Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0472/11
Data do Acordão:09/06/2011
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO
CAIXA CENTRAL DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO
COMPETÊNCIA
SUSPENSÃO DE FUNÇÕES
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I - A deliberação da Caixa Central de Crédito Agrícola de designar Directores Provisórios para uma Caixa de Crédito Agrícola e de suspender de funções os membros da Direcção dessa mesma Caixa, no quadro do disposto no artigo 77.º-A do regime jurídico do crédito agrícola mútuo e das cooperativas de crédito agrícola (RJCAM), instituído pelo Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de Janeiro, na redacção dos Decretos-Leis n.°s 230/95, de 12 de Setembro e 320/97, de 25 de Novembro, é lesiva dos membros suspensos, por isso recorrível;
II - Aquela deliberação, tomada sem prévia audição dos membros que suspende, viola o disposto no artigo 100.º do CPA.
Nº Convencional:JSTA000P13179
Nº do Documento:SA1201109060472
Recorrente:CONSELHO ADMINISTRATIVO DA CAIXA CENTRAL DO CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO, CRL
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
O CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA CAIXA CENTRAL DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO, CRL e a CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DO …, CRL recorrem para este Supremo Tribunal, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida a 19 de Outubro de 2010, no âmbito do recurso contencioso de anulação em que figura como recorrente A…, sentença que julgou improcedente:
-a excepção de inimpugnabilidade do acto;
- a excepção de ilegitimidade passiva.
E, julgou procedente a “arguição do vício de preterição da audiência prévia do interessado” anulando o acto recorrido.
Terminaram as respectivas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1.1.do Conselho de Administração da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL:
A douta sentença recorrida deve, pois, ser anulada:
- Por violação da alínea d) do nº 1 do art° 668 do C.P.C, por erro nos pressupostos já que foi lavrada sentença que inconsiderou os argumentos vazados no processo pela Caixa Central, na Contestação e nas Alegações. Foi produzida sentença no pressuposto de a Caixa Central não ter tido qualquer intervenção no recurso quando tal não corresponde à verdade.
- Por violação do art° 25 do D.L. 267/85 e alínea b) do art° 51 do D.L.129/84, porquanto o acto recorrido não é definitivo.
- Por violação dos art°s 26 e seguintes do C.P.C. porquanto o Banco de Portugal deveria ter sido chamado a intervir como Réu/Recorrido.
- Por violação do art° 100 do C.P.A, porquanto o acto recorrido foi tomado no exercício de poderes totalmente vinculados.
Termos em que e pelos fundamentos expostos se requer seja julgado procedente o recurso com todas as consequências legais, anulando-se a douta sentença recorrida.
1.2. da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do …, CRL.
A douta sentença recorrida deverá, pois, ser anulada:

- Por violação do Art 25° do D.L. 267/85 e al. b) do Art.° 51° do D.L. 129/84, já que o acto recorrido não é definitivo;
- Por violação dos Artigos 26°, 28º e segs. do CPC, porquanto o Banco de Portugal deveria ter sido chamado a intervir como recorrido;
- Por violação do art.° 100º do CPA, porquanto o acto recorrido foi tomado a coberto de instruções vinculativas do Banco de Portugal.
Termos em que e nos mais de direito, que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, revogar-se a douta Sentença recorrida.
O ora recorrido – A… – apresentou contra-alegações e, nas mesmas, requereu a ampliação do âmbito do recurso “ao abrigo do art°. 684.º - A, n.º 1 do CPC, aplicado ex vi do art. 102.º LPTA” (…) “à apreciação dos vícios invocados na petição inicial e que se consideram terem sido dados como improcedentes, em vista da exclusiva procedência do recurso contencioso de anulação com fundamento no vício de forma por preterição de audiência prévia, com apoio nos termos do Acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 7 de Julho de 2010, no Proc. n.º 0310/10 invocados na sentença.”.
Especificando, ainda, no que à ampliação do âmbito do recurso respeita, que:
“A ampliação do objecto do recurso jurisdicional far-se-á, pois, por extensão aos vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade e vício de forma por falta de fundamentação”.
Nessas contra-alegações, conclui da seguinte forma:
A) O presente recurso jurisdicional vem interposto pela Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL da Sentença proferida, em 19.10.2010, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, no âmbito do Proc. n.º 995/2003, pelo qual se anulou o acto datado de 09.10.2003, com fundamento em vício de forma, por preterição do dever de audiência prévia.
B) Na base deste processo está o acto praticado pela Recorrente Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL, em 09.10.2003, pelo qual se decidiu “suspender a Direcção no seu todo, ao abrigo do disposto no artº 77-A do RJCAM e nomear (...) Directores Provisórios (...), pelo prazo de um ano” para a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da …, CRL, assim se determinando o afastamento do ora Recorrido das suas funções como Secretário da Direcção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da … e sua substituição por directores provisórios;
C) Decorre do acto recorrido, que a deliberação de designação de directores provisórios e a suspensão dos membros da Direcção que até então estavam em funções se prendia com a circunstância de não haverem sido seguidos –de forma satisfatória - certos indicadores que a Autoridade Recorrida no recurso contencioso e ora Recorrente, referia como importantes.
