Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0268/09
Data do Acordão:07/08/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
Sumário:I - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima "descrição sumária dos factos" (artigo 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT) tem de ser interpretado em correlação necessária com tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pois os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão tais factos tipicamente ilícitos.
II - O facto tipificado como contra-ordenação no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT é o tipificado no n.º 1 do mesmo preceito legal, mas cometido de forma negligente, constituindo seu pressuposto essencial a prévia dedução da prestação tributária não entregue.
III - Não preenche o tipo legal de contra-ordenação previsto e punido nos números 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT a falta de entrega da prestação tributária de IVA, pois no IVA a prestação a entregar é, não a prestação tributária deduzida, mas a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito.
Nº Convencional:JSTA00065883
Nº do Documento:SA2200907080268
Data de Entrada:03/10/2009
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA DE 2008/01/08 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART63 N1 D ART79 N1 B C ART114 N1 N2 ART2 N1.
CIVA84 ART26 N1 ART40 N1 B.
CPC96 ART660 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC578/08 DE 2009/02/11.; AC STA PROC279/08 DE 2008/05/28.; AC STA PROC1120/08 DE 2009/02/18.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 3ED PAG528-530.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – O Ministério Público recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 8 de Janeiro de 2008, que declarou a nulidade da decisão administrativa de aplicação de coima aplicada à arguida A…, Lda., com os sinais dos autos, apresentando as seguintes conclusões:
1ª - A decisão que aplicou a coima indica o montante do imposto exigível, o valor da prestação tributária em falta, o período a que respeita a infracção e o termo do prazo para o seu cumprimento, com indicação de que se trata de IVA, pois é referido o CIVA na indicação das normas infringidas.
2ª - Faz, portanto, referência à obrigação tributária cujo incumprimento determinou o procedimento contra-ordenacional.
3ª - Aliás, a arguida, no requerimento de recurso refere que «a prática da infracção não ocasiona qualquer prejuízo efectivo à receita fiscal, pois a arguida já liquidou o imposto e os respectivos juros de mora cobrados …».
4ª - Os requisitos elencados no artº 79.º, n.º 1 do RGIT visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados e das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
5ª - Por isso, tais requisitos deverão considerar-se satisfeitos quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
6ª - Da descrição dos factos constantes da decisão de aplicação da coima foi possível à arguida perceber não ter apresentado a declaração periódica de IVA no prazo legal, qual o montante e a data da infracção.
7ª - O que lhe permitiu exercer efectivamente o seu direito de defesa.
8ª - Consequentemente, a decisão que aplicou a coima obedeceu à imposição contida no artº 79º nº 1 b) do RGIT.
Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas suprirão deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos como é de lei e de justiça.
2 – Contra-alegou a arguida, defendendo a bondade da sentença recorrida, sustentando em conclusão que:
1 – É entendimento predominante da jurisprudência e da doutrina, que a sentença (ou despacho) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final.
2 – No caso concreto dos autos, a decisão administrativa de aplicação da coima, apenas indica como factos impulsionadores da sua decisão de aplicação da coima, a falta de entrega de uma prestação tributária, não a identificando sequer.
3 – A descrição sumária dos factos revela-se essencial na aplicação da norma punitiva, pois só por essa via se poderá aferir qual o percurso cognitivo utilizado pelo autor para chegar até à decisão final;
4 – Pelo que, viola a decisão da autoridade administrativa, com esta indeterminada descrição factual, o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.
5 – A decisão administrativa que aplicou a coima é confusa e imprecisa, pois refere que a obrigação foi cumprida em 10-08-2004, quando o termo do prazo para o seu cumprimento só ocorreria em 16-08-2004;
6 – No que concerne à enunciação das normas alegadamente infringidas, a entidade administrativa menciona o art. 26.º, n.º 1 b) CIVA, referindo ainda “Apresentação dentro do prazo D.P., s/ pagamento ou c/pagamento insuf. (T)”, não permitindo desta forma perceber em que consiste a alegada infracção, se na apresentação dentro do prazo sem pagamento, ou se, por outro lado, na apresentação dentro do prazo mas com pagamento insuficiente.
