Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0152/21.6BALSB
Data do Acordão:06/29/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:Não havendo entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo apresentado como fundamento, contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P29671
Nº do Documento:SAP202206290152/21
Data de Entrada:12/02/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA.
Votação:UNANIMIDADE COM 2 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vem, ao abrigo do disposto nos artigos 25.º, n.ºs 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e 152.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo n.º 289/2021-T, invocando oposição com o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 28 de janeiro de 2015, proferido no processo n.º 0722/14.
Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:
A) A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável por força do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal da Decisão Arbitral proferida em 02.11.2021, no processo n.º 289/2021-T, notificada à AT em 03.11.2021, por estar em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 28/01/2015, processo n.º 0722/14, que se indica como fundamento, designadamente, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, mais precisamente, o dies a quo a partir do qual devem ser contabilizados os juros indemnizatórios.
B) A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 28/01/2015, processo n.º 0722/14, que se indica como fundamento, relativamente ao termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios, no caso de revisão oficiosa do acto tributário por iniciativa do contribuinte.
C) A Decisão Arbitral recorrida incorreu em erro de julgamento ao enquadrar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios no nº 1 do art. 43º da LGT, e, considerar como termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios a data do pagamento indevido do imposto, contrariando a Jurisprudência reiterada do STA, que se cita, por todos, além do Acórdão fundamento, o Acórdão proferido em 23.05.2018, pelo Pleno STA no Processo nº 01201/17,e que determina quanto ao termo inicial dos juros indemnizatórios de revisão oficiosa do acto tributário por iniciativa do contribuinte, com o entendimento vertido no respectivo Sumário: “O artigo 43º, nº 3, c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão do ato tributário em que os mesmos são devidos decorrido um ano após o pedido de revisão.”
D) Laborando neste erro, decidiu o Tribunal Arbitral, em contradição total com o Acórdão fundamento, condenar a AT a pagar à Requerente arbitral juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido do imposto por aplicação do nº 1, do art. 43º da LGT e 61 nº 3 do CPPT, diversamente do que determina esse normativo legal para as situações, como a dos autos, de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, em que são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
F) No Acórdão fundamento estava em causa “a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43.º n.º 3 al. c) LGT)”, tendo esse douto STA decidido que “A decisão recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação”, e, “Pelo exposto, se declara que os juros indemnizatórios a que as impugnantes têm direito neste processo são apenas devidos a partir de um ano após o pedido de revisão por elas formulado, ou seja, a partir de 24/11/2008”. (Sublinhado nosso)
H) Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com o pagamento de juros indemnizatórios nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por novo Acórdão que determine a improcedência do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 6, do art. 152º do CPTA.
I) A infracção a que se refere o nº 2, do artigo 152º do CPTA, traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que o Acórdão Arbitral viola o disposto no nº 3, al c), do art. 43º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
J) Ora, o pedido de revisão oficiosa cujo indeferimento tácito constitui o objecto da acção arbitral foi apresentado no dia 18.12.2020, sendo que, apenas são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após aquela data, de acordo com o prazo estabelecido no n.º 3, al c) do art. 43.º da LGT, ao contrário do que decidiu o Acórdão Arbitral recorrido.
K) Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no art. 152.º do CPTA para os recursos para uniformização da jurisprudência destinam-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
L) No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152º do CPTA, designadamente os que são enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo nº 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.
M) Está em causa a aplicação de forma diversa dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, p.809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso nº 87156, de 26.04.1995.
N) Decorre, de todo o exposto, que o Acórdão recorrido, ao não ter subsumido o caso sub judice à al c), do nº 3 do art. 43º da LGT, evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo STA no Acórdão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada contradição entre a Decisão Arbitral proferida no proc. nº 289/2021-T e o Acórdão fundamento, proferido pelo STA no proc. nº 0722/14, de 28.01.2015, devendo, em consequência, o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser revogada a Decisão Arbitral no segmento decisório sob recurso, e substituído por Acórdão consentâneo com o quadro legal vigente, de acordo com o qual, apenas existe direito a juros indemnizatórios, decorrido um ano da data da apresentação da Revisão Oficiosa.

1.2. Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do RJAT.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso e da revogação da decisão recorrida no que se refere à condenação em juros indemnizatórios relativos a data anterior a 18/12/2021.

