Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0551/12
Data do Acordão:11/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:ACTO CONFIRMATIVO
REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO DA LIQUIDAÇÃO
INTEMPESTIVIDADE
Sumário:I - Só é de afastar o recurso contencioso de um acto confirmativo quando, entre esse acto e o anterior, exista identidade de lesão.
II - O indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação que reproduz o conteúdo de anterior indeferimento é autonomamente lesivo se se abstém de conhecer do pedido de revisão do acto de liquidação deduzido passados dois anos sobre o pedido anterior e sem que fosse ultrapassado o prazo de revisão oficiosa da liquidação, pois viola autonomamente o dever de decisão a que a Administração esta vinculada ex vi do disposto no n.º 2 do artigo 56.º da Lei Geral Tributária.
III - Tal acto é judicialmente sindicável pois contém em si mesmo uma autónoma lesão do direito do contribuinte à decisão administrativa.
Nº Convencional:JSTA00067966
Nº do Documento:SA2201211280551
Data de Entrada:05/17/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRGER DAS ALFÂNDEGAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:LGT98 ART56 N2.
CONST76 ART268 N4.
CPA91 ART120.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A……., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 17 de Janeiro de 2012, que, na impugnação por si deduzida contra o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de Imposto Automóvel proferido pelo Director da Alfândega de Aveiro, julgou verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto, absolvendo a Fazenda Pública da instância.
O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. Foi dado como provado – sem censura – que o impugnante, em 18.04.2001, apresentou o primeiro pedido de revisão do acto de liquidação e que, em 22.05.2003, apresentou novo pedido de revisão do mesmo acto, com os mesmos fundamentos, sendo notificado, em 06.06.2003, da segunda decisão de indeferimento, tendo, em 15.09.2003, deduzido a presente impugnação judicial.
2. Face a tal factualidade, concluiu a douta decisão, aliás na esteira da contestação, que este segundo acto decisório não tem carácter inovatório em relação ao primeiro, por se estar perante um acto confirmativo, que não é contenciosamente recorrível.
3. Tal conclusão enferma de erro de julgamento e deve ser afastada, pois que, dando de barato que os fundamentos do segundo pedido de revisão são os mesmos do primeiro, o segundo acto de indeferimento não é meramente confirmativo do primeiro.
4. A conclusão só poderia estar certa se o segundo pedido de revisão do acto de liquidação tivesse sido apresentado à Alfândega antes de decorridos dois anos sobre a data da apresentação do primeiro, o que não foi o caso.
5. Porque mediou mais de dois anos entre a formulação de tais pedidos, por força do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 56.º da LGT, o segundo acto não é confirmativo do primeiro, antes inova na ordem jurídica e produz efeitos próprios, designadamente para fins de sindicância jurisdicional, tempestivamente exercitada pelo recorrente.
6. O erro de julgamento estende-se à declaração de procedência da excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto e à decretada absolvição da instância.
6. (sic) A douta sentença, por errada interpretação, violou o disposto nos arts. 2.º al. b) e 56.º n.º 2 al. a) da LGT, 9.º do CPA, 9.º do CC e 668.º n.º 1 al. c) do CPC.
Termos em que, e nos do douto suprimento, deve o recurso ser julgado procedente e revogada a sentença, julgando-se procedente a impugnação, com as legais consequências, como acto de inteira JUSTIÇA

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
(…)
a. Fundamentação
No art. 56.º da LGT está expresso haver por parte da AT o dever de pronúncia sobre todos os assuntos da sua competência – n.º 1.
E também o dever de decidir, salvo se tiver havido pronúncia “há menos de 2 anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objecto e fundamentos”, ou tiver sido “ultrapassado o prazo legal de revisão do acto tributário” – n.º 2 ibidem.
No art. 9.º do CPTA prevê-se não haver dever de decisão quando a administração tiver praticado dois anos antes acto administrativo, o que é diferente.
Procurando interpretar a norma anteriormente referida dentro da unidade do sistema, segundo o que resulta do art. 9.º n.º 1 do C. Civil, é de considerar ainda especialmente o seguinte:
- a revisão do acto tributário pode ter lugar no prazo de 3 anos, por força das disposições – arts. 101.º da reforma Aduaneira e 236.º n.º 2 do CAC;
- o pedido de revisão do acto tributário pode ter lugar, oficiosamente, ou a pedido dos interessados – art. 44.º, n.º 1 al. c) do CPPT; e
- entre os actos lesivos estão incluídos os de indeferimento de pedidos de revisão, relativamente aos quais é de reconhecer o direito de impugnação ou de recurso, nos termos da lei – art. 95.º n.º 1 e 2 al. d) da LGT.
Neste circunspecto sendo de entender a norma em causa, melhor resulta ser de reconhecer a impugnabilidade do acto que indeferiu o pedido de revisão, formulado antes do prazo de 3 anos sobre a data dos respectivos factos, e decorridos 2 anos sobre anterior pedido, apesar da decisão anterior ser de indeferimento, e desta ter incidido sobre pedido com fundamento semelhante.
Com efeito, por não ter sido apresentada impugnação ou recurso dessa primeira decisão, não será de recusar tal quanto à nova decisão, pelo menos com o fundamento com que se decidiu, pois, tendo a nova decisão sido proferida ainda dentro do prazo em que é possível a revisão do acto, quanto ao mesmo é de admitir a sua impugnabilidade.
Em sentido próximo ao que aqui se defende se pronunciou já o acórdão do STA de 20-3-2002, proferido no proc. 26.580, entre outros, e o exm.º cons. Jorge Sousa, em CPPT, an. e com., 2011, Áreas ed. vol. I, p. 417, que defende ser de entender a primeira decisão como tendo “um carácter meramente provisório, até que esteja esgotado o prazo em que é permitida a revisão”, embora reconhecendo ser posição que não tem encontrado eco na jurisprudência do STA, mas que não será difícil de aceitar no domínio do contencioso tributário, por o regime da revisão, tal como é nesta admitida, também a pedido do contribuinte, não ter paralelo no domínio do contencioso administrativo.
b. Decisão
É de substituir a sentença recorrida por outra que determine o prosseguimento dos autos, se a tal nada mais obstar, termos em que o recurso é de proceder.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se a decisão recorrida cometeu erro de julgamento ao julgar verificada a excepção de “inimpugnabilidade do acto” objecto da impugnação judicial deduzida – de indeferimento do pedido de revisão da liquidação de Imposto Automóvel por extemporaneidade – porque meramente confirmativo de acto anterior do mesmo teor.

5 – Matéria de facto
Na decisão objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 18.9.2000, o impugnante apresentou a declaração de veículo ligeiro n.º 2000/0068179, relativo ao veículo da marca Mercedes-Benz, adquirido na Alemanha, tendo a Alfândega de Aveiro liquidado o imposto automóvel no montante de e 9.540,27, segundo registo de liquidação com a mesma data, tendo o imposto sido pago em 29.1.2000 (docs. de fls.38 a 52).
2. No dia 18 de Abril de 2001, o impugnante apresentou pedido de revisão do acto de liquidação mencionado em 1, invocando a desconformidade do DL nº 40/93, de 18.2 com o art. 90.º, n.º 2, do Tratado de Roma (doc. de fls. 27 e 28).
3. No dia 29 de Maio de 2001, foi proferida decisão de arquivamento do procedimento de revisão oficiosa, com a seguinte fundamentação: “considerando que os pedidos de revisão dos actos de liquidação, por iniciativa do sujeito passivo, têm de ser apresentados no prazo de 90 dias, a contar do termo do prazo de pagamento voluntário (cfr. n.º 1 do art. 78.º da LGT e os artigos 70º e 102º do CPPT) e que, se tiver sido ultrapassado esse prazo, não existe dever de decisão, face ao disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º da LGT, afigura-se-nos que o presente pedido de revisão deverá ser arquivado com esse fundamento de direito, uma vez que o prazo para pagamento voluntário do IA liquidado na DVL nº 00/68179, expirou em 2.12.00 e o pedido de revisão do acto de liquidação foi apresentado em 18.4.2001” (cfr. fls. 26).
4. O impugnante foi notificado desta decisão, na pessoa do seu mandatário, no dia 4 de Julho de 2001 (cfr. fls. 25).
5. No dia 22 de Maio de 2003, o impugnante apresentou novo pedido de revisão do acto de liquidação referido em 1., com os mesmos fundamentos, reconduzidos à violação do Direito Comunitário (cfr. fls. 34).
6. No dia 29 de Maio de 2003, foi proferida decisão de arquivamento do procedimento de revisão oficiosa, com a seguinte fundamentação: “considerando que os pedidos de revisão dos actos de liquidação, por iniciativa do sujeito passivo, tem de ser apresentados no prazo de 90 dias, a contar do termo do prazo de pagamento voluntário (cfr. n.º 1 do art. 78.º da LGT e os artigos 70º e 102º do CPPT) e que, se tiver sido ultrapassado esse prazo, não existe dever de decisão, face ao disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º da LGT, afigura-se-nos que o presente pedido de revisão deverá ser arquivado com esse fundamento de direito, uma vez que foi apresentado em 22.5.2003 e o prazo para pagamento voluntário do IA liquidado nas DVLs a que se reporta, expirou nas datas que se discriminam: DVL n.º 2000/68179 expirou em 02-12-2000 “(cfr. fls. 33).
7. O impugnante foi notificado desta decisão, na pessoa do seu mandatário, no dia 6 de Junho de 2003 (cfr. fls. 32).
8. No dia 15 de Setembro de 2003, a impugnante deduziu a presente impugnação judicial (fls. 1).