7 – Apreciada a decisão administrativa de aplicação da coima, constata-se que a mesma não esclarece, quanto ao meio de pagamento, se o mesmo foi entregue, ou não, e tendo sido, se o foi parcialmente, e em que data.
8 – A ausência da descrição sumária dos factos, aliada à obscura e confusa indicação do preenchimento do tipo de infracção cometida com relação às normas violadas, consubstancia-se numa violação do exercício efectivo dos direitos de defesa da arguida, o qual só poderá existir com o conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados e das normas legais em que se enquadram.
9 – A falta de requisitos legais da decisão de aplicação da coima prevista no art. 79.º do RGIT, constitui, segundo o art. 63.º n.º 1, alínea d) do mesmo regime jurídico, nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal.
10 – Por outro lado, no art. 27.º do RGIT, prevê-se que a coima seja graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exercer (sic) o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação;
11 – Na alínea c) do n.º 1 do transcrito art. 79.º do mesmo diploma, inclui-se nos requisitos da decisão que aplica a coima, a indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação.
12 – A decisão da autoridade administrativa omitiu os requisitos do art. 79.º do RGIT, o que equivale a dizer que omitiu a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, bem como o critério utilizado para a sua fixação, já que não refere a condição económica da arguida, a gravidade do facto, a culpa do agente e ainda, a razão pela qual optou pela fixação da coima pelo valor indicado, e não qualquer outro.
13 – Não consubstancia fundamentação a remissão para o auto de notícia ou para as informações antecedentes da decisão recorrida, como refere a Doutrina dominante (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, no Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 2.ª edição, a páginas 468).
14 – A autoridade administrativa refere, no que respeita à indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, a informação 130, fazendo crer que remete para a mesma.
15 – O auto de notícia não contém os elementos de facto e de direito suficientes para instruírem a decisão de aplicação da coima.
16 – A decisão que aplicou a coima é nula, como bem entendeu o Tribunal Tributário de Lisboa.
17 – Neste sentido já se pronunciou o Tribunal Central Administrativo, no Acórdão de 11/01/2000, proferido no processo n.º 2411/99, in www.dgsi.pt, bem como o Supremo Tribunal Administrativo.
18 – O S.T.A. tem-se debruçado bastantes vezes sobre a falta de requisitos legais da decisão que aplica a coima, firmando o entendimento de se estar perante nulidade insanável, acarretando a normal anulação do acto, nomeadamente nos Acs. de 18.02.98, proferido no recurso n.º 22216; de 30.06.99, rec. 23834, de 22.06.99, rec. 23580, de 27.10.99, Rec. 23619, de 12.01.00, Rec. 22282 e de 01.03.00, rec. 24510.
Termos em que, com os demais de direito, doutamente supridos por V.Exas., deve ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença proferida, assim se fazendo a tão costumada Justiça.
3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –
4 - Questão a decidir
É a de saber se a decisão administrativa de aplicação da coima que está na base dos presentes autos se encontra ferida de nulidade insuprível por “falta de menção dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas” (artigo 63.º, n.º 1 alínea d), primeira parte do Regime Geral das Infracções Tributárias - RGIT), devendo apreciar-se especificamente se cumpre o requisito legal “descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas” (artigo 79.º, n.º 1, alínea b) do RGIT) e, no caso de improcedência deste fundamento, se cumpre o requisito relativo à indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima (artigo 79.º, n.º 1, alínea c) do RGIT).
5 – Na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 26 de Junho de 2004 foi levantado auto de notícia contra a ora Recorrente, por violação do disposto no artigo 26º, nº 1 e 40º, nº 1, b) do Código do IVA (cfr. fls. 2);
2. Com base no auto de notícia referido em 1. foi instaurado contra a ora Recorrente, no Serviço de Finanças de Lisboa – 3, o processo de contra-ordenação n.º 3085200506013040, em consequência do qual, pelo despacho de 20.03.2006, objecto deste recurso, foi aplicada coima no montante de € 1.914,28 (cfr. fls. 1C a 3, 6 e 7);
3. Em tal despacho, na parte relevante para a decisão do Recurso, lê-se:
«Descrição Sumária dos Factos
Ao (A) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 9360,78 Eur.; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0 Eur; 3. Valor da prestação tributária em falta: 9360,78; 4. Data de cumprimento da obrigação: 5/5/2004; Período a que respeita a infracção: 2004/03T; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 17/05/2004; os quais se dão como provados.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).
