Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02527/15.0BELRS
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28569
Nº do Documento:SA22021112402527/15
Data de Entrada:09/21/2021
Recorrente:A…………………
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:



A……………, Recorrente no processo à margem referenciado e aí melhor identificado, tendo sido notificado do douto acórdão de fls. e seguintes, dele vem, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 150º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor, RECURSO DE REVISTA, para o Supremo Tribunal Administrativo, a subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo (artigo 281º do CPPT).

Alegou, tendo concluído:
A) Estabelece o artigo 150º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista” que: “1. Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2. A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual. 3. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado. 4. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”
B) Como resulta do nº 1 do artigo transcrito a excecionalidade do recurso de revista estando a sua admissibilidade condicionada por um critério qualitativo que exige que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito.
C) Ora, no caso dos presentes autos, o Tribunal a quo, considerou, erradamente, que a presente ação de impugnação judicial foi apresentada fora do prazo legal para o efeito.
D) Concomitantemente, considerou o douto tribunal a quo, que “I – A tempestividade da ação afere-se pela data da comunicação do ato lesivo e não pelo conhecimento da lesão adveniente de elementos do ato que integrava a comunicação; II – Os vícios do ato impugnado, constituem, em regra, fundamento de anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do ato ou quando houver lei que expressamente preveja essa forma de invalidade, nos termos do disposto nos artigos 133º e 135º do CPTA. III – O vício de incompetência relativa não gera a nulidade do ato de liquidação, mas a sua mera anulabilidade. IV – Reconduzindo-se os vícios arguidos a vícios geradores de mera anulabilidade dispunha o recorrente de noventa dias, a contar da data limite de pagamento voluntário das liquidações para deduzir impugnação judicial.”
E) Contrariamente ao entendimento vertido no douto acórdão pelo Tribunal a quo, os vícios apontados aos atos impugnados são geradores de nulidade. Pelo que, é impreterível a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para a melhor aplicação do Direito.
F) A necessidade da revista para uma melhor aplicação do Direito há-de resultar (i) da possibilidade de repetição da questão em apreço noutros casos, (ii) da necessidade de garantir a uniformidade na aplicação do Direito ou (iii) da circunstância de a decisão ser juridicamente insustentável. Apenas, a última destas situações tem verdadeiramente autonomia, já que a possibilidade de repetição é o requisito que está na base da importância fundamental das matérias (“capacidade de expansão”) e a uniformidade na aplicação do Direito é melhor garantida através de outros mecanismos processuais.
G) Assim, o recurso de revista para a melhor aplicação do Direito será verdadeiramente útil nas situações em que a questão em apreço foi decidida de maneira juridicamente insustentável e, mesmo não havendo ainda jurisprudência sobre determinada matéria, o STA pretende intervir para assim evitar que uma interpretação jurisprudencial menos correta se comece a formar.
H) Ora, no caso dos presentes autos, é inverosímil, que, a delimitação da nulidade ou anulabilidade dos atos de liquidação adicionais quando emitidos por quem não detém competência, é verdadeiramente útil, uma vez, que a possibilidade de repetição no ordenamento jurídico português se não previsível, é certamente, muito provável.
I) Acresce que, no caso aqui em escrutínio, se verifica ainda a existência de decisões e interpretações jurisprudências divergentes. Pois que, ao passo que o Tribunal a quo, considerou que no caso em apreço as liquidações adicionais de IVA se encontravam feridos de anulabilidade. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na decisão proferida no processo 2347/08.9BEPRT, considerou o ato nulo por incompetência relativa do autor.
J) In casu, é indubitável que a utilidade da decisão a proferir nos presentes autos extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio. Na medida em que as liquidações adicionais de IVA, são, não poucas vezes, emitidas por quem não detém competência para a sua emissão.
K) A mesma jurisprudência do STA tem igualmente sublinhado a excecionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito e que se trata não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como o legislador cuidou de sublinhar na exposição de motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma válvula de segurança do sistema, que apenas deve ser acionada naqueles precisos termos.
L) Ora, salvo o devido respeito, e nos termos do acima exposto, o Recorrente demonstra nas presentes alegações de recurso, que a questão colocada a V/ Exas. assume uma relevância jurídica e social de extrema importância, e consequentemente, sendo o mesmo necessário para uma melhor aplicação do direito. Pelo que, se impõe a sua admissão.
M) O douto acórdão de que aqui se recorre, julgou incorretamente, procedente a exceção peremptória da caducidade do direito de ação, por considerar a presente impugnação intempestiva, e em consequência absolveu a Impugnada da instância.
N) Afirmou, assim o douto Tribunal a quo, que os vícios imputados ao ato impugnado, não poderiam conduzir se não anulabilidade do mesmo. Acrescentando, ainda que “As liquidações em causa foram notificadas em 31/08/2006 e a ação de inspeção judicial foi apresentada em 15/09/2015, mais de 8 anos depois, e assim sendo, a ação foi deduzida intempestivamente, improcedendo todas as conclusões de recurso.
O) Concluindo, assim, o Tribunal a quo, erradamente que deduzida a ação intempestivamente, improcedem todas as conclusões de recurso.
P) Salvo o devido respeito, por entendimento contrário, não pode a tese do Tribunal a quo de que os vícios apontados aos atos impugnados são geradores de mera anulabilidade prevalecer.
Q) Pois que, pelos presentes autos, o Recorrente impugnou os seguintes atos de liquidação adicional de IVA: (i) Liquidação Adicional (LA) nº 06103164, no valor de €106.692,74 (cento e seis mil, seiscentos e noventa e dois euros e setenta e quatro cêntimos); (ii) Liquidação Adicional (LA) nº 061019411, no valor de €139.854,07 (cento e trinta e nove mil oitocentos e cinquenta e quatro euros e sete cêntimos); (iii) Liquidação Adicional (LA) nº 06101935, no valor de €119.045,84 (cento e dezanove mil e quarenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos).
R) Acresce que, todos os atos de liquidação adicional aqui impugnados, foram praticados pelo Exmo. Senhor Subdiretor – Geral dos Impostos.
S) Sucede que, o aqui Recorrente, nos anos de 2004 a 2007, foi gerente da sociedade por quotas denominada B……………, Lda., pessoa coletiva número……………. E por esse facto, nos termos da alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT, foi notificado para pagar as importâncias, nomeadamente, as resultantes das liquidações adicionais supra descritas e ainda os respetivos juros de mora e coima aplicáveis.
T) E, por conta destes factos, foi constituído arguido no âmbito do processo de inquérito nº9492/05.0TDLSB.
U) Sendo que, a referida Sociedade Comercial veio a ser objeto de liquidação. Daí o seu interesse em demandar, e consequentemente, a sua legitimidade processual e material.
V) Para além, das liquidações adicionais, acima referidas, foram ainda efetuadas as respetivas liquidações de juros compensatórios. Mais tal como já supra mencionado, as liquidações aqui em escrutínio foram efetuadas pelo subdiretor-geral dos impostos.
W) Ora, analisando a situação, impõe-se proceder à declaração de nulidade das liquidações adicionais e aos juros compensatórios. Uma vez que, se encontram feridas de ilegalidade por serem da autoria de quem não tinha competência para as emitir, designadamente o subdiretor a que alude o probatório.
X) Assim, e considerando os normativos vigentes à época dos factos, temos que, como entendido pelo TAF do Porto, - U.O.5 – processo n.º 2347/08.9BEPRT – “decorria do artigo 82.º, n.º 1 do Código do IVA, na redacção do DL 472/99 de 08.11, o seguinte: “sem prejuízo do disposto no artigo 84.º, o Chefe da reparação de finanças procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença”.
Y) Posteriormente, designadamente, com o DL 102/2008, de 20 de Junho, passou aquele normativo a prever que as retificações podiam ser efetuadas pelo Diretor de Finanças, designadamente no artigo 87.º, onde se consignou que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 90.º, a Direcção-Geral dos Impostos procede à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença.”
Z) Assim, notamos que, antes da redação introduzida pelo DL 102/2008, o CIVA (artigo 82.º, n.º 1) a competência para as retificações das declarações de IVA era atribuída aos Chefes de Repartições de Finanças.
AA) Tratava-se, como se disse no Acórdão do TCA Sul, datado de 27.09.2011, processo 04481/11, de uma “… competência, no âmbito da hierarquia externa da AF, tal competência é própria, independente e exclusiva” do Chefe de Finanças e, assim sendo, consoante se disse igualmente naquele aresto, “o Director de Finanças não podia delegar nos SIT a competência para a rectificação das declarações de IVA, e inerente liquidação de imposto, a coberto do referido normativo, por ela não lhe caber”.
BB) Sendo assim, in casu, estava em vigor o artigo 82.º, n.º 1 na redação dada pelo DL 472/99 de 08.11 (Cfr. n.º 1, do art. 3.º, do dec.Lei n.º 472/99) e, cabendo a competência para retificação de declarações dos sujeitos passivos, por lei e nos termos, do n. 1, do art. 82.º do CIVA, aos chefes das repartições de finanças/chefes dos serviços de finanças, a quem o normativo incumbia, sem menção de outrem com idêntica faculdade, o poder/dever de proceder às retificações das declarações dos sujeitos passivos quando nelas constatasse, fundamentadamente, um imposto inferior ao devido ou uma dedução superior à devida.
CC) Como se vê, aos Chefes de Repartição de Finanças foi atribuída competência própria, sem dependência da qualidade que detém numa escala hierárquica.
DD) Tal competência era ainda exclusiva já que, na referida cadeia hierárquica, os seus superiores apenas tinham a possibilidade de revogação dos atos praticados por aqueles, e não de modificar ou substituir o seu teor, uma vez que a lei a não atribuir a um qualquer outro órgão da Administração Tributária.
EE) Consoante se discorreu no Acórdão do TCA Sul acima referido que acompanhamos de perto:“… apenas na letra do referido art.º 82.º, do CIVA, se pode buscar a identificação daqueles em quem o legislador entendeu de fixar a competência para o tipo de correcções aqui em questão, e esses apenas o foram os Chefes de Repartição de Finanças (hoje Chefes dos Serviços de Finanças), nos termos do acima, já, referido.
- Neste sentido se pronuncia Patrícia Noiret da Cunha, «O n.° 1 atribui ao chefe da repartição de finanças a competência de proceder à rectificação das declarações dos sujeitos passivos. É condição de exercício deste poder de rectificação a constatação que numa declaração figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos. Nesse caso, o chefe de repartição de finanças deve proceder a uma liquidação adicional para que a administração fiscal proceda a uma liquidação adicional, é necessário um juízo subjectivo de que o sujeito passivo fez constar da sua declaração um imposto inferior ou uma dedução superior à que seria devida e, em segundo lugar, que esse juízo seja fundamentado de forma objectiva.», enquanto que «Os n.°s 2 e 3 [...] enumeram os elementos de que o Chefe da repartição de finanças se poderá servir para concluir que a declaração do sujeito passivo não merece crédito.» (negrito e sublinhados da nossa responsabilidade).- E, no mesmo sentido vai Emanuel Vidal de Lima, quando, em anotação à sua obra «Imposto sobre o Valor Acrescentado”, refere que, nos termos do mencionado art.º 82.º de tal compêndio legal, compete ao CRFinanças as rectificações e a liquidação adicional de imposto sendo que aquelas correcções podem, além do mais, serem decorrência de apuramento correctivo operado pelos serviços de inspecção, e a que se reporta o referido n.º 3, do mesmo normativo.- E, sendo assim, não se coloca, aqui, sequer, qualquer relevância na invocada delegação de competências operada pelo DFLisboa no CDivisão que procedeu ás correcções em causa, uma vez que tal delegação - não sendo verdadeiramente da competência do delegante, mas antes do exercício dos poderes daquela que a lei lhe atribui -, teria de ter, sempre e em qualquer caso, necessariamente pressuposto que o delegante tinha a competência para assim a poder delegar, o que, como acima se viu, não ocorre no caso vertente, isto é, sendo a competência controvertida, própria e exclusiva dos Chefes das Repartições de Finanças, é assertivo que a delegação de competências invocada pela recorrente é, no caso, de todo inoperante, já que o DFLisboa não podia delegar no Chefe de Divisão uma competência de que não era titular.- Evidentemente a questão seria de enquadrar juridicamente de forma diversa se, ao caso, fosse aplicável – o que, como ninguém dissente, não sucede – o CIVA, alterado, renumerado e republicado pelo DL. n.º 102/2008JUN20, na medida em que o n.º 1, do seu art.º 87.º (11), veio a atribuir a competência para o tipo das rectificações aqui em discussão à DGI, …”
FF) Aqui volvidos, como está bom de ver a razão acompanha o Recorrente em virtude de ocorrer o apontado vício de incompetência relativa, e, não obstante a delegação de competências no Subdiretor, tal ilegalidade não fica sanada visto que a competência era, na época dos factos, da competência exclusiva dos Chefes de Finanças e ainda que houvesse delegação de competência de nada valeria, consoante explica o Acórdão do TCAS que acompanhamos.