D) É nesse sentido que o acto em causa refere, que houve “incumprimento generalizado de limites e regras prudenciais constantes do Aviso 10/94, de 18/11”, em especial quanto ao limite máximo de grande risco e se refere a um “insuficiente acatamento de recomendações emitidas pela Caixa Central conforme circular N.º CA/42/2002 de 10/10/2002”, especificado no não acatamento do rácio crédito/depósitos inferior a 65%, e ainda, os “erros e vícios” apontados à gestão, em particular uma suposta “elevada concentração de crédito num reduzido número de mutuários”.
E) Como fundamento para o acto em causa apontam-se um “mapa de grandes riscos de 30 de Junho de 2003”, um “Balanço de 30 de Junho de 2003” e até um “Relatório do Serviço de Auditoria da Fenacam” de 30 de Junho de 2001.
F) A ora Recorrente mandou intervencionar a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da …, uma primeira vez, designando delegados para acompanharem e deliberarem conjuntamente com a Direcção nos aspectos fundamentais da actividade bancária,
G) O Relatório elaborado pela FENACAM prova que à data da prática do acto em recurso conhecia a Recorrente que a situação de facto já não era de incumprimentos que pudessem quadrar uma situação de “desequilíbrio financeiro grave” ou de risco de “desequilíbrio financeiro grave”;
H) Entre a data dos factos relatados em Mapas e Balanço de Junho de 2003 e mais ainda de Relatórios de 2001, a situação da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da … recuperou para níveis que não se podem considerar de “desequilíbrio financeiro grave”, o que o aludido Relatório da FENACAM demonstra no global;
I) Deixou de se verificar o pressuposto de facto que pode quadrar a previsão do n.º 1 do art. 77.º-A RJCAM (muito) antes do acto final ter sido praticado, com o que o uso da competência fora do quadro factual acarreta um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, redundando em anulação do acto nos termos do art. 135.º e 136.º, a qual se requer a V. Exa. que seja decretada. A título subsidiário relativamente ao vício acima descrito, sempre deverá ser considerado procedente o vício de violação de lei por violação do princípio de proporcionalidade que ora se invoca.
J) Não se escamoteia que a situação financeira da Caixa de Crédito Agrícola da …, na data de prática do acto em recurso ainda não era de total recuperação. A total recuperação, significando a ausência de qualquer desequilíbrio menor, só seria atingida entre Dezembro de 2003 e o final do 1º trimestre de 2004, a ter sido continuado o trabalho que se vinha realizando, mas notava-se uma tendência de acentuada melhoria da situação financeira da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da … desde que a sua gestão se fizera acompanhada por Delegados designados pela Recorrente, com o que esta se afastou decisivamente a situação de “risco de situação de desequilíbrio financeiro grave” muitos meses antes da prática do acto, razão para que não se justificasse uma medida que corresponde ao agravar de uma sanção;
K) Na letra e espírito subjacentes aos arts. 77.º, n.º 2 e 77.º-A RJCAM, a adopção de uma medida mais gravosa – suspensão de Direcção e designação de Directores Provisórios - depois de já se ter adoptado a medida de designação de Delegados só tem justificação legal quando perante um quadro de agravamento da situação da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da …;
L) Porque não só não houve um agravamento como houve ainda uma recuperação, a aplicação de uma medida sancionatória mais grave não encontra razão plausível e, por isso, ainda que se entenda procedente de uma discricionariedade técnica da Recorrente, esse acto não consegue obter procedência uma vez passado pelo crivo do princípio geral de proporcionalidade, na vertente do excesso, pois que representa uma medida injustificada e demasiado onerosa no cômputo geral da situação, assim se violando o art. 5.º, n.º 2 CPA e 266.º, n.º 2 CRP, resultando essa violação numa anulabilidade, por reporte aos arts. 135.º e 136.º CPA, como peticionado na Petição de Recurso Contencioso;
T) É este raciocínio sobre a adequação da medida que a sentença não faz– e que é saber se a medida é ou não excessiva (subprincípio do excesso) e se está em tempo para ser tomada face ao quadro factual que a tem de suportar (subprincípio da adequação). É aqui que a sentença falha, não se debruçando mais uma vez sobre o vício em causa, o que se impetra a V. Exas. que levem a cabo, revogando a decisão prévia e substituindo-a por decisão que anule o acto por este vício;
V) Também se verifica um vício de forma por falta de fundamentação, originado na ausência de conhecimento ou junção de “Acordo Prévio do Banco de Portugal” de 09.09.2003;
X) Com efeito, o acto prévio do Banco de Portugal, pelo qual este analisa a situação e autoriza o recurso ao art. 77.º-A do RJCAM é simultaneamente condição de eficácia e parte da fundamentação da decisão final da Recorrente (acto impugnado);
Y) Porque o acto prévio de concordância do Banco de Portugal é acto pressuposto do acto final e o fundamenta, tal obrigaria a Recorrente a juntar cópia do mesmo ou a transcrevê-lo – quanto ao conteúdo relevante - no texto do acto em recurso.
Z) Porque a Recorrente o não fez, violou manifestamente o dever de fundamentação constante do art. 124.º, n.º 1, alínea a) e art. 125.º, n.º 1 e n.º 3 (a contrariu), devendo o acto ser anulado por vício de forma com recurso ao art. 135.º e 136.º CPA;
AA) O que se passou foi a omissão ao ora Recorrido de um acto fundamental do procedimento, porque de um acto reitor sobre o sentido em que a Caixa Central pudesse usar os poderes de intervenção e sem o qual não se pode sindicar se o acto da caixa Central estava em linha e em obediência ao acordo prévio (e não “parecer prévio” como refere a sentença) do Banco de Portugal;
BB) Ficou o ora Recorrido sem poder invocar, por esse via, qualquer vício, pois que não conheceu e não conhece qual a posição do Banco de Portugal e essa era fundamental para se conhecer os limites da autorização concedida.
CC) Em face do exposto, consideramos estar verificado o vício de falta de fundamentação por estarem ausentes do conhecimento do ora Recorrido elementos que completam o acto final e que são essenciais estarem no seu conhecimento para um cabal exercício dos seus meios de defesa, com o que se requer seja o acto anulado por vício de falta de fundamentação, com assento nos arts. 135.º e 136.º CPA;
DD) Vem invocado pelo Recorrente Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL vício de omissão de pronúncia, na sentença recorrida. Porém, resulta manifesto que não procede a alegada omissão de pronúncia, não se verificando a alegada nulidade da Sentença Recorrida, nos termos do disposto nos artigos 666.º, n.º 3 e 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC ex vi do art. 1.º da LPTA, porquanto a Sentença proferida e de que ora se recorre, veio não só decidir, como também “dissecar”, cada uma das questões apresentadas em 1ª instância;
EE) A alegada falta de valoração de meros argumentos apresentados pelo Recorrente, a ter ocorrido, o que se rejeita e meramente se cogita por facilidade de raciocínio, não se confunde com a falta de pronúncia sobre questões que as partes tenham submetido à apreciação do Tribunal, essa sim susceptível de consubstanciar omissão de pronúncia, porquanto, nos termos da alínea d), do n.º 1, do artigo 668.º do Código de Processo Civil, “É nula a sentença (…) d) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”;
FF) É o próprio Recorrente Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL que admite que todas as questões apresentadas a juízo pelas partes foram decididas pelo Tribunal na Sentença do tribunal a quo, pelo que de nenhuma invalidade enferma tal decisão, caindo pela base a “argumentação” apresentada pelo referido Recorrente por manifesta carência de argumentos quer legais, quer doutrinais ou jurisprudenciais que a sustentem.
GG) Conclui-se, assim, pela não verificação da alegada nulidade da Sentença recorrida por pretensa omissão de pronúncia, nos termos dos arts. 666.º, n.º 3 e 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicáveis ex vi do art. 1.º da LPTA;
HH) Por relação à suposta ausência de definitividade vertical do acto impugnado, conducente à sua irrecorribilidade, há que saber que desde a revisão constitucional de 1989, os requisitos para a impugnação de um acto administrativo se alteraram de uma percepção clássica que partia da (tripla) definitividade e executoriedade, para uma definição de lesividade. O deslocamento dos requisitos de impugnação contenciosa para o campo da lesividade retira força decisiva ao argumento comum a ambos os Recorrentes, pois que não questiona, nem parece questionável, que o acto recorrido tenha produzido efectiva lesão no Recorrente contencioso e ora Recorrido;
II) O acto verticalmente definitivo se não coincidir com o acto horizontalmente definitivo, ser-lhe-á sempre posterior e nunca anterior, contrariamente ao que pretendem fazer crer os Recorrentes. O acto do Banco de Portugal não é acto que confira horizontalidade ou verticalidade ao procedimento, pois que não é o acto praticado por entidade com competência superior no procedimento, nem o último acto no procedimento;
JJ) Foi o acto do Conselho de Administração da Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo que concluiu o procedimento, daí ser o acto com data posterior e foi aquele que foi praticado pelo órgão com competência para a matéria, porque a competência é sua e apenas fez participar o Banco de Portugal num seu procedimento. A participação do Banco de Portugal qualifica-se como um incidente procedimental ou um procedimento enxertado;
KK) É a referida Caixa Central que tem a competência para o acto de suspensão de direcção de caixas de crédito agrícolas (associadas ao SICAM) e substituição dos directores eleitos por outros por si designados, sendo que a intervenção do Banco de Portugal é incidental, visando conceder um mero “acordo prévio”, como a própria lei qualifica, acto esse auxiliar e preparatório da decisão da Caixa Central;
LL) Os Recorrentes aludem à irrecorribilidade do acto administrativo, por suposta não inserção deste recurso contencioso de anulação nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art. 51.º do ETAF (sobretudo a alínea b). Ao fazê-lo, falham ao ignorar que o princípio de jurisdição é aquele constante do art. 3.º do ETAF, o qual recolhe para a função jurisdicional administrativa a repressão da legalidade administrativa e a decisão em quaisquer conflitos de natureza jurídico-administrativa;
MM) Na situação concreta, estamos na presença de um acto materialmente administrativo e o mesmo não está excluído da jurisdição administrativa nos termos do art. 4.º, n.º 1 do ETAF;
NN) A leitura que os Recorrentes fazem do art. 51.º, n.º 1 do ETAF não procede e ignora as alíneas em que se integra a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL, quando os seus órgãos praticam actos materialmente administrativos, como é o caso;
OO) Nenhum argumento em favor da irrecorribilidade do acto impugnado se pode retirar de uma suposta ausência de inserção do recurso em presença em vista do n.º 1 do art. 51.º do ETAF, pois que, quer a alínea j), quer a alínea q) permitem integrar o recurso em presença nas competências dos tribunais administrativos de 1ª instância, em consonância com o que já resultava dos arts. 3.º e 4.º do ETAF;
PP) Como sustentáculo diferente para a impugnação que os Recorrentes vêm agora fazer junto desta 2ª instância, alega-se uma suposta ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio necessário passivo, investindo contra a não integração do Banco de Portugal como Recorrido, em 1ª instância;
QQ) Nenhum erro de julgamento por parte do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra existiu e nem se vê que, depois do que havia demonstrado o mesmo na parte da Decisão Recorrida relativamente à questão de irrecorribilidade, necessitasse de dizer mais do que o que disse para justificar a improcedência desta outra questão prévia;
RR) Apurou-se na Decisão Recorrida que o autor do acto em causa é o Conselho de Administração da Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL e que a intervenção do Banco de Portugal é apenas preparatória face ao seu acto. Nessa medida, o órgão do Banco de Portugal que praticou o acto de “Acordo Prévio” não é autor ou co-autor do acto impugnado, com o que não tinha de ocupar a posição de Autoridade Recorrida, nem se encontra a defender interesses públicos próprios no processo, com o que não tem de participar no processo.
SS) O Banco de Portugal não é autor do acto recorrido, com o que não pode ser Autoridade Recorrida, por si ou em conjunção com o Conselho de Administração da Caixa Central – Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo, CRL, mas também não pode ser Contra-Interessado por os seus poderes e interesses públicos não terem sido postos em causa no recurso e numa potencial impugnação do acto, mas apenas os da Autoridade Recorrida e ora Recorrente. Concluímos, por conseguinte, que a Decisão Recorrida também não é merecedora de qualquer censura nesta parte, com o que se deverá manter;
TT) Verificamos que, em sede de alegações de recurso jurisdicional, as ora Recorrentes vêm oferecer, por reporte ao dever de audiência prévia, os mesmos fundamentos que já haviam lançado no recurso contencioso de anulação, os quais não podem deixar de soçobrar também na presente sede;
UU) Arguir, como sustentam os ora Recorrentes que, com ou sem audiência do interessado a decisão sempre seria a mesma, porque a mesma se afigura vinculada, é reproduzir uma linha de pensamento que levaria a considerar que não se estaria a integrar um conceito indeterminado, como o é o conceito de “situação de desequilíbrio financeiro grave”, mas antes a determinar uma conduta pré-definida por requisitos enumerados e não dependentes de apreciação casuística e com efeitos jurídicos a serem gerados, sem qualquer margem de selecção ou de modelação na sua intensidade;
VV) A natureza dos poderes da Caixa Central na matéria de intervenção procedem, desde logo, de um juízo de ponderação que essa tem de fazer quanto à situação concreta, para definir se estamos ou não perante uma situação de grave desequilíbrio financeiro – o que implica o uso da margem de liberdade de apreciação – e, caso conclua afirmativamente, terá de ponderar ainda qual dos tipos de intervenção irá fazer (suspensão de directores, nomeação de directores provisórios, mero acompanhamento, etc.) o que equivale a dizer que terá de escolher efeitos de direito, sinal inequívoco da presença de uma margem de liberdade de decisão, sob a forma do que se convencionou chamar “discricionariedade criativa”;
WW) As alegações dos ora Recorrentes não podem, pois, deixar de decair por patente falta de sustento. É a lei procedimental administrativa clara, na obrigatoriedade de serem os interessados ouvidos quanto à deliberação pretendida implementar, para que os mesmos possam utilizar as suas prerrogativas (direitos) de participação procedimental;
XX) Porque a situação presente não configura nenhuma daquelas em que a audiência prévia possa ser dispensada – desde logo porque tal não foi invocado pelos Recorrentes perante o interessado e já o não poderá ser – havia o direito de audiência por parte deste, nos termos do art. 100.º e seg. CPA;
YY) Porque o Recorrido nunca foi ouvido quanto ao acto final, como o não foi, tão pouco, quanto ao acto do Banco de Portugal e esta é uma relação jurídica administrativa regulada pelas leis do procedimento administrativo (a título subsidiário, aqui aplicável), acha-se, de facto, violado o art. 100.º CPA, conforme entendeu o Tribunal a quo;
ZZ) Conclui-se, por conseguinte, que a Decisão Recorrida também não é merecedora que qualquer censura nesta parte, com o que deverá a mesma ser mantida.
Nestes termos,
Devem as presentes contra-alegações serem consideradas procedentes por provadas e, em consequência, ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pelos Recorrentes, mantendo-se a Decisão Recorrida conforme proferida em 1ª instância.
Mais se deve conceder provimento aos vícios alegados na petição inicial e que improcederam em 1ª instância, seguindo-se uma ordem de conhecimento de acordo com o art. 57.º n.º 1 da LPTA e anulando-se o acto impugnado em conformidade.
Neste Supremo Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento do recurso.
2. Fundamentação
2.1 Matéria de Facto
A matéria de facto fixada na decisão recorrida é a seguinte:
1. O recorrente foi, até à notificação do acto recorrido, Secretário da Direcção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da …, ora primeira contra-interessada, e eleito, nessa qualidade (artigo 1° do RI.);
2. A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (CCAM) da … é uma cooperativa de responsabilidade limitada, que se dedica, em particular, à actividade de concessão de crédito agrícola, sendo, por sua vez, uma cooperativa que, com outras, integra a título de cooperante ("associada") a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C. R L. (artigo 2° do RI.);
3. A contra-interessada CCAM da …, C.R L., por integrar a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L., ora autoridade recorrida, aderiu ao SICAM ("Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo"), em resultado dessa qualidade (artigo 3° do RI.);
4. Desde o ano de 1998, e com reflexos na conta de 2002, CCAM da … apresentou desequilíbrios financeiros (Confissão: artigo 10. ° do RI.);
5. Por deliberação do Conselho de Administração da Caixa Central, tomada na reunião de 7 de Novembro de 2002, foi decidida a intervenção na CCAM da …, nomeando dois delegados (fls. 49/50);
6. Foi celebrado um protocolo entre a CCAM da … e a Caixa Central, na sequência da deliberação tomada por esta em 2002.11.07, do qual o Recorrente é outorgante, no sentido de intervir na gestão daquela, ao abrigo do disposto no art. 77°, nºs 2 a 4, do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo (fls. 51 e sgs);
7. Consta do despacho, do Conselho de Administração da Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C. R. L. datado de 9 de Outubro de 2003 (fls23/34):
"O Conselho de Administração (..) tendo apreciado a situação da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da …, C. R. L. verificou:
- O incumprimento generalizado de limites e regras prudenciais, previstas no Aviso 10/94, de 18/11, designadamente o não acatamento do limite máximo de grande risco, conforme mapa de grandes riscos de 30 de Junho de 2003, que aqui se dá por reproduzido e que releva cinco situações de incumprimento daquela regra prudencial;
- O insuficiente acatamento de recomendações emitidas pela Caixa Central conforme circular N° CA/42/2002 de 10/10/2002 nomeadamente quanto à política de concessão de crédito e captação de recursos, designadamente o não respeito do rácio crédito/depósitos inferior a 65, conforme Balanço de 30 de Junho de 2003 que aqui se dá por reproduzido;
- Os erros e vícios de gestão são apontados em diversos relatórios técnicos há já bastante tempo, nomeadamente no Relatório do Serviço de Auditoria da Fenacam referente às contas de 30 de Junho de 2001, pelo qual se verifica uma elevada concentração de crédito, num reduzido número de mutuários (o crédito concedido a onze mutuários, ascende a 40,2% do crédito total, sem haver uma adequada cobertura de risco (pág. 5), crédito vencido em montante elevado ascendendo a 4.901.323 Euros (pág. 3), montante representativo de 8,4% da carteira de crédito.
2. Em face da apreciação efectuada, e tendo obtido o acordo prévio do Banco de Portugal, em 09 de Setembro de 2003, nos termos do artigo 77º-A do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/91 de 11 de Janeiro, com a redacção que lhe foi dada pelos Decretos-Lei nº 230/95 de 12 de Setembro e nº 320/97 de 25 de Novembro e do Decreto-lei nº 102/99 de 31 de Março.
O Conselho deliberou intervir na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da …, C. R. L. (…), ao abrigo do artº 77º-A do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Caixas de Crédito Agrícola, suspendendo das suas funções os Membros da Direcção Senhores B…, A…, C…, D… e E… e designando para o exercício das funções de Directores Provisórios os Senhores Dr. F… (…) e o Dr. G… (…), a quem compete adoptar as providências necessárias para corrigir as situações de desequilíbrio existentes e a orientação, supervisão e disciplina dos serviços, devendo designadamente, definir e colaborar na adopção de medidas de regularização de créditos vencidos, disciplinar a gestão da Caixa. 3. A presente nomeação é feita pelo prazo de um ano, contado da data de registo a efectuar, com os poderes e deveres que lhe são conferidos pelo nº 2 do mesmo artigo 77º-A do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo";
8. Este despacho / deliberação foi comunicado à Direcção da Caixa de Crédito Agrícola mútuo da …, através do ofício com a Ref.ª: DFOA/1275/2003, datado de 10 de Outubro de 2003 (fls. 22).
2.2. Matéria de Direito
2.2.1. Objecto dos recursos
A sentença recorrida seguiu de muito perto, limitando-se à sua transcrição, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Julho de 2010, proferido no processo 0310/10. Seguiu tal procedimento pois, como refere, “o acto recorrido foi já apreciado neste tribunal nos autos de recurso contencioso de anulação n.º 996/2003, interposto por outro membro da Direcção da CCAM da …”. Como tal sentença veio a ser confirmada pelo citado acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo a sentença limitou-se a transcrever as partes do acórdão que interessavam ao presente recurso.
Concluiu a sentença recorrida que, nada obstava ao conhecimento do mérito e porque o acto impugnado violou o art. 100º do CPA anulou-o com esse fundamento.
No recurso para este Supremo Tribunal o Conselho de Administração da Caixa Central de Crédito Agrícola Mutuo imputa à sentença os seguintes vícios:
(i) violação do art. 668º, 1 do CPC por não terem sido considerados os seus argumentos;
(ii) violação do art. 26º e 28º do CPC, porquanto o Banco de Portugal deveria ter sido chamado a intervir como recorrido.
(iii) violação do art. 25º do Dec. Lei 267/85, al. b) e 51º do Dec. Lei 129/84, porquanto o acto recorrido não é e definitivo;
(iv) violação do art. 100º, porquanto o acto foi proferido no âmbito de poderes totalmente vinculados.
A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do … CRL por seu turno imputa à sentença os três últimos vícios acima referidos.
Objecto deste recurso é, assim a decisão recorrida relativamente às questões acima referidas, que apreciaremos pela respectiva ordem de arguição, sem prejuízo das relações de prejudicialidade. Caso a sentença seja revogada impõe-se apreciar as questões objecto da requerida ampliação do objecto do recurso pelo recorrido, que não tenham todavia ficado prejudicadas.
2.2.2. Análise dos vícios imputados à decisão recorrida.
Como já referimos apreciaremos os vícios pela respectiva ordem de arguição sem prejuízo das inerentes relações de prejudicialidade.
(i) Violação do art. 668º, 1 do CPC por não terem sido considerados os argumentos da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo CRL.
Alega a recorrente que a sentença não tomou em conta os argumentos por si invocados por ter concluído que a Caixa Central “não apresentou aquelas peças e, por isso não considerou os argumentos vazados no recurso pela Caixa Central”. Terá por isso incorrido na nulidade prevista no art. 668º, 1, d) do CPC.
A recorrente não tem razão, pois decorre do relatório que foram tomada em conta a posição da Caixa Central (entidade recorrida) – cfr. fls. 656: “A entidade recorrida notificada depois de verificada a omissão do cumprimento do disposto no n.º 4 do art. 234-A do CPC apresentou resposta ao recurso, arguindo, tal como a CCAM do … as excepções de impugnabilidade do acto e de ilegitimidade passiva, impugnado depois o pedido do recorrente, com base no correcto fundamento da decisão e na observação das formalidades legalmente exigidas
Ainda no relatório volta a referir-se às alegações finais da entidade recorrida, nos seguintes termos:
A entidade recorrida, por sua vez, em alegações igualmente doutas, depois de considerar incorrecto que se tenha deferido a apreciação das questões prévias para este momento, sintetiza o conteúdo do seu articulado anterior, extraindo quatro sucintas conclusões”.
Na análise das questões suscitadas a sentença recorrida aprecia as questões suscitadas pela entidade recorrida sobre a impugnabilidade do acto e sobre a ilegitimidade passiva e sobre o incumprimento do art. 100º do CPA.
Não é pois verdade que a argumentação da entidade recorrida tenha sido desconsiderada, e muito menos que a Caixa Central não tenha apresentado as peças processuais de resposta ao recurso e alegações finais. O que o relatório disse a dado passo foi que “de todos os recorridos particulares apenas ofereceu resposta ao recurso a Caixa de Crédito Agrícola Mútua do … …”. Ora a ora recorrente foi sempre considerada no recurso contencioso como recorrida (entidade recorrida) e não como recorrida particular, precisamente por ser a autora do acto impugnado.
Improcede assim por razões óbvias a alegada nulidade da sentença recorrida.
(ii) violação do art. 26º e 28º do CPC, porquanto o Banco de Portugal deveria ter sido chamado a intervir como recorrido.
A sentença recorrida apreciou esta questão nos termos seguintes:
Na decorrência de quanto acima se considera, e de resto encadeada com a mesma questão tal como as recorridas a suscitam, a Caixa Central, enquanto autora do acto impugnado, no exercício de competência própria, assiste todo o interesse em contradizer, em razão do prejuízo que para a decisão impugnada, e, consequentemente, para si, advenha da procedência do pedido formulado (art. 26º do CPC). Como é óbvio, tal legitimidade em nada é prejudicada pelo facto de se encontrar em juízo desacompanhada do Banco de Portugal.”
A sentença recorrida decidiu nos termos em que tinha decidido este STA no acórdão proferido no processo 0310/10, de 7-7-2010, que como já referimos apreciou a legalidade do mesmo acto (em recurso contencioso intentado por outro interessado).
Por concordarmos com a decisão deste STA limitamo-nos à sua transcrição:

(…)
A recorrente alega, ainda, que «Os poderes de Intervenção da Caixa Central, ao abrigo do artº 77-A do RJCAM, desacompanhados de Autorização do Banco de Portugal, não têm qualquer validade» (do artigo 22º do corpo das alegações).
Desloca, portanto, o problema dos autos.
Se o acto de suspensão tivesse sido praticado sem autorização, haveria efectivamente de discutir a sua validade, em razão dessa falta. Mas não lhe foi assacado vício de falta de autorização, ou de invalidade desta.
Do que foi dito resulta, como bem concluiu o despacho sob recurso, e obtém apoio nas contra-alegações do recorrente contencioso e no parecer do Ministério Público, que o Banco de Portugal não sendo o autor do acto não tinha que ser demandado. E não tinha sequer de ser indicado como contra interessado, pois que a decisão do recurso não se repercute directamente na sua esfera jurídica.
Improcede assim a alegada violação dos artigos 26º e 28º do CPC. Na verdade, como refere o acórdão do STA acima citado e parcialmente transcrito o Banco de Portugal não é autor do acto impugnado e portanto não poderia figurar como entidade recorrida e também não tem qualquer interesse jurídico na manutenção do mesmo na ordem jurídica e, por isso, também não deveria figurar no recurso como “contra-interessado”.
Deste modo não existe qualquer obstáculo à legitimidade passiva da entidade recorrida desacompanhada do Banco de Portugal, pelo que improcede também este vício imputado à decisão recorrida.
(iii) Violação do art. 25º do Dec. Lei 267/85, al. b) e 51º do Dec. Lei 129/84, porquanto o acto recorrido não é e definitivo;
Esta questão também foi expressamente apreciada no citado acórdão deste STA, nos seguintes termos:

(…)
A... interpôs recurso contencioso contra a deliberação de 9/10/2003 do Conselho de Administração da Caixa Central - Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo, CRL, que suspendeu a Direcção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., a que o recorrente pertencia, e nomeou directores provisórios para essa mesma Caixa.
A recorrida suscitou a irrecorribilidade do acto e a ilegitimidade passiva, por não ter sido demandado o Banco de Portugal.
Decidiu o Tribunal:
«A questão que urge solucionar é de saber se o acto recorrendo é ou não definitivo. E a problemática reside na natureza do acto praticado pelo recorrido, pois que o mesmo foi antecedido de " acordo prévio" do Banco de Portugal.
Ora, compulsada a norma vertida no art.º 77°-A, n.ºs 1 e 3 do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das cooperativas de crédito agrícola (RJCAM) instituído pelo Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de Janeiro e alterado, designadamente, pelos Decretos-Lei n. ° 230/95, de 12 de Setembro e 320/97, de 25 de Novembro, resulta que a decisão de suspensão do recorrente e designação de directores provisórios, emitida pelo recorrido traduz um verdadeiro acto administrativo uma vez que este actuou no uso de competências próprias, isto é, enquanto entidade com poderes de fiscalização e intervenção nas Caixas de Crédito Agrícola. É, efectivamente, esse acto - o que constitui objecto do presente recurso - que produz efeitos na esfera jurídica do recorrente.
Na verdade, relativamente ao recorrente, os efeitos suspensivos em discussão não decorrem do "acordo prévio" do Banco de Portugal, mas sim do acto praticado em 09/10/2003 pela autoridade recorrida.
E tal assim sucede porque o sobredito "acordo prévio" visa, tão-somente, permitir ao agora recorrido o exercício de uma competência que lhe é pertença, ou seja, visa desbloquear o exercício de uma competência do recorrido.
Com efeito, o Banco de Portugal limita-se a emitir um acto autorizativo do exercício de uma competência. Tal acto apresenta-se como uma condição para que o recorrido possa exercer a competência própria.
Portanto, no caso vertente, a Caixa Central, ao praticar o acto suspensivo, exerceu uma competência própria. O Banco de Portugal apenas desbloqueou o exercício desta competência.
Perante o exposto, o acto objecto deste recurso constitui um verdadeiro acto administrativo e, por isso, recorrível.
Por conseguinte, julgo improcedente a questão prévia da irrecorribilidade do acto. Em consequência, pelas razões apontadas antecedentemente, sendo o acto recorrido um verdadeiro acto administrativo e tendo sido praticado pelo ora recorrido, não se verifica qualquer ilegitimidade passiva.
Nem subsiste qualquer necessidade do Banco de Portugal estar presente no presente recurso, pois que não é autor do acto em crise.
Portanto, julgo improcedente a questão da ilegitimidade passiva e determino a prossecução dos presentes autos».
Nas suas alegações, o Conselho de Administração da Caixa Central – Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo, CRL, insiste que o acto impugnado não é um acto administrativo definitivo e executório, que o acto passível de recurso era a decisão do Banco de Portugal que o autorizou, pois foi ele que «acolhendo o sugerido e proposto pela Caixa Central, autorizou a intervenção» (do artigo 17.º do corpo das alegações); que «Autorizada a Intervenção a Caixa Central – atentos os poderes que lhe são conferidos – executou e materializou aquela intervenção» (artigo 18.º do corpo das alegações 18º.
Defende, portanto, que o seu acto é um acto de mera execução. Como se, ao invés de ter recebido uma autorização para intervir, como solicitara, tivesse recebido uma ordem.
Mas, não.
Dispunha o artigo 77.º-A do regime jurídico do crédito agrícola mútuo e das cooperativas de crédito agrícola (RJCAM), instituído pelo Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de Janeiro, na redacção dos Decretos-Lei n. ° 230/95, de 12 de Setembro e 320/97, de 25 de Novembro, redacção vigente à época do acto:
«Artigo 77.º-A
Designação de directores provisórios
1 - Quando uma caixa agrícola pertencente ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo esteja em situação de desequilíbrio financeiro grave, ou em risco de o estar, e incumprir as orientações definidas pela Caixa Central nos termos do artigo 75.º, pode esta instituição, obtido o acordo prévio do Banco de Portugal, designar para a caixa agrícola em causa um ou mais directores provisórios.
2 - Os directores designados nos termos do número anterior terão os poderes e deveres conferidos pela lei e pelos estatutos aos membros da direcção e ainda os seguintes:
a) Vetar as deliberações da assembleia-geral;
b) Convocar a assembleia-geral;
c) Elaborar, com a maior brevidade, um relatório sobre a situação patrimonial da instituição e as suas causas e submetê-lo à Caixa Central e ao Banco de Portugal.
3 - Com a designação dos directores provisórios, pode a Caixa Central, obtido o acordo prévio do Banco de Portugal, suspender a direcção, no todo ou em parte, e o conselho fiscal.
4 - Caso seja suspenso o conselho fiscal, a Caixa Central nomeará uma comissão de fiscalização composta por:
a) Um elemento designado pela Caixa Central, que presidirá;
b) Um elemento designado pela assembleia geral;
c) Um revisor oficial de contas designado pela Federação Nacional.
5 - A falta de designação do membro referido na alínea b) do número anterior não obsta ao exercício das funções da comissão de fiscalização.
6 - A comissão de fiscalização terá os poderes e os deveres conferidos por lei ou pelos estatutos ao conselho fiscal.
7 - Os directores provisórios e a comissão de fiscalização exercerão as suas funções pelo prazo que a Caixa Central determinar, no máximo de um ano.
8 - O prazo máximo referido no número anterior poderá ser prorrogado uma ou mais vezes pelo Banco de Portugal, até ser atingida pela caixa agrícola uma situação de adequado equilíbrio financeiro».
O acto de designação de directores provisórios e de suspensão da direcção, no todo ou em parte, é, pois, um acto da competência da Caixa Central − “a Caixa Central pode” (n.º 1 e n.º 3). Certo que a Caixa Central necessita de acordo prévio do Banco de Portugal, mas não é o Banco de Portugal que decide; autoriza, não decide. Tendo obtido o acordo do Banco de Portugal, a Caixa não está obrigada a proceder à designação ou à suspensão; está munida de instrumento para o fazer, mas não compelida a fazê-lo.
Não se trata, assim, de execução de qualquer ordem do Banco de Portugal. Se o fosse era o Banco de Portugal que designaria os directores provisórios e que decidiria da suspensão.
E basta verificar o teor da deliberação impugnada para se perceber que nem sequer a Caixa Central agiu na convicção de cumprir qualquer ordem, tanto que após indicar o quadro factual e jurídico suporte da mesma, expressamente decide «intervir […] suspendendo das suas funções os membros da direcção […]» (v. 9 da matéria de facto).
Decorre que o acto que suspende o recorrente A... é a deliberação da Caixa que determinou essa suspensão, não qualquer acto prévio. E não há reclamação necessária ou recurso administrativo obrigatório desse acto. Por isso, é esse acto lesivo do recorrente contencioso e, assim, recorrível, conforme o artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República.
Este entendimento é totalmente transponível (pois está em causa o mesmo acto administrativo), dispensando pois quaisquer outros esclarecimentos, sendo de resto, como se demonstra no acórdão, manifesta a lesividade do acto impugnado.
(iv) violação do art. 100º, porquanto o acto foi proferido no âmbito de poderes totalmente vinculados.
Também esta questão foi apreciada pelo STA em termos que merecem a nossa inteira concordância e que foram transcritos na sentença recorrida e que por merecer também a nossa concordância, nos limitaremos a transcrever:

(…)
Vejamos.
2.2.2.1. Quanto à alegada natureza estritamente vinculada dos poderes de intervenção da Caixa Central.
No quadro do ponderado pela sentença bastará recordar o leque de opções que o artigo 77.º-A, do RJCAM confere à Caixa Central, determinada que esteja uma situação actual ou iminente de desequilíbrio financeiro ou de incumprimento de orientações definidas: pode designar um ou mais directores provisórios, pode suspender a direcção, no todo ou em parte, e o conselho fiscal
Não tem, pois, a Caixa Central que designar um ou mais que um directores provisórios, não tem a Caixa que suspender toda a direcção ou só parte dela. Compete, sim, à Caixa Central proceder à acção que no quadro dos fins para que lhe são conferidos os poderes de intervenção melhor se lhes adeqúem.
Tal como refere o Digníssimo Magistrado do M. Público, tem a Caixa Central a faculdade de se determinar relativamente à escolha das medidas a adoptar, tendo em vista a adequada realização do interesse público.
Impõe-se, pois, concluir que a deliberação impugnada, enquanto opta pela modalidade de intervenção, foi tomada no exercício de poderes predominantemente discricionários.
2.2.2.2. No que respeita ao erro da sentença por ter conferido efeitos invalidantes à falta de audiência, pois que, segundo os recorrentes, deveria ter concluído que o acto não poderia ter sido outro.
Comece-se por destacar que a sentença observou que no procedimento administrativo não fora invocada a urgência para não se proceder à audiência prévia, e também que não se concluía dos autos estar-se perante um caso em que a realização dessa audiência pudesse colocar em crise o resultado pretendido com a intervenção da autoridade recorrida na gestão da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ....
Ora, os recorrentes não questionam nenhuma daquelas conclusões, o que significa a aceitação da inaplicabilidade do disposto no artigo 103, n.º 1, a), do Código do Procedimento Administrativo.
Agora, especificamente sobre os efeitos invalidantes do não cumprimento da audiência prévia.
Viu-se que a deliberação impugnada foi tomada num quadro de opções facultadas à Caixa Central.
Neste contexto, mais relevante se destaca um dos interesses subjacentes ao instituto da audiência prévia, que é o de permitir o contributo dos directamente interessados para a produção da melhor solução do caso concreto.
Não se tratou de um acto de natureza estritamente vinculada nem podia a sentença, nem se pode agora, concluir que a deliberação adoptada era a única concretamente possível.
Verifica-se, assim, ao contrário do que sustentam os recorrentes, que não é possível dizer que tinham de ser suspensos todos os membros da direcção e não só alguns, ou só um, ou nenhum.
E isso basta para que não se possam retirar efeitos invalidantes à falta de audiência, pelo que também aí esteve bem a sentença”.
Impõe-se assim negar provimento aos recursos e manter a sentença recorrida.
Sendo de negar provimento aos recursos, fica prejudicado o conhecimento da matéria de ampliação suscitada em contra-alegações, nos termos do artigo 684º-A do CPC.
3. Decisão
Face ao exposto os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento a ambos os recursos e julgar prejudicado o conhecimento do pedido de ampliação do objecto do recurso.
Sem custas – por isenção dos recorrentes.
Lisboa, 6 de Setembro de 2011. – António Bento São Pedro (relator) – Fernanda Martins Xavier e Nunes – Rosendo Dias José.