1.5. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, há que decidir.

2. Fundamentação de facto
2.1. Na decisão arbitral recorrida consta o seguinte julgamento da matéria de facto:
Dos factos provados
5.3. Em 10-05-2017, foi apresentada na Alfândega de Leixões, a Declaração Aduaneira de Veículo DAV), à qual foi atribuído o nº 2017/..., para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca..., com a matrícula definitiva..., atribuída na Alemanha em 22-06-2004 (doc. nº 1 apresentado pela Requerente).
5.4. No Quadro E da DAV acima identificada, atinente às características do veículo, no item 51 (relativo à Emissão de partículas) consta o valor de 0.029 g/Km e no item 50 (relativo à Emissão de Gases CO2) consta o valor de 117 g/Km (doc. nº 1 apresentado pela Requerente).

5.5. No Quadro T da referida DAV identifica-se a liquidação de ISV que incidiu sobre a viatura identificada nos pontos anteriores como sendo a nº 2017/..., de 11-05-2017, no valor total de EUR 2.607,50 (doc. nº 1 apresentado pela Requerente).
5.6. A Requerente pagou a totalidade do imposto relativo à viatura acima identificada em 10-05-2017.
5.7. Ao veículo identificado no ponto 5.3., supra, foi atribuída, em Portugal, em 10-05-2017, pelo Instituto Mobilidade dos Transportes – Delegação Distrital Viação de Aveiro, em conformidade com o Quadro M da respectiva DAV, a matrícula ... (doc. nº 1 apresentado pela Requerente).
5.8. Em 13-04-2018, foi apresentada DAV na Alfândega de Leixões, através de representante da Requerente (no caso adquirente da viatura), à qual foi atribuído o nº 2018..., para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca..., modelo..., de cor cinzenta e outras, movido a gasóleo, nº de motor..., cilindrada 1364 cc, com a matrícula definitiva..., atribuída na Bélgica em 25-03-2005 (doc. nº 2 apresentado pela Requerente).
5.9. No Quadro E da DAV acima identificada, atinente às características do veículo, no item 51 (relativo à Emissão de partículas) consta o valor de 0.029 g/Km e no item 50 (relativo à Emissão de Gases CO2) consta o valor de 117 g/Km (doc. nº 2 apresentado pela Requerente).
5.10. Tendo em consideração a data da 1ª matrícula (no país de origem), foi o veículo em questão considerado como um veículo com mais de dez anos de uso, para efeito dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1, do artigo 11º do Código do ISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 80% (doc. nº 2 apresentado pela Requerente).
5.11. No Quadro R da referida DAV, relativo ao cálculo do ISV, verifica-se que o cálculo deste imposto foi efectuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A) (doc. nº 2 apresentado pela Requerente).
5.12. Do procedimento descrito nos pontos anteriores, resultou a liquidação de ISV nº 2018/..., de 12-04-2018, no valor total de EUR 2.635,26, liquidado pela Alfândega de Leixões, dos quais: (doc. nº 2 apresentado pela Requerente)
5.12.1. EUR 1.301,84 são relativos à componente cilindrada, valor ao qual foi deduzida a quantia correspondente a 80% do seu montante, ou seja, EUR 1.041,47, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1, do artigo 11º do Código do ISV aplicável aos veículos usados, totalizando assim EUR 260,37 e;
5.12.2. EUR 1.874,89 são relativos à componente ambiental, valor ao qual não foi aplicada qualquer percentagem de dedução;
5.12.3. EUR 500,00 são relativas ao Agravamento Partículas.
5.13. A Requerente pagou a totalidade do imposto relativo à viatura acima identificada no ponto 5.8. e seguintes em 13-04-2018.
5.14. Ao veículo identificado no ponto 5.8., supra foi atribuída, em Portugal, em 13-04-2018, pelo Instituto Mobilidade dos Transportes – Delegação Distrital Viação de Aveiro, em conformidade com o Quadro M da respectiva DAV, a matrícula ....
5.15. A Requerente apresentou, em 18-12-2020, junto da Alfândega de Leixões, pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de ISV identificados nos pontos 5.5. e 5.12., supra, interposto ao abrigo do disposto no artigo 78º, nº 1, 2ª parte, da Lei Geral Tributária (LGT) (doc. nº 7 anexado pela Requerente).
5.16. A Requerente foi notificada, através do Ofício nº 2021..., do despacho de indeferimento do Senhor Director da Alfândega de Leixões, de 03-02-2021 (doc. nº 8 apresentado pela Requerente).
5.19. A Requerente apresentou, em 05-05-2021, o presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral, peticionando a anulação parcial das liquidações de ISV identificadas e o reembolso do montante de ISV que considera ter pago em excesso (EUR 2.979,94), acrescido de juros indemnizatórios.
Motivação quanto à matéria de facto
5.20. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente.
Dos factos não provados
5.21. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.


2.2. No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo fundamento, consta o seguinte julgamento da matéria de facto:

A. Em 27/08/2004, no 1.º Cartório Notarial de Viseu, foi celebrada escritura pública de “Aumento de Capital e Alteração de Pacto Social”, na qual intervieram como outorgantes B…………. e C………………., na qualidade de Administradores, em representação da sociedade “A……………….., S.A.”, ora impugnante, cujo teor ora se transcreve parcialmente: “(…) Disseram os outorgantes: Que na referida acta da reunião da Assembleia Geral, de vinte deste mês, estando representada a totalidade do capital social, foi deliberado reforçar esse capital, em numerário, com SETE MILHÕES SEISCENTOS E SETENTA E CINCO MIL EUROS, elevando-o para DEZ MILHÕES DE EUROS, através da emissão de um milhão quinhentos e trinta e cinco mil novas acções, nominativas do valor nominal de cinco euros, cada uma, subscritas pela accionista D………………, SGPS, S.A. (…)”. – fls. 34/37 dos autos.
B. No ato de outorga da escritura pública referida em A) a impugnante “A……………….., S.A.” pagou Imposto de Selo, no montante de 30.700,00 €, correspondente à verba 26.3 da TGIS. – fls. 38 dos autos.
C. Em 27/08/2004, no 1.º Cartório Notarial de Viseu, foi celebrada escritura pública de “Aumento de Capital e Alteração de Pacto Social”, na qual intervieram como outorgantes E……………. e C……………….., na qualidade de Administradores, em representação da sociedade “F………………., S.A.”, ora impugnante, da qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) Disseram os outorgantes: Que na referida acta da reunião da Assembleia Geral, de vinte deste mês, estando representada a totalidade do capital social, foi deliberado reforçar esse capital, em numerário, com CINCO MILHÕES DUZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, elevando-o para SETE MILHÕES E QUINHENTOS MIL EUROS, através da emissão de um milhão e cinquenta mil novas acções, nominativas do valor nominal de cinco euros, cada uma, subscritas pela accionista D……………., SGPS, S.A. (…)”. – fls. 39/42 dos autos.
D. No ato de outorga da escritura pública referida em C) a impugnante “F…………., S.A.” pagou Imposto de Selo, no montante de 21.000,00 €, correspondente à verba 26.3 da TGIS. – fls. 43 dos autos.
E. Em 23/11/2007, as sociedades impugnantes, em coligação, apresentaram um pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação de imposto de Selo identificados nas alíneas B) e D), com a consequente restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescida de juros indemnizatórios – fls. 44/55 dos autos e 1/12 do processo de revisão oficiosa apenso aos autos.
F. Não foi proferida decisão no âmbito do procedimento de revisão oficiosa a que se alude em E).
G. A petição de impugnação judicial deu entrada neste Tribunal em 01/08/2008 - cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos.”

3. Fundamentação de Direito
3.1. Da admissibilidade do recurso
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso, de acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA.

São pressupostos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência: i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo (artigo 25.º, n.º 2 do RJAT); ii) que exista contradição entre essa decisão e uma outra decisão arbitral ou com um acórdão proferido por algum dos Tribunais Centrais Administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito (artigo 25.º, n.º 2 do RJAT).

Depois, ainda que se verifique tal oposição, o recurso não prosseguirá seus termos se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 152.º n.º 3 do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

O não preenchimento de tais requisitos obstará ao conhecimento do mérito do recurso.

Não havendo controvérsia quanto ao preenchimento do primeiro dos requisitos referidos – a decisão arbitral recorrida conheceu do mérito e pôs termo ao processo arbitral -, impõe-se conhecer do segundo, da contradição relativamente à mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento.

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, para se apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível que:
i) o fundamento de direito seja o mesmo;
ii) não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;
iii) haja oposição na solução perfilhada nos dois arestos, o que pressupõe a identidade de situações de facto;
iv) a oposição decorra de decisões expressas, que não apenas implícitas (também não relevando a oposição de fundamentos).


Adiantando o que a final se decidirá, no caso sub judice, a decisão recorrida e o acórdão fundamento não estão em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito.
Vejamos porquê.

Na decisão arbitral recorrida, na qual ficou provado que a Requerente apresentou, em 18-12-2020, junto da Alfândega de Leixões, pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação, interposto ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1, 2ª parte, da Lei Geral Tributária (LGT), tal pedido foi indeferido por despacho de 03-02-2021, sendo que a ação foi interposta na sequência desse indeferimento expresso, foi entendido que «na sequência da declaração de ilegalidade parcial dos actos de liquidação de ISV» e em «face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, a Requerente terá direito aos referidos juros, calculados à taxa legal em vigor, sobre a quantia de ISV indevidamente cobrada e paga, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.» (negrito nosso)

No acórdão fundamento, no qual ficou provado que a Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa, o qual não foi decidido, sendo que a impugnação judicial foi intentada na sequência do indeferimento tácito aquele pedido, foi entendido, em face da anulação pelo tribunal da liquidação, que «os juros indemnizatórios a que as impugnantes têm direito neste processo são apenas devidos a partir de um ano após o pedido de revisão por elas formulado …».

Se é certo que ambas as decisões se pronunciaram quanto à extensão dos juros indemnizatórios devidos no caso de anulação pelo tribunal da liquidação, fizeram-no em contextos factuais diferentes, num caso, perante um pedido de revisão decidido dentro de um ano a contar da sua apresentação (decisão arbitral recorrida), noutro, sem que tal pedido tenha sido apreciado expressamente pela AT (acórdão fundamento).
Ora, o acórdão fundamento declarou que, no caso nele apreciado, em que não tinha havido decisão da AT quanto ao pedido de revisão oficiosa, os juros indemnizatórios eram apenas devidos a partir de um ano após o pedido de revisão formulado pelas impugnantes. E esta é a única decisão expressa que, quanto à extensão dos juros indemnizatórios, se retira do referido aresto. Dizer-se que a doutrina que dele emana comporta também os casos em que o pedido foi decidido/indeferido antes do prazo de um ano, não vale para o efeito concreto de avaliar a existência de oposição entre decisões, uma vez que nos remete para julgamentos implícitos, que logo no início, os consideramos, para tanto, inoperantes. Ou seja, o acórdão fundamento não se pronunciou sobre a extensão dos juros indemnizatórios no caso em que o pedido de revisão foi decidido antes de decorrido um ano da sua apresentação, que é a situação factual visada na decisão arbitral recorrida.

O Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo já decidiu no acórdão de 26 de maio de 2022, proferido no processo 146/21.1BALSB, em que o acórdão fundamento é o mesmo que é invocado neste recurso, que havendo divergência «no que respeita ao facto de existir decisão ou não dos pedidos de revisão no referido prazo de um ano» só por si «constitui fundamento para depararmos com soluções jurídicas diversas da questão de direito que foi enunciada». E na sequência afirmou: «Assim, tem de concluir-se que o que determinou a divergência nas decisões foi a diferença relacionada com o elemento de facto posto em destaque, que significa que não podemos, pois, afirmar que as decisões sem confronto tenham decidido a mesma questão fundamental de direito em sentido diverso, pois que a situação em causa não tem os mesmos contornos no que diz respeito ao elemento essencial para a sorte dos autos, em função da pretensão formulada pela Recorrente, divergência essa que serviria de fundamento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência, pelo que, não se mostram reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso.».

Impõem-se, assim, não tomar conhecimento do mérito do recurso.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente.
Comunique-se ao CAAD.
Diligências necessárias.

Lisboa, 29 de junho de 2022. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (vota a decisão) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo (nos termos do artigo 8.º, n.º 3 do CC)

Declaração de voto do Senhor Conselheiro Nuno Bastos:
«Voto a decisão, tendo em conta que reflete a posição maioritária da Secção e que o julgador deve ter em conta, nas decisões a proferir, os casos análogos já decididos, a fim de obter uma interpretação uniforme do direito.»
Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos