Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0919/16.7BEPRT
Data do Acordão:11/27/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
INDEFERIMENTO
Sumário:Não é de admitir a revista quando o fundamento do indeferimento do pedido de suspensão de eficácia da requerida medida cautelar foi a não verificação dos respectivos pressupostos e as razões que determinaram esse indeferimento foram ponderadas e nada indica que as mesmas sejam erradas.
Nº Convencional:JSTA000P23875
Nº do Documento:SA1201811270919/16
Data de Entrada:11/05/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………, L.dª intentou, no TAF do Porto, contra o Município do Porto, providência cautelar pedindo a suspensão de eficácia do despacho do Vereador do Pelouro da Inovação e Ambiente da respectiva Câmara, de 04.03.2016, que ordenou o encerramento preventivo do estabelecimento que a Requerente explora na referida cidade.

Aquele Tribunal, por sentença de 13/03/2018, indeferiu a requerida providência.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Norte confirmou.

É desse acórdão que a Autora vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. Resulta da M.F. que, na sequência de múltiplas queixas referentes ao ruído provocado pelo funcionamento do estabelecimento que a Requerente explora e das diversas acções destinadas não só a obter confirmação dessas queixas como a implementar medidas que o pudessem minimizar, o Vereador do Pelouro da Inovação e Ambiente da Câmara Municipal do Porto proferiu despacho ordenando o seu encerramento preventivo, por tal violar as normas do Regulamento Geral do Ruído (RGR) e provocar um insuportável incómodo para os vizinhos.
Inconformada, a Requerente requereu a suspensão de eficácia daquele acto imputando-lhe não só diversas ilegalidades como alegando que a sua manutenção causar-lhe-ia prejuízos irreparáveis e determinaria a constituição de uma situação irreversível.

O TAF indeferiu a requerida medida cautelar por considerar que se não verificava nem o fumus boni iuris nem o periculum in mora.
Não verificava o fumus boni iuris porque:
- Inexistia qualquer erro nos pressupostos de facto uma vez que existia um historial de sucessivas queixas, notificações e reuniões relativamente ao "Pedido de intervenção relativa à incomodidade sonora resultante do ruído provocado pelo funcionamento do estabelecimento denominado "B…………", sito à Rua da ………, n.º ……/……".
- Não ocorria a falta de audiência prévia por, anteriormente à prolação do despacho suspendendo, a Requerente ter sido notificada para se pronunciar sobre esse acto no prazo de cinco dias.
- Não se verificava o vício de incompetência por o Requerido ter praticado o acto suspendendo no uso de competência delegada pelo Presidente da Câmara e o referido RGR atribuir “competência às câmaras municipais para ordenar medidas cautelares que podem consistir no encerramento preventivo do estabelecimento.”
- O acto estava fundamentado e esta fundamentação não era obscura, contraditória ou insuficiente, por indicar “de forma explícita e compreensível, os motivos que fundam a medida cautelar de encerramento preventivo do estabelecimento.”
- Inexistia “qualquer violação do princípio da boa-fé, da segurança jurídica e da legalidade, uma vez que o ato suspendendo constitui medida cautelar, que visa a salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações (cfr. art.° 1.° do RGR), tendo a Requerente sido amplamente informada do procedimento e da sua tramitação, tendo participado inclusivamente em reuniões com o Requerido e enviado ao mesmo informação sobre as obras que se propôs realizar. … Por outro lado, todo o procedimento relativo ao ato suspendendo e, bem assim, a natureza cautelar do mesmo permite à Requerente - uma vez implementadas as medidas necessárias ao cumprimento da lei - promover os atos necessários para regressar à exploração do concreto estabelecimento.”
- E não havia qualquer ilegalidade no encerramento preventivo do estabelecimento por esta medida constituir “uma das medidas cautelares legalmente admissíveis para evitar a produção do dano grave de para a saúde humana e bem-estar da população, que se encontra manifestamente posta em causa pelo incumprimento detetado através de ensaio que aferiu níveis de ruído violentos para a saúde humana, pelo facto de exceder os limites legais em 12 dB (A), pelo que as invocadas ilegalidades não se verificam, sendo a medida admissível no quadro do RGR.”
- Finalmente, inexistia violação dos princípios da legalidade, da justiça, da necessidade, da adequação, da proporcionalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade e da protecção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos por a medida cautelar impugnada não só se revelar necessária e adequada ao dano à saúde em causa como se revelar totalmente proporcional uma vez que, no confronto e sopeso dos direitos conflituantes - a saber, direito de exercer a atividade comercial versus direito ao repouso e ao sossego enquanto expressão dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente do direito à integridade física e moral da pessoa e a um ambiente de vida sadio - devem estes últimos, em princípio, prevalecer, caso a referida conciliação e compatibilização se revelem impossíveis.”
Nesta conformidade, não se verificava o fumus boni iuris o que bastava “para não decretar a providência já que os pressupostos são, como se disse, cumulativos.

Todavia, e apesar disso, a sentença prosseguiu rejeitando a existência do periculum in mora nos seguintes termos:
“Ora, in casu, não só os invocados prejuízos são passíveis de indemnização, mas também a Requerente poderá, como vimos, regressar ao exercício da atividade, mediante a implementação das necessárias medidas ao cumprimento da lei e promoção dos atos administrativos tendentes à cessação da medida cautelar, pelo que inexiste qualquer facto consumado ou prejuízo de difícil reparação face à medida cautelar aplicada pelo ato suspendendo.”

Decisão que o Acórdão recorrido confirmou em absoluto.

3. Como se acaba de ver está em causa saber se aquele Aresto fez correcto julgamento quando, sufragando a decisão do TAF, considerou que não só não ocorria o fumus boni iuris como se não verificava o periculum in mora e com esse fundamento indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do acto ora em causa.

A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação obtida nesta sede.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas em cada um desses casos e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Todavia, no caso, não está em causa uma situação que justifique afastarmo-nos dessa jurisprudência.
Com efeito, quer no tocante à análise do fumus boni iuris como do periculum in mora tudo indica que as instâncias julgaram com acerto e isto porque as razões que determinaram a conclusão de que o acto suspendendo não estava inquinado pelos múltiplos vícios que lhe foram imputados não só eram plausíveis como foram desenvolvidas com uma argumentação jurídica convincente. Como, por outro lado, não se pode censurar a afirmação de que os prejuízos invocados pela Requerente não só são passíveis de indemnização – facto decisivo que não é susceptível de ser questionado nesta sede (art.º 150.º/3 do CPTA) - como, findo o processo principal, ela poderá retomar exercício da sua actividade, para tanto bastando dispor-se a cumprir as normas em cuja violação incorreu.
Acrescendo que a situação que se nos apresenta é de difícil repetição.
Não se encontram, assim, preenchidos os requisitos de admissão do recurso.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 27 de Novembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.