Normas Infringidas
Código CIVAArtigo Artº. 26 nº 1 e 40 nº 1 b) CIVA – Apresentação dentro do prazo D.P. s/ pagamento ou c/ pagamento insufic. (T)
Normas Punitivas
Código RGIT Artº 114 nº 2 e 26 nº 4 do RGIT – Falta entrega prest. tributária dentro prazo (T)
Período Tributação
200403
Data Infracção
2004-05-05
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Artº. 7º do Dec-Lei nº 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art. 3º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.»
(cfr. fls. 6 e 7)
6 – Apreciando
6.1 Da nulidade da decisão administrativa de aplicação da coima por “falta dos requisitos legais da decisão” no que respeita especificamente à “descrição sumária dos factos”
A sentença recorrida, a fls. 39 dos autos, considerou que “na descrição sumária dos factos a decisão recorrida omite, pois, qualquer referência à obrigação tributária cujo incumprimento determinou o procedimento contra-ordenacional, sendo ainda contraditória ao estabelecer que não foi entregue qualquer valor, e que a obrigação foi cumprida em 5-5-2004, ou seja, anteriormente à data apontada como limite para cumprimento da obrigação, não permitindo, desta forma, perceber em que consiste a alegada infracção”. O recorrido particular, por seu turno, imputa à decisão administrativa uma “indeterminada descrição factual” (cfr. a conclusão n.º 4 das suas contra-alegações supra transcritas), da qual resulta uma decisão “confusa e imprecisa” e que se consubstancia numa “violação do exercício efectivo dos direitos de defesa da arguida”, por tanto violadora da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT (cfr. as conclusões números 5, 8 e 4 das suas contra-alegações supra transcritas).
Entende, não obstante, o recorrente Ministério Público que indicando a decisão recorrida o montante do imposto exigível, o valor da prestação tributária em falta, o período a que respeita a infracção e o termo do prazo para o seu cumprimento, com indicação de que se trata de IVA, pois que é referido o CIVA na indicação das normas infringidas, estaria cumprido o requisito a que se refere a alínea b) do n.º 1, do artigo 79.º do RGIT, pois que teria sido possível à arguida perceber os factos que lhe são imputados podendo, por isso, exercer efectivamente os seus direitos de defesa.
Vejamos.
Situação similar à dos presentes autos (divergindo tão só quanto ao momento da infracção e aos montantes em causa), foi julgada por este Supremo Tribunal por Acórdão do passado dia 29 de Abril de 2009, proferida no recurso n.º 241/09, também por nós relatado. Entendemos não haver razão para divergir da decisão então tomada, pois que os factos sub judice são, como dissemos, similares e os argumentos aí expostos são inteiramente transponíveis para o caso dos presentes autos.
Escreveu-se no citado aresto:
«O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima “descrição sumária dos factos”, constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, há-de interpretar-se em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada.
No caso dos autos, a contra-ordenação fiscal imputada à arguida é a do artigo 114.º, n.º 2 do RGIT (…), ou seja, a de “falta de entrega da prestação tributária” cometida a título de negligência.
Ora, a conduta tipificada como contra-ordenação sancionada pelo n.º 2 do artigo 114.º é a descrita no n.º 1 do mesmo preceito legal (para o qual o n.º 2 remete, através da menção “se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência…”), ou seja, “a não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior (…) ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei (…)” (sublinhados nossos).
Assim, em face do tipo legal de contra-ordenação imputada à arguida, os factos a descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima têm de ser subsumíveis no tipo legal em apreço, sob pena de atipicidade do facto e consequentemente de não poder haver lugar à aplicação de qualquer coima (cfr. o conceito de infracção tributária constante n.º 1 do artigo 2.º do RGIT).
Se em causa estivesse uma contra-ordenação “omissiva pura”- como a do n.º 1 do artigo 116.º do RGIT (“Falta ou atraso de declarações”), em que o facto tipicamente ilícito consistisse apenas em “não fazer algo a que se estava legalmente obrigado a fazer dentro de determinado prazo” -, poder-se-ia entender estar cumprido o requisito legal da decisão de aplicação da coima “descrição sumária dos factos” (artigos 63.º, n.º 1, alínea d), primeira parte e 79.º, n.º 1, alínea b) do RGIT) se nesta fosse indicado correctamente qual o dever omitido e qual o momento (o termo do prazo) em que tal dever devia ter sido cumprido.
Acontece que, no caso, a infracção imputada à arguida não se basta com uma pura omissão de um dever de agir, contém na sua descrição típica, para além disso, um elemento adicional, que, ao constituir um pressuposto da punição, tem de estar suportado em factos descritos na decisão de aplicação da coima: o de que a prestação não entregue se trate de uma “prestação tributária deduzida nos termos da lei”.
Assim, a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida.
Ora, compulsando a decisão administrativa de aplicação da coima (…), nenhuma referência, directa ou indirecta, expressa ou por remissão [sendo certo que a mera remissão para o que sobre os factos constitutivos da infracção se diga no auto de notícia não basta – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA/MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2008, pp. 528/530, nota 2 ao art. 79.º do RGIT e a jurisprudência deste Tribunal (a título de exemplo, cfr. o recente Acórdão de 18/02/2009, rec. n.º 1120/08)], se encontra em relação a esse facto e era essencial que ele fosse descrito para que a decisão administrativa da coima não se encontrasse ferida de nulidade.
Acresce que, em face das normas legais tidas como violadas na decisão de aplicação da coima – os artigos 26.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1 b) do CIVA - , não seria sequer possível entender estar preenchido o tipo legal de contra-ordenação dos números 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT, pois, como tem afirmado a jurisprudência deste Tribunal [cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STA de 28 de Maio de 2008 (rec. 279/08), de 18 de Setembro de 2008 (rec. 483/08), de 15 de Outubro de 2008 (rec. 481/08) e de 11 de Fevereiro de 2009 (rec. 578/08)], no âmbito do IVA os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram (…), mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram (cfr. o primeiro dos Acórdãos citados), apenas se encontrando no tipo legal do artigo 114.º do RGIT referência compatível com o IVA no seu n.º 3 e desde que o imposto tenha sido recebido (cfr. a jurisprudência deste STA supra citada), sendo que este n.º 3 não foi tido nem achado na decisão de aplicação da coima que está na origem dos presentes autos.
Resulta do exposto que não pode ter-se como adequadamente cumprido no despacho de aplicação da coima o requisito a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, pelo que bem andou a Mm.ª juíza “a quo” em declarar nula a decisão de aplicação da coima aplicada à arguida.
Deste modo, fica prejudicado o conhecimento da questão de saber se estaria cumprido o requisito previsto na parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT (artigo 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil)».
O recurso não merece, pois, provimento.
- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 8 de Julho de 2009. – Isabel Marques da Silva (relatora por vencimento) – Pimenta do ValeJorge Lino (vencido, conforme declaração de voto junta).

O presente acórdão, de que saio vencido, entende que na decisão de aplicação da coima tenha de estar descrito «que a prestação não entregue se trate de uma “prestação tributária deduzida nos termos da lei”».
Mas, realmente, na decisão de aplicação da coima mostra-se, por meio de indicação da norma punitiva, que o presente caso é de “Falta de entrega da prestação tributária deduzida nos termos da lei”.
A perfeição da imputação formal de contra-ordenação por “Falta de entrega da prestação tributária deduzida nos termos da lei” não exige a descrição (das circunstâncias concretas) da dedução do respectivo imposto – sendo certo que os conceitos de direito das normas aplicáveis não têm necessariamente de ser incluídos na “descrição sumária dos factos” (bem ao invés).
Nos termos da 1.ª parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, à decisão de aplicação de coima da contra-ordenação por “Falta de entrega da prestação tributária deduzida nos termos da lei” impõe-se apenas que faça uma “descrição sumária dos factos”.
A meu ver, a decisão de aplicação da coima, no caso, contém a “descrição sumária dos factos” que a lei exige – de molde a satisfazer o direito de informação e de defesa efectiva da arguida, ora recorrida.
Como assim, daria provimento ao recurso e revogaria o despacho do Tribunal a quo, para conhecimento das questões substantivas levantadas no recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima.