Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0149/07.9BELRS 01950/13
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPTA
Sumário:O recurso de revista excepcional previsto no art. 150.º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P27178
Nº do Documento:SA2202102170149/07
Data de Entrada:01/27/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 149/07.9BELRS
Recorrente: A…………
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A acima identificada Recorrente, não se conformando com o acórdão proferido em 11 de Abril de 2019 nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/ef09b62d8e99e691802583d9004bc7ee.) – que negou provimento ao recurso por ela interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial contra a liquidação a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) –, interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo – que o Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Sul recebeu no pressuposto de que se tratava de revista excepcional, nos termos do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) –, apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«1- o acórdão recorrido errou na interpretação e aplicação do direito aos factos que fixou e incorreu em erro de julgamento:
a)- ao omitir decisão sobre a pronúncia das ilegalidades da liquidação impugnada;
b)- ao decidir pela exigência de uma obrigação, que a lei não impunha, desde 2005, por força da revogação do art. 10.º - n.º 5 - d) do CIRS, feita pelo art. 1.º do Dec. Lei 211/2005 de 7/12;
c)- ao criar a figura de uma “falsidade”, não fundamentada.
d)- ao omitir Decisão quanto ao pedido feito, a fls. 9 da p.i., quando ao abrigo do art. 74.º, n.º 2 da LGT e no art. 528.º do CPC – hoje o art. 429.º –, aplicável, pelo art. 2.º do CPPT, se requeria à Administração Tributária, nomeadamente através do Serviço Liquidador do IR e do Serviço de Finanças de Torres Vedras 2 – actualmente fundido no Serviço de Finanças de Torres Vedras 1 –, a junção aos autos dos documentos, elencados nas alíneas de a) a c).

2- a omissão da correcção da liquidação de IRS com o n.º 20045004115199, de 2003, de € 3.578,02, operada em 29.09.2004 e paga em 30.12.2004, que levou à apresentação da impugnação judicial, violou, vários princípios legais e fundamentais que integram o procedimento tributário – art. 54.º da LGT –, nomeadamente o princípio de inquisitório, de decisão, e de preservação do interesse público – arts. 58.º, 56.º e 55.º da LGT, respectivamente.

3- nos termos do art. 93.º do CIRS, quando por motivos imputáveis aos serviços tenha sido liquidado imposto superior ao devido, esses mesmos serviços procederão à revisão oficiosa da liquidação: art. 78.º da LGT: “a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito, no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da Administração Tributária, no prazo de 4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver sido pago, com fundamento em erro imputável ao serviço”.

4- aquela revisão oficiosa, integra, o regime geral do procedimento tributário, cujos princípios inspiradores se encontram contidos no art. 55.º da LGT, que é, “o de exercer as suas obrigações de prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigações tributárias”.

5- os serviços fiscais competentes, erraram juridicamente, quer quanto à apreciação, quer quanto ao enquadramento da situação em litígio, levando esse erro até aos dias de hoje, pelo seu não reconhecimento do pedido de revisão oficiosa, feito pela contribuinte, em 13.06.2006, qua tale o Tribunal a quo errou ao proferir Decisão sob clamoroso erro que urge reparar;

6- a liquidação de IRS do ano de 2004, relativa aos rendimentos de 2003, sujeita ao Princípio da Legalidade in art. 8.º - 2 - a) da LGT assentou em pressupostos inexistentes, de facto e de direito, na medida em que o quantum de € 159.615,00, declarado no campo 504, do quadro 5, do Anexo G (facto provado 5), da declaração de 2004, relativa aos rendimentos de 2003, ano esse o da alienação do imóvel, foi considerado para efeitos de tributação, como um valor efectivamente reinvestido, e não, como um valor meramente indicativo, da simples intenção de reinvestir.

7- tudo isto em desacordo com os próprios dizeres daquele quadro 504, que se refere ao “Valor de realização que se pretende reinvestir (sem recurso ao crédito)”; logo, o que se pretende reinvestir, não é o que se reinvestiu, por isso aqui também está subjacente uma simples previsão ou uma mera intenção, incerta e falível do quantum que irá ser reinvestido; uma “intenção”, não é um facto tributário que integre as normas de incidência – art. 8.º - n.º 1 da LGT: princípio da legalidade, aqui desde logo, desrespeitado; estamos perante presunção do que efectivamente virá a ser reinvestido, no prazo que a lei estabeleceu de 24 meses contados da data da realização.

8- é essa intenção, que o legislador refere no art. 10.º - nº 5- c) e reforça no art. 57.º - n.º 3 do CIRS, ligado à Secção do “Processo de determinação do rendimento colectável”; Intenção é sinónimo de intento, propósito, pensamento reservado in Dicionário de Francisco Torrinha, pag. 691, ed. Domingos Barreira, 1965…..Intenção, étimo oriundo do Latimintentio” - onis, é a acção de estender, tensão, compressão, esforço…pelo que o TCAS errou ao confundir intenção com facto tributário secundando a primeira instância e a Autoridade Tributária !!!

9- com a errada interpretação e aplicação do direito à liquidação de IRS, de 2004, resultou uma tributação que se demitiu de aplicar a norma de incidência do art. 10.º - n.º 5 - a) do CIRS, e decidiu-se, por tributar, ilegalmente, um ganho de mais-valia, igualmente evitável, caso se aguardasse pelo reinvestimento efectivo do valor realizado, com a venda da habitação de 2003, no prazo de 24 meses; a ilegalidade da liquidação assume novos contornos, ao não excluir da tributação, um ganho que dele estava excluído legalmente;

10- a recorrente, adquiriu por compra em Dezembro de 1989, pelo valor de aquisição de € 9.975,96 – uma casa para habitação própria e permanente, onde já habitava, correspondente à letra F do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art. 135, da freguesia de Lisboa, Sagrado Coração de Jesus (código 110614);

11- o referido imóvel foi comprado com recurso ao crédito hipotecário bancário, e foi vendido em 15.09.2003 (escritura notarial), pelo preço de € 187.050,00, preço que para efeitos de cálculo da mais valia, é considerado – valor de realização (art. 44.º, n.º 1, alínea f) do CIRS); a declaração m/3, tempestivamente apresentada, em 2004, relativa aos rendimentos de 2003, incluiu um Anexo G, onde nos campos 503 e 504, respectivamente, foi declarado o valor do crédito hipotecário, ainda em dívida ao banco de € 5.636,00, e € 159.615,00, a título de intenção ou pretensão de reinvestir;

12 - em 29.07.2005, adquiriu, por compra uma moradia, pelo preço de € 194.531,18, situada na Rua do ………, n.º ……, em Fonte Grada, do concelho de Torres Vedras, que destinou, também à sua residência própria e permanente, de forma imediata. Sendo que na declaração do ano de 2006, referente aos rendimentos de 2005, declarou ter reinvestido todo o valor da realização, como tal apurado nos termos da alínea a) do n.º 5 do art. 10.º do CIRS – € 181.414,00.

13- na senda das datas e valores, antes mencionados, das obrigações declarativas cumpridas; e da interpretação dada á alínea a) do n.º 5 do art. 10.º do CIRS, com o devido respeito, há que concluir pela totalidade do reinvestimento; portanto:
a)- o valor da realização (€ 187.050,00) deduzido do empréstimo contraído para a aquisição da casa adquirida em 1989 (€ 5.636,00), seja reinvestido na aquisição de outro imóvel; o que foi o caso.
b)- que aquele valor seja reinvestido na aquisição da nova casa, no prazo de 24 meses. O que no caso concreto, nem chegou a esse prazo, na medida em que o reinvestimento foi feito no prazo de 22 meses.
c)- que aquele imóvel tenha “exclusivamente o mesmo destino”, que será o da afectação à sua habitação, como resulta do art. 10.º - n.º 6 - a) do CIRS, situado em território português; como foi e é o caso.
d) que na declaração do ano da venda, seja manifestada a intenção de reinvestir - art. 10.º n.º 5 - c) obrigação declarativa que se repete, nos termos do art. 57.º - n.º 3 do CIRS, nos dois anos seguintes, contados da data da realização, mas desta vez, caso haja reinvestimento efectuado.
in casu apenas foi feito na declaração do ano de 2006, referente aos rendimentos do ano de 2005, ano em que foi aplicado a totalidade do valor da realização, como tal definido no art. 10.º - n.º 5 - a) do CIRS, apurado pela diferença entre € 187.050,00 e € 5.636,00, de onde resulta € 181.414,00.
e) que o imóvel seja afectado pelo adquirente à sua habitação própria e permanente no prazo de seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser afectado – art.10.º - n.º 6 - a) do CIRS, o que ocorreu; a contrario não teria a recorrente beneficiado do prazo máximo de isenção de IMI.

14- o evidente erro de direito em que incorreu a A. Tributária, ao proceder a liquidação indevida, tributou uma mais valia inexistente que veio onerar a situação fiscal da contribuinte, através do imposto indevidamente pago de 3.578,00 €; caso o rendimento tributável apenas tivesse levado em conta os rendimentos obtidos naquele ano e a correlativa dedução específica, ficaria reduzido a 36.316,42 €; de cuja liquidação, de acordo com os valores declarados, resultaria um imposto a reembolsar, o qual, após a revogação e anulação da mesma tributação, que se espera, deverá ser acrescido ao montante do imposto pago. Sem prejuízo da obrigação de indemnizar, nos termos dos arts. 94.º- n.º 1 do CIRS, 43.º- n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, indemnização essa que deverá ser paga à taxa de 4% ao ano- arts. 35.º- n.º 10 e 43.º- n.º 4 da LGT – contada desde a data do pagamento indevido – 30-12-2004 – até à data da emissão da respectiva nota de crédito – art. 61.º - n.º 3 do CPPT

15- no §4.º e no §5.º de fls.12, o acórdão dá conta de obrigação que a recorrente não cumpriu sob o art. 10.º - n.º 5 - d) CIRS; ora, após a revogação daquele mesma alínea d) pelo art. 1.º do Dec. Lei 211/2005 de 7/12, estava a recorrente impedida, nos termos da lei de o fazer, e a fazê-lo, a mesma não produziria efeitos em termos procedimentais, consubstanciando acto inútil; o sentido da não apresentação daquela declaração, sai reforçado naquele diploma legal que teve subjacente objectivos de simplificação e racionalização do cumprimento das obrigações por parte dos contribuintes e do funcionamento dos serviços da administração tributária; para além de evitar os custos de cumprimento do sector privado….

16- no que concerne à figura da falsidade a fls. 12 e 13 do acórdão há que atender a que a interpretação da lei levada a cabo pela contribuinte, ainda que não consensual, nunca poderá conduzir a uma absoluta ou relativa falsidade; como factor acrescido há a relevar que face ao art. 75.º - nº 1 da LGT, aquela alegada falsidade não encontra, nem na letra nem no espírito da lei qualquer apoio, muito pelo contrário; aí se dispõe: “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei…”, presunção de verdade, aceite pela Ad. Tributária, sem qualquer reparo.

17- muito bem andou o Ex.mo Procurador Geral Adjunto no Tribunal a quo ao emitir sábio Parecer concluindo “pela procedência do recurso pois comprovando-se que a Recorrente aplicou totalmente o valor da habitação antiga terá demonstrado o reinvestimento total. Para além disso, estando pendente impugnação subsequente (da segunda liquidação) deveria merecer despacho de apensação”.

Assim, secundando o Parecer do Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto no Tribunal recorrido, concedendo provimento ao recurso e revogando a decisão do TCAS, com a consequente anulação total da liquidação ilegalmente efectuada, por erro imputável aos serviços, procedendo-se ao reembolso de todo o imposto indevidamente liquidado e pago, acrescido do valor do reembolso a que a recorrente tinha direito, caso aquela liquidação tivesse sido correctamente efectuada, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos supra mencionados, Vossas Excelências farão a mais Lídima Justiça!».

1.2 O Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Sul, verificando a legitimidade da Recorrente e a tempestividade do recurso, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 O Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve ser admitido. Isto, após ter resumido os termos do recurso e ter enunciado os requisitos da admissibilidade do recurso de revista, elaborando em torno dos mesmos, com a seguinte fundamentação:

«[…] a Recorrente não logra nas suas alegações e conclusões de recurso identificar qualquer questão jurídica que “pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou que a admissão do recurso “seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Com efeito, a Recorrente limita-se a invocar fundamentos que no seu entendimento deviam ter sido acolhidos pelas instâncias, fazendo do recurso para este tribunal um terceiro grau de jurisdição. Sucede que não está previsto na lei um terceiro grau de recurso ordinário, mas tão só o recurso excepcional de revista, cujos preceitos legais a Recorrente nem sequer menciona.
Por outro lado pese embora invoque o que apelida de “erro colossal” da decisão, certo é que não esclarece em que termos foi praticado esse erro. E analisando o acórdão recorrido nele não se vislumbra qualquer erro notório na apreciação de questão jurídica. De facto, estando em causa a questão da exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis, através do reinvestimento do valor de realização na aquisição da propriedade de outro imóvel com o mesmo destino (habitação própria e permanente), prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, o TCA decidiu-se pela não verificação parcial dessa condição, por a Recorrente não ter apresentado declaração de substituição a corrigir o montante inicial declarado, nos termos da alínea d) do n.º 5 do citado preceito legal, então aplicável. E por outro lado, por o tribunal ter concluído que tendo a Recorrente recorrido a empréstimo bancário para aquisição do segundo imóvel, o valor a considerar para efeitos de reinvestimento sempre seria inferior ao declarado.
Ora, atenta a fundamentação aduzida no acórdão recorrido, a mesma não revela qualquer erro notório, nem a Recorrente logra essa identificação.
Em face do exposto, entendemos que não se mostram verificados os requisitos legais de admissão do recurso de revista».

1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 150.º do CPTA (Apesar de, entretanto, na sequência da alteração do regime de recursos na jurisdição tributária efectuada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, o recurso de revista excepcional ter passado a merecer consagração no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o acórdão foi proferido antes da entrada em vigor desse novo regime (cf. art. 14.º da referida Lei), pelo que continuamos a aplicar-lhe o regime do CPTA, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 13.º da mesma Lei.).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 150.º do CPTA e do n.º 1 do art. 285.º do CPPT a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Ou seja, o recurso de revista excepcional não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, i.e., que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável).

2.2.1.2 A Recorrente interpôs o presente recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul para o Supremo Tribunal Administrativo sem indicar ao abrigo de que disposição legal o fazia.
O Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Sul, admitindo que a Recorrente pretendia interpor recurso de revista e, dando por verificadas a legitimidade da Recorrente e a tempestividade do recurso, remeteu os autos a este Supremo Tribunal.
Antes do mais, cumpre referir que concordamos com esse entendimento. Vejamos:
Actualmente, inexiste terceiro grau de jurisdição, possibilidade que estava prevista na redacção inicial do art. 32.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, e que foi abolida pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro.
O recurso também não pode considerar-se interposto com fundamento em oposição de acórdãos, ao abrigo do disposto no art. 284.º do CPPT, pois a Recorrente não indicou qualquer acórdão em contradição com o acórdão recorrido, nem alegou a existência de jurisprudência em sentido contrário à decisão do acórdão recorrido quanto a uma mesma questão fundamental de direito.
Assim, afigura-se-nos que bem andou o Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Sul ao aceitar o recurso como revista, ao abrigo do disposto no art. 150.º do CPTA, atento que, à data, ainda não estava em vigor o art. 285.º do CPPT na redacção que lhe veio a ser dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro. Isto porque, atenta a alegação aduzida pela Recorrente, a única possibilidade de admitir o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo seria ao abrigo do disposto no art. 150.º do CPTA e ao abrigo da clara necessidade de uma melhor aplicação do direito, considerando que a Recorrente invocou que o acórdão recorrido padece de «erro colossal» que «urge arredar» e que, de acordo com o critério da jurisprudência no preenchimento daquele conceito, «[…] há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cf. acórdão de 2 de Abril de 2014, proferido no processo com o n.º 1853/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.).

