Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01071/17.6BALSB
Data do Acordão:10/23/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IMPOSTO DE SELO
Sumário:I - Não há oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito quando as situações de facto apreciadas em cada um dos acórdãos são substancialmente diversas e foram submetidas por cada um deles a diferentes normas legais;
II - Também não há oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito se a legalidade do ato impugnado foi apreciada no acórdão recorrido com base numa norma que não existia à data do acórdão fundamento.
Nº Convencional:JSTA000P25061
Nº do Documento:SAP2019102301071/17
Data de Entrada:10/04/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:SOCIEDADE GESTORA DOS FUNDOS DE PENSÕES DO BANCO DE PORTUGAL, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

1.1. A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA veio, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações efetuadas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa em 30 de agosto de 2017, no processo n.º 9/2012-T CAAD, que julgou procedente o pedido de anulação dos atos de liquidação de imposto de selo n.ºs 20166430000866 de 2013, 20166430001365 de 2014 e 20166430001366 de 2015, no valor total de € 365.024,01, pedido este que tinha sido formulado por SOCIEDADE GESTORA DOS FUNDOS DE PENSÕES DO BANCO DE PORTUGAL S.A. (SGFP BP), pessoa coletiva n.º 502 029 676, com sede na Avenida da República, n.º 57, 7.º, 1050-189 Lisboa

Invocou contradição entre essa decisão e os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de junho de 2016, de 29 de junho de 2016 e de 3 de novembro de 2016 (prolatados nos processos n.ºs 0770/15, 01630/15 e 0976/16, respetivamente) e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21 de setembro de 2010, proferido no processo n.º 02754/08.

Com a interposição do recurso apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

«(…) I – O presente recurso tem fundamento na oposição de julgados, resultante da decisão arbitral proferida no processo nº 9/2017-T do CAAD, da qual se recorre, e os Acórdãos do STA de 15 de Junho de 2016, de 29 de Junho de 2016 e de 3 de Novembro de 2016 (prolatados nos processos nº 0770/15, nº 01630/15 e n°0976/16, respectivamente decisão arbitral que também contraria o Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 02754/08, em 21/09/2010.

II – A questão fundamental de direito que opõe a decisão arbitral recorrida e os citados arestos do STA e TCA Sul é avaliar se a isenção concedida pelo art.º 7.º nº 1 al. e) do CISelo tem como elemento catalisador, – a que se reportam os juros, as comissões cobradas, as garantias prestadas ou a (sua) mera utilização –, o crédito concedido nos termos mencionados no mesmo normativo.

III – Existindo, nesta matéria, o entendimento do tribunal arbitral de que a isenção é aplicável ao caso sub judice, ainda que exista norma expressa divergente (o nº 7 do citado artigo 7º do CIS), a que foi conferido carácter interpretativo.

IV – Norma que o tribunal arbitral desaplica, por a considerar retroactiva e, em consequência, inconstitucional.

V – Ao contrário do entendimento do STA, que avalia a norma interpretativa como conforme à Constituição, por se pronunciar sobre matéria previamente sujeita a interpretações divergentes.

VI – E ainda que, por hipótese, se afastassem os doutos entendimentos do STA, a decisão arbitral estaria em desacordo com o referido acórdão do TCA Sul que, ainda sem norma explicitadora, adoptou o entendimento de que a isenção de IS referida teria sempre como elemento catalisador o crédito concedido, posição que veio depois a ser corroborada pelo legislador, em interpretação autêntica, que assim atestou a sapiência da decisão adoptada.

VII – Portanto, ou bem que se tem a leitura (sustentada legalmente) do STA, respeitando a vontade expressa do legislador sem lhe assacar qualquer vicio, ou (afastando a norma explicitadora e o carácter interpretativo que lhe foi conferido de forma expressa) estamos perante o quadro legal em que se encontrava o TCA Sul aquando da prolação do referido Acórdão, sendo de tomar decisão idêntica, porque sustentada e depois Corroborada pelo autor da Lei interpretada.

VIII – A interpretação do STA é a que melhor reflecte a letra e espírito da Lei, respeitando uma interpretação autêntica e compreendendo o princípio da separação de poderes, julgando nos exactos termos em que o legislador, expressamente, pretende.

IX – E ainda que assim não se entendesse, o que só por hipótese académica se admite, estaria o julgador perante o quadro legal em que se encontrou o TCA Sul, no aresto já referido, devendo ser tomada decisão idêntica, pois foi esta depois expressamente apoiada pelo autor da Lei.

X – Deverá pois, ser anulada a decisão arbitral recorrida, por contrária à Lei e à Constituição (viola o princípio de separação de poderes), além de afrontar de forma evidente e insuficientemente justificada a jurisprudência fixada pelo STA e TCA Sul.

Xl – Pelo que, em consequência, seguindo-se a jurisprudência do STA e TCA Sul, deverão as liquidações de IS impugnadas manter-se válidas.».

Nestes termos, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser anulada a decisão arbitral recorrida e, consequentemente, deve ser proferido Acórdão a confirmar a jurisprudência firmada do STA e do TCA Sul, mantendo vigentes as liquidações de IS, por não estarem feridas de qualquer vício.»».

Concluiu dizendo que deve ser anulada a decisão arbitral recorrida e que deve ser proferido Acórdão a confirmar a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Administrativo e no Tribunal Central Administrativo Sul, mantendo vigentes as liquidações em causa, por não estarem feridas de qualquer vício.

