Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0187/18
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:ANA PAULA PORTELA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23470
Nº do Documento:SAP201806280187
Data de Entrada:02/28/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:INSTITUTO NACIONAL DE EMERGÊNCIA MÉDICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo:
RELATÓRIO

A……………… vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno desta secção alegando a contradição entre o acórdão recorrido proferido pelo TCAS em 10.08.2017, Proc.328/16.8 BECTB, e o acórdão fundamento, proferido também pelo TCAS no Proc. 8104/14, em 21.05.2015, no âmbito da mesma matéria, com fundamento em contradição sobre a mesma questão de direito.

1. Para tanto conclui as suas alegações da seguinte forma:

"A. Existe, na análise do caso concreto, evidente contradição sobre a mesma questão de direito analisada pelo Acórdão recorrido - proferido no presente processo n.º 328/16.8BETCB de 10 de agosto de 2017 - e pelo Acórdão fundamento - proferido no processo n.º 08104/14, de 21 de maio de 2015 - ambos do Tribunal Central Administrativo Sul.

B. A questão de direito objeto do presente recurso respeita à aplicação do artigo 640.º do CPC que determina que na falta de indicação concreta dos meios probatórios e das passagens da gravação em que funda o seu recurso sobre erro na apreciação da matéria probatória, deve ser rejeitado de imediato o recurso.

C. Perante a mesma questão, enquanto o Acórdão recorrido aceitou o recurso e notificou o Recorrente para apresentar novas alegações de recurso com a indicação da matéria em falta, ao passo que o Acórdão fundamento rejeitou o recurso nos termos do artigo 640.º do CPC.

D. Esta última, analisada a questão de direito subjacente, é a interpretação sistemática e teleológica correta.

E. Aquela possibilidade admitida no Acórdão recorrido levou à prolação de uma decisão manifestamente ilegal, que ordenou a anulação de uma sentença muito bem fundamentada e legalmente inatacável, sendo que no Acórdão fundamento foi rejeitado o recurso nos mesmos termos.

E. E contrariamente ao decidido no Acórdão ora recorrido, que perfilha o entendimento unânime e fortemente sedimentado em toda a jurisprudência dos Tribunais Superiores como é o caso do Supremo Tribunal de Justiça que em todas as decisões em que se pronunciou sobre o ora controvertido artigo 640.º do CPC.

G. Para este douto tribunal, o artigo 640.º do CPC, determina a imediata rejeição do recurso nos casos em que o Recorrente invoca erro de julgamento sobre a matéria de facto por errada apreciação da prova, sem que proceda à indicação concreta e exata dos meios probatórios e das passagens da gravação da prova testemunhal em que fundamenta o recurso.

H. Uma vez mais, em frontal oposição ao corretamente decidido no Acórdão fundamento.

1. Existindo as referidas violações da lei e a contradição entre os Acórdãos identificados, deverá o Supremo Tribunal Administrativo anular o Acórdão recorrido, substituindo-o e decidindo no sentido de ser rejeitado o recurso apresentado nos termos do artigo 640.º do CPC, mantendo a sentença de primeira instância ... ".

2. INSTITUTO NACIONAL DE EMERGÊNCIA MÉDICA (INEM) conclui as suas contra-alegações da seguinte forma:

"1. A Recorrente alega para justificar a data em que interpôs o presente Recurso que foi concedida tolerância de ponto no dia 26 de Dezembro de 2017.

2. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º8/96 (de 10-10-1996) veio fixar jurisprudência nesta matéria, no sentido da tolerância de ponto não poder ser entendida como feriado, mas, quando muito, que existe justo impedimento.

3. Sucede que o justo impedimento deve ser alegado e provado pela parte a quem aproveita, neste sentido os artigos 140° nºs 1 e 3 CPC e artigo 342 nº 1 do CC, sendo que o Recorrente não invoca, nem sequer alega (e muito menos prova) justo impedimento para praticar o acto processual para além do respetivo prazo perentório.

