano apenas se aplica aos contratos de trabalho que cessem após o dia 4 de Maio de 2015. …
…. .
Significa isto, que somente para os contratos de trabalho cessados após o dia 4 de Maio de 2015, é que pode funcionar o regime do n.º 8 do artigo 8.º do dito Regime.
Mas ainda que se entenda ter ocorrido uma alteração de prazo, conforme defende o Réu, então deve aplicar-se o regime do artigo 297.º do Código Civil.
O anterior regime não previa um prazo de caducidade, mas fazia depender o pagamento dos créditos ao facto de serem requeridos ao Fundo de Garantia Salarial até três meses antes da respetiva prescrição, conforme resultava do artigo 319.º, n.º 3 Lei n.º 35/2004, de 29/07 (Regulamentação do Código do Trabalho)

Ora, a Autora intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, a qual teve Sentença que reconheceu quase a totalidade dos créditos laborais peticionados.
Significa isto, que o prazo de prescrição dos créditos laborais se havia interrompido (artigo 323.º do Código Civil). Novo prazo de prescrição inicia-se com a prolação de sentença ou com o termo do processo, como foi o caso. Assim, com a prolação de Sentença Laboral iniciou-se novo prazo de prescrição, agora de vinte anos, uma vez que havendo decisão judicial, o prazo de prescrição passa a ser o prazo ordinário (artigo 311.º, n.º 1 do Código Civil) e não o de um ano previsto para os créditos laborais. Resulta então que, em face do regime anterior, o pedido da Autora tinha de ser assegurado ou pelo menos apreciado, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 319.º da Lei n.º 35/2004.
No entanto, para o caso de se entender que está apenas em discussão uma alteração de prazos, como o novo regime ainda não estava em vigor há um ano, não podia ser aplicado, conforme determina o n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil.
Aliás, é esse o entendimento da jurisprudência sobre a interpretação a dar ao novo prazo de caducidade sobre os pedidos efetuados ao Fundo de Garantia Salarial.
….
Face ao exposto, o ato impugnado deve ser anulado e o Fundo de Garantia Salarial efetuar a apreciação do requerimento da Autora, sem levar em consideração o fundamento que agora foi julgado procedente (a caducidade).

O TCA revogou essa decisão e julgou a acção improcedente com um discurso de que se destaca o seguinte:
“….
O tribunal “a quo” entendeu que se depararia um prazo de caducidade; caducidade que não existiria anteriormente; daí só podendo incidir sobre factos novos, portanto apenas aplicável “para os contratos de trabalho cessados após o dia 4 de Maio de 2015”.
Mas não é assim.

Mas a razão de julgamento não se quedou por aqui.
O tribunal “a quo” observou ainda que mesmo a entender ter ocorrido uma alteração de prazo de caducidade, e, então dever aplicar-se o regime do artigo 297º do Código Civil, “como o novo regime ainda não estava em vigor há um ano, não podia ser aplicado, conforme determina o n.º 1 do artigo 297.° do Código Civil.”.
Mas também aqui com erro.
Incidindo sobre prazo em curso, encurtando-o, o novo prazo é aplicável, mas “só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei” (04.05.2015), conforme impõe o art.° 297°, n° 1, do CC.
Ora, no caso, decorreu (todo o) prazo contado desse termo inicial, o da entrada em vigor da nova lei; datando o pedido de pagamento de 08/09/2016, mostra-se caduco.
E assim é, mesmo que não seja de dar razão ao recorrente na afirmação de “que, na situação concreta, também está ultrapassado à luz do anterior diploma legal”, pois que, conforme também se lembra na sentença recorrida, à luz do exposto no Ac. deste TCAN, de 28/04/2017, proferido no processo nº 00840/16.4BEPRT, “com a prolação de Sentença Laboral iniciou-se novo prazo de prescrição, agora de vinte anos, uma vez que havendo decisão judicial, o prazo de prescrição passa a ser o prazo ordinário (artigo 311º n.° 1 do Código Civil)” (para os créditos aí abrangidos; ressalva que convirá lembrar, perante a afirmação na decisão recorrida de que se trata de “Sentença que reconheceu quase a totalidade dos créditos laborais peticionados”).
Não obstante, isso sim, mostra-se “legalmente esgotado o prazo para a apresentação dos requerimentos ao FGS, à luz do diploma DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05,2015”, mesmo que - ao invés do defendido em recurso, mas desaguando na mesma conclusão -, sem afastar aplicação do regime do art.º 297° do CC.

3. Como se acaba de ver, a Autora requereu ao FGS o pagamento dos créditos salariais que se encontravam em dívida em resultado da cessação do seu contrato de trabalho e da sua entidade patronal não os ter pago. Requerimento que foi indeferido por o FGS ter entendido que esse pedido havia sido formulado já depois do direito aos referidos créditos ter prescrito.
Inconformada, a Autora intentou a presente acção a qual foi julgada de forma contraditória pelas instâncias.
A reclamação do pagamento dos créditos salariais ao FGS e a obrigação deste em satisfazer esse pedido é uma questão recorrente que foi já colocada em diversos recursos com alguma similitude com o presente tendo alguns deles sido admitidos para que a mesma fosse esclarecida por este Supremo. E isto porque a questão que se colocou nessas revistas foi a de identificar os créditos decorrentes de rescisão do contrato de trabalho cujo pagamento podia ser reclamado ao FGS; se eram apenas os vencidos nos seis meses que antecederam a data da propositura da acção de insolvência ou se eram os vencidos nos seis meses anteriores à propositura da acção condenatória no Tribunal de Trabalho.
O que originou a formação de uma corrente jurisprudencial que foi resumida no sumário do Acórdão de 8/02/2018 (rec. 148/15) do seguinte modo:
“I - O Fundo de Garantia Salarial assegura ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, nas situações em que aquele for judicialmente declarado insolvente.
II - Os créditos abrangidos são apenas os que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a propositura da acção de insolvência do empregador.”(No mesmo sentido, para além dos Acórdãos citados no Aresto de 8/02/2018, podem, ainda, ver-se Acórdãos de 10/09/2015 (rec. 147/15) e de 13/12/2017 (rec. 182/15).)

Todavia, apesar da referida semelhança, a verdade é que a questão que ora se nos coloca não é a mesma que foi conhecida nos citados Arestos, uma vez que o que ora está em causa é uma questão - a da identificação do prazo em que os mencionados créditos podem ser judicialmente reclamados – diferente da discutida naqueles outros e que era a de saber quais os créditos cuja obrigação de pagamento podia caber ao FGS.
Ora, a questão aqui em causa, ainda, não foi apreciada neste Tribunal. E ela é jurídica e socialmente relevante não só porque a sua solução não é imediatamente apreensível – como o evidencia as decisões contraditórias das instâncias – como pode atingir um elevado número de trabalhadores.
Encontram-se, pois, reunidos os pressupostos de admissão da revista.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir o recurso.
Sem custas.

Porto, 18 de Dezembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.