Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:034/03.3BTCTB
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Por expressa disposição legal, «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» (cf. art. 285.º, n.º 4, do CPPT).
Nº Convencional:JSTA000P27175
Nº do Documento:SA220210217034/03
Data de Entrada:01/25/2021
Recorrente:A……………
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 34/03.3BTCTB
Recorrente: A…………….
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente, inconformado com o acórdão de 9 de Julho de 2020 do Tribunal Central Administrativo Sul ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/241129d6a6e75bcf802585a000558f71.) – que, negando provimento ao recurso por ele interposto, manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) respeitante ao ano de 1999 –, dele recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, mediante a invocação do disposto no art. 285.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, apresentando a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor:

«I- Da admissibilidade do recurso de revista:

a) O recorrente considera que se encontram reunidos os pressupostos legalmente exigidos no art. 285.º do CPPT para a admissibilidade do presente recurso de revista, devendo nesta medida ser o mesmo admitido. Com efeito,

b) A questão de saber se o Tribunal Recorrido se encontra ou não obrigado a conhecer da prescrição invocada, em que termos, e com que exigências, assume sem dúvida uma relevância jurídica de importância fundamental, na medida em que, o não conhecimento da prescrição, constituirá uma situação violadora do direito constitucionalmente consagrado de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, contido no art. 20.º da CRP, do qual decorre como corolário a proibição da indefesa, atentas as consequências da apreciação da prescrição em sede de dívida tributária, com a consequente inexigibilidade da dívida e impossibilidade de cobrança coerciva, pelo que, a impugnação judicial em que se visa a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade.

c) O processo em causa contém os elementos indispensáveis ao conhecimento da questão da prescrição, pelo que, sempre estaremos perante uma situação em que, a admissão do recurso será claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

d) Com efeito, ainda que a questão do conhecimento da prescrição invocada em sede de impugnação judicial, enquanto fundamento de declaração da inutilidade superveniente da lide, tenha já sido analisada em sede jurisprudencial, releva-se como essencial, a discussão de saber em que medida, e com que limites ou extensão, pode o Tribunal acabar por não conhecer dessa mesma prescrição, “escudando-se” no argumento de que o processo não contém todos os elementos indispensáveis ao conhecimento da questão da prescrição, o que, a final se traduz na não apreciação da prescrição invocada,

e) O presente recurso tem como fundamento a violação de lei substantiva e processual (nomeadamente: o art. 20.º da CRP, as disposições legais referentes à prescrição – arts. 48.º e 49.º da LGT e disposições processuais referentes a causa de extinção da instância – 277.º, al. e) do CPC), pelo que, preenche igualmente a exigência legal plasmada no n.º 2 do art. 285.º do CPPT.

f) Constitui também fundamento do presente Recurso a questão de saber se a quantia recebida pelo ora Recorrente, a título de sinal, deverá ser considerada, face ao incumprimento do promitente-comprador, a título indemnizatório e por isso tendo perdido a natureza de preço, modificando-se estruturalmente para indemnização fixada à partida (ao abrigo do disposto no art. 442.º, n.º 2 do C.C.), face ao que, consideramos estar perante uma situação em que, a admissão do recurso será claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, e atenta a relevância jurídica que assume a discussão em torno da questão supra exposta, em sede de dinâmica e regime do contrato-promessa, tanto mais, com reflexos, em sede de tributação ou não, consoante a qualificação jurídica a atribuir ao valor recebido pelo Recorrente.

g) E, no que a esta segunda questão a decidir se refere, o presente recurso tem como fundamento a violação de lei substantiva, nomeadamente, o regime do contrato-promessa, mormente, o art. 442.º, n.º 2 do C.C., e o art. 13.º do CIRS, pelo que, preenche igualmente nesta sede, a exigência legal plasmada no n.º 2 do art. 285.º do CPPT.

II – Do vício de violação de lei do Acórdão ora recorrido

h) O Acórdão recorrido, apesar de acompanhar a posição do Recorrente de que, a prescrição poderá ser conhecida, em impugnação judicial, incidentalmente, como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, da dívida subjacente ao acto tributário impugnado, por alegadamente o processo não conter todos os elementos indispensáveis ao conhecimento da questão da prescrição.

i) Constam dos autos todos os elementos necessários para efectuar um juízo seguro sobre a verificação da prescrição da dívida em apreço, e, o próprio Tribunal Recorrido solicitou o esclarecimento nos autos de questões que para si constituíam questões essenciais à apreciação da invocada prescrição (e tendo obtido tais esclarecimentos junto da Fazenda Pública – cf. supra nos arts. 23 a 27), não faz qualquer sentido que, a posteriori venha invocar que, “não se encontrando apenso o PEF, difícil se torna aferir, com segurança se ocorrem, ou não, factos suspensivos ou interruptivos do decurso do prazo de prescrição”.

j) A dívida tributária em causa nos autos, e respeitante a IRS do ano 1999 encontra-se prescrita, desde pelo menos 5 de Abril de 2011, uma vez que já decorreram pelo menos (oito) anos, estando esgotado o prazo de prescrição previsto no art. 48.º da LGT, de acordo com a sequência de factos detalhadamente relatados e expostos supra nos arts. 31.º a 46.º para os quais se remete.

k) Verificando-se a prescrição da dívida tributária em causa, deverá ser revogado o Acórdão Recorrido, e, consequentemente, declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em virtude de ter ocorrido a prescrição da dívida tributária relativa a IRS.

l) Ao não decidir deste modo, o Acórdão recorrido incorreu em vício de violação de lei, quer lei substantiva, mais precisamente o art. 20.º da CRP e as disposições legais referentes à prescrição da obrigação tributária – arts. 48.º e 49.º da LGT, quer lei processual, respeitante às causas de extinção da instância - o art. 277.º, al. e) do CPC.

m) Estando considerado como provado nos autos que:
- A data de 1 de Outubro de 1999 era a data limite para a celebração da escritura de compra e venda dos imóveis, objecto do contrato-promessa (al c) dos factos provados);
- O promitente-comprador, B…………. não compareceu no Cartório Notarial de Vila Viçosa na data de 01.10.1999, prevista no acordo referido na alínea c) dos factos provados, com vista à celebração do contrato definitivo – faco aditado pelo Acórdão recorrido.

n) Ter-se-á de concluir que, o promitente-comprador (B…………….), entrou em incumprimento culposo do contrato-promessa de compra e venda, tanto mais que, na cláusula 7.ª do acordo, considerado como provado no facto assente sob a alínea c), ficou estabelecido que a “violação de qualquer das cláusulas – leia-se a data de celebração da escritura – constante da presente transacção gera desde logo incumprimento total”, pelo que,

o) Tal incumprimento determina, nos temos da lei civil (art. 442.º, n.º 2 do C.C.), que o promitente-vendedor (in casu o ora Recorrente) possa fazer seu o sinal já recebido, a título indemnizatório – foi, de facto, o que linearmente, sucedeu.

p) Assim, contrariamente ao preconizado no Acórdão Recorrido, a quantia recebida pelo ora Recorrente, a título de sinal, deverá ser considerada, face ao incumprimento do promitente-comprador, a título indemnizatório e por isso tendo perdido a natureza de preço, modificando-se estruturalmente para indemnização fixada à partida (ao abrigo do disposto no art. 442.º, n.º 2 do C.C.), e nessa medida, não concorre para a fixação do valor de realização enquanto elemento essencial para a determinação do valor tributável e,

q)Tendo sido recebida a título de indemnização pelo incumprimento do contrato promessa, constitui verdadeira e própria indemnização, a qual não é tributável em sede de IRS (cf. art. 13.º, n.º 1 do CIRS).

r) Ao não considerar desta forma incorreu o Acórdão Recorrido em vício de violação de lei, nomeadamente por violação de lei substantiva, nomeadamente, o regime do contrato-promessa, mormente, o art. 442.º, n.º 2 do C.C., e o art. 13.º do CIRS

s) Nestes termos, atentas as razões alegadas, deverá ser admitido e concedido provimento ao presente recurso, e em consequência:

- Ser revogado o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, e, substituído por outro que:
- Considere verificada a prescrição da dívida tributária em causa, declarando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em virtude de ter ocorrido a prescrição da dívida tributária relativa a IRS, ou, quando assim não considere,
- Julgue procedente a impugnação judicial apresentada, com todas as consequências legais daí decorrentes,
Assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!».

1.2 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, verificando a legitimidade do Recorrente e a tempestividade do recurso, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal e dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no qual, após enunciar os termos do recurso e os requisitos da admissibilidade do recurso de revista, com amplas referências doutrinais e jurisprudenciais, considerou que estes se não verificam. Da fundamentação que expendeu em suporte da sua posição, permitimo-nos salientar os seguintes excertos: «[…] A análise das questões suscitadas pelo Recorrente passa, pela emissão de um juízo sobre a insuficiência da matéria levada ao probatório (no que respeita ao conhecimento e verificação da prescrição) bem como pela emissão de um juízo sobre a prova produzida de molde a concluir se a factualidade levada ao probatório permite as ilações de facto extraídas e, consequentemente, apreciar se o douto Acórdão Recorrido errou na apreciação da prova produzida e, consequentemente na sua subsunção jurídica», «[n]o caso em apreço, não está em causa ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, excepções que permitiriam a revista», «resulta do teor das Alegações de Recurso e dos seus termos conclusivos é que o Recorrente entende padecer a decisão recorrida de erro de julgamento pretendendo, na verdade, a reapreciação de questões na vertente factual e jurídica, como se de um recurso ordinário se tratasse», «[a]s questões suscitadas não se mostram de elevada complexidade, exigindo a aplicação e concatenação de diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos, antes se apresentando com um grau de dificuldade comum, nem resulta que o tratamento da matéria tenha suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina», «não revestem as questões suscitadas uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites do caso concreto e a sua singularidade», e as questões não foram decididas de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.

1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2 DE DIREITO

2.2.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT e do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, como decorre do n.º 4 do art.285.º do CPPT e a jurisprudência tem vindo a salientar, as questões de facto, designadamente o erro na apreciação da prova e na fixação dos factos, estão arredadas do âmbito deste recurso, a menos que haja «ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».
Ou seja, o recurso de revista excepcional não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, i.e., que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável).
Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que «[…] o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» ( Cf. acórdão de 2 de Abril de 2014, proferido no processo com o n.º 1853/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.).

2.2.2 O Recorrente interpôs o presente recurso de revista, pretendendo que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre duas questões: primeira, se, em sede de impugnação judicial, o tribunal se pode escusar a conhecer da prescrição da dívida exequenda que teve origem na liquidação impugnada, como causa de inutilidade superveniente da lide, com o fundamento de que o processo não fornece todos os elementos que permitam aferir da prescrição; segunda, se, em face da matéria de facto provada, se deverá concluir que o montante por ele recebido e que deu origem à liquidação adicional impugnada é, não parte do preço, mas uma indemnização, em que foi convertido o sinal, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 442.º do Código Civil (CC), pelo incumprimento pelo promitente-comprador de um contrato-promessa de compra e venda de bens imóveis com ele celebrado e, por isso, não sujeito a tributação, atento o disposto no n.º 1 do art. 13.º do CIRS.
Vejamos se e o que o acórdão recorrido decidiu no que respeita a essas duas questões:
Quanto à primeira, o acórdão recorrido, louvando-se na jurisprudência deste Supremo Tribunal e na doutrina, decidiu não tomar conhecimento da prescrição, a título incidental e enquanto causa de inutilidade superveniente da lide impugnatória do acto que deu origem à obrigação, com o fundamento de que o processo não fornece todos os elementos factuais necessários, designadamente em ordem a aferir da existência de factos suspensivos ou interruptivos do prazo de prescrição; mais salientou o acórdão recorrido que, «na circunstância de a dívida tributária em referência estar, efectivamente, prescrita, o Recorrente poderá no processo de execução fiscal requerer essa mesma declaração (neste sentido, vide, entre muitos outros: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.12.2015, proferido no processo n.º 1364/14, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)», motivo por que não há compressão alguma do princípio da tutela jurisdicional efectiva, na sua vertente do direito de acesso ao tribunais, consagrado no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Quanto à segunda questão, cumpre ter presente que o acto tributário impugnado assenta no pressuposto de que houve uma «simulação combinada de negócios jurídicos realizada pelo impugnante com B……….. (primeira contraparte do impugnante no negócio da venda dos prédios) e C…………….. (segunda contraparte do impugnante no negócio da venda dos prédios), o que terá levado a que a compra e venda dos prédios rústicos em causa tenha sido realizada com C…………….., pese embora ter sido prometida com B………….., no quadro de um esquema negocial que envolveu todas as partes, com vista à obtenção da erosão da base tributária, mas cujo fim último, por todos conhecido, era o da transacção das propriedades da esfera do impugnante para a esfera do comprador, pelo preço global, composto pelas quantias pagas, quer no quadro do contrato promessa, por B………………, quer no quadro do contrato definitivo, por C………..».
O acórdão recorrido apreciou-a e decidiu-a no âmbito da questão de saber «se a quantia recebida pelo impugnante, a título de indemnização pelo incumprimento do contrato promessa constitui verdadeira e própria indemnização, a qual não é tributável em IRS (artigo 13.º/1, do CIRS, versão vigente) ou se tal quantia corresponde a parte do preço recebido pelo impugnante pela venda dos prédios rústicos em causa, pelo que, seguindo esta última tese, tal quantia integra a mais-valia a tributar em sede de IRS - rendimentos categoria G (artigo 10.º do CIRS)», tendo concluído que a quantia em causa, apesar da tese do ora Recorrente, de que constitui a apropriação do sinal justificada pelo incumprimento do contrato-promessa por causa imputável ao promitente-comprador (B……….), mais não constitui do que parte do preço pela venda dos imóveis, cujo contrato foi celebrado com C…………, ou seja, que «que a quantia de Esc. 51.000.000$00 declarada na escritura de compra e venda dos bens imóveis em causa nos autos não corresponde ao valor efectivo recebido pelo Recorrente a título de preço, antes incluiria, também, o valor de Esc. 46.470.000$00 recebido a título de sinal referente ao contrato-promessa celebrado entre o recorrente e o primitivo promitente-comprador».
Assim, tendo considerado verificada a simulação em que a AT fez assentar a liquidação impugnada, o acórdão confirmou a sentença recorrida, que também decidiu nesse sentido.