GG) Sumariou-se, com efeito, naquele aresto que: “1.Nos termos do art.º 82.º, n.º 1, do CIVA, a competência para as rectificações das declarações de IVA era atribuída aos Chefes das Repartições de Finanças; 2. Tal competência, no âmbito da hierarquia externa da AF, tal competência é própria, independente e exclusiva; 3. Consequentemente, o Director de Finanças não podia delegar nos SIT a competência para a rectificação das declarações de IVA, e inerente liquidação de imposto, a coberto do referido normativo, por ela não lhe caber.”
HH) Na verdade, só após a renumeração decorrente do artigo 6.º do DL n.º 102/2008, de 20/6, os artigos 82.º e 87.º do CIVA, que correspondem atualmente aos artigos 87.º e 92.º, respetivamente, passou a decorrer que, para além do chefe de finanças ser competente para a retificação das declarações de IVA (nos casos ali enunciados), essa competência também passou a ser da Direção de Serviços de Cobrança do IVA (se para tal estiverem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 87.º, ou seja, se a Direção dispuser de todos os elementos necessários ao apuramento do imposto ou dos juros compensatórios) – veja-se neste sentido o Acórdão do TCA Norte de 28.02.2013, tirado do processo n.º 00383/08.4BEBRG.
II) Ante a jurisprudência supra transcrita, vista à luz do probatório, impõe-se concluir que ocorre a incompetência relativa por banda do Subdirector, nos termos expostos, pelo que as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios devem ser declaradas nulas, por vício de incompetência relativa, por ser tal incompetência geradora da forma mais grave de invalidade – nulidade.
JJ) Os atos tributários de liquidação adicional de IVA e de liquidação de Juros Compensatórios, foram todos praticados pelo Senhor Subdiretor – Geral dos Impostos, em consequência das declarações de IVA de substituição entregues pela sociedade que o aqui Recorrente representou, em virtude da ação inspetiva de que foi alvo.
KK) Como supra citado e pelo entendimento de Emanuel Vidal de Lima, tal competência legal, compete ao Chefe do Serviço de Finanças, as retificações e liquidação adicional de imposto, sendo que aquelas correções podem, além do mais, serem decorrência de apuramento corretivo pelos serviços de inspeção.
LL) Assim, andou mal, o douto Tribunal ao considerar que a incompetência de que se encontram feridos os atos aqui impugnados, são sancionados com a mera anulabilidade.
MM) Pois que, nos termos do disposto no artigo 133º nº 1 e 2 alínea d) do CPA, resulta que são nulos os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeadamente, os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
NN) Como a Jurisprudência tem vindo a afirmar, esses atos hão-de ser, aqueles que contendem com os direitos liberdades e garantias dos cidadãos.
OO) Assim, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar que os atos impugnados não ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental. Pois que, como decorre do que vem sendo exposto, no caso em apreço, estamos perante uma situação em que há inequivocamente ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.
PP) Pois que, determina o artigo 103º da Constituição da República, sob a epígrafe, “Sistema fiscal” que: “1 – O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. 2 – Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. 3 – Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”
QQ) Desta forma, é indubitável, que os atos de liquidação aqui impugnados, não foram efetuados nos termos da lei, até porque, do acórdão do Tribunal a quo, fica demonstrado e provado que os mesmos foram praticados por quem não tinha competência para tal.
RR) Concomitantemente, se tais atos de liquidação adicional, não foram praticados no cumprimento da lei, não pode o contribuinte, nem o responsável solidário ser obrigado ao seu pagamento, sob pena de violação da norma legal acima transcrita.
SS) Mutatis Mutandis, a manutenção dos atos de liquidação impugnados no ordenamento jurídico, ofende princípios fundamentais dos cidadãos, estatuídos na Constituição da República, logo, aos mesmos é aplicado a culminação de nulidade e não, como erradamente, considerou o Tribunal, a anulabilidade.
TT) Porém, e mesmo que assim não entendesse o Tribunal a quo, o que não se concebe, a verdade é que o aqui Recorrente, só quando obteve conhecimento da sentença proferida pelo TAF do Porto, U.O.5 – Processo 2347/08.9BEPRT, e que mencionou de forma inequívoca a incompetência do Subdiretor – Geral dos Impostos para a prática do ato de emissão de liquidações adicionais. O aqui Recorrente, efetuou a associação de que as liquidações adicionais de IVA tinham sido emitidas pela mesma pessoa. Logo, também estas se encontrariam feridas de incompetência.
UU) Pois que, seria inconcebível que, a mesma pessoa fosse incompetente para a prática de um ato para uma sociedade. Mas já não o fosse para a prática de um ato igual e de igual natureza para outra sociedade.
VV) Logo, só aquando da notificação da sentença, obteve conhecimento do ato lesivo. E só a partir do momento em que teve conhecimento do ato lesivo se inicia a contagem do prazo de impugnação.
WW) Desta forma, e tendo obtido o conhecimento como já alegado nos presentes autos, em agosto de 2015, e intentado a presente ação de impugnação judicial em setembro de 2015. Não se encontra, nunca, esgotado o prazo de 90 dias estipulado no artigo 102º do CPPT.
XX) Não se verificando, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, vertido no douto acórdão, verificada a exceção de caducidade do direito de ação.
YY) Por tudo isto, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar improcedente a presente impugnação judicial, considerando verificada a exceção de caducidade do direito de ação, por intempestividade da impugnação judicial.
ZZ) Pelo que, o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, merece total censura, devendo, concomitantemente, ser o mesmo revogado e substituído por outro que considere não verificada a intempestividade da impugnação judicial e consequentemente, considere os atos de liquidação adicional impugnados, nulos.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser admitido e o acórdão proferido pelo Tribunal a quo substituído por outro que não verificada a intempestividade da impugnação judicial e consequentemente, considere os atos de liquidação adicional impugnados nulos.

Não foram produzidas contra-alegações.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, sendo certo que no momento em que foi interposto já se encontrava em vigor o disposto no artigo 285º do CPPT, em tudo idêntico, pelo que, há, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Pretende o recorrente que o presente recurso seja admitido para que este Supremo Tribunal diga se perante a eventual incompetência do Subdiretor Geral dos Impostos para efectuar a liquidação impugnada, se impunha a declaração de nulidade das liquidações em causa, pois, cabendo tal competência ao chefe de repartição de finanças, nos termos do artigo 82.º do CIVA, as liquidações impugnadas estariam feridas de incompetência relativa, sendo certo que no acórdão recorrido se concluiu que tal ilegalidade apenas era susceptível de gerar a mera anulabilidade do acto impugnado.
Da leitura do acórdão recorrido resulta suficientemente claro, quer pela invocação das normas legais que regulam esta matéria, quer pela reprodução da jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre esta mesma questão, que a decisão tomada pelo Tribunal recorrido se encontra de acordo com as normas e decisões respectivamente aplicáveis e transponíveis ao caso dos autos.
Ou seja, são se vislumbra qualquer erro manifesto na decisão adoptada, sendo certo que o recorrente aporta ao presente recurso uma argumentação em tudo idêntica àquela que tinha apresentado perante o Tribunal recorrido, pretendendo essencialmente uma terceira via de recurso ordinário, o que não sendo legal, se mostra manifestamente desadequado face aos contornos específicos da questão.
Assim, o recurso não pode ser admitido, por não se mostrarem reunidos os critérios legais para a sua admissão.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso excepcional de revista.
Custas do incidente pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 24 de Novembro de 2021. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.