Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01326/13
Data do Acordão:09/25/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:I - A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos recursos interpostos directamente das decisões dos TT de 1ª Instância, apenas tem competência para conhecer de matéria de direito (cfr. artºs 12º, nº 5, 26º, al. b) e 38º, al. a) do ETAF, na actual redacção e 280º, nº 1 do CPPT).
II - Se nas conclusões das alegações de recurso se manifestar divergência por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, sendo competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo e não o Supremo Tribunal Administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P16243
Nº do Documento:SA22013092501326
Data de Entrada:07/26/2013
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A sociedade A……………, LDA, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja de 03 de Junho de 2013, que julgou improcedente a reclamação por si deduzida, declarando não prescritas as dividas de IVA em cobrança no processo de execução fiscal nº 0280199901000497.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1ª - Aos processos de impugnação, bem como às execuções fiscais em causa, aplica-se o Código de Processo Tributário (CPT) até 5/7/2001 e o Código de Processo e de Procedimento Tributário (CPPT), a partir desta data, de acordo com o artº 12° da Lei 15/2001;
2ª - Em 18/8/1998 e em 11/9/1998 foram autuados no Serviço de Finanças de Mértola as impugnações judiciais interpostas pela ora recorrente, que originaram os Processos números 677/05 e 690/05 do TAF de Beja (Tribunal a quo), sendo estas as datas relevantes para efeitos do disposto no nº 2 do artº 49° da LGT na sua redação anterior à Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro;
3ª - Em 13/3/1999 foram instauradas as execuções fiscais referidas na douta Sentença recorrida e atrás identificadas:
4ª - Em 23/7/1999 foi feita penhora por iniciativa da entidade recorrida, depois desta ter indeferido os pedidos de suspensão e rejeitado as garantias apresentados pela executada;
5ª- Entre as datas das autuações das impugnações atrás referidas e 20/02/2001 os processos estiveram parados por motivos não imputáveis à impugnante;
6ª- Há erro de julgamento na douta Sentença recorrida em tudo aquilo em que se baseia no nº 4 do artº 49° da LGT, introduzido pela Lei 53-A/2006 de 29 de Dezembro, o qual nos termos do disposto no nº 1 do artº 12° do Código Civil não é aqui aplicável, pois ao caso presente é aplicável a redação anterior deste artigo;
7ª - Na douta Sentença recorrida não foi dada por provada a existência de Despacho do Chefe de Finanças de Mértola a determinar a suspensão da execução em virtude de penhora que garanta a totalidade da dívida exequenda e acrescido;
8ª- Só a penhora que garanta a totalidade da dívida exequenda e acrescido, reconhecida em Despacho de suspensão da execução proferido pelo Chefe de Finanças competente sobre informação dada nesse sentido pelo escrivão no processo, é susceptível de provocar a suspensão da execução fiscal, o que não se verifica;
9ª - Nas execuções fiscais identificadas foram recusados os pedidos de suspensão e a penhora proposta pela executada e os processos estão parados desde 23/07/1999;
10ª - A penhora realizada na execução fiscal ocorreu em 23/07/1999 e foi realizada contra a vontade da executada, que propusera garantias diferentes;
11ª - A douta Sentença recorrida nada refere sobre a suficiência desta penhora como garantia da totalidade da dívida exequenda e acrescido;
12ª - As impugnações foram instauradas em 17/8/1998 e 10/09/1998;
13ª - As impugnações estiveram paradas entre 17/08/1998 e 10/09/1998, respectivamente, e 20/02/2001 em virtude da sua retenção pela entidade recorrida, tendo-se completado em 18/8/1999 e em 11/09/1999, respectivamente, o período da sua paragem por mais de um ano por motive não imputável à impugnante;
14ª - In casu é aplicável o artº 49° da Lei Geral Tributária (LGT) na redação anterior à Lei 53-A/2006 e sendo inaplicável o nº 4 introduzido por este diploma legal;
15ª - O nº 3 do artº 49° da LGT, na redação anterior à Lei 53-A/2006, que é a aplicável nas situações em causa, só atribui efeito suspensivo à paragem da execução fiscal por motivo do pagamento de prestações legalmente autorizadas e não em virtude da prestação de garantia (Ac. STA de 03/11/2010 — Pimenta do Vale);
16ª - A penhora realizada em 23/07/1999, atrás referida, não suspendeu o prazo de prescrição das dívidas tributárias em causa no presente recurso;
17ª - Mesmo que se entendesse que esta penhora suspendeu o prazo de prescrição das dívidas tributarias em causa, o que se não aceita, as posteriores paragens dos processos de impugnação por mais de um ano por motivo não imputável à impugnante, constatadas em 18/8/1999 e em 11/09/1999, implicam a cessação desse efeito suspensivo e provocariam uma nova contagem do prazo de prescrição em que se soma o tempo decorrido após esta data ao que tiver decorrido até à data da autuação (nº 2 do artº 49° da LGT na redação aplicável);
18ª - Após as paragens dos processos de impugnação por mais de um ano por motivo não imputável à impugnante, verificadas em 18/8/1999 e em 11/09/1999, não se verificou mais nenhum facto interruptivo ou suspensivo do prazo de prescrição das dívidas tributárias em causa;
19ª - Não é aplicável ao presente caso a redação e a revogação do nº 2 introduzidas no artº 49° da LGT pela Lei 53-A/2006, de acordo com o artº 91º deste diploma legal;
20ª - Nos termos do disposto no artº 49° da LGT, na redação dada pela Lei 100/1999 aplicável aos presentes autos, todas as dívidas tributárias em causa estão prescritas;
21ª - O Tribunal a quo na douta Sentença recorrida faz uma má aplicação das leis no tempo, nomeadamente das sucessivas redações do artº 49° da LGT, violando incontornavelmente o disposto no nº 1 e seg.s do artº 12° do Código Civil.»

2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

3 – O Ministério Público emitiu o douto parecer, com a seguinte fundamentação:
«As questões a apreciar são relativas a prescrição, invocando-se, nomeadamente, erro de julgamento em tudo aquilo em que se baseia no n.º 4º do art. 49º da L.G.T., na redacção dada pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, e não ser aplicável nos termos do art. 12.º do C. Civil.
Analisemos.
À prescrição das ditas dívidas é aplicável o prazo de 8 anos previsto no n.º1 do art. 48º da L.G.T., a contar desde 1-1-1999, por força do previsto no seu n.º 4 e nos arts. 5º n.º 1 e 6. da Lei n.º 41/98, de 4/8 que a aprovou a L.G.T., e o disposto no art. 12º. n.º 1 do C. Civil.
E quanto a causas de suspensão e de interrupção é igualmente aplicável o art. 49.9, na redacção dada pela Lei n.º100/99, de 26/6, nomeadamente, os seus nºs 2 e 3.
Com efeito, mostrando-se decorrido quanto às mesmas mais de um ano à data de 1/1/07, em que iniciou vigência a alteração que foi introduzida ao referido art. 49º da L.G.T., pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12 que revogou o nº 2, o previsto nesta lei no sentido de ser de admitir causas de interrupção não é ao caso de aplicar, segundo a norma transitória contida no art. 91.º desta Lei, que condicionou tal ao respectivo processo não se encontrar parado por período superior a um ano por facto imputável ao sujeito passivo.
Tal torna irrelevante considerar o que veio a ser previsto nessa última referida Lei que introduziu ao dito art. 49º um n.º 3, e aditou um n.º 4, regulando-se em que termos em que são válidas as causas de suspensão, nomeadamente, também a fundada em oposição, e sendo que todas apenas são de considerar quando “determinem a suspensão da cobrança da dívida”.
Afigura-se, assim, irrelevante que da matéria de facto não constem os elementos referentes à penhora efectuada quanto às ditas dívidas tributárias serem de molde a garanti-las na totalidade.
3. Concluindo, parece ser de julgar o recurso como provido, julgando-se prescritas as ditas dívidas de I.V.A. de 1994 e 1995, e revogando-se consequentemente decidido, a substituir por decisão que declare extinta a execução.»

4 – Por despacho do relator em turno de férias, datado de 21.08.2012 (cfr. fls. 203), foi suscitada a questão prévia da incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia, considerando competente a secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul por se entender que “…em face das conclusões da alegação do recurso poderá haver necessidade de dirimir questões de facto.”
Com efeito sustenta-se no referido douto despacho que “a Recorrente na 5ª conclusão, referindo-se às impugnações judiciais com os n.°s 677/05 e 690/05 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, afirma que «entre as datas das autuações das impugnações atrás referidas e 20/02/2001 os processos estiveram parados por motivos não imputáveis à impugnante», e, de igual modo, na 13ª conclusão afirma que «as impugnações estiveram paradas entre 17/8/1998 e 10/09/1998, respectivamente, e 20/02/2001 em virtude da sua retenção pela entidade recorrida, tendo-se completado em 18/8/1999 e em 11/09/1999, respectivamente, o período da sua paragem por mais de um ano por motive não imputável à impugnante», enquanto na sentença recorrida, tendo-se dado como provado a apresentação das impugnações judiciais naquelas datas, consta, apenas e contraditoriamente com o alegado, que «o processo n.° 677/05. OBEBJA esteve parado entre 15/10/1998 e 22/02/2001 por facto não imputável à recorrente».
Por outro lado, na conclusão 7ª a Recorrente afirma que «na douta Sentença recorrida não foi dada por provada a existência de Despacho do Chefe de Finanças de Mértola a determinar a suspensão da execução em virtude de penhora que garanta a totalidade da dívida exequenda e acrescido», ou se a, a Recorrente põe em causa o julgamento da matéria de facto, por omissão de factos tidos por pertinentes.
Em complemento daquela alegação, afirmou ainda na conclusão a que a sentença também «nada refere sobre a suficiência desta penhora como garantia da totalidade da dívida exequenda e acrescido», assim questionando, também por omissão, o julgamento da matéria de facto.»
5- Notificadas as partes desta questão prévia suscitada pelo Exmº Relator, veio a entidade recorrente argumentar em síntese que:
A convicção da recorrente é a de que toda a matéria de facto essencial para fundamentar as sua conclusões consta da douta Sentença recorrida.
Refere nomeadamente que “No elenco dos factos dados como provados na Sentença recorrida, como é referido no douto Despacho a que agora se responde, só consta do elencado “Em 22/09/2009 certificou o Tribunal Central Administrativo do Sul que o processo n° 677/05.OBEBJA esteve parado entre 15/10/1998 e 22/01/2001 por facto não imputável à recorrente.”
Mas isto não é contraditório com as conclusões da recorrente na alegação do presente recurso, porquanto o Tribunal “a quo” na página 9 da douta Sentença recorrida expressamente considera assente o facto de também o processo da impugnação n° 690/05 ter ficado parado por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte.
Diz-se aí: - “Ficou assente que aquela impugnação ficou parada durante 16 meses e 7 dias por causa não imputável ao contribuinte deve tal lapso de tempo ser acrescido ao decorrido antes da suspensão.”
Esta afirmação só pode referir-se à impugnação n° 690/05 porquanto é neste processo que se atacam as dívidas de IVA de 1994 e 1995 que o Tribunal a quo está a analisar para determinar o regime do prazo de prescrição aplicável.
Temos assim que na douta Sentença recorrida, embora de forma um tanto desarticulada, está assente a matéria de facto relativa à paragem dos dois processos de impugnação (n° 677/05 e n° 690/05 do TAF de Bela) por mais de um ano por motivo não imputável à recorrente.”

6- Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.

7 - Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
- Contra a sociedade reclamante foram instauradas as seguintes execuções fiscais, em 13/03/1999:
- nº 0280199901000462 para cobrança de liquidação adicional de IVA do ano de 1994;
- nº 0280199901000470 para cobrança de liquidação adicional de IVA do ano de 1995;
- nº 0280199901000489 para cobrança de liquidação de juros compensatórios referentes a IVA do ano de 1994.
- Através dos despachos proferidos em 21/04/1999 e 26/04/1999 foi determinada a apensação dos mesmos pelo Chefe do Serviço de Finanças àquele que foi instaurado em primeiro lugar com o nº 028019991000462,
- De tal apensação foi a reclamante notificada.
A reclamante apresentou impugnação da liquidação de IVA de 1994, além do IRC, em 17/08/1998, que veio a correr termos neste TAF sob o nº 677/05.0 BEBJA.
- A reclamante apresentou impugnação da liquidação de IVA de 1995, em 10/09/1998, que veio a correr termos neste TAF sob o n°690/05.8 BEBJA.
- Em 23/07/1999 foi efectuada penhora de bens da sociedade aqui reclamante, após a recusa de outros apresentados, para efeitos de servirem de garantia dos créditos subjacentes para suspensão das execuções referidas atenta a apresentação das impugnações a partir dessa data.
- A impugnação nº 677/05.0 BEBJA teve autuação em 23/02/2000 no Tribunal Tributário de P Instância de Beja e nele foi proferida decisão em 09/02/2010, da qual foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul que proferiu Acórdão transitado em 25/03/2010.
- A impugnação nº 690/05.8 BEBJA teve autuação em 19/02/2000 no Tribunal Tributário de P instância de Beja e nele foi proferida decisão da qual foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo que ainda se encontra pendente.
- Em 30/03/2010 a reclamante apresentou requerimento junto da execução fiscal nº 028019991000497 mediante o qual peticiona declaração de prescrição das obrigações tributárias de IVA relativas aos exercícios de 1994 e 1995.
- Sobre este requerimento foi proferido despacho de não reconhecimento da prescrição da dívida exequenda em 08/10/2010 por remissão para informação elaborada a propósito com o seguinte teor:
«Por requerimento entrado neste Serviço de Finanças em 2010-03-30 ao qual foi atribuído o nº de entrada 456, vem a executada alegar a prescrição das dívidas em fase de execução fiscal identificadas pelo processo 0280199901000497 e Apensos. Importa pois apreciar se de facto se encontram ou não prescritas.
— As dívidas em causa respeitam a Imposto sobre o Valor Acrescentado dos anos de 1994 e 1995, importando antes de mais determinar qual a norma legal que regula a contagem do prazo de prescrição: se o artigo 34.° do CPT, se o artigo 48.° da LGT, face ao disposto no n.º 1 do artigo 297.° do Código Civil.
2 — Atendendo ao disposto no nº 1 do artigo 297.° do CC “….mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei…” afigura-se que a norma a aplicar é o disposto no artigo 34.° do CPT por ser a mais favorável.
3 — Para aferir da prescrição é necessário abordar as normas sobre interrupção e suspensão do prazo de prescrição pelo que importa agora recorrer ao artigo 12.° do Código Civil. À luz do disposto no n.º 2 deste artigo devem-se aplicar as normas do artigo 49.° da LGT, ou seja, as normas que vigoram no momento da ocorrência dos factos susceptíveis de produzir a interrupção ou suspensão.
4 - As causas de interrupção da prescrição ocorridas antes da alteração do nº 3 do artigo 49.º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminação do período de tempo anterior à sua ocorrência e suspensão do decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte. A paragem da execução fiscal por motivo de suspensão requerida pela executada é-lhe imputável, pois a sua actuação impede o órgão da execução fiscal de prosseguir com ela. Nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.º 3 da LGT e 169.º do CPPT, suspenso o processo de execução, na sequência da interposição de impugnação judicial e da prestação de garantia, o prazo de prescrição manter-se-á suspenso enquanto durar aquela suspensão.
5 — Sendo assim, a suspensão dos processos de execução fiscal que ocorreu na data do auto de penhora para garantia da dívida, lavrado em 23 de Julho de 1999, suspendeu também a contagem do prazo de prescrição da mesma, prazo esse que voltou a correr a partir do transito em julgado na decisão proferida na impugnação identificada sob o número de processo 677/05.OBEBJA.
Quanto à alegação de que os processos terão estado parados à que atentar no seguinte:
A - Os processos de execução fiscal correram termos em separado até 21 de Abril de 1999 data em que por despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças foram oficiosamente apensados.
B - A executada deduziu impugnação judicial das dividas ainda antes da apensação dos processos, tendo em 21 de Outubro de 1998 pedido a suspensão da execução identificada pelo processo 0280-99/100049.7 e Apensos apresentando como garantia parte de um imóvel que não era propriedade da executada, pelo que por despacho de 21 de Abril de 1999 foi indeferida a sua pretensão. Posteriormente requereu que lhe fosse considerada garantia nomeando à penhora o efectivo de gado ovino da empresa, pretensão que por despacho de 9 de Julho de 1999 lhe foi indeferida. As dívidas em causa foram garantidas pela penhora de bens da executada conforme auto de penhora lavrado em 23 de Julho de 1999, pelo que os processos de execução fiscal ficaram legalmente suspensos, tal como o prazo de prescrição.
Face ao anteriormente exposto, proponho quê seja proferido despacho no sentido do não reconhecimento da prescrição das dívidas em causa, conforme solicitado, por ainda não terem decorrido os prazos previstos no artigo 34.º do CPT e no artigo 49.º da LGT.»
- Deste despacho foi a reclamante notificada por ofício datado de 15/02/2012.
- Em 24/02/20 12 apresentou reclamação relativa ao aludido despacho.
- Em 22/09/2009 certificou o Tribunal Central Administrativo do Sul que o processo nº 677/05,OBEBJA esteve parado entre 15/10/1998 e 22/02/2001 por facto não imputável à recorrente.

8. A questão objecto do recurso consiste em saber, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por julgar não prescritas as dívidas tributárias no âmbitos dos processos de execução fiscal nº 0280199901000462, nº 0280199901000470 e nº 0280199901000489.
Contra o assim decidido insurge-se a ora recorrente, sustentando que nos termos do disposto no artº 49° da LGT, na redacção dada pela Lei 100/1999 aplicável aos presentes autos, todas as dívidas tributárias em causa estão prescritas.

8.1 Importa, porém, previamente, apreciar a suscitada questão da competência em razão da hierarquia, questão esta que integra pressuposto processual relativo ao Tribunal, constituindo requisito de interesse e ordem pública devendo, por isso mesmo, o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria – cf. artigos 16º n.º 1 e 2 do CPPT e 13º do CPTA.
Ora, de harmonia com o disposto nos artigos 26º al. b) e 38º al. a) do novo ETAF e 280º n.º 1 do CPPT-, à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo compete apenas conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com exclusivo fundamento em matéria de direito,
Sendo que aos Tribunais Centrais Administrativos compete, por sua vez conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com excepção dos referidos na alínea b) do n.º 1, do citado art. 26.º do referido Estatuto.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, desde que estes, em abstracto, não sejam indiferentes para serem ponderados no julgamento da causa - vide neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.05.2009, recurso 18/09, de 03.10.2007, recurso 373/07, de 31.01.2007 , recurso 1027/06 e de 17.01.2007, recurso 962/06, todos in www.dgsi.pt.

O recurso não tem assim exclusivamente por fundamento matéria de direito se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.

Como se disse no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 26.04.2012, recurso 1088/11, «para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos artigos 26º al. b), 38º al. a) do ETAF e 280º n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida».
Ora, como bem se nota no despacho de fls. 203, no caso em apreço a recorrente questiona a factualidade tida por provada na sentença sob recurso.
É o que se apura da 5ª conclusão em que a recorrente, referindo-se às impugnações judiciais com os n.°s 677/05 e 690/05 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, afirma que «entre as datas das autuações das impugnações atrás referidas e 20/02/2001 os processos estiveram parados por motivos não imputáveis à impugnante», e, também da 13ª conclusão em que afirma que «as impugnações estiveram paradas entre 17/8/1998 e 10/09/1998, respectivamente, e 20/02/2001 em virtude da sua retenção pela entidade recorrida, tendo-se completado em 18/8/1999 e em 11/09/1999, respectivamente, o período da sua paragem por mais de um ano por motive não imputável à impugnante», enquanto na sentença recorrida, tendo-se dado como provado a apresentação das impugnações judiciais naquelas datas, consta, apenas e contraditoriamente com o alegado, que «o processo n.° 677/05. OBEBJA esteve parado entre 15/10/1998 e 22/02/2001 por facto não imputável à recorrente».

Estas afirmações factuais não são irrelevantes, para a apreciação da questão objecto do recurso.
Com efeito pese embora a recorrente afirme que na decisão recorrida «embora de forma um tanto desarticulada, está assente a matéria de facto relativa à paragem dos dois processos de impugnação (n° 677/05 e n° 690/05 do TAF de Beja) por mais de um ano por motivo não imputável à recorrente», tal não é o que resulta do probatório em que apenas se fixou factualidade relativa à paragem do processo de impugnação 677/05 (relativo à liquidação de IVA de 1994).
E quanto ao processo de impugnação 690/05.8 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, relativo à liquidação de IVA de 1995, apenas consta do probatório que tal impugnação teve autuação em 19/02/2000 no Tribunal Tributário de 1ª instância de Beja e nele foi proferida decisão da qual foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo que ainda se encontra pendente
Não se podendo dali inferir que tal processo esteve parado, por facto não imputável ao contribuinte, entre 10/09/1998 e 20/02/2001, não resultando também dos autos tais factos, nem sendo possível adquirir, por essa via, o conhecimento dos mesmos.
Verifica-se, pois, divergência com o decidido em sede de matéria de facto invocando-se no recurso factos que o tribunal recorrido não estabeleceu, e que, em abstracto, têm relevância para o julgamento da causa, pelo que, no caso subjudice, não estamos perante recurso fundamentado exclusivamente em matéria de direito.
Ocorre, pois, a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo já que versando o recurso, também, matéria de facto, será competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo Sul – arts. 280º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

8. DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, se decide julgar a Secção de Contencioso Tributário do STA incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional, declarando-se competente para o efeito o Tribunal Central Administrativo Sul (Secção do Contencioso Tributário).

Custas pela recorrente.

Lisboa, 25 de Setembro de 2013. - Pedro Delgado (relator) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.