Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0935/04
Data do Acordão:11/23/2005
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:EDMUNDO MOSCOSO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
HOSPITAL.
REGRAS TÉCNICAS E DE PRUDÊNCIA COMUM.
ERRO DE DIAGNÓSTICO.
Sumário:Em acção em que o A. pretende obter a condenação de um determinado hospital público no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, com fundamento em deficiente prestação de serviços médicos, integra-se na previsão do artº 6º do DL 48.051 enquanto omissão ofensiva das “regras técnicas e de prudência comum” ou do “dever geral de cuidado” e por isso ilícita e culposa, a conduta dos médicos de um hospital que, após um erro de diagnóstico e consequente administração de um determinado fármaco ao doente, tendo verificado que o seu estado de saúde se agravou acentuadamente, agravamento esse revelado nomeadamente através de elevadas temperaturas que a tomada de medicamentos para as fazer baixar, nomeadamente Benuron ou Aspegic, se revelava de todo infrutífero, continuaram no entanto a permanecer nesse erro de diagnóstico e a administrar ao doente o mesmo medicamento durante cerca de 3 dias, afastando por conseguinte qualquer outra hipótese de diagnóstico.
Nº Convencional:JSTA00062691
Nº do Documento:SA1200511230935
Data de Entrada:09/20/2004
Recorrente:HOSPITAL DE SANTA MARIA - A... E B ...
Recorrido 1:HOSPITAL DE SANTA MARIA - A... E B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Área Temática 2:DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional:CP95 ART117 ART136.
CCIV66 ART326 ART483 ART487 ART494 ART496 ART498 ART563 ART570.
DL 48051 DE 1967/11/21 ART2 ART4 ART6.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC37410 DE 2001/06/27.; AC STA PROC48155 DE 2002/03/06.; AC STA PROC177/02 DE 2002/10/29.; AC STA PROC323/02 DE 2003/11/02.
Referência a Doutrina:EDUARDO CORREIA DIREITO CRIMINAL V1 PAG421-427.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
1 - HOSPITAL DE SANTA MARIA, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que concedeu provimento parcial à acção declarativa de condenação para efectivação de responsabilidade civil por acto de gestão pública, interposta por A... e B..., ora recorridos, pedindo que o ora recorrente fosse condenado a pagar-lhes a quantia de 24.500.000$00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, sobrevindos à morte de sua filha, ... , falecida no dia 15 de Setembro de 1984, no Hospital de Santa Maria, alegadamente devido a negligência dos serviços médicos.
Nas suas alegações formula as seguintes CONCLUSÕES:
A - Quanto improcedência da acção pela não verificação dos pressupostos ilicitude e culpa
1 - Na análise da alegada ilicitude, o Distinto Tribunal “a quo” apegou-se maioritariamente a uma noção de obrigação de resultado como o tipo de obrigação que impede sobre os agentes médicos, no caso, o Hospital Réu.
2 - Pela matéria provada resulta clara a inexistência de qualquer animus nocendi nos comportamentos tidos pelos profissionais de saúde do Hospital Réu.
3 - As potencialidades da causa de pedir reconduzem-se a descobrir tal ilicitude num erro de diagnóstico.
4 - O qual terá sido propulsor do encadeamento factual que levou o Tribunal “a quo” a proferir a condenação que ditou e que foi o seguinte: a) os médicos assistentes da ... consideraram que em 10/09/94 a intoxicação estava debelada e o negativismo era consciente; b) que foi com base nesse entendimento que em 10/09/94 a médica psiquiátrica prescreveu Serenelfi; c) que foi olvidado o diagnóstico de Síndroma Maligno Por Neurolépticos (SMN); d) que a ... faleceu devido a uma síndroma Maligno Por Neurolépticos agravado pela toma de Serenelfi, fármaco cuja utilização o Distinto Tribunal a quo qualifica de desnecessária.
5 - No que o pivot de toda a resolução que propõe é a exigibilidade de um certo diagnóstico (o de SMN), o qual não foi seguido.
6 - No juízo sobre a ilicitude, a sentença a quo não deu relevo suficiente ao facto de a correcção de um tal diagnóstico só se ter ganho posteriormente ao falecimento da paciente e ser resultante das análises a posteriori feitas em condições que os médicos que a atenderam não tinham no contexto concreto em que actuaram.
7 - Além de tal juízo ser vastamente não corroborado por vários pareceres e elementos Técnicos do processo, incluindo as respostas dadas pelos peritos nomeados pelo Tribunal.
8 - Olvidou também a circunstância de que os diagnósticos aventados e seguidos foram considerados por tais especialistas como possíveis, correctos e adequados, conferindo com o conhecimento científico disponível.
9 - A noção de dificuldade intrínseca da legis artis médica e a margem de incerteza que ela acarreta nunca podem ser perdidas de vista na avaliação da potencial ilicitude de um comportamento médico.
10 - O diagnóstico traduz-se sempre num juízo de probabilidade, não de certeza, pois as técnicas mais perfeitas não são absolutamente isentas de falhas e assim, existe sempre uma margem de incerteza — (cada vez menos, é verdade, mas não deixa de existir, não obstante os avanços impressionantes dos meios auxiliares de diagnóstico) - que pode frustrar, em boa parte, o tratamento eleito, face aos dados obtidos.
11 - Atenta a necessária contextualização da actuação médica no concreto espaço e tempo em que ocorreu, face aos concretos sintomas em presença, não ficou nos autos demonstrado, antes pelo contrário, que o apontado diagnóstico falhado — o de SMN - era exigível aos médicos, e que estes tinham que o ter seguido em vez dos outros que aventaram e pelos quais nortearam a sua actuação.
12 - Tal contextualização impõe-se segundo qualquer das fórmulas usadas para retratar o erro médico, incluindo a de Schwall, transcrita na douta sentença recorrida.
13 - Resulta da matéria provada que entre a prescrição do Serenelfi, subsequentes tomas, agravamento e falecimento da paciente, decorreu um muito curto espaço de tempo, tendo-se tratado de uma evolução patológica absolutamente fulminante.
14 - Os médicos do Hospital Réu agiram sob cenário em que várias outras hipóteses de diagnóstico surgiam à cabeça, no que tinham de optar num curto espaço de tempo e em circunstâncias altamente críticas, por aquela que se lhes afigurava ser a mais correcta e adoptar tratamento correspondente.
15 - Havendo concordância expressa nos autos dos peritos e especialistas que depuseram com suporte na matéria de facto provada, em que:
(a) Foram correctas a avaliação clínica, as hipóteses de diagnóstico formuladas e a assistência efectuada no serviço de urgência;
(b) pesou muito, como sucede sempre em situações idênticas de grave compromisso do estado de consciência, a informação dos pais. A ingestão de quantidades excessivas de neurolépticos e benzodiazepinas, podia explicar o coma apresentado pela doente;
(c) foram eliminados à partida os principais diagnósticos alternativos;
(d) havia extrema dificuldade de diagnóstico no caso concreto;
(e) tratava-se de uma situação de muito difícil apreciação;
(f) a situação do ponto de vista clínico era muito complexa;
(g) o entendimento estava condicionado pelo diagnóstico adicional de intoxicação medicamentosa, que pode cursar na sua evolução sob distintas formas e obriga a admitir patologia psiquiátrica subjacente;
(h) a Síndroma Maligna Por Neurolépticos é uma complicação rara, idiossincrática e, assim, imprevisível.
reforça-se a noção de que, de um ponto de vista de obrigação de actuação médica, foram correctos os diagnósticos seguidos e não era exigível a opção pelo diagnóstico de SMN, ou pelo menos, esta omissão não corresponde a uma patologia obrigacional do prestador de serviços médicos.
16 - Tal inexigibilidade no caso concreto sai reforçada pelas dúvidas que muitos especialistas, incluindo de forma concludente os peritos nomeados pelo Tribunal, expressaram relativas ao facto de o SMN ter sido a causa da morte da ... (sendo certo que o Tribunal formou convicção contrária)
17 - Tal convicção contrária não obsta a que, na análise do pressuposto da ilicitude e mesmo da culpa, essas dúvidas relevem e de forma assinalável para se perceber o quão complexa e de fluidos contornos científicos era a questão com que os médicos se deparavam, aspecto que, em honestidade com o princípio da obrigação de meios, tem no caso concreto de significar a elisão daqueles pressupostos.
18 - Doutro modo, a responsabilidade médica ter-se-á como uma claríssima obrigação de resultado, em antítese com os cânones pacificamente aceites nesta matéria
19 - Não é correcta a conclusão de que foi desnecessária a utilização do fármaco Serenelfi, quer pelo peso das conclusões que antecederam quer porque, na opinião dos peritos, ela se justificava por três ordens de razões: 1.ª na avaliação Psiquiátrica ter sido colocada a hipótese de 1° surto de esquizofrenia; 2.º haver necessidade de controlar sistomática e farmacologicamente o quadro de agitação; 3° não haver evidência clínica prévia para contra-indicação de Serenelfi apesar deste fármaco pertencer ao mesmo grupo terapêutico de Torécan.
20 - Padece razão ao entendimento de que houve omissão geradora de ilicitude e culpa por não ter sido efectuado o doseamento CPK, que comprovaria a SMN e corrigiria o diagnóstico inicial.
21 - A opção médica por um certo diagnóstico e pelos exames que o permitem decifrar, segue uma lógica de maioria de probabilidade atentos aquilo que vulgarmente se designa por diagnósticos à cabeça, sendo tarefa de opção com carácter alternativo e não cumulativo.
22 - A legitimidade das opções de diagnóstico tomadas foi secundada pelos especialistas que se pronunciaram.
23 - A não orientação dos médicos para a hipótese de SMN está, no presente caso, amplamente justificada pelo que dissemos acima, sendo ela a causa da não realização de tal doseamento.
24 - Por outro lado, contra o entendimento a quo, é nossa opinião a de não existe sequer provada a plena aptidão concreta do teste de CPK para a questão em análise pois da matéria factual provada apenas se retira um mero bom indicador com assumida limitação científica e em necessária complementaridade com um outro teste - tomografia cerebral computorizada - para o qual, provavelmente o hospital não estava na época apetrechado.
25 - Carecem os autos de factos de que se possa concluir por tal essencialidade, nomeadamente se seria possível de efectuar? Em quanto tempo? Qual dos seus resultados significaria o abandonar do tratamento a ser seguido e a sua direcção exclusiva para uma terapêutica apropriada ao síndroma de SMN? Teria validade sozinha? Que outros testes se poderiam fazer? Era legítimo colocá-lo à frente dos outros exames que se foram efectuando, e outros.
26 - Pelo acima exposto, verificamos que, radicadas exclusivamente num erro de diagnóstico, a ilicitude e a culpa dos profissionais de saúde do Hospital Réu, não se verificam, tendo estes actuado de acordo com a legis artis médica ao aventarem outros diagnósticos possíveis com os correspondentes correctos tratamentos
26 - Ademais, retira-se da matéria provada que:
(a) Houve sempre pronta e atempada assistência médica fornecida à ...;
(b) com mobilização coordenada e electiva das especialidades médicas que se impunham face aos sintomas que iam surgindo;
(c) com intervenções da psiquiatria presente em todo o processo as quais intervenções se fizeram de forma diligente e que consistiram no aventar e pesquisar de vários diagnósticos possíveis face aos sintomas que se iam apresentando — cfr. “Histeria?” “1° surto esquizomorfo ou psicótico?”; “Contracção de tipo Jacksoneano” “Encefalite”; “Encefalite a vírus” “Síndroma de privação de tóxico”; “Encefalite, presumindo que de origem toráxica;
(d) que comportaram a realização de testes e exames vários destinados a confirmar os mesmos - só a título de exemplo: realização de uma punção lombar e realização de um Electroencefalograma de urgência;
(e) na sequência de tais intervenções foram encetadas terapêuticas que se julgou serem adequadas, necessárias e eficazes;
(f) As quais terapêuticas foram alteradas e revistas várias vezes durante todo o internamento com vista a tentar inverter os sintomas da ...