4. Sendo certo que, a prática do acto processual em causa não impunha a deslocação/presença física da parte e/ou dos seus mandatários à secretaria do tribunal, podendo a peça processual ser apresentada por fax ou email, sendo inócuo neste caso o encerramento do tribunal por concessão de tolerância de ponto.

5. A Recorrente não invoca ou alega qualquer evento adequado a impedir a prática do acto escrito, logo, não se pode declarar preenchido o requisito para verificação do justo impedimento pela Recorrente, e, em consequência, declarar-se intempestivo o recurso interposto.

Caso, assim não se entenda,

6. O Recorrido na elaboração das suas alegações e conclusões inicialmente apresentada no Recurso de Apelação cumpriu as formalidades impostas pelo artigo 640.º do CPC ao ter indicado os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

7. O Recorrido nas suas alegações e conclusões do recurso de Apelação identificou a prova documental constante do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, basta para o efeito ver os pontos 5.º o a 8.º das Alegações iniciais do recurso de apelação.

8. O Tribunal Central Administrativo do Sul entendeu, ainda assim, que as conclusões apresentadas não eram claras, tendo proferido Despacho a convidar o Recorrente ao seu aperfeiçoamento "Dado a prolixidade das conclusões de recurso", "não são completamente claras quanto aos conceitos aspetos de facto que considera incorretamente julgados" e "especificar de forma clara os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados".

9. O Tribunal Central Administrativo Sul entendeu, portanto, que se encontravam preenchidas as formalidades para não rejeitar o recurso e permitir o aperfeiçoamento daquelas ao abrigo do artigo 639.º do CPC, dando cumprimento ao princípio que norteia toda a parte processual de cooperação.

10. O despacho de aperfeiçoamento proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul é irrepreensível, por força do artigo 639.º do CPC e artigo 7.º do CPC.

11. A situação do Acórdão fundamento é diversa da do Acórdão recorrido, pois a alteração da matéria de facto no Acórdão fundamento baseia-se na prova testemunhal, e no Acórdão recorrido, está em causa prova documental.

12. Por outro lado, no Acórdão fundamento a falta de indicação das passagens da gravação verifica-se nas alegações e nas conclusões, enquanto no Acórdão recorrido está apenas em causa e somente a clarificação das conclusões.

13. Acresce que, a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA, de que são exemplo os Acórdãos nos Processo nº 0265/14, de 23/10/2014; Processo n° 0209/16, 28/04/2016; Processo nº 0203/16, de 19/05/2016; Processo 0864/17, de 16/11/17 e Processo nº 0646/17, de 21/09/17, todos no sentido da orientação perfilhada no Acórdão ora impugnado, aplicando o artigo 693º nº 3 do CPC, convidando o recorrente completar, esclarecer ou sintetizar as suas conclusões.

14. Não estão, assim, preenchidos os pressupostos do artigo 152º do CPTA e consequentemente deve ser negado provimento ao recurso.

Em face de todo o exposto, deve ser rejeitado o recurso por intempestivo ou, caso assim não se entenda deve o Acórdão recorrido negando-se provimento ao Recurso, com as legais consequências. E assim se fazendo Justiça!"

3. Notificado o EMMP, junto deste STA, nos termos e para efeitos do art. 146º, nº1, CPTA, não foi emitido parecer.

4. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1_ Dá-se aqui por reproduzida a decisão recorrida, proferida pela secção administrativa do TCAS, junta a fls 953 e seguintes, de onde se extrai:

"(…) Ao abrigo do art. 662º nº 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140º n.º 3, do CPTA (na redação dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10, tal como as demais referências feitas ao CPTA neste acórdão), procede-se à alteração da factualidade dada como provada nos seguintes termos:
- O facto 17. é substituído pelo seguinte facto:
17. A Directora Regional do Centro, B………………, prestou declarações no âmbito do processo disciplinar n.º 011/2016-DIS, nos termos constantes do Doc. n.º 7, junto com o requerimento inicial/ de fls. 206-207, do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [a menção de que os esclarecimentos prestados pela Demandante, referidos em 16), são "corroborados" pelas declaração de B……………… reconduz-se ao uso de puro conceito normativo, razão pela qual tal menção tem de se considerar como não escrita].
- O facto 25. é substituído pelos seguintes factos:
25. Antes da prolação do Termo de Acusação, a Demandante, nas suas declarações proferidas em 30 de Maio de 2016, protestou juntar documentos que considerava que atestavam as suas declarações [fls. 228 (ponto 5), do processo disciplinar; a menção de que a Demandante protestou juntar documentos "essenciais para a descoberta da verdade e excludentes da sua responsabilidade" reconduz-se ao uso de puros conceitos normativos, razão pela qual tal menção tem de se considerar como não escrita].
25-A. Em 2 de Junho de 2016, o advogado da Demandante remeteu para o processo disciplinar, através de correio electrónico, os documentos que constam de fls. 244 a 246, desse processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo na mensagem que endereçou à instrutora do processo disciplinar - constante de fls. 247, desse processo disciplinar - escrito o seguinte:
"Conforme combinado, e atento o afirmado em sede de declarações prestadas pela visada no passado dia 30 de Maio, junto envio em anexo 2 e-mail protestados juntar, relacionados com a temática da elaboração de escalas, maxime com a preocupação demonstrada na necessidade de regulamentar tal matéria (atenta a descrita ausência de procedimentos específicos).
Quanto ao 1º e-mail, foi o mesmo remetido em 6 de Abril de 2015, com o assunto "revisão «circulares normativas .... Foi enviado para C……….., por D………. que fazia parte do grupo de trabalho que tentava estabelecer regras específicas para a matéria, subjacente ao objecto do presente processo disciplinar, assim demonstrando, uma vez mais, quer a ausência de regula específica quer a preocupação demonstrada com a necessidade de preencher tal lacuna (assim como uniformizar procedimentos).
Quanto ao 2° e-mail, tem a ver com as guidelines enviadas em 2013 e que a visada A……….. reencaminhou em Novembro de 2014 (um mês após assumir funções atenta a referida formação da aplicação CH. E que teve como destinatário a Dra. E………., responsável dos RH do INEM, assim se atestando que o tema do regulamento dos horários foi falado além da entrega na referida reunião da Circular Normativa 1/2014 - Gestão das Escalas. ".
- O facto 26. é substituído pelos seguintes factos:
26. A fls. 252, do processo disciplinar, foi lavrado o seguinte termo de juntada:
"Ao segundo dia do mês de junho do ano de dois mil e dezasseis, no âmbito do processo disciplinar em epígrafe, juntei a este Processo:
1) Auto de declarações de ……………... - fls. 238.
2) Auto de declarações de ……………... - fls. 239.
3) Auto de declarações de ……………….. - fls. 240.
4) Auto de declarações de ……………….. - fls. 241.
5) Auto de declarações de ……………….. - fls. 242.
6) Auto de declarações de ……………….. - fls. 143.
7) Cópia da informação protestada juntar pela trabalhadora A………….. ao processo, aquando da prestação de declarações, relativa à "Revisão das Circulares Normativas SIV", e "Novas guidelines de elaboração de escalas". -. fls. 244 a 247.
8) Cópia do Código de Ética do INEM. - fls. 248 a 250.
9) Cópia do recibo de vencimento do mês de dezembro de 2015, da trabalhadora ………………. - fls. 251. ",
26- A fls. 253, do processo disciplinar, foi lavrado o seguinte, termo de conclusão da instrução:
"Ao segundo dia do mês de junho do ano de dois mil e dezasseis, na qualidade de instrutora nomeada para o Processo Disciplinar N.º 011/2016 DIS., mandado instaurar por decisão do Presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional de Emergência Médica, I.P., de 29.03.2016, e nos termos do art.º 205.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada, pela Lei n.º 35/2014, de 20-06, dei por encerrada, a correspondente fase da instrução. ".
26-B. O Termo de Acusação descrito em 18. consta de fls. 254 a 275, do processo ...
26-C. A fls. 276, do processo disciplinar, consta cópia do ofício de notificação postal da acusação enviado a A………………, datado de 3 de Junho de 2016.
26-D. A fls. 279, do processo disciplinar, consta cópia da comunicação electrónica enviada ao mandatário da Demandante em 3 de Junho de 2016, com o seguinte teor:
"Venho por este meio informar que a fase de instrução do processo disciplinar em «... foi concluída no dia 02.06.2016," [a menção de que a instrutora "não considerou o teor dos documentos referidos em 25), aquando da elaboração do Termo de acusação", reconduz-se ao uso de puro conceito normativo, razão pela qual tal menção tem de se considerar como não escrita].
26-E. A fls. 302, do processo disciplinar, consta cópia da comunicação electrónica enviada ao mandatário da Demandante em 6 de Junho de 2016, com o seguinte teor:
"Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 214º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20-06, junto se envia cópia dos artigos de acusação deduzidos no processo disciplinar n.º 011/2016-DIS., instaurado por despacho do Presidente do Conselho Diretivo de 29.03.2016 contra a trabalhadora A………….., Enfermeira afeta à Delegação Regional do Centro do INEM, que V. Exa. representa".
- O descrito em 19. reconduz-se ao uso de puro conceito normativo, razão pela qual se dá o mesmo como não escrito ...
(…) Erro da decisão sobre a matéria de facto
Alega o recorrente que o julgamento da matéria de facto enferma de erro, concretamente os factos dados como assentes em 24., 25. e 26. devem ser alterados para não provados.
Apreciando.
O recorrente pretende que, quanto ao facto dado como assente em 25, seja dado como não provada a referência a que os documentos em causa são "essenciais para a descoberta da verdade e excludentes da sua responsabilidade" e que, relativamente ao facto dado como provado em 26., seja dado como não provada a referência de que a instrutora "não considerou o teor dos documentos referidos em 25), aquando da elaboração do Termo de Acusação".
Ora, estas questões já se encontram corrigidas por este tribunal, nos termos supra referidos [tais menções foram consideradas como não escritas por se reconduzirem ao uso de puros conceitos normativos].
No que respeita à pretensão de que o facto dado como assente em 24, seja dado como não provado, alega a recorrida que o recorrente não deu cumprimento ao ónus previsto no art. 640º n.º 2 (aI. a)), do CPC de 2013, mas sem razão, como se passa a demonstrar.
Este facto 24. foi dado como assente com base no depoimento da testemunha ………………….
Defende o recorrente que esta testemunha apenas afirmou que as folhas de ponto não têm relevância (por traduzirem, apenas, a assiduidade e pontualidade do trabalhador), não sendo legítimo retirar de tal depoimento que a instrutora não consultou as folhas de ponto, ou seja, o recorrente argumenta que esta testemunha nunca afirmou o facto dado como provado em 24., razão pela qual entende que o mesmo deve ser dado como não provado, especificações que são suficientes para se considerarem preenchidos os ónus previstos no art. 640º n.º 1, aIs. a) a e), do CPC de 2013.
No que concerne ao ónus previsto na aI. a) do n.º 2 desse art. 640º [com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso], não tem o mesmo aplicação no caso sub judice, dado que o recorrente alega que a testemunha …………………. nunca afirmou o facto dado como provado em 24., ou seja, o recurso funda-se na globalidade de depoimento da referida testemunha.
Cumpre, assim, averiguar se procede (ou não) a impugnação quanto a este facto 24..
A testemunha :……………….. no depoimento que prestou afirmou expressamente, a instâncias da mandatária da recorrida, que não verificou as folhas de ponto dos enfermeiros por considerar tal consulta desnecessária, já que neste processo disciplinar não estava em causa qualquer questão de assiduidade ou pontualidade, bastando a consulta da escala em realização [a tomada de declarações à recorrida e a inquirição das sete testemunhas arroladas prolongou-se, no dia 26.1.2017, por 2 horas e 39 minutos, constando tal afirmação da ……………. entre as 2 horas e 5 minutos e as 2 horas e 6 minutos].
Nestes termos, tem, nesta parte (impugnação do facto dado como provado em 24.), de improceder o presente recurso jurisdicional, pois a testemunha …………….. afirmou expressamente o consignado no facto 4., dado como assente, e tal afirmação encontra-se corroborada pelo teor do processo disciplinar, do qual não constam quaisquer folhas de ponto de enfermeiros .... "

2_ Dá-se aqui por reproduzida a decisão do acórdão fundamento junta a fls 999 e seguintes (Processo n.º 8104/14), proferido pela secção tributária do TCAS, de onde se extrai:

"Não obstante, o que realmente é decisivo para o caso dos autos é que apesar de se ter indicado quais os factos que pretende ver dados como provados em sede de recurso, e transcrito os depoimentos das testemunhas, a Recorrente não deu cumprimento integral ao art. 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC, porquanto, cabia-lhe "indicar com exactidão as passagens da gravação" em que se funda o invocado erro na apreciação das provas que tenham sido gravadas, e isto, independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal (cfr. alínea b) do n.º 2) [note-se, que apesar de a Recorrente nas conclusões de recurso remeter para as respectivas alegações de 1 a 23, que complementam aquelas, também destas não resulta cumprido o referido ónus], tudo sobre pena de rejeição do recurso, conforme estatui na alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC.
E não se diga que basta apresentar a transcrição do depoimento, como parece ser esse o entendimento da recorrente, uma vez que, por um lado, da alínea a) resulta que a obrigação de "indicar com exactidão as passagens da gravação" é "sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes", o que apenas significa que a indicação das passagens da gravação não prejudica o direito do Recorrente de transcrever os excertos.
Ou seja, a transcrição dos excertos é facultativa, como se depreende do vocábulo "querendo" contido na alínea b), mas não é alternativa à obrigação de indicar as passagens da gravação como se retira da conjunção "e", com efeito, dispõe este preceito legal do seguinte modo:
"Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
Assim, face ao exposto, rejeita-se o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, na parte fundada na prova testemunhal. "

*

O DIREITO

1. O aqui recorrido suscitou a questão da intempestividade do presente recurso já que a recorrente considera, para justificar a data em que interpôs o presente recurso, que foi concedida tolerância de ponto no dia 26 de dezembro de 2017, e que, por isso, o prazo apenas termina em 27/12/2017.
O que não é assim.
Para tanto refere que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/96 (de 10-10-1996) veio fixar jurisprudência nesta matéria, no sentido da tolerância de ponto não poder ser entendida como feriado, mas, quando muito, que existe justo impedimento.
Pelo que, apenas se fosse invocado o justo impedimento, que devia ser alegado e provado pela parte a quem aproveita, nos termos dos artigos 140º nºs 1 e 3 CPC e artigo 342º nº 1 do CC, poderia o recurso ser tempestivo.
Refere, também, que a prática do ato processual em causa não impunha a deslocação/presença física da parte e/ou dos seus mandatários à secretaria do tribunal, podendo a peça processual ser apresentada por fax ou email, sendo inócuo neste caso o encerramento do tribunal por concessão de tolerância de ponto.
E que, não invocando o recorrente qualquer evento adequado a impedir a prática do ato escrito, logo, não está preenchido o requisito para verificação do justo impedimento sendo de declarar a intempestivo do recurso.
Sendo a questão da tempestividade do recurso de conhecimento prévio, atenhamo-nos ao seu conhecimento.
Então vejamos.
Já desde a 1ª redação do Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/06) até à atual redação (Lei n.º 114/2017, de 29/12), que a lei expressamente refere que quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte e que, para estes efeitos, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.
Pelo que, tendo a tolerância de ponto sido concedida no dia 26 de dezembro de 2017 [Despacho n.º 11071/2017 da «PCM»/Gabinete do Primeiro-Ministro - publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 242, de 19 de dezembro de 2017] o prazo que terminava a 23 transferiu-se para dia 27 de dezembro (24 foi domingo).
Carece, pois, o recorrido de razão.


2. Vem o recorrente interpor recurso para uniformização de jurisprudência com vista a obter decisão que fixe orientação jurisprudencial quanto à aplicação do artigo 640.º do CPC na parte em que determina que na falta de indicação concreta dos meios probatórios e das passagens da gravação em que um impugnante funda o seu recurso sobre erro na apreciação da matéria probatória, deve este ser rejeitado de imediato.
Para tanto alega que enquanto o acórdão recorrido aceitou o recurso e notificou o recorrente para apresentar novas alegações de recurso com a indicação da matéria em falta, o acórdão fundamento rejeitou o recurso nos termos do artigo 640.º do CPC.
2.1. O recurso de uniformização de jurisprudência tem de obedecer aos requisitos cumulativos de admissão previstos no art. 152º, nº 1, aI. b) e 3 do CPTA como sejam:

i) que exista contradição entre acórdãos dos TCA's ou entre acórdão daqueles Tribunais e acórdão anteriormente proferido pelo STA;

ii) que ocorra contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;

iii) que se verifique o trânsito em julgado de ambos os acórdãos, recorrido e fundamento;

iv) que não haja conformidade entre a orientação perfilhada no acórdão impugnado e jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.

No âmbito da jurisprudência deste STA mantém-se válido o entendimento fixado no domínio da LPTA, extraindo-se do Ac. deste STA de 07.05.2008, proc. 0901/07 que: " I) para cada questão relativamente à qual se pretenda ocorrer oposição deve o recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; (II) só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos, (III) é pressuposto da oposição de julgados que as soluções jurídicas perfilhadas em ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - respeitem à mesma questão fundamental de direito, devendo igualmente pressupor a mesma situação fáctica; (IV) só releva a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro. "

A este propósito extrai-se do Acórdão do STA, proferido no processo n.° 1335/02 de 03.10.2002: "A exigência jurisprudencial de decisões expressas radica na circunstância de a decisão implícita não corresponder, normalmente, à ponderação das várias soluções jurídicas plausíveis da mesma questão o que leva à conclusão lógica de não se poder afirmar que se decidiu em termos opostos pois bem poderia acontecer que se o julgador equacionasse a questão, analisando a mesma à luz de outra ou outras soluções jurídicas, acabasse por perfilhar uma diferente(...)".

No mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos do Pleno do STA, processo n.º 0575/09 de 02.07.2009, n.º 046515, de 15.03.2001, e no n.º 0882/11 de 05.06.2013.

Contudo, e como se diz no Ac. deste STA 139/18 de 18-04-2018 do Pleno da Secção do CA:
" ...Mas para além destes requisitos, exige-se ainda que, relativamente à origem dos acórdãos invocados como fundamento do recurso, eles provenham da respectiva formação especializada, ou seja, sendo o acórdão recorrido proferido pela secção administrativa, os acórdãos fundamento, também terão que ter resultado da secção administrativa do STA ou dos TCA, consoante as situações, e se proferido pela secção tributária, também o acórdão fundamento, daí terá de ter resultado.
Neste sentido, se pronunciou o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, proferido em 07.07.2011, in proc. nº 310/09, que pese embora, adoptar normas do ETAF de 2002, não põe em causa as actuais normas do ETAF de 2015, no que a este aspecto concerne. Aqui se consignou: «No entanto, relativamente à origem dos acórdãos invocados como fundamento do recurso, apesar de a letra do art. 152º não fazer conter uma indicação explícita derivada da competência material das Secções do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos, deverá fazer-se uma interpretação restritiva, imposta pela repartição de competências materiais das secções do contencioso administrativo e do contencioso tributário daqueles Tribunais.
À face dos arts. 22º, 24° e 30° do ETAF de 1984, que estabelecem as competências dos plenos das secções e do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação de recursos como fundamento em oposição de julgados, os recursos em que está em causa apreciar conflitos de jurisprudência entre acórdãos proferidos por formações especializadas de áreas diferentes, administrativa e fiscal, eram apreciados por uma formação, o Plenário, constituída por Juízes de ambas as áreas.
É uma solução legal de razoabilidade evidente, ainda vigente para os processos iniciados antes de 1-1-2004, pois, o facto de ter havido pronúncia sobre idêntica questão em ambas as áreas, que legislativamente se pretenderam especializadas, revela que se está perante questão para cuja resolução relevarão conhecimentos especializados em ambas as áreas, e, por isso, justifica-se que a uniformização jurisprudencial, que pretende ser uma orientação superior visando evitar ulteriores divergências jurisprudenciais entre os tribunais com competências nas duas áreas incluídas na jurisdição administrativa e fiscal, seja efectuada com uma intervenção de uma formação do Supremo Tribunal Administrativo composta por Juizes de ambas as áreas. Com efeito, essa intervenção de uma formação composta por Juízes de ambas as áreas é manifestamente aconselhável para assegurar o acatamento generalizado da decisão uniformizadora em ambas as áreas, que é a finalidade visada por uma decisão uniformizadora gerada por um conflito de decisões proferidas em áreas diferentes, pois a potencial influência da decisão sobre a ulterior jurisprudência será tendencialmente maior, em ambas as áreas, se for proferida por Juízes a quem, pela posição que ocupam no topo da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, é reconhecida superior competência profissional nessas áreas.
É esta também a regra adoptada em matéria de conflitos em razão da matéria, que são apreciados por formação que contenha elementos com especialização nas áreas em causa (art. 29º do ETAF de 2002, art. 35º, nº 2, da LOFTJ).
No ETAF de 2002, o Plenário é a única formação composta por juízes de ambas as secções do Supremo Tribunal Administrativo (art. 28º deste diploma), mas apenas lhe compete conhecer dos conflitos de jurisdição entre tribunais administrativos de círculo e tribunais tributários ou entre as Secções de Contencioso Administrativo e de Contencioso Tributário (art. 29º do mesmo diploma). Pelo que se referiu, o facto de no ETAF de 2002 não se ter incluído na competência do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo a apreciação de recursos para uniformização de jurisprudência deve ser interpretado como expressão de uma intenção legislativa de não admitir recursos para uniformização com fundamento em decisões proferidas por formações do Supremo Tribunal Administrativo especializadas em áreas diferentes.
Aliás, o ETAF de 2002, em outras disposições confirma esse desígnio legislativo ao prever apenas situações de uniformização de jurisprudência no âmbito de cada uma das áreas da jurisdição administrativa e fiscal, como pode ver-se pelos seus arts. 23°, nº 1, alínea f), 36°, nº 1, alínea g), 43°, nº 3, alínea d).
Assim, é de concluir que, no âmbito do ETAF de 2002, não se previu a prolação de decisões uniformizadoras relativamente a divergências jurisprudenciais ocorridas em áreas diferentes da jurisdição administrativa e fiscal.
Consequentemente, devem interpretar-se restritivamente as referências que no nº 1 do art. 152º do CPTA se fazem a acórdãos em contradição com o recorrido como reportando-se apenas a decisões proferidas pela Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo e ou por uma das secções do contencioso administrativo dos Tribunais Centrais Administrativos. (Neste sentido, pode ver-se o acórdão da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 14-7-2008, processo nº 764/07.)»
Esta jurisprudência aqui reproduzida, é de manter face à actual redacção das normas do ETAF de 2015, dado que não ocorreram divergências que justifiquem a adopção de uma interpretação diversa.”
No caso sub judice, constata-se que o Acórdão Recorrido foi proferido pela secção administrativa do TCAS, enquanto o Acórdão indicado pela recorrente como sendo o Acórdão Fundamento foi proferido pela secção tributária do TCAS, processo nº 08104/14, de 21 de maio de 2015.
Não estão, pois, reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência, pelo que o mesmo não é de admitir.

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Em face de todo o exposto acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir o presente recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 28 de Junho de 2018. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.