1.2. Tendo sido notificada da interposição do recurso, a RECORRIDA apresentou contra-alegações, que resumiu formulando as seguintes conclusões:

«(…) A. As liquidações de Imposto do Selo na origem dos presentes autos têm por objeto comissões cobradas pela sociedade gestora dos fundos de pensões do Banco de Portugal, pela gestão desses fundos, em 2013, 2014 e 2015, e foram emitidas em 2016;

B. Chamado a pronunciar-se sobre a legalidade de tais liquidações, o Tribunal a quo considerou que as comissões ora em causa se encontravam sujeitas ao Imposto do Selo previsto na verba 17.3.4 da TGIS, mas isentas desse mesmo imposto, nos termos do art.º 7.º, n.º 1, al. e) do Código do Imposto do Selo, na redação em vigor à data da cobrança dessas comissões;

C. Tendo ainda considerado inaplicável ao caso o aditamento constante do n.º 7 do mesmo preceito, nos termos do qual “O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea” e que foi introduzido no Código do Imposto do Selo pela LOE 2016, com natureza interpretativa, nos termos do art.º 154.º do mesmo diploma, por violação do disposto no art.º 103.º, n.º 3 da CRP;

D. Deste segmento decisório foi interposto, pelo Ministério Público, recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, nos termos do art.º 280.º, n.º 3 da CRP e ainda dos art.ºs 70.º, n.º 1, al. a) e 72.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, que se encontra, neste momento, pendente de decisão do Tribunal Constitucional;

E. Por se encontrarem pendentes estas duas instâncias, ou seja, (i) o recurso para o Tribunal Constitucional; e (ii) a presente instância, por oposição de julgados, e tendo as mesmas parcialmente o mesmo objeto, deverá a presente instância ficar suspensa, até que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre o recurso a si dirigido, nos termos e para os efeitos do art.º 272.º do Código do Processo Civil, aplicável por força dos art.ºs 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT e 1.º do CPTA, por efeito do disposto no art.º 75.º, n.º 1 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional;

Sem prejuízo, quanto ao mérito deste recurso:

F. O presente recurso, apresentado nos termos do art.º 25.º, n.º 2 do RJAT e do art.º 152.º do CPTA tem por fundamento a oposição da Decisão Recorrida, em primeiro lugar e seguindo-se uma ordem lógica e cronológica, com o Acórdão do TCAS (proferido no processo n.º 02754/10), por considerar a AT que, em tal aresto, o TCAS considerou que, à luz da redação do art.º 7.º, n.º 1, al. e) do Código do Imposto do Selo, em vigor em 2013, 2014 e 2015, apenas as comissões cobradas no âmbito de operações diretamente destinadas à concessão de crédito podem beneficiar daquela isenção (“1.ª Contradição”);

G. E ainda a oposição da Decisão Recorrida com os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.°s 0770/15, 01630/15 e 0976/16, por, segundo entende a AT, em tais acórdãos este douto Tribunal ter apreciado e não ter julgado inconstitucional o disposto art.º 154.º da LOE 2016 e ter decidido aplicar o aditamento introduzido pelo mesmo diploma no art.º 7.º, n.º 7 do Código do Imposto do Selo às comissões cobradas pela Recorrida antes da sua entrada em vigor (“2.ª Contradição”);

H. Ora, não pode o presente recurso ser admitido, já que não se encontram preenchidos os requisitos que presidem à interposição do recurso de oposição de julgados previsto no art.º 25.º, n.ºs 2 e 3 do RJAT e no art.º 152.º do CPTA, quer quanto à 1.ª Contradição, quer quanto à 2.ª Contradição;

I. Ainda que assim não se entenda, sempre o mesmo deverá ser julgado improcedente quanto a ambas as contradições, devendo ser mantida a Decisão Recorrida, já que assenta na melhor interpretação do direito ordinário e constitucional vigente;

J. Com efeito e quanto à 1.ª Contradição deve o presente recurso ser julgado inadmissível, em primeiro lugar porque, nos autos apreciados pelo TCAS não estava em causa a mesma questão fundamental de Direito que foi objeto da Decisão Recorrida, já que aqueles autos tiveram por objeto comissões cobradas por uma instituição de crédito a uma seguradora como contrapartida de operações de seguro, fora, portanto, do âmbito da sua atividade normal e da sua qualidade de instituição de crédito;

K. Sendo que tais comissões, mesmo que sujeitas à mesma norma de incidência que o Tribunal a quo subsumiu as comissões em causa nos presentes autos, têm uma natureza diferente e levantam a questão, que nos presentes autos não se colocou, de determinar qual o enquadramento correto das comissões cobradas por uma instituição de crédito fora do âmbito da atividade normal, pelo que inexiste na Decisão Recorrida e no acórdão fundamento a mesma questão fundamental de Direito, não devendo o presente recurso ser admitido, com esse fundamento;

L. Subsidiariamente e sem conceder, a entender-se que existe identidade de questões entre a Decisão Recorrida e o Acórdão do TCAS, sempre se teria de concluir que não existe uma verdadeira e própria contradição entre ambas as decisões, já que decorre daquele aresto que o critério de decisão sobre o âmbito de aplicação da isenção prevista no art.º 7.º, n.º 1, al. e) do Código do Imposto do Selo não é, ao contrário do que a AT simplisticamente quer fazer crer, a decorrência dessas comissões de operações de concessão de crédito, mas antes o enquadramento dessas comissões naquela que é a atividade normal das instituições financeiras que as cobram;

M. O que equivale a dizer que, verificados os demais requisitos previstos na norma de isenção, beneficiam de isenção não apenas as comissões cobradas por um banco no âmbito de operações de crédito, mas também as comissões cobradas por uma sociedade gestora pela gestão dos fundos de pensões que lhe estão confiados;

N. Pelo que, colocado o TCAS na posição do Tribunal a quo teria decidido no mesmo sentido que este e determinado a anulação das Liquidações Contestadas com fundamento na violação da norma de isenção, inexistindo, assim, qualquer contradição na solução jurídica perfilhada pelos dois arestos, não devendo o presente recurso ser admitido, com esse fundamento;

O. Subsidiariamente e sem conceder, a entender-se que, não só está em causa a mesma questão fundamental de Direito, mas ainda que existe uma contradição entre a Decisão Recorrida e o acórdão do TCAS, por se retirar deste último que o TCAS considera, em linha com a AT, que apenas estão isentas as comissões cobradas como contrapartida de operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, então tal entendimento sempre estaria em contradição com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA, vertida nos acórdãos proferidos nos processos n.ºs 0770/15, 01630/15, 0976/16, 0835/16, 01627/15 e 01391/16, e de acordo com a qual a isenção prevista no art.º 7.º, n.º 1, al. e) do Código do Imposto do Selo, na redação em vigor até à LOE 2016, abrange não apenas comissões diretamente relacionadas com operações de concessão de crédito, mas ainda com outras operações financeiras não necessariamente com ela conexas, não devendo o presente recurso ser admitido, com esse fundamento;

P. Subsidiariamente e sem conceder, ainda que se considerasse existir oposição de julgados na dimensão exigida pelo artigo 152.º do CPTA e artigo 25.º do RJAT, sempre deverá manter-se a Decisão do Tribunal a quo, que bem andou, ao considerar que as comissões cobradas pela Recorrida estavam isentas à luz do disposto no Código do Imposto do Selo em vigor à data dos factos;

Q. Na realidade, todos os elementos da boa hermenêutica legislativa confirmam que, depois da alteração introduzida no art.º 7.º pela LOE 2003 e até ao aditamento do n.º 7 daquele preceito feita pela LOE 2016, nunca a isenção prevista no art.º 7.º, n.º 1, aI. e) do Código do Imposto do Selo, na redação em vigor naqueles anos, impôs ou sequer permitiu sustentar por interpretação extensiva, que apenas as comissões decorrentes de operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito beneficiavam de isenção;

R. Pelo contrário, todos esses elementos conduzem à solução oposta e atestam a decisão do Tribunal a quo de considerar isentas as comissões em causa os presentes autos, em linha, aliás, com a demais jurisprudência arbitral e com a mais autorizada doutrina editadas sobre o tema;

S. Pelo que deverá o presente recurso ser, nesta parte e caso seja objeto de apreciação, julgado improcedente, mantendo-se a Decisão Recorrida, sob pena de, fazendo-se outra interpretação do disposto no art.º 7.º, n.º 1, al. e) do Código do Imposto do Selo, na redação em vigor antes da LOE 2016, se violar do princípio da legalidade tributária previsto no art.º 103.º, n.º 2 da CRP;

T. Quanto à 2.ª Contradição deve também o presente recurso ser julgado inadmissível, em primeiro lugar, porque, mais uma vez, nos autos apreciados pelo STA e que resultaram nos Acórdãos Fundamento nesta matéria, não estava em causa a mesma questão fundamental de Direito que foi objeto da Decisão Recorrida, já que, aqueles autos tiveram por objeto comissões cobradas por uma instituição de crédito a uma seguradora como contrapartida de serviços de intermediação de seguros, fora, portanto, do âmbito da sua atividade normal e da sua qualidade de instituição de crédito;

U. Sendo que tais comissões estão sujeitas a uma norma de incidência diferente, a verba 22.2 da TGIS, que tem na sua base um fundamento próprio e um esquema de tributação diferente da tributação prevista na verba 17.3.4 da TGIS, à qual ficaram, no entendimento do Tribunal a quo, sujeitas as comissões cobradas pela Recorrida;

V. Acresce que, já se tinha colocado quanto às comissões em causa nos Acórdãos do STA a dúvida quanto à possibilidade de as mesmas beneficiarem da isenção prevista no art.º 7.º, n.º 1, aI. e) do Código do Imposto do Selo, tendo sido já entendido pela jurisprudência que tais comissões caiam fora do âmbito da isenção porque, sendo cobradas por um banco, não decorriam de operações de concessão de crédito;

W. O mesmo nunca aconteceu no caso de comissões cobradas por uma sociedade gestora pela gestão de fundos de pensões, que nunca, até à LOE 2016, tinham sido sequer objeto de apreciação judicial;

X. Pelo que mesmo considerando-se que, quanto às primeiras, o aditamento introduzido pela LOE 2016 é meramente interpretativo, a mesma conclusão não é admissível quanto às comissões dos autos;

Y. Concluindo-se que não está em causa na Decisão Recorrida e nos Acórdãos do STA “a mesma questão fundamental de Direito” e não há consequentemente qualquer contradição entre as decisões, não devendo o presente recurso ser admitido, com esse fundamento;

Z. Acresce que, também não está em causa a mesma questão de Direito e consequentemente qualquer contradição entre a Decisão do Tribunal a quo e os Acórdãos do STA tirados nos processos n.ºs 0770/15 e 0976/16 na medida em que a questão da aplicação do aditamento feito pela LOE 2016 não foi, no caso do acórdão proferido no processo n.º 0770/15, relevante para que o tribunal se decidisse pela não aplicação da isenção às comissões tratadas naqueles autos; e (ii) no acórdão proferido no processo n.º 0976/16 é apenas um argumento adicional e não decisivo, já que este Supremo Tribunal entendeu expressamente naqueles arestos que da “redação à data relevante” da norma de isenção já resultava o seu entendimento de que ela não era aplicável às comissões cobradas por um banco por serviços de mediação de seguros, pelo que também com este fundamento não pode o presente recurso ser admitido;

AA. Subsidiariamente e sem conceder, ainda que se considerasse existir oposição de julgados na dimensão exigida pelo artigo 152.º do CPTA e artigo 25.º do RJAT, sempre deverá considerar-se que o aditamento introduzido pela LOE 2016 não deve aplicar-se a comissões cobradas antes da sua entrada em vigor porque, não sendo uma verdadeira norma interpretativa, não beneficia desse efeito, nos termos do art.º 13.º do Código Civil;

BB. Mesmo que assim não fosse e sem conceder, sempre deverá manter-se a Decisão Recorrida do Tribunal a quo, que bem andou, ao considerar violador da CRP o art.º 154.º da LOE 2016 na medida em que este preceito pretende atribuir natureza interpretativa e retroativa a um preceito — o art.º 7.º, n.º 7 do Código do Imposto do Selo, que é, em primeiro lugar, ostensivamente inovador, o que implica uma violação clamorosa do princípio da irretroatividade da lei fiscal, previsto no art.º 103.º, n.º 3 da CRP, tal como, aliás, já considerou o Tribunal Constitucional na Decisão Sumária n.º 404/2017 (confirmada pelo Acórdão n.º 644/2017) sobre a mesma norma;

CC. Subsidiariamente e sem conceder, e mesmo considerando-se que a norma alegadamente interpretativa o é realmente, sempre a sua aplicação a factos tributários passados deverá ter-se por inconstitucional e ser afastada, na medida em que, com a sua entrada em vigor ficou afastada uma interpretação do art.º 7.º, n.º 1, al. e) do Código do Imposto do Selo que não só podia como foi efetivamente feita por vários tribunais (arbitrais), alterando-se, com ela, o quadro jurídico em que se movem os tribunais;

DD. E essa alteração tem um efeito novo ou constitutivo que é proibido pelo art.º 103.º, n.º 3 da CRP, tal como decidido pelo Tribunal Constitucional na Decisão Sumária e Acórdão acima referidos (…)».

A final, formulou o seguinte pedido:

«(…) Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá:

(i) ser suspensa a presente instância até que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre o recurso a si dirigido, pelo Ministério Público, nos termos e para os efeitos do art.º 272.º do Código do Processo Civil, aplicável por força dos art.ºs 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT e 1.º do CPTA, por efeito do disposto no art.º 75.º, n.º 1 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional; e

(ii) ser considerado integralmente improcedente, por manifesta falta de fundamento, o Recurso interposto pela AT.

(iii) Caso venha, pelo contrário, a ser julgado procedente o presente Recurso e revogada a Decisão arbitral desde já se requer o conhecimento dos restantes vícios invocados pela Recorrida no p.p.a. e cujo conhecimento ficou prejudicado (com referência à cobrança de juros compensatórios).

Mais se requer que, em atenção à conduta das partes e à simplicidade da causa (tendo em conta as várias decisões existentes sobre o tema), sejam as partes dispensadas do pagamento da taxa de justiça devida a final, nos termos do art.º 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.»

Juntou quatro documentos.

1.3. Por despacho de fls. 288 do processo físico, foi ordenada a suspensão da instância até que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional fosse decidido.

O Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do recurso a que alude o parágrafo anterior.

O Digno Magistrado do M.º P.º foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e pronunciou-se nos seguintes termos:

«(…) 1.º A oposição de acórdãos depende de contradição quanto a idêntica questão fundamental de direito, no quadro de idêntica regulamentação jurídica aplicável, de serem idênticas as situações de facto e, ainda, da decisão proferida não estar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada - arts 284.º do C.P.P.T., 27.º, n.º1, aI. b) do E.T.A.F. e 152.º, n.º al. a) e 3 do C.P.T.A.

2.º Ora, na decisão do tribunal arbitral resulta uma situação de facto diversa dos constantes do acórdão indicado em fundamento: naquela estava em causa comissões pela atividade de gestão de fundos, enquanto no dito acórdão, estavam em causa juros e comissões por concessão de crédito, sendo esta, aliás, como “elemento catalisador”.

3.º Aliás, tal terá sido considerado essencial para se concluir no sentido de não ser de aplicar o art. 7.º, n.º 1 al e) do Código de Imposto de Selo.

4.º Para apreciar o recurso interposto é competente o Pleno da S.C.T. do S.T.A., nos termos previstos nos artigos 17.º n.º 2 e 27.º n.º 1 aI. b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Nestes termos, e cumpridas que sejam as formalidades previstas no art. 289.º n.º 2 e ss do C.P.P.T., é julgar o recurso interposto findo.».

As partes foram notificadas do teor do parecer do M.º P.º e a Recorrida respondeu nos termos que constam de fls. 357 do processo físico.

Os Juízes Conselheiros da Secção tiveram vista dos autos.



2. Das questões prévias

O recurso é tempestivo, tendo em conta que a notificação do acórdão arbitral foi reenviada a 30 de agosto de 2017, cfr. cópia do procedimento arbitral junta aos autos em suporte digital.

A RECORRENTE tem legitimidade.

Inicialmente, a RECORRENTE indicou como acórdão fundamento três acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul.

Em princípio, pode ser indicado como fundamento do recurso apenas um acórdão anterior que esteja em contradição com o acórdão recorrido. Só assim não será quando existam duas ou mais questões decididas no acórdão recorrido e o recorrente entenda que está em contradição com um acórdão fundamento relativamente à primeira questão e outro acórdão fundamento relativamente à segunda questão e assim sucessivamente.

Pelo que, em 25 de outubro de 2017, o Senhor Conselheiro Relator a quem o processo esteve distribuído lavrou o despacho que integra fls. 24 do processo físico e do qual se transcreve a seguinte parte:

«A Recorrente indica como acórdão fundamento três ac. do STA e um do TCAS.

Ao que parece apenas suscita uma questão jurídica fundamental.

Face ao exposto notifique a Recorrente para, em 10 dias, escolher um único acórdão fundamento sob a cominação de nada dizendo ser apreciado como acórdão fundamento o do STA, mais recente, de 03.11.2016. P. 0976/16».

Através de requerimento datado de 2 de novembro seguinte e junto aos autos a 6 do mesmo mês, a RECORRENTE juntou requerimento onde, além do mais, consta o seguinte:

«Em resposta à segunda parte do mesmo despacho, indicamos como acórdão fundamento o prolatado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 21/09/2010 (processo nº 02754/08).».

Em consequência, o recurso passou a ter como fundamento a contradição entre o acórdão recorrido e este único acórdão fundamento, de que foi junta cópia certificada de fls. 372 a fls. 405 do processo físico.

Cumpre assim apreciar e decidir, em conferência, no Pleno da Secção.



3. Dos fundamentos de facto

3.1. A decisão arbitral recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:

«1- A Sociedade Gestora dos Fundos de Pensões do Banco de Portugal S.A. é uma sociedade gestora de fundos de pensões, que se rege pelo disposto no Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões e transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais.

2- Nessa qualidade e responsável pela gestão do Fundo de Pensões do Banco de Portugal – Benefício Definido (FPBD) e do Fundo de Pensões do Banco de Portugal – Contribuição Definida (FPCD).

3- Na sequência dos procedimentos inspetivos n.ºs OI 201601398, OI 20160387 e OI 201603879, efetuados aos exercícios de 2013, 2014 e 2015 resultaram correções em sede de Imposto do Selo, verba 17.3.4 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS).

4- Nos termos da alínea d) da Cláusula 3.ª e da Cláusula 7.ª dos contratos de gestão celebrados entre o Banco de Portugal e a SGFP BP esta entidade cobra diretamente ao Banco de Portugal uma comissão de gestão pela administração dos fundos (remuneração de gestão), a qual é estabelecida, pelo Banco de Portugal no início de cada ano, sob proposta da SGFP BP.

5- Durante o ano, essa remuneração de gestão pode ser revista, por acordo entre as partes.

6- A remuneração de gestão é facturada pela SGFP BP de acordo com as cláusulas 6.ª e 7.ª dos contratos de gestão assinados com o Banco de Portugal.

7- Pela emissão da factura da remuneração da gestão, a SGFP BP reconhece o rédito das comissões aprovadas anualmente (e eventuais revisões), com referência a cada mês, a crédito na conta 721 – “Gestão de Fundos de Pensões”, por contrapartida da conta 27811 – “Remuneração de Gestão”.

8- No exercício da sua atividade a SGFP BP recorre a trabalhadores cedidos pelo Banco de Portugal pelo que, ao abrigo de cláusula 6.ª do acordo de cedência de trabalhadores, o reembolso dos encargos com cedência de pessoal é efetuado por encontro de contas.

9- Para cada mês, a Requerente reconhece os gastos pela faturação emitida pelo Banco de Portugal relativa à cedência de pessoal, debitando a conta 63 – “Gastos com Pessoal’’, por contrapartida da conta 27811 – ‘‘Remuneração de Gestão”.

10- Desta forma o fluxo financeiro corresponde à diferença entre estas duas rubricas: a remuneração de gestão, deduzida dos valores faturados à SGFP BP pelo Banco de Portugal a título de cedência de pessoal.

11- É na conta 27811 – “Remuneração de Gestão” que se concretiza o encontro de contas, pelo que estes valores são liquidados quando a SGFP BP reconhece nesta conta as quantias devidas a título de “Gastos com Pessoal, provocando uma diminuição do valor do crédito a receber do Banco de Portugal, constituindo assim este o momento de cobrança desses montantes.

12- O saldo remanescente dos valores a receber é arrecadado através de bancos (registado a débito da conta 12111 – ‘‘Millennium BCP” e encontra-se espelhado na conta 2789 – “O. Devedores e Credores C/Passagem”.

13- A Requerente não procede à liquidação de IVA ou Imposto do Selo sobre estas comissões de Remuneração de Gestão.

14- Tendo considerado que as comissões cobradas a um Fundo por uma SGFP preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva contidos na Verba 17.3.4 da TGIS, e estão nessa conformidade, sujeitas ao imposto do selo por força do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do CIS, e que estas comissões de gestão e administração cobradas pelas Entidades Gestoras aos respetivos Fundos, não beneficiam da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, os serviços de inspecção tributaria, procederam os mesmos ao apuramento do Imposto do Selo em falta atendendo a data da cobrança efectiva das comissões de remuneração de gestão e, nos casos de encontro de contas à data do registo do encontro de contas com os Gastos com Pessoal.

15- A SGFF BP foi notificada do projeto de relatório, através do ofício n.º 029820, datado de 04-07-2016, registo dos CTT n.º RD 5348 4176 8 PT, tendo-lhe sido concedido prazo para o exercício do direito de audição, o que fez.

16- A AT considerou que a Requerente não apresentou factos susceptíveis de alterar as correcções propostas nos Projetos de Relatório, tendo estes dado lugar aos posteriores Relatórios Finais.

17- Em concretização das correcções levadas a cabo pelos serviços de inspecção tributária foram emitidas e notificadas à Requerente as seguintes liquidações:

a. a Liquidação do Imposto do Selo n.º 20166430000866 de 2013, com referência às comissões cobradas pela Requerente em 2013, no valor de € 110. 210,75, e ainda juros indemnizatórios, no valor de € 13.003,38;

b. a Liquidação de Imposto do Selo n.º 20166430001365 de 2014 com referência às comissões cobradas pela Requerente em 2014, no valor de € 111.427,15, e ainda juros indemnizatórios, no valor de € 10.512,04,

c. a Liquidação de Imposto do Selo n.º 20166430001366 de 2015, com referência às comissões cobradas pela Requerente em 2015, no valor de € 113.655,65 e ainda juros indemnizatórios, no valor de € 6.215,04.

18- A Requerente pagou em prazo as liquidações supra-referidas.».

3.2. O acórdão fundamento deu como assente a seguinte matéria de facto:

A). A impugnante é uma sociedade comercial anónima, que tem por objecto o exercício de actividades legalmente consentidas às instituições financeiras de crédito, designadamente a prática de operações de crédito com excepção da recepção de depósitos. (fls.101 dos autos em apenso);

B). A Impugnante encontra-se colectada em sede de IRC, pelo exercício da actividade de investimentos com o CAE 65221, estando sujeita ao regime geral de tributação de IRC. (fls.101 dos autos em apenso);

C). Em 1.07.2003 entre Financial Assurance Company LTD, Financial Insurance Company LTD e Fiat Crédito Portugal, S.A., foi celebrado o contrato de seguro – “Protecção vida e Não vida” qual se retira, designadamente o seguinte:

«I- CONDIÇÕES GERAIS

A) DISPOSIÇÕES COMUNS À PROTECÇÃO VIDA E NÃO VIDA

1. DEFINIÇÕES

Para efeitos do present(e) contrato entende-se por:

1.3. Beneficiário – pessoa singular ou colectiva a favor de quem reverte a prestação da Seguradora decorrente de um contrato de seguro; para efeitos deste contrato, a Fiat Crédito Portugal, S.A.;

1.4 Boletim de Adesão – Documento assinado pela Pessoa Segura onde esta declara preencher as condições de elegibilidade e pretende(r) ser incluída no seguro titulado por esta apólice. Para efeitos do presente contrato, o Boletim de Adesão consiste no Contrato de Crédito; (...)

1.6 Contrato de Crédito – o contrato celebrado entre uma Pessoa Segura e o Beneficiário/Tomador do Seguro através do qual aquela se constitui devedora para com este e onde se estabelecem as condições de pagamento da dívida contratualmente assumida. (...)

1.14 Prémio ou prémio total — prémio bruto acrescido de encargos fiscais e parafiscais e que corresponde ao preço pago pelo Tomador do Seguro à Seguradora pela contratação do seguro. (...)

29. PROCEDIMENTOS EM CASO DE SINISTROS E LIQUIDAÇÃO NOS SINISTROS

(…)

31. PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS

O Beneficiário/Tomador do Seguro participará nos resultados.