2.2.3 Vejamos agora se é admissível a revista, relativamente a cada uma das questões.
Quanto à primeira, a Recorrente sustenta a sua admissibilidade com os seguintes argumentos: «o não conhecimento da prescrição, constituirá uma situação violadora do direito constitucionalmente consagrado de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, contido no art. 20.º da CRP, do qual decorre como corolário a proibição da indefesa», o processo «contém os elementos indispensáveis ao conhecimento da questão da prescrição» e a questão de saber «em que medida, e com que limites ou extensão, pode o Tribunal acabar por não conhecer dessa mesma prescrição, “escudando-se” no argumento de que o processo não contém todos os elementos indispensáveis ao conhecimento da questão da prescrição, o que, a final se traduz na não apreciação da prescrição invocada».
Salvo o devido respeito, o Recorrente parte dum pressuposto fáctico – qual seja o de que o processo «contém os elementos indispensáveis ao conhecimento da questão da prescrição» – que o Tribunal Central Administrativo Sul não deu como assente, antes pelo contrário; ou seja, como bem observou a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, a questão que o Recorrente pretende ver dirimida no presente recurso exigiria a emissão de um juízo sobre a suficiência da matéria de facto que foi dada como assente, nomeadamente par aferir da existência de eventuais causas de suspensão ou de interrupção do prazo.
Quanto à segunda questão, o Recorrente entende que a factualidade provada permite que se conclua que o montante que recebeu a título de sinal se converteu, por força do incumprimento do promitente-comprador, em indemnização, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 442.º do CC, e, por isso, não pode ser considerado como parte do preço, não concorrendo para a fixação do valor de realização para efeitos de apuramento de mais-valias, nem sendo sujeito a tributação, atento o disposto no art. 13.º, n.º 1, do CIRS.
Em face deste entendimento, o Recorrente parece desprezar o pressuposto em que assentou o acto de liquidação adicional impugnado, qual seja o de que o referido montante, a que ele atribuiu natureza indemnizatória legal, foi considerado pela AT como parte do preço pela venda dos imóveis. Na verdade, a liquidação adicional impugnada teve como pressuposto que houve uma «simulação combinada de negócios jurídicos», abrangendo quer o contrato-promessa quer o contrato de compra e venda, de modo a que parte do preço real fosse pago como sendo a indemnização devida pelo incumprimento de um contrato-promessa celebrado com um terceiro, pressuposto que o acórdão considerou verificado em face da factualidade que deu como provada.
Ou seja, como também observou a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, a apreciação da segunda questão que o Recorrente pretende trazer à apreciação deste Supremo Tribunal em sede do presente recurso de revista exigiria a emissão de um juízo sobre a prova produzida e as ilações de facto extraídas dos factos provados em ordem a indagar da correcção da sua subsunção jurídica.
Como resulta do que deixámos já dito, no âmbito do recurso de revista não cabe o reexame da prova, porquanto, por expressa disposição legal, «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» (cf. art. 285.º, n.º 4, do CPPT), o que manifestamente não é o caso dos autos.
Ora, não podendo o recurso possa ser admitido para reapreciação da prova produzida, não se vê como podem ter-se por verificados os pressupostos de que depende a admissão do recurso no caso dos autos, razão pela qual este não será admitido.

2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

II - Por expressa disposição legal, «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» (cf. art. 285.º, n.º 4, do CPPT).


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pelo Recorrente.


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Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - Francisco Rothes (Relator) - Isabel Marques da Silva - Aragão Seia.