28 - Do que resulta inequívoca a profusa actividade médica que se desenvolveu em torno da... , existindo, por todo o lado, a evidência da precedência de exames, observações e efectivação de outros meios de análise em relação a qualquer diagnóstico ou hipótese de diagnóstico levantada e deste em relação às terapêuticas efectuadas.
29 - Nada se aponta de negativo, ainda, à forma como estas foram conduzidas.
30 - Na análise do todo que foi aquela complexa actuação médica os pareceres dos peritos nomeados pelo Tribunal foram concludentes em afirmar que os tratamentos foram adequados, correctos e necessários.
31 - O uso do Haloperidol (em dose baixa, apesar de na forma de Serenelfi) justificou-se plenamente e o não seguimento de uma actividade virada para o combate específico ao SMN, incluindo a supressão do fármaco, residiu numa (se bem que errada na convicção do Tribunal a quo) opção por outras vias de diagnóstico possíveis às quais sobrevieram tratamentos cientificamente adequados.
32 - A omissão de pedido de consentimento aos representantes legais para ministração do Haloperidol, atenta as circunstâncias do caso concreto, não configura violação do Código Deontológico dos médicos, nem tal questão tem relevo para a causa de pedir da presente acção.
33 - Assim, por todas as razões expostas, entendemos que os factos ditam que não houve pelos médicos e restante pessoal interveniente no Hospital réu qualquer violação da legis artis médica e demais prescrições legais assacáveis, pelo que o comportamento não é ilícito.
34 - Sem conceder, pelas razões expostas, com alicerce nos factos provados, de iure também se deve concluir que o conceito de culpa não se encontra preenchido.
35 - Ao ter valorado erradamente a matéria factual adoptando solução que sustentou a existência dos referidos pressupostos, andou mal o Distinto Tribunal “a quo” pelo que se roga a revogação da referida sentença
36 - Faltando, assim, responsabilidade por que os AA. pugnam dois pressupostos nenhum dever de indemnizar existe, pelo que através da improcedência da acção deve decair totalmente a pretensão destes.
B - Quanto à excepção de prescrição
37 - Sendo factual que:
k) Em 15/09/81 faleceu ... , filha dos AA;
1) Em 7/6/89 deu entrada no Tribunal Criminal de Lisboa um requerimento apresentado pelos ora AA. onde estes vêm deduzir acusação contra alguns dos médicos que prestaram assistência à sua filha ... :
m) Em 28/06/91 deu entrada a presente acção no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa tendo os AA., requerido a citação prévia do Réu;
Verifica-se que mais de 3 e menos de 5 anos mediaram entre o facto que gera o direito a indemnização peticionada e a primeira causa de interrupção.
38 - Assim, para que a prescrição não tivesse ocorrido logo em Novembro de 87, só assistia aos AA. a faculdade de se prevalecerem do disposto no artigo 489.º n° 3 do Código Civil.
39 - Para tal era necessário que tivesse sido apurada factualidade que integrasse o crime de homicídio por negligência. p.p. no artigo 117.º, n° 1 alínea c) do Código Penal de 82.
40 - Com base na prova produzida e compulsando as alegações que antecederam, os elementos típicos de tal crime, nomeadamente, a ilicitude e a culpa, não se encontram preenchidos.
41 - Com efeito, censura penal alguma poderá existir sobre quem (errando um diagnóstico, é certo), aplicou os seus conhecimentos e prescreveu os tratamentos que lhes pareceram correctos e adequados à cura da ...
42 - Nas circunstâncias deste caso concreto, é macroscopicamente visível que não existe censurabilidade criminal, correspondendo a solução oposta, caso se viesse a exercer sobre os médicos que prestaram a assistência, a uma clara decisão não conformadora da nossa sociedade e de clara instabilização social, a tornar virtualmente impossível o exercício da actividade médica.
43 - Não estando, assim, preenchidos os pressupostos de que depende a aplicação do artigo 498° n° 3 do C.C., o prazo de prescrição é de 3 anos, ex vi do n.º 1 do mesmo preceito, pelo que antes da dedução de acusação particular, ou seja, em Novembro de 1988, já a mesma havia operado.
44 - Contrariamente ao decidido, porque já verificada a prescrição, à data da acusação não se verificou interrupção desta com posteriores manutenções pelo que andou mal o aresto “a quo”.
45 - Deve assim o direito que se pretende valer ser julgado prescrito, procedendo a excepção invocada.
46 - A decisão a quo fez errada aplicação dos princípios que regem a actividade médica, por deles ter extraído errada conclusão de erro médico, com o que violou o disposto no artigo 483° do CC e 6° do DL 40.851, ao errar na atribuição da culpa violou o disposto no artigo 487° do CC, violou o disposto em sede de prescrição artigos – artigos 498.º e 326.º do CC - e declarou erradamente preenchidas as normas penais invocadas - artigo 117° n° 1 alínea c) do CP de 1982. Tudo isto, sem prejuízo de outras disposições não assinaladas que decorram do acima exposto nestas conclusões.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso.
2 - Em CONTRA-ALEGAÇÕES os recorridos concluíram do seguinte modo:
A - Quanto à alegada excepção de prescrição, considerando o entendimento perfilhado por este STA, no seu Acórdão de fls. 147 e ss. dos autos - há muito transitado em julgado -, de acordo com o qual «... se o prazo a considerar for o de cinco anos, em consonância com o disposto no n.° 3 do art.° 498° do C. Civil, a prescrição ainda não se tinha consolidado à data da dedução da acusação.» e, ainda, de que, «...os AA alegaram factos que, em abstracto, são susceptíveis de integrar o tipo legal de crime já referido e previsto no art.° 136° do C. Penal», restava apenas ao Tribunal Recorrido, mediante a prova dos ditos factos feita em Audiência de Julgamento, decidir sobre se, em abstracto, se encontraria ou não preenchido aquele tipo legal de crime;
B) Como bem aponta a Decisão Recorrida e se demonstrará adiante, da matéria de facto provada resulta ostensiva e cabalmente demonstrada a existência de um facto ilícito e culposo «...que é também juridico-penalmente relevante por ofensa ao estatuído no art.° 136°, n.° 1 do Código Penal, já que a consequência da sua prática foi a morte da menor ... s, filha dos AA.»;
C) Na verdade, resultou provada na presente acção a verificação cumulativa de todos os pressupostos donde emerge a responsabilidade do Hospital aqui Recorrido e, nessa medida, o seu dever de indemnizar os AA (o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano).
D) Pelo que, integrando a factualidade provada, em abstracto, a prática do crime de homicídio por negligência - p. e p. pelo referido art.° 136° do C. Penal, cujo prazo prescricional aplicável é de 5 anos (cfr. art.° 117°, n.° 1, al. e) do C. Penal e 498°, n.° 3 do C. Civil) e atentos os factos provados no citado Acórdão deste STA, sumariados a fls. da Decisão Recorrida - não poderia ser outro o sentido da Decisão Recorrida senão o da improcedência da invocada excepção de prescrição, uma vez que aquando da interposição da presente acção tal prazo, de 5 anos ainda se não havia completado;
E) No mais, insurge-se o Hospital Recorrente nas suas Alegações contra a Sentença Recorrida na medida em que esta, em seu entender, não terá feito uma correcta aplicação dos pressupostos da culpa e da ilicitude os quais, conforme alega, não se encontrarão preenchidos sendo este, pois, o objecto do recurso, delimitado pelas referidas Alegações do Recorrente - da alegada inexistência de um acto ilícito e culposo praticado pelo Hospital de Santa Maria;
F) A prova produzida e a fundamentação constante da própria Decisão Recorrida, não permitem, contudo, concluir pela procedência de tais críticas, ou fundamentos de recurso pelo que deverá o presente recurso improceder e, consequentemente, deverá aquela ser mantida:
Porquanto,
G) Desde logo e contrariamente ao que defende o Recorrente nas suas, aliás doutas, Alegações, o Tribunal a quo, no apuramento da ilicitude, ponderou o comportamento devido aos médicos do Hospital de Santa Maria quer na perspectiva de uma obrigação de resultado (que, aliás, define como excepcional), quer na perspectiva fundamental de uma obrigação de meios;
Assim;
H) Da prova produzida nos presentes autos e ponderada na Douta Decisão sub judice resulta, de forma ostensiva, que durante o período em que a ... esteve internada no Hospital Recorrente - de 5/09 a 15/09 de 1984 - a assistência clínica que lhe foi prestada se traduziu em dois erros de diagnóstico e prescrição essenciais:
- o primeiro erro ocorreu quando, os médicos assistentes, em 10/09/84 e perante o quadro clínico da ..., entenderam que “a intoxicação estava debelada e o negativismo era consciente” (ponto 74 dos Factos Provados) quando, inversamente, “nos termos entendidos pelos peritos da IGSS, a intoxicação medicamentosa não estava, em 10/09/84, completamente debelada” (ponto 82 dos Factos Provados), e “a agitação e o negativismo que a ... apresentava não tinham natureza voluntária” (ponto 75 dos Factos Provados);
- Tal erro de interpretação da sintomatologia apresentada e, por isso, de diagnóstico, levou a que, “em 12/09/84 a médica de psiquiatria prescreveu à ..., tendo sido administrado “Serenelfi” (ou haloperidol), 2 fórmulas, intramoscular (2f IM), medicamento próximo dos neurolépticos (Torecan) que constituíram a base da intoxicação inicial” (ponto 76 dos Factos Provados) - acto ilícito de conteúdo positivo.
- Outro dos erros apontados à assistência clínica prestada à ... foi o de os médicos do Hospital Recorrente não terem esgotado todas as hipóteses de diagnóstico, designadamente, através do «...doseamento CPK que “... é um bom indicador de uma das complicações mais temíveis da ingestão de medicamentos do grupo em causa - o síndrome maligno por neurolépticos” (cfr. ponto 81 dos Factos Provados).
- Finalmente, sobreveio ainda um derradeiro erro quando, apesar do agravamento do estado de saúde da doente (e total ausência de resposta à terapêutica de suporte instituída), os médicos assistentes continuaram a não colocar qualquer outra hipótese de diagnóstico e, “...(a partir de 13/09) não suspenderam a administração de Serenelfi (haloperidol)” (ponto 78 dos Factos Provados) - acto ilícito de conteúdo negativo.
I) Ora, em face de tal prova e contrariamente ao que pretende o Recorrente, resulta manifesto da fundamentação expendida pela Decisão Recorrida que os médicos do Hospital Recorrente, que assistiram a ..., não actuaram com o cuidado e diligência que lhes eram, em concreto, exigíveis atendendo quer às circunstâncias concretas em que se encontravam quer às informações e conhecimentos científicos disponíveis;
J) Para tal entendimento em muito contribuíram quer a impressionante investigação levada a cabo pelo próprio Tribunal a quo (patente ao longo da Decisão em apreço), quer os depoimentos das testemunhas dos AA., Dr. ... , ao afirmar que “...o SMN era a hipótese mais credível face ao quadro clínico evidenciado pela doente”, Dra. ..., que referiu “... de forma inequívoca que o síndrome maligno por neurolépticos (SMN) foi a causa do decesso da ..” e, igualmente, o próprio depoimento da testemunha do Hospital ora Recorrente, Dra. ... que, “...mencionou de forma espontânea e directa um facto ocorrido no verão de 1975 no Hospital Réu, relacionado com SMN em vários doentes do Júlio de Matos, o que levou o tribunal a considerar que no diagnóstico da ... não foram colocadas todas as hipóteses que a delicadeza do caso e os antecedentes conhecidos impunham.” (cfr. Fundamentação da Decisão sobre a Resposta aos Quesitos);
L) E, bem assim, o facto vertido no ponto 81) dos Factos Provados segundo o qual muito embora a assistência prestada tenha sido, «...na essência, correcta”, “ SÓ NÃO FOI FEITO o doseamento CPK que “é um bom indicador de uma das complicações mais temíveis da ingestão de medicamentos do grupo em causa - o Síndroma maligno por neuroléptico» (sublinhado nosso);
M) Mais, perante a persistência do quadro clínico da menor - que se manteve ao longo de, pelo menos 5 dias, de 12 a 15/09 - e sem que a doente evidenciasse quaisquer sinais de recuperação, os médicos que a assistiram no Hospital Réu, não só continuaram a não pôr outras hipóteses de diagnóstico, designadamente de SMN, através do doseamento CPK (o que, de acordo com os Peritos da IGS v.g. a Dra. ... e o Dr. ... , já referidos, lhes era exigível), como, além disso, não suspenderam a administração de Serenelfi - atitude que, além de clinicamente errada (e, nessa medida, ilícita) “não primou pelo bom senso”, como referiu a testemunha Dr. ... ;
N) Daí a considerações vertidas na Decisão Recorrida, a propósito da ilicitude da assistência médica prestada à... , ao referir que «... a actuação dos médicos assistentes da ... (e nomeadamente a interna de psiquiatria) caracteriza-se por ser violadora das legis artis, quer pela falta de comprovação da elevação da creatinina fosfoquinase (CPK quer pela errada prescrição de um “medicamento próximo dos neurolépticos (Torecan) que constituíram a base da intoxicação iniciale que determinaram o estado comatoso que sobreveio, que contra-indicava a ministração de haloperidol», quer ainda, como se refere, mediante a «... a persistência na administração de Serenelfi, num quadro clínico característico de SMN, em que a extrema elevação da temperatura surge precisamente após a primeira toma... » o que, no entender da Decisão Recorrida, «... revela evidente falta de cuidado, ligeireza e imprevisão, pois um médico prudente, discernido e capaz, teria de imediato suprimido a administração de Serenelfi.»;
O) E, em consequência. a conclusão de que « … ao errar no diagnóstico e no tratamento a actuação dos médicos do R. foi ilícita (quanto ao resultado), envolvendo a lesão de direitos fundamentais à vida, à integridade pessoal, à saúde (...) direitos subjectivos de protecção reforçada da menor, ... ; e para além disso, os médicos do Réu estavam igualmente adstritos a uma obrigação de meios: deveriam actuar com uma especial diligência, a fim de evitar uma qualquer lesão dos direitos subjectivos da menor. Havendo, nas circunstâncias concretas, a possibilidade de se prever essa lesão, era obrigação dos médicos agir com especiais deveres de cuidado de forma a evitar a sua consumação.» (sublinhado nosso);
P) Conclusão que, porque fundada na prova produzida, não é susceptível de merecer as críticas dirigidas pelo Recorrente;
Q) De facto, não se refira como pretende o Recorrente que, perante o quadro clínico evidenciado e atentos os conhecimentos científicos à época disponíveis, não era exigível aos médicos do Hospital de Santa Maria que tivessem esgotado as hipóteses de diagnostico designadamente através do referido doseamento CPK;
R) Na verdade, e como se refere na Decisão Recorrida, a SMN foi pela primeira vez descrita na literatura médica em 1968 pelo que, sem prejuízo da raridade da sua ocorrência - que é igualmente reconhecida - à data dos factos ela era perfeitamente conhecida e descrita na literatura médica como uma complicação observada em pacientes tratados com neurolépticos referindo-se, aliás, a este propósito na Fundamentação do Tribunal Recorrido à Resposta aos Quesitos (cfr. Decisão de fls.) que e “…não obstante se admitir que em 1984 o conhecimento médico sobre este síndrome pudesse ser substancialmente inferior, a desvalorização da dosagem CPK no pressuposto da sua inutilidade (quando, como se disse, não é bem assim), afectou irremediavelmente a credibilidade ...» da testemunha do Hospital Recorrido. Dr. ... ;
S) Aliás, refere igualmente a Decisão Recorrida, “A hipertermia geralmente é um sinal que precede esta síndrome. O tratamento anstipsicótico deve ser imediatamente suspenso...» e embora haja “...quem conteste que a elevação de CPK seja um sintoma inequívoco de SMN (…), a sua aparição em conjugação com a febre (elevada e de etiologia desconhecida) e a rigidez muscular, são maioritariamente aceites como critérios básicos de diagnóstico.»;
T) E não se pretenda desmerecer a importância e relevância da referida dosagem CPK (que, no caso concreto não foi solicitada), como o faz o Recorrente, ao referir que não se encontra “provada a plena aptidão concreta do teste CPK para a questão em análise pelo que, poderia bem acontecer que os profissionais de saúde do réu, o tivesse levado a cabo o dito doseamento e, como se diz na gíria... tivessem ficado na mesma ‘ isto porque’:
a) Como se reconhece na Decisão Recorrida, “embora haja quem conteste que a elevação CPK seja um sintoma inequívoco de SMN (...) a sua aparição em conjugação com a febre (elevada e de etiologia desconhecida) e a rigidez muscular, são maioritariamente aceites como critérios básicos de diagnóstico”;
b) E por outro lado, caso os médicos do Hospital Recorrente tivessem, de facto - como aventa o Recorrente - solicitado a realização do referido teste ou dosagem CPK, independentemente do seu concreto resultado, sempre estariam a coberto das críticas e juízo de censura que lhes é assacado na Decisão Recorrida. Porém, não foi essa a sua actuação.
U) Acresce ainda que, não se pode considerar fulminante uma evolução negativa do estado de saúde que sucedeu durante o lapso de tempo de 4 dias, de 12/09/89 - aquando da primeira ministração do fármaco Serenelfi, subsequentes prescrições e administrações do mesmo, sucessivo agravamento do seu estado com destaque para os picos febris diariamente registados - a 15/09/89, data em que veio a falecer, pelo que tal argumento do Recorrente também não será de proceder;
V) Por outro lado, tendo embora eliminado outros possíveis diagnósticos alternativos - o que levou os Peritos da IGS, nos seus pareceres, a considerar que a assistência prestada foi, na essência, correcta - importa não olvidar, como igualmente se refere em tais pareceres que “… só não foi feito o doseamento CPK que “é um bom indicador de uma das complicações mais temíveis da ingestão de medicamentos do grupo em causa o Síndroma maligno por neurolépticos” e cuja aparição, em conjugação com a febre e a rigidez muscular (sintomas evidenciados pela paciente em questão) são maioritariamente aceites como critérios básicos de diagnóstico (sublinhados nossos);
X) Finalmente, perante a persistência de um quadro clínico negativo (v.g. dos picos febris registados desde 12/09/89 até ao falecimento da paciente), não pode deixar de se pôr em causa a afirmação do Recorrente de que atenta a natureza alternativa e não cumulativa característica da tarefa de diagnosticar, os médicos, ao assentarem num diagnóstico, abandonam outros possíveis;
Z) Efectivamente, tal afirmação só poderá e deverá ter-se por correcta e corresponder à realidade nas situações em que os médicos, assentando num dado diagnóstico e actuando, em termos de terapêutica, em função do mesmo, venham a registar melhoras no estado de saúde dos pacientes pois, caso contrário, permanecendo uma evolução negativa do estado clínico dos pacientes, sem indícios de resposta à terapêutica instituída - como no caso dos autos - todas as hipóteses de diagnóstico devem permanecer em aberto;
AA) Nem se refira, tão-pouco, que o Tribunal Recorrido, ao decidir como decidiu, não levou em linha de conta nem considerou a profusa actividade médica desenvolvida, pelos médicos assistentes, em torno da ... já que - e é no fundo essa a questão essencial sobre a qual se debruçou a Decisão Recorrida - o que se considerou foi que tal actividade, ainda assim, não foi exercida com a especial diligência e cuidado que, em concreto, se impunha e era exigível àqueles profissionais a fim de evitar uma qualquer lesão dos direitos subjectivos da menor;
BB) No que se refere à culpa e pese embora a evidenciada dificuldade de estabelecimento de uma linha de fronteira rigorosa entre esta e a ilicitude (pois que a omissão do cumprimento de deveres preenche simultaneamente os dois conceitos), não são tão-pouco de proceder os fundamentos avançados pelo Hospital Recorrente;
CC) Efectivamente, perante os factos provados constantes dos pontos 74) a 78), 81) e 82) da Decisão Recorrida, não poderia ser outro o sentido desta senão o de que também este requisito ou pressuposto essencial, para aquilatar da responsabilidade do Hospital Recorrente, se encontrava verificado;
DD) Mais uma vez é essencial, a este propósito, levar em conta as considerações tecidas pelas testemunhas Dra. ... e Dr.... , constantes da Decisão de Resposta aos Quesitos, os quais referiram que não se esgotaram “todas as possibilidades de um diagnóstico diferencial, nomeadamente através da CPK”, “o SMN era a hipótese mais credível face ao quadro clínico evidenciado pela doente” e que “ a persistência na administração de Serenelfi foi clinicamente errada e não primou pelo bom senso”;
EE) De facto, ainda que a conclusão pelo diagnóstico de SMN, pudesse não ser de determinação fácil - o que não se discute - a questão é que, desde o dia 5/09 e apesar do agravamento evolutivo da situação clínica da doente (sobretudo a partir de 12/09 - data em que pela primeira vez foi ministrado o fármaco Serenelfi a ... tendo esta, a partir de então, passado a registar os referidos picos febris), nunca foram postas outras hipóteses de diagnóstico e, fundamental face ao quadro clínico evidenciado, nunca foi pedida a denominada dosagem CPK, facto que teria sido determinante no estabelecimento de um diagnóstico diverso. Não foram portanto esgotadas, como referiu a testemunha Dr.ª ... e contrariamente ao que era exigível aos médicos que assistiram a ..., todas as possibilidades de diagnóstico diferenciado nem, por outro lado, foram adoptadas as condutas necessárias a reverter o processo de agravamento do estado de saúde da paciente quando a mera experiência comum ou as simples regras de bom senso - como evidenciou a testemunha Dr. ..., ditavam que, pelo menos (em face do surgimento dos picos febris), se tivesse suspendido a administração de Serenelfi. O que não foi feito (cfr. ponto 78 dos Factos provados);
FF) Impunha a legis artis que os médicos que assistiram a ... , perante as circunstâncias concretas da situação, tivessem:
- Num primeiro momento (1) concluído no sentido de que a agitação e o negativismo que a ... apresentava não tinham natureza voluntária; (2) diagnosticado o SMN, uma vez que “era a hipótese mais credível face ao quadro clínico apresentado” ou, pelo menos, (3) esgotado as hipóteses de diagnostico (designadamente através da dosagem CPK), que “é um bom indicador de uma das complicações mais temíveis da ingestão de medicamentos do grupo em causa” (ponto 81 dos Factos Provados) - o SMN, e cuja aparição “em conjugação com a febre e a rigidez muscular, são maioritariamente aceites como critérios básicos de diagnóstico” (Cfr Decisão Recorrida) - o que não foi feito;
- e, num segundo momento, perante a persistência do agravamento do seu quadro clínico e ausência de melhoras face à terapêutica prescrita e ministrada, sobretudo atentas as elevadas temperaturas ou picos febris por esta apresentados, suspendido a administração de Serenelfi - conduta que, de igual modo, também não foi adoptada (cfr. ponto 78 dos Factos Provados) e foi, como se referiu, caracterizada por uma das testemunhas dos AA.. Dr. ... , como “clinicamente errada e não primou pelo bom senso” (cfr. fls. da Decisão sobre Resposta aos Quesitos);
GG) Do exposto resulta, em suma, a mera culpa ou negligência dos médicos do Recorrente, na assistência prestada à ... , por não terem usado da diligência que lhes era exigível que, no caso concreto e atentas as informações e conhecimentos científicos disponíveis, lhes era imposta. Num primeiro momento, esgotando ou colocando outras hipóteses de diagnóstico. v.g. de SMN através do doseamento CPK, e, noutro momento, e em face quer da ausência de resposta aos tratamentos a que a ... vinha sendo submetida, quer do agravamento do seu estado de saúde concretizado nos picos febris verificados, suspendendo a terapêutica prescrita, designadamente a administração de Serenelfi;
HH) Em face do exposto não merece críticas o entendimento subscrito pelo Tribunal Recorrido, situando a culpa dos médicos do Hospital Recorrente em duas fases ou momentos essenciais - primeiro aquando do erro decorrente do diagnóstico inicial, efectuado pela interna de psiquiatria (que valorizou dados da história clínica longínqua da menor desprezando por completo a sua história clínica recente) e que levou à prescrição e ministração de Serenelfi e, depois, na “fase seguinte, ou seja depois da ministração de Serenelfi e, maxime, depois de lhe sobrevir a febre” - sendo, aliás, neste segundo momento que, no entender da Decisão Recorrida, a culpa dos médicos assistentes da ... “se revela em toda a sua plenitude”;
II) É a própria Decisão Recorrida que, antevendo o argumento de que, na ausência de diagnóstico de SMN, a manutenção da terapêutica estaria “correcta”, lhe opõe desde logo duas objecções: «... em primeiro lugar, surgindo sinais de hipertermia após a ministração de Serenelfi, o mais elementar bom senso ditaria a sua imediata interrupção, mercê da eventual conexão entre um facto e outro. Foi, de resto, o que o médico, Dr.... (perito da IGS,) reconheceu em audiência de julgamento, ao admitir que “a persistência na administração de Serenelfi, após ter surgido o pico febril (depois da doente ter saído do coma) foi clinicamente errada e não primou pelo bom senso “em segundo lugar, a retirada do Serenelfi decorre também da insuficiência do diagnóstico diferencial, designadamente por ausência do exame “CPK”, que comprovaria a SMN e corrigiria o diagnóstico inicial.» (cfr. Decisão Recorrida embora com sublinhados nossos);
JJ) É, pois, em face das considerações acima transcritas que a Decisão Recorrida conclui no sentido de que «Há, pois, no caso sub judice um défice de prudência e uma acentuada ligeireza por banda dos médicos do Hospital Réu susceptível de merecer um juízo de censura jurídica na medida em que tinham capacidade para prever os perigos inerentes ao uso do Haloperidol e para actuar de acordo com essa previsão, podendo e devendo ter procedido de modo diferente. O que equivale a afirmar que se está perante uma conduta positiva e omissiva, ilicitamente culposa, que de resto se presumiria face à já referida inobservância de normas» acrescentando, ainda, que o ónus de prova a (sobre a inexistência de culpa) recaía sobre os médicos - ex vi do art.° 799°. n.° 1 do Cód. Civil - e não sobre os lesados.
LL) Em suma, conclui-se contrariamente ao que alega o Hospital Recorrente, a ilicitude e a culpa não assentam, em exclusivo, no referido erro de diagnóstico senão igualmente e, aliás, sobremaneira, como resulta da própria Decisão Recorrida, na conduta omissiva dos referidos médicos assistentes plasmada no facto constante do ponto 78) dos “Factos Provados”, nos termos do qual “Os médicos assistentes, mesmo após o agravamento do estado de saúde da ... (a partir de 13/09/84) não suspenderam a administração de Serenelfi (haloperidol), o que além de clinicamente errado não primou, sequer, pelo bom senso;
MM) Do mesmo modo, não foi esquecido nem deixou de ser devidamente ponderado na Decisão Recorrida - contrariamente ao que pretende fazer crer o Hospital Recorrente - a complexa e profusa actuação médica desenvolvida pelos referidos profissionais que assistiram a menor em questão. Simplesmente se considerou que tal actuação ficou aquém do que àqueles médicos era, em concreto, exigível, naquelas circunstâncias e atendendo à informação e conhecimentos de que dispunham.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso.
3 - Da sentença do TACL vieram ainda os AA. da acção, a “interpor recurso subordinado” (fls. 562), admitido por despacho de fls. 616, na parte em que condenou o Hospital de Santa Maria a pagar-lhes o montante de 39.999,98 Euros a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Em alegações deduziram as seguintes CONCLUSÕES:
A) - Entendem os Recorrentes que o Tribunal Recorrido, no seu juízo de ponderação quanto à fixação dos montantes indemnizatórios que lhes são devidos, pecou por manifesto defeito além do que, ao decidir como decidiu — reduzindo os montantes indemnizatórios em cujo pagamento condenou o Hospital Recorrido — fez uma errada interpretação e aplicação, à situação dos autos, do disposto no art. 570.º, n.° 1 do CC:
Na verdade,
B) - Em primeiro lugar, no que se refere ao denominado “dano morte”, entendem os Recorrentes que a motivação constante da Decisão Recorrida, que presidiu à fixação do quantum indemnizatório, em montante consideravelmente inferior àquele que fora por estes peticionado, não se encontrando suportada pela prova produzida, é insuficiente;
C) - Parece aos Recorrentes claramente excessiva, face à prova produzida, a inferência resultante da fundamentação expendida pela Sentença Recorrida ao referir que, pelo facto de a menor, ..., ter ingerido os aludidos fármacos voluntariamente daí ressalte a “pouca alegria e vontade de viver” da mesma ou que se coloque em dúvida que a mesma “viesse a ter um futuro radioso à sua frente” factos que, no entender do Tribunal Recorrido, relevaram no sentido da redução do pedido;
D) - Salvo o devido respeito, o que deverá relevar nesta sede é, tão-só, o facto de ter sido amputado à ... o maior e mais absoluto dos seus direitos - o direito à vida e, do mesmo passo, o facto provado de se tratar de uma menor, com o que tal facto implica em toda a sua extensão, designadamente quanto à privação da possibilidade de gozar os muitos anos que, certamente e não fora o seu falecimento, teria pela frente;
E) - De igual modo, no que diz respeito ao montante peticionado a título de danos não patrimoniais decorrentes dos sofrimentos infligidos e pelos quais passou a menor, entendem os Recorrentes que se mostra perfeitamente correcto e adequado o montante por estes peticionado, no valor de Esc. 4.000.000$00.
F) - De facto, atenta a prova produzida, v.g. em face dos pontos 27), 28), 32), 75) e 84) a 86) dos Factos Provados, entendem os Recorrentes mostrar-se perfeitamente adequado o referido montante indemnizatório e, o que é mais importante, desadequado e injusta a redução do mesmo para a quantia de Esc. 500.000$00, fixada pelo Tribunal Recorrido;
G) - Igualmente, no que se refere à fixação, feita pela Douta Decisão Recorrida, do quantum indemnizatório devido pelos danos decorrentes do desgosto sofrido pelos AA., ora Recorrentes, não podem os mesmos deixar de reputá-la de claramente parcimoniosa e insuficiente face à quantia pelos mesmos reclamada sendo, aliás, a própria motivação expendida pela Sentença em apreço que, contraditoriamente, vai neste sentido;
H) - Não se divisa, na situação dos autos, qualquer facto culposo do lesado que, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 570.º n.º 1 do CC, tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos e, nessa medida, justifique a redução da indemnização;
I) - Só de acordo com a denominada Teoria da conditio sine qua non — claramente afastada e posta de parte pela nossa Doutrina e Jurisprudência — se poderá aceitar que a conduta voluntária da menor, ..., ao ingerir os aludidos medicamentos, possa relevar como concausa da produção dos danos em apreço, já que,
J) - O provado quadro de evolução favorável do estado de saúde da menor, anterior à (errada) ministração do aludido Serenelfi, apontava no sentido da sua recuperação;
L) - Tal processo de recuperação, ou iter causal, foi claramente interrompido pela ministração do referido fármaco, que provocou a recaída da ... e, consequentemente, a sua morte;
M) - Pelo que, não há que fazer relevar - porque manifestamente desadequado como concausa dos danos - a conduta da menor consubstanciada na ingestão dos referidos medicamentos:
N) - Ao decidir em sentido inverso a Decisão Recorrida faz uma errada interpretação e aplicação, à situação dos autos, do disposto no n.° 1 do art.° 570.º do Cód. Civil.
3.1 - Contra-alegaram os ora recorrentes, concluindo, que deveria ser negado provimento ao recurso subordinado.
4 - O Ex.mo Magistrado do Mº Pº emitiu parecer de fls. 683, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, onde conclui no sentido de ser negado provimento quer ao recurso interposto pelo réu, quer ao recurso interposto pelos autores.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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5 - MATÉRIA DE FACTO:
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1) - No dia 2/9/84, ... ingeriu dois tubos de 30 comprimidos de TORECAN e LIBRAX;
2) - AA., pais da ..., ao aperceberem-se da situação em que se encontrava a filha levaram-na ao Serviço de Urgência do Hospital de Abrantes;
3) - Onde foi observada e assistida em função do diagnóstico clínico de “intoxicação medicamentosa” apresentando-se “sonolenta” e tendo sido submetida a soro “dextrose em água”;
4) - A doente (...) despertou, “conversou com a médica e parecia que o seu estado não inspirava cuidados” pelo que foi enviada para o domicílio;
5) Pouco depois de ter chegado a casa o seu estado agravou-se, pelo que foi transportada para o Hospital Militar Principal onde deu entrada no dia 5 de Setembro de 1984;
6) - Foi estabelecido o diagnóstico de “intoxicação com Torecan e Librax”;
7) - À observação clínica, apresentava-se “... em coma com pupilas mióticas de mais ou menos 1 mm, sem sinais de hipertensão intracraneana nos fundos oculares, sem sinais de irritação meníngea e reagindo com postura de descerebração aos estímulos dolorosos”.
8) - A assistência prestada consistiu na auscultação “T. arterial 90/70 mHg, pulso, lavagem gástrica”, que mostrou possíveis fragmentos de comprimidos de cor esbranquiçada;
9) - No mesmo dia, 5 de Setembro, foi transportada para o Hospital de Santa Maria em virtude do Hospital Militar Principal apenas ter internamento de doentes de sexo feminino em cirurgia;
10) - A ... deu entrada no serviço de urgência do Hospital de Santa Maria às 12H20, tendo sido referido na história clínica “... contacto esporádico com drogas leves,..” e “ingestão há cerca de 72 horas de 30 comprimidos de TOECAN e 30 comprimidos de LIBRAX. Mantém-se sonolenta desde então embora com períodos de intensidade variável. Ontem à noite entrou em coma superficial e tem episódios de vómitos e emissão involuntária de fezes…”;
11) - À observação apresentava-se “... em coma, não reagindo a estímulos dolorosos”:
12) - Foi, ainda nesse dia, observada pelo neurologista que procedeu a exame neurológico;
13) - Às 17 horas fez “PL liquor límpido, cristal de rocha sob pressão”;
14) - No dia 6 de Setembro a ... mantinha-se em coma no SO;
15) - As 8 horas apresentava-se em “coma reagindo a estímulos dolorosos”.
16) - No SO foi avaliada a composição química dos fármacos ingeridos pela ...: “TORECAN = TIETILPERAZINA”; “LIBRAX = CLORDIAZEPOXIDO BENSODIAZEPINA) + CLIDINIO (ANTICOLJNERGICO)”;
17) - Nesse mesmo dia, a ... foi transferida para o Serviço de Medicina III, para o Sector B, onde ficou a cargo da equipa médica constituída pelo Assistente Hospitalar Dr. ... e pela Policlínica do 3.° Ano Dr.ª ... ;
18) - Na história clínica elaborada por esta policlínica, à entrada da doente no Serviço, são evidenciadas as causas responsáveis pela patologia que determinaram o internamento da doente, designadamente, ingestão dos fármacos já identificados;
19) - Tendo constatado o consequente agravamento do estado da doente que, começando por se manifestar sonolenta foi passando para coma superficial;
20) - Situação em que deu entrada no Serviço;
21) - A terapêutica instituída consistiu em “Dieta liquida pela sonda Dextrose a 5% 2000 cc ev/d, lsolyte em Dextrose 1000 cc/d, Terramicina Oftálmica (aplicação local 3x/dia), Ampicilina 1 gr. e.d. 6/6h na tubuladura do sistema, Ben-u-ron 1 sup. em SOS se T.Ax.> 38º, medição da diurese, algaliação permanente, vigilância do pulso, tensão arterial e estado de consciência, aspiração de secreções em SOS”;
22) - No dia 7 Setembro o estado da doente manteve-se estacionário, tendo-se mantido igualmente a terapêutica instituída no dia anterior;
23) - A enfermagem registou nas ocorrências que se encontrava “profundamente sonolenta e ligeiramente queixosa”;
24) - No dia 8 de Setembro não se verificaram alterações com significado tendo-se acrescentado à terapêutica anterior “CIK 2f (20 mg) num dos balões de dextrose”;
25) - No dia 9 de Setembro (Domingo) não foi registada qualquer referência à assistência clínica;
26) - Porém, no registo de enfermagem foi referido o seguinte: “Desentubou-se, estava agitada, foram-lhe imobilizados os membros inferiores. Fica em Dextrose = 2 + de Kcl das 10 Horas”;
27) - Nesse mesmo dia, a enfermagem referia, no turno das 8h às 16 h que a doente continuava agitada “... Recusa abrir a boca para se alimentar. Mantêm os olhos fechados”;
28) - No dia 10 de Setembro apresenta melhoria do seu estado de saúde “apirética, consciente, mas em estado de completo negativismo. Parece queixosa com dores”;
29) - Tendo o registo da enfermagem referido: “Está mais desperta... Tetininou soros. Fora desalgaliada.”
30) - A terapêutica foi totalmente alterada pelos médicos assistentes que ficou restringida à dieta geral;
31) - A enfermagem registava entretanto que a doente “não se alimentou”;
32) - Noutro turno deste dia apontou que “foi alimentada pela sonda naso-gástrica, entubada e imobilizada dos membros inferiores e superiores”;
33) - No dia 12 Setembro não foi registada qualquer observação da responsabilidade dos médicos da medicina interna;
34) - Tendo, no entanto, sido observada pela Interna de Psiquiatria, Dr.ª ..., no período da manhã;
35) - Esta médica registou: “Doente com idade aparente condizente com a idade real não colaborante e em negativismo. Antecedentes de toxicomania desde os 13 anos de idade; Desde há 1 ano comportamento escolar com péssimo rendimento”;
36) - Tendo acrescentado, como hipótese de diagnóstico “histeria?, 1.° surto esquizomorfo ou psicótico”;
37) - Perante tal observação prescreveu esta médica a ministração de “Serenelfi (2,5 mg) lf.IM 6/6h”;
38) - Às 20 horas desse mesmo dia (12 de Setembro) esta médica voltou a observar a doente, tendo registado o seguinte: “mantém o mesmo estado após administração de f. IM de Serenelfi. Como familiares contam episódio de traumatismo craniano há mais ou menos 6 anos EEG”;
39) - Nesse dia, a enfermagem registava que a doente se recusava a alimentar-se;
40) - No dia 13 de Setembro os médicos assistentes contactaram o serviço de psiquiatria e decidiram transferi-la para tal serviço no dia seguinte;
41) - Tendo prescrito ainda o seguinte: “... se muito agitada faz formula de IM. de valium 10 mg”;
42) - Às 17 horas o estado da doente agravou-se tendo apresentado um “pico febril de 40°C”, tendo sido prescrito “1 sup. de Ben-u-ron” e, complementarmente, “arrefecimento”:
43) - Foi pedida a colaboração da neurologia de urgência que, na observação, admitiu tratar-se de “contracção tipo Jacksoneano?? e (MÍD) — Encefalite”;
44) - Às 19h30 foi reavaliada a temperatura axial que apresentava ainda valores elevados: 39,5º;
45) - Às 20H30 a temperatura Axial subiu para 40.° C;
46) - Tendo sido prescrito “lf l.M. Aspergic”;
47) - As 21H30 o neurologista voltou a observar a doente tendo colocado duas alternativas: ou se tratava de uma “encefalite a vírus’ ou “Síndroma de privação de tóxico”,
48) - Tendo efectuado uma punção lombar cujo resultado foi novamente negativo;
49) - Neste exame neurológico o referido especialista obteve os seguintes dados clínicos: “pupilas iguais e reactivas. Fo s/extase Babinsky à direita intermitente. ROT simétricos”, tendo prescrito um “...EEG de urgência” para ser executado no dia seguinte;
50) - Face ao agravamento foi feita uma revisão terapêutica geral à doente, ficando esta em “Dieta Líquida pela sonda 2.000cc, Dextrose a 5%, 2000cc ev, Isolyte l000cc e. v., Parentovite HP If e.v./dia, Aspesgic lf e.v 2x/dia se T.Ax.> 38°C, arrefecimento em SOS sempre que T.Ax.> 39° Conmel If im em SOS (Evitar), entubação nasogástrica, algaliações permanente com medição da diurese, balanço hidríco, T.Ax de 2/2 horas, Serenelfi If im em SOS, vigilância de V.I.”;
51) - Na ocorrência da enfermagem, relativa a este dia 13 de Setembro foi referido o agravamento do estado da doente “fez hipertermia 4000, foi-lhe feito arrefecimento administrado If IM Aspesgic”;
52) - No turno das 23 às 8 horas refere-se que permaneceu a alta temperatura (39°) pelo que lhe foi administrado “Conmel IF IM” tendo sido feita uma punção lombar;
53) - Nos exames realizados no dia 14 de Setembro, a mesma apresentava o seguinte quadro:
“À 1H30, pulso 120 ppm. T.art. 115-80- mm hg, mantendo o mesmo estado neurológico”
“Às 2H00, T.Ax. 38.º C”;
“Às 2H00, T.Ax. 39.° C ” pelo que o médico prescreveu “1 sup. de Dolviran”;
“Às 8H15, T.Ax. 39°C, sendo prescrito “If IM de Conmel, arrefecimento”.
“Às 9H, T.Ax. 38,7.°”
54) - O neurologista que efectuou o EEG, Dr. ..., registou no processo da menor o resultado do exame, da seguinte forma: “Doente continua com febre e com movimentos distónicos mais dos membros direitos”;
55) - Perante o EEG, o neurologista concluiu pela Encefalopatia, presumindo que de origem tóxica;
56) - Ao passo que o Dr. ... , igualmente neurologista declarava: “A hipótese de encefalite é difícil de encaixar na história, observação e exame liquor Deve-se contactar o Dr. ... ”;
57) - Este médico não pôde ser contactado, tendo-se remetido nova tentativa para o fazer na 2ª feira seguinte;
58) - Na observação feita foi registado apenas que “mantém o mesmo estado neurológico” e a indicação de que “seguiu LCR para o IRJ para exame virulógico e para exame bacteriológico”;
59) - Às 18H desse dia 14 de Setembro apresentava T.Ax. de 38°C, pelo que se prescreveu “arrefecimento + Paracetamol lamp. agora’;
60) - Às 22 H foi registada a “T.Ax. 40,5º C. Doente polipneica cianosada nos lábios e extremidades”;
61) - Face a este quadro prescreveu-se “Aspegic if e.v. + arrefecimento. Oxigénio 3 e/m Sonda nasal”;
62) - Às 23 horas, na observação, a doente apresentava-se “mais agitada”;
63) - Tendo o clínico que a observou prescrito “if IM de Serenelfi”;
64) - A enfermagem registou nas ocorrências no turno das 8 às 16H:
“Foi ao serviço de neurologia fazer Electroencefalograma
Fez entubação naso-gástrica
Foi algaliada
Fica com soro em curso”;
65) - No turno seguinte:
“Fez 1 sup. de paracetamol que não fez efeito
Às 21H30 a T.Ax. era de 40,5°C Fez lf de aspergic e.v.
foi-lhe feito arrefecimento”;
66) - Nesse dia, às 0 horas, a “T Ax. era de 39,8 °C”, sendo-lhe ministrada “lf IM CONMEL”;
67) - Tendo falecido em 15 de Setembro de 1984, à 01H30;
68) - Perante a incerteza sobre a patologia responsável pela morte da menor, foi o seu cadáver submetido a autópsia;
69) - Porém, a médica que se declara como autora da autópsia declarou que “... com segurança não foi determinada a causa da morte”;
70) - Tendo adiantado que a circunstância de ter indicado no relatório da autópsia, como diagnóstico anatomopatológico, que a morte se teria ficado a dever a “encefalite” tal não correspondeu à realidade;
71) - Tal afirmação ter-se-ia ficado a dever ao facto de “não ter sido encontrada nenhuma lesão justificativa da causa da morte”;
72) - Pelo que se limitou a “fazer referência às hipóteses apontadas pela médica assistente”;
Mais se provou:
73) - Entre 6 e 10 de Setembro verificou-se uma evolução favorável do estado de saúde da menor que culminou com a saída de coma;
74) - No entender dos médicos assistentes, em 10/9/94 a intoxicação estava debelada e o negativismo era consciente;
75) - Porém, a agitação e o negativismo que a ... apresentava não tinham natureza voluntária;
76) - Com base no entendimento referido supra em 74), em 12/9/84 a médica de Psiquiatria prescreveu à ..., tendo sido administrado “Serenelfi” [ou Haloperidol], 2 fórmulas intramuscular (2f IM)”, medicamento próximo dos neurolépticos (Torecan) que constituíram a base da intoxicação inicial;
77) - A administração de Serenelfi provocou a recaída da ...;
78) - Os médicos assistentes, mesmo após o agravamento do estado de saúde da ... (a partir de 13/9/84) não suspenderam a administração de Serenelfi (haloperidol);
79) - A morte da ... ocorreu devido a síndrome maligno por neurolépticos agravado pela recaída referida em 77);
80) - Foi aberto um processo de inquérito pela Inspecção-Geral dos Serviços de Saúde quer recebeu o nº 120/85;
81) - No que releva diz o seguinte:
a assistência prestada foi, na essência, correcta;
só não foi feito o doseamento CPK que “.. é um bom indicador de uma das complicações mais temíveis da ingestão de medicamentos do grupo em causa o Síndroma maligno por neurolépticos”;
(com referência às conclusões da perita de neurologia, confirmadas pelo perito de medicina interna, no âmbito das peritagens efectuadas pela Inspecção Geral dos serviços de Saúde
82) - Nos termos entendidos pelos peritos da IGSS, a intoxicação medicamentosa não estava, em 10/9/84, completamente debelada;
83) - A menor ... era filha dos AA.;
84) - A ... foi forçada a comer em estado de negativismo;
85) - Foi amarrada;
86) - Os tratamentos a que foi sujeita no Hospital provocaram-lhe dores;
87) - Os AA. acompanharam hora a hora, dia a dia, o evoluir do estado de saúde da filha;
88) - Assistiram, desesperados e sem nada puderem fazer, ao evoluir da situação clínica da sua filha;
89) - Falaram com médicos e enfermeiros que acompanhavam sua filha alertando-os para o agravamento da sua saúde;
90) - Permaneceram junto da ... todos os dias e a todas as horas que regulamentarmente lhes eram facultados;
91) - Presenciaram e discordaram da forma como a ... estava a ser tratada;
92) - Desde a morte da filha os AA. viram transformada a sua vida pessoal, social e familiar e o A. marido a sua vida profissional;
93) - Os AA. desenvolveram diligências em número concretamente não apurado, perante a Administração Pública, a provedoria de Justiça e os Tribunais, para que as causas da morte da sua filha fossem apuradas;
94) - E fizeram viagens em número concretamente não apurado, entre Lisboa e Santa Margarida, e vice-versa, entre Elvas e Évora e vice-versa, e entre Évora e Lisboa, e vice-versa, por causa do falecimento da filha;
95) - Essas viagens tiveram por finalidade obter documentos, depoimentos e entrevistas com entidades públicas e privadas directamente relacionadas com os procedimentos originados pela morte da ...;
96) - Dispenderam nessas viagens, pelo menos, 500.000$00;
97) - O pai, ora A. marido, ficou de tal facto destruído que cessou, por completo, a sua vida social, abandonando o circulo de amigos e, mesmo, deixando de conviver com os próprios familiares;
98) - O A. marido cessou a sua carreira militar como sargento-ajudante enfermeiro, tendo pedido a passagem à reserva logo que estatutariamente tal lhe foi possível;
99) - Os A. A. ainda se mantêm de luto e, como tal, ininterruptamente, se vestem;
100) - Durante vários anos os AA. não regressaram à casa de Elvas;
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6 – DIREITO:
Além de se insurgir contra a sentença recorrida na medida em que considerou estarem demonstrados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, o recorrente Hospital de Santa Maria apontou-lhe ainda erro de julgamento na medida em que nela se entendeu não estar prescrito o eventual direito dos AA., excepção esta que invocara na contestação já que e em seu entender a presente acção fora intentada depois do decurso do prazo previsto no artº 498º nº 1 do Cód. Civil.
Assim e uma vez que a procedência da arguida excepção implica desde logo ficar sem conteúdo útil a apreciação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, começaremos por apurar se a sentença recorrida é passível de comportar as críticas que no recurso principal lhe são apontadas pelo recorrente.
Posteriormente, caso se conclua que a sentença recorrida julgou acertadamente ao decidir aquela excepção, será de apreciar a parte restante do recurso interposto pelo HSM, que se resume ao saber se, na situação em apreço e perante a matéria de facto dada como demonstrada, se verificam ou não os pressupostos da obrigação de indemnizar, nomeadamente o facto ilícito e a culpa.
Posteriormente é que será de apreciar a questão do montante indemnizatório que a sentença atribuiu aos AA. da acção e que estes, no recurso subordinado, sustentam que deveriam corresponder a montantes superiores àqueles que lhes foram arbitrados na sentença recorrida.
6.1 – Prescrição.
Sustenta o recorrente Hospital de Santa Maria que o direito peticionado pelos AA. se mostra prescrito, uma vez que à situação é aplicável o prazo preposicional de 3 anos previsto no artº 498º nº 1 do CPC.
De modo diverso, entendem os AA. que o prazo de prescrição aplicável à concreta situação ora em apreço, não será aquele prazo de 3 anos previsto no nº 1 do artº 498º do Cód. Civil, já que o direito peticionado na acção decorre de facto ilícito e culposo (na modalidade de negligente), em relação ao qual vigora o prazo de prescrição do procedimento criminal de 5 anos, nos termos dos artº 498º nº 3 do CC e artº 117º/1/c) do Cód. Penal.
Diga-se desde já que, no tocante a esta questão já anteriormente se pronunciou o acórdão do STA de 09.09.96 (fls. 147 dos autos) que, apreciando anterior decisão do TACL que julgara procedente tal excepção, acabou por conceder provimento ao recurso jurisdicional e, revogando a decisão recorrida, ordenou a baixa dos autos ao TACL tendo em vista a organização da especificação e questionário, “relegando o conhecimento da prescrição para decisão final”, uma vez que os AA. invocaram factos que, em abstracto, são passíveis de integrar a previsão do artº 136º do Cód. Penal, factualidade essa que, e segundo aquele aresto, se apresenta como controvertida e por isso sujeita a prova em sede de julgamento.
Entendeu-se ainda no referido acórdão do STA proferido nos presentes autos o seguinte:
“Acresce que os AA. alegaram algumas causas susceptíveis na sua óptica, de levar à interrupção da prescrição.
Contudo, de tais causas apenas se mostra já documentado a que se alude na alínea d) do artº 1 do seu douto articulado (cf. fls. 70) e que tem a ver com a dedução de acusação em processo crime.
Trata-se, aqui, de acto idóneo para a interrupção da prescrição, uma vez que constitui expressão suficiente da intenção do exercício do direito de pedir a indemnização por parte dos seus titulares.
A acusação crime foi deduzida em 7.6.89.
Só que, se o prazo de prescrição for o previsto no nº 1 do artº 498º e não cuidando aqui da existência de outras causas de interrupção, por o processo ainda não oferecer prova da sua ocorrência, então à data da dedução da acusação (7.6.89) já teria ocorrido a prescrição.
(..)
Contudo, se o prazo a considerar, for o de 5 anos em consonância com o n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil a prescrição ainda não se tinha consolidado à data da dedução da acusação.
Vê-se assim, que o processo terá de prosseguir para que a excepção de prescrição venha a ser julgada na sentença, depois de produzida a prova pertinente e se a isso nada obstar”.
Sendo assim, importa desde logo apurar se, face ao factualismo dado como demonstrado a conduta dos agentes do R. é susceptível de integrar, em abstracto, a prática do crime previsto e punido no artº 136º do Cód. Penal que determina que, “quem por negligência, causar a morte de outrem será punido com prisão até 2 anos” (nº 1), podendo elevar-se até 3 anos de prisão “quando se tratar de negligência grosseira” (nº 2).
Em ambas as situações, nos termos do artº 117º/1/c) do Cód. Penal, “o procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do crime sejam decorridos 5 anos”.
Ou seja, afastado desde logo o elemento intencional ou doloso, por ser manifesta a sua inverificação face à matéria de facto dada como provada, interessa apurar se aos médicos agentes do R. pode ser imputada alguma conduta ilícita e culposa (na modalidade de negligente) susceptível de, em abstracto, integrar a prática daquele tipo legal de crime.
Diga-se desde já que o ora recorrente não afasta a hipótese de ter havido aquilo que considera um “erro de diagnóstico” (cfr. conclusão 3), o que e em seu entender, traduz um juízo de probabilidade e não de certeza, sendo que, face aos concretos sintomas em presença, não ficou demonstrado que outro diagnóstico, além do efectuado, fosse exigível aos médicos.
Pese embora as dificuldades de análise que a situação comporta dada a matéria em presença respeitar a uma área tão sensível como seja a da medicina, afigura-se-nos no entanto que o essencial da questão reside em saber se, face à matéria de facto dada como demonstrada, aos médicos do Hospital R., em presença dos sintomas que a filha dos AA. apresentava, era exigível um diagnóstico diferente, ou se à sua conduta ou ao considerado erro de diagnóstico pode ser dirigido algum juízo de censura. Em suma, saber se os médicos do HSM, em alguma parte do percurso que decorreu desde à entrada do doente no Hospital até ao seu falecimento, actuaram com violação de algum dever de cuidado quando podiam e se impunha uma actuação diferente e por isso passível de censura. Importa em suma saber se a conduta desses médicos pode ser considerada de negligente e ainda se foi devido a uma eventual “violação do dever de cuidado”, ou a “omissão de um dever objectivo de cuidado” que se ficou a dever, como “consequência adequada, típica e normal” o agravamento da situação clínica com o consequente falecimento da doente.
Como salienta Eduardo Correia “in” Direito Criminal “Reinpressão”, I Vol. pág 421 “antes de tudo a negligência é omissão de um dever objectivo de cuidado ou diligência”, violação essa que consiste “antes de tudo em o agente não ter usado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento” cuja produção, face as regras da experiência se apresente, naturalmente, apta a produzir o resultado ou que esse resultado se apresente como “previsível”(obra cit. pág. 425/427)
E, diga-se desde já que não nos oferece qualquer dúvida que, perante uma situação de urgência como aquela que se deparava na situação dos autos, aos médicos que acompanharam e posteriormente diagnosticaram e receitaram a doente em questão, incumbia tomar todos os cuidados e esforços necessários bem como todas as medidas possíveis ao seu alcance de modo a tentar salvar a vida da doente e muito especialmente de a não colocar em perigo nem contribuírem, através de alguma forma ou meio para agravarem o seu estado de saúde.
Resulta da matéria de facto além do mais o seguinte:
- No dia 2/9/84, ... ... ingeriu dois tubos de 30 comprimidos de TORECAN e LIBRAX; tendo-lhe sido diagnosticada uma “intoxicação medicamentosa” ou uma “intoxicação com Torecan e Librax”.
Após tratamento no Serviço de Urgência do Hospital de Abrantes, a doente regressou a casa, por se ter entendido que o seu estado não inspirava cuidados.
Porém, três dias volvidos, ou seja a 05.09.84, por o seu estado se ter agravado foi transportada para o Hospital Militar Principal e como esta unidade de saúde não fazia internamentos de doentes do sexo feminino (excepto em cirurgia), foi transferida no mesmo dia para o Hospital de Santa Maria, onde deu entrada no Serviço de Urgência às 12H20, em coma (superficial). Aí, entre o dia 6 e o dia 10 verificou-se uma evolução favorável do seu estado de saúde que culminou com a saída de coma. Pelo que e no entender dos médicos que a assistiam, em 10.09.94 a intoxicação estava debelada e o negativismo era consciente (quesito 73 e 74).
Por entenderem que “a intoxicação estava debelada e que o negativismo era consciente”, quando “a intoxicação medicamentosa não estava, em 10.09.84, completamente debelada”, sendo certo que “a agitação e o negativismo que a ... apresentava não tinha natureza voluntária” (ponto 75 da matéria de facto), “em 12/9/84 a médica de Psiquiatria prescreveu à ..., a ministração de “Serenelfi” [ou Haloperidol], 2 fórmulas intramuscular (2f IM)”, “medicamento próximo dos neurolépticos (Torecan) que constituíram a base da intoxicação inicial” sendo que a “administração de Serenelfi provocou a recaída da ...” (quesitos 74, 76, 77 e 82). A “morte da ... ocorreu devido a síndrome maligno por neurolépticos agravado pela recaída” provocada pela administração do Serenelfi (ponto 79 da matéria de facto).
De realçar que, após ter sido ministrado à doente em 12.09.84 o fármaco “Serenelfi” [ou Haloperidol], 2 fórmulas intramuscular (2f IM)”, medicamento próximo dos neurolépticos (Torecan) que constituíram a base da intoxicação inicial”, o estado da doente agravou-se (cfr. artº 37 e sgs. da matéria de facto) tendo apresentado valores febris elevados, atingindo um “pico febril de 40%”, (artº 42 e 45 da matéria de facto), sendo que às 22 horas do dia 14 de Setembro, foi registada a (T. Ax. 40,5%” (artº 59, 60, 64 da matéria de facto) tendo a doente sido medicada para a febre baixar (cfr. nomeadamente artº 37 e sgs, 51, 53, e 61 da matéria de facto). Mesmo após o agravamento do estado da saúde da ..., os médicos que a assistiam “não suspenderam a prescrição e administração do Serenelfi” prescrito às 23 horas do dia 14 de Setembro (cf. nomeadamente artº 63 e 78 da matéria de facto), mantendo-se a doente numa situação de hipertermia, acabando por falecer no dia 15 de Setembro de 1984, pelas 01H30.” (cfr. nomeadamente artº 63 e 67 da matéria de facto)
Em resumo, face à matéria de facto dada como demonstrada, podemos concluir que a morte da ... foi provocada por síndrome neuroléptico maligno, agravado pela recaída originada pela administração que lhe foi feita de Serenelfi, medicamento este próximo dos neurolépticos (Torecan) que constituíram a base da intoxicação inicial e cujo medicação não foi interrompida mesmo após se ter verificado o agravamento do estado de saúde da ....
Antes pelo contrário aquele medicamento continuou a ser ministrado à doente, mesmo após se ter verificado o agravamento do seu estado de saúde e até à sua morte provocada, como se referiu, pelo aludido “síndrome maligno por neurolépticos agravado pela recaída” originada pela administração do Serenelfi, quando na situação, tudo aconselhava que, perante a recaída bem como perante o agravamento do estado de saúde da doente, tivesse sido “feito o doseamento CPK que «é um bom indicador de uma das complicações mais temíveis da ingestão de medicamentos do grupo em causa o Síndroma maligno por neuroléticos»” (ponto 81 da matéria de facto), ou se enveredasse por outros adequados meios de diagnóstico.
São os próprios peritos médicos que referem (cfr. doc. de fls. 285) que embora a situação do ponto de vista clínico se apresentasse como “ muito complexa”, no entanto, e a partir “do dia 12.09.84 a até 15.09.84” “não teriam sido exploradas todas as possibilidades diagnosticas, e assim efectuados todos os exames auxiliares que poderiam conduzir ao esclarecimento do caso e à tomada de outras medidas terapêuticas que poderiam ter alterado a evolução da doença”.
Ou seja, ocorrendo o agravamento do estado de saúde da doente e verificando-se que esta continuava a manter elevadas temperaturas, por vezes superiores a 40%, era de prever que as meras tentativas de arrefecimento da doente, não eram só por si suficientes para controlar o agravamento do seu estado da saúde.
Dado o agravamento do estado de saúde da doente e sem que esse estado evidenciasse sinais de melhorias, na situação tudo aconselhava que pelos médicos fossem colocadas outras hipóteses de diagnóstico, nomeadamente que tivesse sido “feito o doseamento CPK que «é um bom indicador de uma das complicações mais temíveis da ingestão de medicamentos do grupo em causa o Síndroma maligno por neuroléticos»”, sindroma esse que determinou a morte da ... ou que pelo menos se suspendesse a terapêutica prescrita nomeadamente a administração do Serenelfi, pois foi a partir do momento em que esse fármaco começou a ser ministrado à doente que se passaram a registar os aludidos picos febris.
Existe por conseguinte e desde logo um “erro de diagnóstico” quando foi ministrado à doente o medicamento “Serenelfi”, erro esse que, isoladamente considerado, atenta a complexidade que apresentava o caso da doente, não pode desde logo e sem mais ser merecedor de censura.
Merecedora de crítica ou de censura é sim o facto de os profissionais de saúde do R. permanecerem nesse erro de diagnóstico, continuando a ministrar à doente aquele medicamento mesmo quando e durante três dias se verificou um agravamento do seu estado de saúde, agravamento esse manifestado nomeadamente através de elevadas temperaturas, que a tomada de medicamentos para as fazer baixar, nomeadamente Benuron ou Aspesgic, se revelava de todo infrutífero. A censura recai igualmente sobre aqueles profissionais pelo facto de, perante o agravamento do estado de saúde da doente, não terem esgotado todas as hipóteses possíveis diagnóstico, persistindo num quadro clínico característico de SMN, na prescrição à doente do Serenelfi [ou Haloperidol], medicamento próximo dos neurolépticos (Torecan) que constituíram a base da intoxicação inicial (ponto 76 da matéria de facto) quando, como se verificou, foi posteriormente à sua ministração, que o estado de saúde da doente se foi progressivamente agravando até à sua morte.
Aliás, o alerta de que a questão não estava a ser devidamente encaminhada foi dado pelo Dr. ... , que aconselhou fosse contactado um determinado médico psiquiatra (pontos 56 e 57 da matéria de facto), mas sem êxito, nada mais tendo sido feito de relevante para alterar ou inverter o agravamento do estado de saúde da doente.
Em suma como se depreende da matéria de facto e do parecer dos peritos médicos, perante a situação de agravamento que se vinha verificando do estado de saúde da ..., os médicos do R. que a assistiam, perante as verificadas circunstâncias, não teriam usado aquela diligência exigida para evitar o agravamento do seu estado de saúde e por conseguinte a sua morte que, na situação, face aquele agravamento que se vinha verificando, era de prever. Ou seja a actuação dos médicos, na situação, não obedeceu ao grau de diligência que então, atendendo às concretas circunstâncias do caso, lhes era exigido e imposto.
Atenta a omissão daquele dever de cuidado, é de concluir que a conduta dos agentes da ré tem de ser considerada de negligente e por isso susceptível de, em abstracto, integrar a previsão do crime previsto no artº 136º do Cód. Penal, pelo que o alegado prazo de prescrição, previsto no artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil, “ex vi” artigo 71.º, n.º 2, da LPTA, seria, na situação, de 5 anos.
Tendo a morte da doente ocorrido em 15.09.84, e tendo a acusação em processo crime sido “deduzida em 07.06.89” quando ainda não havia decorrido aquele prazo de prescrição, como se entendeu o acórdão do STA de 9.09.96 (fls. 147 dos autos) aquela acusação em processo crime constitui “meio idóneo para a interrupção da prescrição uma vez que constitui expressão suficiente da intenção do exercício do direito de pedir a indemnização por parte dos seus titulares”, pelo que, considerando o aludido prazo de 5 anos, “à data da dedução da acusação”, “a prescrição ainda não se tinha consolidado”.
Ao abrigo do disposto no artº 326º nº 1 do Cód. Civil a “interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo”, ou seja a partir de 07.06.89. Por outra via, estando a nova prescrição “sujeita ao prazo de prescrição primitivo” (artº 326º nº 2 do Cód. Civil), quando em 28.06.91 deu entrada no TAC de Lisboa a petição inicial relativa à presente acção, onde os AA. requereram a citação prévia do Réu (citado em 08.07.91) ainda não havia decorrido aquele prazo de prescrição, como, aliás, se decidiu na sentença recorrida.
A presente acção foi assim intentada em tempo, não se verificando por conseguinte a apontada excepção peremptória da prescrição.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recorrente, quando sustenta ter-se verificado a prescrição do direito peticionado pelos AA. na presente acção.
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6.2 – Tendo-se concluído que a sentença julgou acertadamente ao decidir aquela excepção, é momento de apurar se, na situação em apreço e perante a matéria de facto dada como demonstrada, se verificam ou não os pressupostos da obrigação de indemnizar, nomeadamente o facto ilícito e a culpa.
O recorrente sem colocar minimamente em questão os quantitativos relativos ao pagamento da indemnização em que foi condenado, discorda fundamentalmente da sentença recorrida na medida em que considerou ter havido uma conduta ilícita e culposa dos médicos que assistiram a filha dos AA. que determinou a produção do evento donde emerge a obrigação de indemnizar.
Em seu entender, face à matéria de facto dada como demonstrada, não se verificam os pressupostos ilicitude e culpa, sendo que o tribunal a quo valorou erradamente a matéria factual, adoptando uma solução que sustentou a referida existência de tais pressupostos, já que “radicadas exclusivamente num erro de diagnóstico, a ilicitude e a culpa dos profissionais de saúde do Hospital réu, não se verificam, tendo estes actuado de acordo com a legis artis médica ao aventarem outros diagnósticos possíveis com os correspondentes correctos tratamentos”.
Vejamos se lhe assiste razão:
Através da presente acção de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, pretendem os AA. obter a condenação do Réu no pagamento da quantia de 24.500.000$00 a título de danos morais e patrimoniais sofridos, pela morte da filha ..., ocorrida no dia 15.09.84, nas circunstâncias anteriormente descritas, e que imputam a deficiente assistência médica que lhe foi prestada nos serviços do R..
A sentença recorrida, considerando estarem preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar acabou por condenar o R. a pagar aos AA. a título de indemnização o montante global de 39.999,98 Euros, quantia esta acrescida de juros às taxas legalmente em vigor, desde a citação até integral pagamento.
O ora recorrente discorda da sentença recorrida argumentando para o efeito que a conduta dos seus profissionais não configura qualquer facto ilícito e culposo já que, verificando-se um mero erro de diagnóstico, no entender do recorrente não pode existir qualquer juízo de censura ético-jurídico que possa ser feito à actuação dos médicos que assistiram a doente, filha dos AA., pelo que não existe culpa na sua conduta.
Assim e neste momento, em sede de recurso jurisdicional compete apurar se, atenta a matéria de facto dada como demonstrada é possível concluir, como se concluiu na sentença recorrida, pela verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar.
Como é sabido, nos termos do art. 2º, nº 1 do DL nº 48 051 de 21/11/67 o Estado e as demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício. Deste modo e como tem sido jurisprudência pacífica, a responsabilidade civil extracontratual a que se refere este normativo coincide, no essencial, com a responsabilidade civil consagrada no art. 483º do C. Civil, dependendo a obrigação de indemnizar da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto, ilicitude, culpa, nexo de causalidade e dano.
Considera o art.º 6º do DL 48.051 como ilícitos para efeitos deste diploma “os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.
Uma vez que a conduta do agente geradora do dano tanto pode consistir num comportamento positivo como numa omissão (cfr. artº 486º do Cód. Civil), os citados preceitos abrangem por conseguinte não só os actos materiais e omissões que ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, como ainda os actos ou omissões que ofendam as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado, onde se inclui nomeadamente o caso dos serviços hospitalares que originam uma deficiente prestação de serviço de saúde.
Com referência à culpa, o artº 4º do DL nº 48.051 remete expressamente para o critério estabelecido no artº 487º do Código Civil – a culpa é apreciada “pela diligência exigível de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” (nº 2).
Como ensina ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, agir com culpa, significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E essa conduta será reprovável quando o lesante em face das circunstâncias concretas da situação “podia e devia ter agido de outro modo”.
Ora, perante a matéria de facto dada como demonstrada e atendendo às considerações anteriormente feitas quando tratamos da questão da excepção peremptória – prescrição do direito peticionado pelos AA – que aqui consideramos inteiramente como válidas, sem necessidade de qualquer outra consideração, não podemos deixar de concluir no sentido de a conduta dos médicos agentes do R. no que respeita à deficiente assistência prestada à doente filha dos aqui AA, ser tida como merecedora de um juízo de reprovação ou censura e por isso culposa na modalidade de negligente.
E, do mesmo modo, atenta a deficiente prestação de serviço que a essa doente foi feita, violadora da leges artis, face ao conceito de ilicitude contido no artº 6º do DL 48.051, temos igualmente de concluir que se verificou o outro pressuposto da obrigação de indemnizar – o facto ilícito.
E, foi devidamente à violação daquele dever de cuidado que se ficou a dever o falecimento da doente (cf. Nomeadamente pontos 76 a 79 da matéria de facto).
Improcedem assim as conclusões do recorrente quando se insurge contra a sentença recorrida na medida em que considerou estarem demonstrados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar.
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6.3 – Importa agora apreciar a questão do montante indemnizatório que a sentença atribuiu aos AA. da acção e que estes, no recurso subordinado, sustentam que deveriam corresponder a montantes superiores àqueles que lhes foram arbitrados na sentença recorrida, além de que e em seu entender a sentença recorrida teria feito uma errada interpretação do artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil.
A sentença recorrida, apurou como indemnizáveis os seguintes montantes:
a) – 2.500,00 Euros a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos pelos AA;
b) – 30.000,00 Euros a título de indemnização pelo dano não patrimonial resultante da morte da ...;
c) – 2.500,00 Euros a título de indemnização por danos não patrimoniais resultantes das dores que a mesma sofreu;
d) – 25.000,00 Euros a título de indemnização por danos não patrimoniais produzidos em consequência do desgosto que a sua morte causou aos AA:
Considerando por fim que a morte da ... se não teria verificado nas circunstâncias em que ocorreu se esta não tivesse ingerido os comprimidos Torecan e Librax, acabou por repartir a culpa para a produção da morte, repartindo essa culpa, face ao disposto no artº 570º nº 1 do Cód. Civil, na proporção de 1/3 para a doente e 2/3 para os serviços do R.
Assim e reduzida aquela percentagem, a sentença recorrida, acabou por condenar o R. HSM no pagamento aos AA. dos seguintes montantes:
a) – 1.666,66 Euros a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos pelos AA;
b) – 20.000,00 Euros a título de indemnização pelo dano não patrimonial resultante da morte da ...;
c) – 1.666,66 Euros a título de indemnização por danos não patrimoniais resultantes das dores que a mesma sofreu;
d) – 16.666,66 Euros a título de indemnização por danos não patrimoniais produzidos em consequência do desgosto que a sua morte causou aos AA:
Tudo no valor global de 39.999,98 Euros.
6.3.1) – Em síntese, insurgem-se os AA. contra os montantes fixados salientando o seguinte:
a) - No tocante ao “dano morte”, consideram os AA. ser insuficiente o montante fixado, e que esse montante não se encontra suportado pela prova produzida. No entender dos AA. o que deveria revelar nesta sede é tão-só o facto de ter sido amputado à ... o direito à vida e o facto de se tratar de uma menor, privada da possibilidade de gozar os muitos anos de vida que certamente teria pela frente.
b) – A título de danos não patrimoniais decorrentes dos sofrimentos infligidos e pelos quais passou a menor, face ao que resulta dos pontos 27, 28, 32, 75, e 84 a 86 dos factos provados, entendem os AA. ora recorrentes que se mostra perfeitamente adequado o montante por estes peticionado (4.000.000$00) e injusto o montante arbitrado (500.000$00).
c) – No que respeita aos danos relativos aos desgostos que sofreram consideram os AA. serem manifestamente insuficientes os montantes fixados.
d) – Sustentam por fim que se não divisa qualquer facto culposo do lesado, que, nos termos do artº 571º do CC, tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos.
Vejamos se lhe assiste razão:
No tocante ao saber quais os prejuízos indemnizáveis, diz expressamente o artigo 563.º do Código Civil que a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, ou seja a indemnização terá de se reportar aos danos derivados do facto ilícito que obriga à reparação, adoptando-se para o efeito a “doutrina da causalidade adequada” na sua formulação negativa reiteradamente afirmada neste STA, (cfr. a título de exemplo os de 27.06.2001, rec. n.º 37410, 06.03.2002, rec. n.º 48155, 27.6.2002, rec. n.º 479-02 e de 29.10.2002, rec. n.º 177-02), segundo a qual “parece razoável que o agente só responda pelos resultados, para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária” ( Ac. deste STA de 02.11.2003, rec. 323/02)
E, no que respeita à fixação da indemnização quanto a danos não patrimoniais, nos termos do art. 496º do C. Civil deve atender-se aqueles “que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” (nº 1), sendo o seu montante calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica e à do lesado e demais circunstâncias do caso (artº 496º nº 3 e 494º do C. Civil).
Por outro lado, face ao disposto no nº 2 do artº 496º do C.C. entre os danos não patrimoniais sofridos pela vítima ter-se-á de incluir a própria morte.
6.3.1.a) - No que respeita à fixação do montante relativo ao “dano morte” ponderou fundamentalmente a sentença recorrida que “a ingestão dos fármacos (Torecan e Librax) evidencia a sua pouca alegria e vontade em viver. Doutro passo não foram provados factos que demonstrem que a mesma viesse a ter um futuro radioso à sua frente, antes avultam indícios de alguns distúrbios de personalidade que provavelmente condicionam negativamente a sua evolução como pessoa e a sua entrada na vida adulta”.
No entender dos AA. o que deveria revelar nesta sede é tão-só o facto de ter sido amputado à ... o direito à vida e o facto de se tratar de uma menor, privada da possibilidade de gozar os muitos anos de vida que certamente teria pela frente.
Mas não lhe assiste razão.
O Tribunal ao emitir o seu juízo terá de contar com a realidade dos factos, independentemente daquilo que eles eventualmente possam revelar ou traduzir pelo que no apuramento do montante indemnizatório relativo àquele dano, não se poderá atender apenas à morte da pessoa em causa, tanto mais que, como resulta das citadas disposições, na fixação de tal dano terá que se atender ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica e à do lesado e “demais circunstâncias do caso”.
No caso, a ... apresentava “antecedentes de toxicomania desde os 13 anos de idade”, com comportamento escolar com péssimo rendimento (ponto 35 da matéria de facto), factos esses susceptíveis de poderem indiciar, como se entendeu na sentença recorrida “alguns distúrbios de personalidade que provavelmente condicionam negativamente a sua evolução como pessoa e a sua entrada na vida adulta”.
Por outra via, a ingestão dos fármacos (Torecan e Librax) por parte da ... é susceptível de poder evidenciar não muita alegria e vontade de viver por parte daquela e de poder colocar em crise a afirmação dos recorrentes no sentido de que aquela “certamente teria pela frente muitos anos de vida”. Sofre assim ligeiro entrave ou abalo a perspectiva de uma longa esperança de vida para a ... então com 16 anos de idade.
Pelo que e atendendo ainda ao grau de culpabilidade dos agentes do R. nos termos do anteriormente referido, neste domínio não nos oferece qualquer motivo para alterar o montante arbitrado em primeira instância que, aliás, se nos afigura justo e equilibrado e por isso será de manter.
6.3.1.b) – A título de danos não patrimoniais decorrentes dos sofrimentos infligidos e pelos quais passou a menor, face ao que resulta dos pontos 27, 28, 32, 75, e 84 a 86 dos factos provados, entendem os AA. ora recorrentes que se mostra perfeitamente adequado o montante por estes peticionado (4.000.000$00) e injusto o montante arbitrado (500.000$00).
Esta espécie de danos reportam-se nomeadamente a dores físicas, incómodos, mal estar e angústia, que advieram à ..., após a verificação daquela considerada conduta negligente dos profissionais da A. ou seja, danos que resultam do aludido comportamento considerado negligente.
Desde logo a matéria constante dos pontos 27, 28, 32 e 75 dos factos provados respeitam a momento em que o tratamento e a assistência prestada à ... por parte dos profissionais do R. não foi alvo de qualquer censura por parte dos AA..
Deve por conseguinte atender-se apenas aos factos considerados para o efeito como relevantes pela sentença recorrida, a saber:
- A ... foi forçada a comer em estado de negativismo (ponto 84);
- Foi amarrada (ponto 85); e
- Os tratamentos a que foi sujeita no Hospital provocaram-lhe dores (ponto 86):
De realçar que todos esse factos tinham como objectivo restabelecer a saúde da ..., pelo que e face aos critérios que resultam do disposto no artº 496º do Cód. Civil, entendemos que o montante fixado pela sentença recorrido de modo algum pode ser considerado como injusto.
O mesmo se diga relativamente aos danos referentes aos desgostos que os AA. sofreram e que a sentença recorrida suportou nos factos que integram os pontos 87 a 92 e 97 a 100 da matéria de facto dada como provada:
- Os AA. acompanharam hora a hora, dia a dia, o evoluir do estado de saúde da filha;
- Assistiram, desesperados e sem nada puderem fazer, ao evoluir da situação clínica da sua filha;
- Falaram com médicos e enfermeiros que acompanhavam sua filha alertando-os para o agravamento da sua saúde;
- Permaneceram junto da ... todos os dias e a todas as horas que regulamentarmente lhes eram facultados;
- Presenciaram e discordaram da forma como a ... estava a ser tratada;
- Desde a morte da filha os AA. viram transformada a sua vida pessoal, social e familiar e o A. marido a sua vida profissional;
- Os AA. desenvolveram diligências em número concretamente não apurado, perante a Administração Pública, a provedoria de Justiça e os Tribunais, para que as causas da morte da sua filha fossem apuradas;
- O pai, ora A. marido, ficou de tal facto destruído que cessou, por completo, a sua vida social, abandonando o circulo de amigos e, mesmo, deixando de conviver com os próprios familiares;
- O A. marido cessou a sua carreira militar como sargento-ajudante enfermeiro, tendo pedido a passagem à reserva logo que estatutariamente tal lhe foi possível;
- Os A. A. ainda se mantêm de luto e, como tal, ininterruptamente, se vestem;
- Durante vários anos os AA. não regressaram à casa de Elvas;
Factualidade essa que, como se entendeu na sentença recorrida, caracteriza um quadro psicológico de profundo desgosto e sofrimento, que perdura, quase vinte anos depois da morte da ...”, mas que e no essencial “os danos provados correspondem àqueles que um pai e uma mãe sofrem em consequência da perda de um filho jovem” .
Também aqui, face ao que resulta do disposto no artº 496º do Cód. Civil, não vemos motivos para alterar o montante arbitrado em primeira instância que, face às razões invocadas na sentença recorrida se nos afigura igualmente justo e equilibrado.
6.3.c) – Sustentam por fim os AA., que se não divisa qualquer facto culposo do lesado, que, nos termos do artº 570º nº 1 do CC, tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos.
Determina esse preceito que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Resulta desde logo da matéria de facto (ponto 79 e 77) que a morte da ... ocorreu devido a síndrome maligno por neurolépticos, agravado pela “recaída” provocada pela “administração de Serenelfi”.
Radicando a negligência imputável aos médicos que assistiram e trataram a ... no facto de terem ministrado e mantido a administração de Serenelfi o que provocou a recaída da doente, face à matéria de facto constante no aludido ponto 79 temos de concluir que essa “recaída” apenas constitui, a par de outra (“síndrome maligno por neurolépticos”), uma das causa que determinaram a morte da ....
Ou seja, houve concorrência de causas, sendo que apenas uma dessas causas pode ser directamente imputável à deficiente conduta dos serviços médicos do HSM., pelo que na situação tem pleno cabimento o disposto no artº 570º nº 1 do CC.
Daí que e neste concreto aspecto não assista igualmente razão aos AA.
Termos em que, improcedendo tanto as conclusões relativas ao recurso interposto pelo HSM, como as conclusões relativas ao recurso interposto pelos AA. da acção, devem todos os recursos improceder.
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7 - Termos em que ACORDAM:
a) – Negar provimento a ambos os recursos jurisdicionais interpostos.
b) – Custas pelo AA. na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa, 23 de Novembro de 2005. – Edmundo Moscoso (relator) – Jorge de SousaSão Pedro.