A Conta de Resultados será elaborada anualmente pela Seguradora, com referência a 31 de Dezembro de cada ano, de acordo com os parâmetros estabelecidos no Anexo 1 a este contrato, que dele faz parte integrante» (Doc. n.º 2 junto à p. i.);

D). Das apólices n.º11040067 e 1104068 constam a título de grupo segurável os clientes do Tomador do Seguro que sejam o primeiro titular dos contratos de crédito com o mesmo celebrados e beneficiário o tomador do seguro. (Doc. n.º 2 junto à p.i);

E). A FIAT DE CRÉDITO PORTUGAL celebrou em 29.06.2004 o Contrato de Crédito n.º 118956 do qual se extrai em sede de Condições Gerais o seguinte:

«10. SISTEMA DE CRÉDITO FIAT SEGURO

10.1 Por efeito deste Contrato e durante a sua vigência o CLIENTE (pessoa singular), sempre que à data da celebração do presente Contrato goze de boa saúde e não tendo estado sujeito a controlo médico regular, devido a doença ou acidente há pelo menos 12 meses e tiver uma idade compreendida entre os 18 e os 70 anos, beneficia, nos termos das condições gerais e particulares da Apólice de Seguro de Vida subscrita pela FCP de um seguro de vida que cobre o risco de Morte ou Invalidez Absoluta e Definitiva, e que garanta o capital em dívida à data do sinistro, que ficará assim integralmente pago. (...)

10.4 A FCP figurará nas respectivas Apólices como única beneficiária, sendo os custos inerentes a tais seguros incluídos no Financiamento, pelo que os encargos estão incluídos nas prestações de reembolso previstas nas «Condições Particulares». (Doc. n.º 1 junto à p.i);

F). Em 13.03.2006 em cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI200600031 e OI200600032, de 16.02.2006 a Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção de âmbito geral, com incidência dos anos de 2003 a 2004. (fls. 231 a 267 do processo R.G. em apenso);

G). Na sequência dessa acção de fiscalização, a Administração Tributária elaborou o Relatório de Inspecção, do qual para os presentes autos releva o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL.

III- 1.3 IMPOSTO DO SELO (IS)

Eur 25.985,72-

Fidis registou na conta “8933 – GE Financial Insurance”, durante o exercício de 2003, os ganhos obtidos pela intermediação efectuada no âmbito da contratação de seguros inerentes os financiamentos efectuados pela FIDIS.

Da análise das condições gerais dos contratos de financiamento de aquisição a crédito, celebrados entre a FIDIS, e os seus clientes, constatou-se a obrigatoriedade do cliente suportar o encargo referente ao seguro de vida, nos termos das condições gerais e particulares da apólice de seguro de vida subscrita pela FIDIS que cobre o risco de morte e invalidez absoluta e definitiva, vide n.º 10.1 da cláusula 10, designada por Sistema Crédito Fiat Seguro.

A Fidis figura nas respectivas apólices como única beneficiária, sendo os encargos inerentes a tais seguros incluídos no financiamento, pelo que os mesmos fazem parte das prestações de reembolso previstas nas “Condições Particulares”, de acordo com o n.º 10.4 da citada cláusula.

Deste modo, apesar do contrato de seguro ser celebrado entre a Fidis e a seguradora, a “Pessoa Segura” é o cliente, e é este que suporta o encargo com seguro, sendo o mesmo incluído no valor da prestação a pagar pelo cliente à Fidis.

Para suportar as operações acima descritas, existe um contrato de seguro Protecção Vida e Não Vida, entre a Fidis e a GE Financial Insurance, sendo a primeira a beneficiária/tomadora do seguro e a segunda a seguradora que comercializa o mesmo. Neste contrato, a cláusula 31 das condições gerais, denominada «Participação nos Resultados», prevê um ganho para a Fidis, decorrente da captação de “pessoas seguras” (clientes financiados pela Fidis) através da sua inclusão no seguro titulado por esta apólice.

Este ganho, traduz-se numa comissão cobrada mensalmente e encontra-se registada a crédito na conta 8933 por contra partida da conta 51833, correspondente ao valor que estimam receber, sendo regularizado a débito da conta 51833 aquando do recebimento. Caso o valor recebido seja superior ao estimado será ainda efectuado uma regularização na conta de proveitos ou custos. (...)

As comissões resultam de serviços prestados pela angariação de pessoas seguras em consequência celebração de contratos de financiamento para aquisições a crédito, revestindo a natureza de receita acessória. Assim, as mesmas estão sujeitas a imposto de selo à taxa de 4% de acordo com averba 17.2.4 da TGIS, sendo a Fidis a entidade competente para a liquidação e o pagamento deste imposto e não a GE Financial Insurance, de acordo com a alínea b) do art.º 14.º do CIS.

Face ao exposto foi apurado imposto de selo em falta no montante de Eur. 25.985,72, de acordo com o Anexo 3 (...). (fls. 231 a 259 do p.a. em apenso);

H). Segundo o mesmo Relatório de Inspecção foi apurado imposto de selo no montante de Eur 28.865,40 relativo ao exercício de 2004, com idêntica fundamentação à que suportou a correcção relativa ao ano de 2003 (fls. 231 a 259 do p.a. em apenso);

I) Nessa sequência, foram efectuadas as liquidações adicionais n.ºs 20066430002208 e 20066430002209 referentes ao(s) exercício(s) de 2003 e 2004;

J). Em 4.09.2006 a Impugnante foi notificada das liquidações n.ºs 20066430002208 e 20066430002209 (Docs. n.ºs 4 e 5 junto à p.i.);

L). Em 15.02.2007 a Impugnante deduziu Reclamação Graciosa contra as liquidações de Imposto de Selo “IS” e de juros compensatórios n.°s 20066430002208, 20066430002209, 20060000192095, a 20060000192106, 2000600001962107 a 200600001962118, referentes ao(s) exercício(s) de 2003 e 2004 fls. 3 a 160 do p.a. em apenso);

M). Em 19.01.2007, a Impugnante procedeu ao pagamento do imposto em dívida no montante de € 232.420,49. (Docs. n.ºs 4 e 5 junto à p.i. fls. 160 do p.a. em apenso).».



4. Dos fundamentos de Direito

Vem o presente recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira da decisão arbitral proferida no processo n.º 9/2017-T do CAAD, tendo como fundamento a oposição com o julgado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21 de setembro de 2010, proferido no Recurso n.º 2754/08.