2.2.1.3 No entanto, lida a motivação do recurso e respectivas conclusões, verificamos que, apesar da invocação do erro colossal do acórdão recorrido, a alegação da Recorrente não é apta ao preenchimento do referido requisito. Senão vejamos:
Desde logo, e como também salientou o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal a Recorrente não identifica uma questão relativamente à qual «a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito»; ao invés, aponta ao acórdão recorrido uma série de omissões e erros que o põem em crise como um todo, usando o presente recurso como um terceiro grau de jurisdição, condição a que a revista não obedece. Vejamos:
É certo que invoca o «erro colossal» do acórdão, mas nem a Recorrente conseguiu configurar juridicamente esse erro nem nós vislumbramos qual ele possa ser. Nos autos está em causa uma situação de exclusão da tributação das mais-valias resultantes da venda da habitação própria e permanente, prevista no n.º 5 do art. 10 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), que o Tribunal Central Administrativo Sul apenas considerou possível em parte.
Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, parece a Recorrente considerar, para além do mais, que o Tribunal Central Administrativo Sul fez errado julgamento relativamente a dois aspectos: primeiro, quando considerou que, não havendo correspondência entre o montante do valor de realização que foi reinvestido na aquisição da nova habitação e o montante que, nos termos das alíneas a) e d) do n.º 5 do art. 10.º do CIRS, foi declarado como sendo intenção de proceder a reinvestimento, deveria a ora Recorrente ter apresentado declaração de substituição, nos termos da alínea d) do mesmo n.º 5 do art. 10.º do CIRS (Na redacção em vigor à data. Como salientou o acórdão recorrido, a alínea d) do n.º 5 do art. 10.º do CIRS foi revogada pelo art. 1.º do Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de Dezembro, de cujo preâmbulo consta que teve «em vista a simplificação e o aperfeiçoamento de obrigações acessórias declarativas».); depois, quando considerou que, porque a ora Recorrente recorreu a crédito bancário para adquirir a nova habitação, o valor do empréstimo deveria ser descontado para efeitos de apurar o montante reinvestido.
No entanto, como judiciosamente realçou o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, não esclarece por que errou o Tribunal Central Administrativo Sul.
Analisando o acórdão recorrido, não vislumbramos qualquer erro notório na apreciação de questão jurídica. O acórdão recorrido faz uma interpretação da lei perfeitamente razoável, quer no que respeita à aplicação da lei no tempo, quer no que respeita ao montante do reinvestimento em face do crédito bancário que a ora Recorrente contratou em ordem à aquisição da nova habitação.
Assim, por manifesta falta de demonstração do invocado erro notório (que a Recorrente denominou erro colossal), não pode admitir-se o recurso de revista previsto no art. 150.º do CPTA que, recorde-se não constitui mais um grau de recurso que o legislador tenha posto à disposição da parte que considera que o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento.

2.2.1.4 Finalmente, a alegação da Recorrente parece também imputar ao acórdão recorrido diversas nulidades por omissão de pronúncia.
Como esta formação do n.º 6 do art. 150.º do CPTA (hoje, do n.º 6 do art. 285.º do CPPT) tem vindo a afirmar reiterada e uniformemente, atento o carácter extraordinário da revista excepcional, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º, n.º 4, do CPC (Vide, por todos, o acórdão de 3 de Junho de 2020, proferido no processo com o n.º 343/14.6BEPRT-B, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/eb157c30c16c267d802585810030f0f8.).

2.2.2 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

O recurso de revista excepcional previsto no art. 150.º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 150.º do CPTA, em não admitir o presente recurso, por não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do mesmo artigo.


*

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia - Isabel Marques da Silva.