6– Apreciando.
6.1 Da julgada inimpugnabilidade do acto de indeferimento do pedido de revisão da liquidação objecto de impugnação porque meramente confirmativo de acto anterior
A decisão recorrida, a fls. 84 a 90 dos autos, julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto, absolvendo a Fazenda pública da instância, por ter entendido que o acto impugnado – despacho de indeferimento do pedido de revisão do acto de liquidação de IA por intempestividade – era confirmativo de acto anterior, nada inovando em relação ao primeiro, carecendo por isso de lesividade autónoma e não sendo contenciosamente recorrível, pois que recorrível era o primeiro acto que, não tendo sido objecto de recurso contencioso de anulação, se cristalizou na ordem jurídica, não podendo, pois, ser atacado por via desta acção (cfr. sentença recorrida, a fls. 89 e 90 dos autos).
Discorda do decidido o recorrente, alegando que o segundo acto de indeferimento não é meramente confirmativo do primeiro, pois mediou mais de dois anos entre a formulação de tais pedidos, pelo que, por força do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 56.º da LGT, o segundo acto não é confirmativo do primeiro, antes inova na ordem jurídica e produz efeitos próprios, designadamente para fins de sindicância jurisdicional, tempestivamente exercitada pelo recorrente.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, sustenta o provimento do recurso atenta a existência de dever de decidir (art. 56.º da LGT), por não ter sido ultrapassado o prazo de revisão oficiosa do acto tributário, que pode ser desencadeada pelo contribuinte, devendo reconhecer-se a impugnabilidade do acto que indeferiu o pedido de revisão, formulado antes do prazo de 3 anos sobre a data dos respectivos factos, e decorridos 2 anos sobre anterior pedido, apesar da decisão anterior ser de indeferimento, e desta ter incidido sobre pedido com fundamento semelhante.
Vejamos.
Como ensina VASCO PEREIRA DA SILVA (Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Lisboa, 1995, pp. 732/736) as concepções tradicionais do direito administrativo consideravam os “actos administrativos confirmativos” irrecorríveis, por carecerem de executoriedade (Marcello Caetano) ou de definitividade (Freitas do Amaral, ou por nem sequer poderem ser considerados actos administrativos em razão de lhes faltar natureza inovatória (Sérvulo Correia).
Abandonada, desde logo ao nível constitucional (artigo 268.º n.º 4 da Constituição da República), a concepção tradicional segundo a qual a recorribilidade do acto estava dependente da sua definitividade e executoriedade e afirmando a lei (artigo 120.º do Código de Procedimento Administrativo) que os actos confirmativos são também verdadeiros e próprios actos administrativos, haverá, isso sim e apenas, que aferir da verificação do pressuposto processual da lesão de direitos dos particulares, no quadro de uma concreta relação jurídica administrativa, só sendo de afastar o recurso contencioso de um acto confirmativo quando, entre esse acto e o anterior, exista identidade de lesão (cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, op. cit., pp. 734 a 736).
No caso dos autos, não estamos perante recurso contencioso de anulação (hoje acção administrativa especial) mas perante uma impugnação judicial do indeferimento de pedido de revisão oficiosa da liquidação, e, reconhecendo embora que o conteúdo do acto de indeferimento impugnado é similar ao do acto de indeferimento antes proferido perante anterior pedido de revisão oficiosa da liquidação (cfr. os números 3 e 6 do probatório fixado), entendemos que este segundo acto contém em si mesmo lesividade própria, pois que, ao abster-se de conhecer do pedido de revisão do acto de liquidação deduzido passados dois anos sobre o pedido anterior (cfr. os números 3 e 6 do probatório fixado) e sem que fosse ultrapassado o prazo de revisão oficiosa da liquidação (4 anos após a liquidação, estando o tributo pago – cfr. o n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária; 3 anos após a liquidação, caso se entenda serem aplicáveis disposições aduaneiras especiais, conforme parecer do Ministério Público) violou autonomamente o dever de decisão a que a Administração estava vinculada ex vi do disposto no n.º 2 do artigo 56.º da Lei Geral Tributária, daí que deva reconhecer-se que, ao contrário do decidido, o acto em causa é judicialmente sindicável, pois que contém em si mesmo uma autónoma lesão do direito do contribuinte à decisão administrativa.

A sentença recorrida que assim o não entendeu não pode, pois, manter-se, sendo de prover o recurso.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgando não verificada a excepção de “inimpugnabilidade do acto” determinar a baixando os autos ao tribunal “a quo” para que prossigam, se a tal nada mais obstar.

Sem custas, pois a Fazenda Pública não contra-alegou.

Lisboa, 28 de Novembro de 2012. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Dulce Neto.