A RECORRENTE não se conforma com a decisão arbitral por entender, por um lado, que contraria a jurisprudência firmada neste acórdão. E por entender, por outro lado, que o entendimento jurisprudencial firmado neste acórdão corresponde à melhor aplicação do direito ao caso.

Ao tribunal de recurso compete, por isso, decidir se existe o invocado conflito jurisprudencial. E, em caso afirmativo, admitir o recurso, resolver o conflito e solucionar o caso.

O presente recurso comporta, por isso, duas fases fundamentais: a primeira, destinada a aferir se estão reunidos os requisitos para que o recurso seja admitido; a segunda, destinada ao seu julgamento propriamente dito.

Começando, então, pela questão de saber se o recurso deve ser admitido, passamos a enumerar esquematicamente os requisitos da sua admissibilidade:

[1.º] que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);

[2.º] que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);

[3.º] que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].

[4.º] que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Entende-se que é a mesma a questão fundamental de direito quando:

[i)] as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

[ii)] o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem direta nem indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.

Finalmente, entende-se que os dois acórdãos estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respetivas (e já não assim quando apenas se oponham os seus fundamentos).

Atenta a complexidade destes requisitos o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada – n.º 2 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT.

Ora, importa referir desde já que a RECORRENTE deu escasso cumprimento a prerrogativa legal, parecendo até que se dispensou da circunstanciada exposição e demonstração da divergência entre os dois acórdãos por entender que a mesma ressalta à evidência.

É assim que logo no requerimento de interposição de recurso (e no artigo 40.º das doutas alegações de recurso) anuncia que a posição seguida na decisão arbitral contraria «frontalmente» a jurisprudência produzida pelos tribunais superiores da jurisdição tributária. Mas nunca chega verdadeiramente a contrapor essa jurisprudência ao acórdão arbitral, limitando-se a fazer um roteiro pelo discurso fundamentador daquela jurisprudência e a rematar do seguinte modo: «[m]ais evidente parece-nos impossível» (cit. artigo 67.º das doutas alegações de recurso).

O exercício argumentativo que a RECORRENTE desenvolve nas doutas alegações do recurso acaba, por isso, por se mostrar mais eficaz na demonstração dos méritos do discurso fundamentador que vingou naquela jurisprudência do que na identificação dos pontos nucleares em que diverge da decisão arbitral.

Ainda assim, não deixou de referir, de passagem, que o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 21 de setembro de 2010, foi proferido «ainda sem qualquer norma interpretativa» (artigo 65.º das doutas alegações).

Queria dizer a RECORRENTE que o acórdão fundamento do presente recurso não se confrontou com uma norma com que o acórdão arbitral se teve que confrontar: o n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto de Selo, introduzido pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

E o acórdão arbitral teve que se confrontar de um lado, porque, apesar de esta norma ser posterior aos factos que suportaram a incidência do imposto ali em causa, o artigo 154.º da mesma lei atribuiu-lhe «carácter interpretativo»; de outro lado, porque, o relatório de inspeção tributária faz-lhe expressa referência. Ou seja: a Administração Tributária aplicou essa norma. O que significa que essa norma integra os fundamentos dos atos impugnados.

Só que, a ser assim, não se pode dizer que o quadro legislativo em que foram proferidos os dois acórdãos seja substancialmente idêntico. O acórdão recorrido e o acórdão fundamento não foram proferidos no domínio da mesma legislação.

Para responder à questão de saber se havia erro de julgamento quanto à pretendida isenção da taxa de selo, o acórdão fundamento teve que interpretar o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código de Imposto de Selo, na redação que lhe foi introduzida pelo artigo 36.º, n.º 1 da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro [anotando-se que o n.º 2 deste artigo 36.º atribuía carácter interpretativo à nova redação de duas outras duas alíneas – as alíneas “c)” e “d)”].

Para responder à mesma questão, o acórdão recorrido teve que considerar a interpretação do mesmo dispositivo à luz do seu n.º 7, introduzido pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, atenta a natureza interpretativa que lhe foi atribuída pelo artigo 154.º da mesma Lei.

Poderá contrapor-se que aquele n.º 7 do artigo 7.º acabou por não ter relevo nenhum no acórdão recorrido, porque o julgador atribuiu-lhe ali caráter inovador e, em consequência, desaplicou a norma.

O que não pode olvidar-se, porém, é que o acórdão recorrido, para julgar ilegal o ato impugnado, teria que afastar a aplicação de uma nova norma que foi colocada no núcleo fundamentador desse ato (o n.º 7 daquele artigo 7.º). Enquanto o acórdão fundamento teve apenas que decidir se foi correta a interpretação que a administração e o tribunal de primeira instância fizeram da alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo (quando aquele n.º 7 nem sequer existia).

O que significa, na prática, que este tribunal não é, agora, chamado a apreciar, em primeira mão, qual é a interpretação correta da alínea e) do n.º 1 daquele artigo 7.º (se a do acórdão fundamento ou a do acórdão recorrido), mas se é legal a desaplicação daquele n.º 7 pelo acórdão recorrido. Só depois de sancionar a legalidade dessa decisão é que poderá partir para o confronto entre os dois acórdãos.

Dizendo de outro modo: a questão fundamental a decidir é a de saber se aquele n.º 7 deve ou não ser aplicado; e para decidir essa questão o tribunal de recurso não vai confrontar argumentos jurídicos do acórdão fundamento e do acórdão recorrido. Porque o acórdão fundamento não apreciou, nem podia ter apreciado, a questão da aplicabilidade deste n.º 7.

Pelo que o que temos em primeira linha não é um recurso por oposição de decisões, mas o recurso de uma decisão. O que a RECORRENTE pretende verdadeiramente não é que este tribunal resolva um diferendo entre entendimentos jurisprudenciais, mas que resolva o diferendo que a opõe à RECORRIDA removendo da ordem jurídica uma decisão que, vista na perspetiva do acórdão fundamento, incide sobre uma questão nova (no sentido de que nunca a apreciou nem a podia ter apreciado).

Acrescente-se desde já que a resposta poderia não ser a mesma se, neste particular, o acórdão recorrido devesse ser confrontado com algum dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que a RECORRENTE também referenciou inicialmente. Mas esses acórdãos já não fazem parte dos fundamentos do presente recurso. Pela razão que se deixou consignada no ponto 2 supra.

Em suma, a questão fundamental de direito não é a mesma, porque não é o mesmo o quadro legislativo apreciado nos dois acórdãos (no acórdão recorrido e no acórdão fundamento) e a valoração que o acórdão recorrido fez das alterações legislativas posteriores ao acórdão fundamento foi determinante na solução a que chegou para a resolução da questão de direito controvertida.

Pelo que o recurso não deve ser admitido.

Mas não deve ser admitido também por outra razão. É que também não são idênticas as situações fácticas apreciadas nos dois acórdãos. Vejamos porquê.

Quer o acórdão recorrido quer o acórdão fundamento se pronunciaram quanto à questão de saber se estão isentas de imposto de selo as comissões cobradas por instituições financeiras (em sentido amplo), ao abrigo do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código de Imposto de Selo, na redação que lhe foi introduzida pelo artigo 36.º, n.º 1, da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro.

No entanto, o acórdão fundamento pronunciou-se quanto à questão de saber se estavam isentas de imposto de selo as comissões por serviços prestados na angariação de pessoas seguras, cobradas a título acessório por uma sociedade que tem por objeto o exercício da atividade de concessão de crédito.

Enquanto o acórdão recorrido se pronunciou quanto à questão de saber se estavam isentas de imposto de selo as comissões cobradas pela gestão de fundos de pensões («comissões de gestão» ou «comissões de remuneração de gestão») cobradas a título principal por uma sociedade que tem por objeto o exercício da atividade de administração de fundos de pensões.

Concentremo-nos, para simplificar, no plano objetivo da incidência: a natureza concreta das comissões não viria ao caso se fosse de concluir que não relevava para a determinação do direito à isenção a coberto da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º. Poderia até acrescentar-se que o que relevava para o caso era que se tratasse de «comissões» e não de algum «tipo de comissão».

Mas a verdade é que foi relevada por ambos os acórdãos em confronto.

Foi relevada no acórdão fundamento porque ali foi decidido que o âmbito da isenção corporizada na disposição do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código de Imposto de Selo «não é toda e qualquer comissão mas apenas as que se referem à concessão de crédito e operações financeiras». E, por isso, excluiu do seu âmbito as comissões cobradas pela angariação de pessoas seguras (que eram as que estavam ali em causa).

E foi relevada no acórdão recorrido porque foi ali expressamente analisada a jurisprudência firmada no acórdão fundamento (aliás, o acórdão fundamento foi invocado expressamente no parágrafo 122 do acórdão recorrido) e foi ali concluído que essa jurisprudência não abrange as ditas «comissões de gestão», até porque, na perspetiva do acórdão recorrido «[a]s comissões a que se reporta essa jurisprudência são, na verdade, as comissões cobradas pelo exercício da atividade de mediação seguradora» (parágrafo 125).

Quer dizer: o acórdão fundamento reconduz a aplicação da norma em causa a comissões de natureza diversa das que subjazem ao acórdão recorrido; e o acórdão recorrido exclui do âmbito da norma as comissões a que se reporta o acórdão fundamento. De certa forma, cada um deles se coloca num plano fáctico distinto do outro, com a particularidade de que o segundo o faz analisando e contrapondo ambas as situações e despistando e excluindo qualquer contradição que pudesse existir entre ambos.

É claro que – diga-se novamente – se poderia contrapor que a estrutura linguística e lógica da proposição jurídica não consente a distinção que ambos os acórdãos fizeram e que a utilização da expressão «comissões cobrad[a]s» na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto de Selo corresponde a um tipo estrutural económico abrangente e que engloba umas e outras.

Mas para aí chegar importaria avaliar o mérito da interpretação do preceito assumida em cada um dos acórdãos antes mesmo de decidir se estão em colisão. Isto é, assumir primeiro uma determinada interpretação da norma a aplicar e verificar depois se as situações fácticas apreciadas em ambos os acórdãos devem ser consideradas idênticas para este efeito.

Só que isso equivaleria, na prática, a contrapor o entendimento assumido nos acórdãos que integram o objeto do recurso ao entendimento do próprio tribunal do recurso. Haveria oposição de acórdãos não apenas quando os acórdãos se confrontassem entre si, atendendo ao respetivo discurso fundamentador, mas também quando se confrontassem com outro discurso fundamentador.

Não é essa, notoriamente, a finalidade do recurso para uniformização de jurisprudência. Estamos perante uma modalidade de recurso extraordinário, que só deve ser mobilizado quando a contradição deriva da análise do discurso fundamentador das decisões que devam ser uniformizadas.

Deve entender-se, assim, que só há identidade de situações fácticas para efeitos de oposição de acórdãos quando, deparando-se cada um dos acórdãos em confronto com situações fácticas substancialmente diversas, elas tenham sido submetidas às mesmas normas legais.

O que, pelas razões sobreditas, não sucedeu no caso dos autos.

Pelo que, também por esta razão, o recurso também não deve ser admitido.

Em situações muito similares à dos autos já se pronunciou o Pleno deste Tribunal no sentido de que não há contradição sobre a mesma questão fundamental de direito quando seja diversa a natureza das comissões em causa num e noutro aresto e tenham sido merecedoras de diverso enquadramento normativo [em especial o Ac. do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 5 de junho de 2019, no processo n.º 02014/18.5BALSB; ver também os Ac.s do Pleno da mesma Secção de 3 de julho de 2019, no processo n.º 01315/17.4BALSB e no processo n.º 0426/18.3BALSB].



3. Conclusões

I. Não há oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito quando as situações de facto apreciadas em cada um dos acórdãos são substancialmente diversas e foram submetidas por cada um deles a diferentes normas legais;

II. Também não há oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito se a legalidade do ato impugnado foi apreciada no acórdão recorrido com base numa norma que não existia à data do acórdão fundamento.



4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela RECORRENTE, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, atendendo à simplicidade da decisão, o seu caráter parcialmente remissivo e o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Lisboa, 23 de Outubro de 2019. – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – José Manuel de Carvalho Neves Leitão – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Joaquim Manuel Charneca Condesso.