Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0877/12
Data do Acordão:09/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
FUNDAMENTOS
VENDA JUDICIAL
NOTIFICAÇÃO
VENDA
FORMALIDADE
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A reclamação prevista no art. 276º do CPPT é o meio processual adequado para a impugnação da generalidade dos actos praticados pelo órgão de execução fiscal no âmbito da execução, que tenham potencialidade lesiva, independentemente da natureza que estes possam revestir, visando a anulação dos mesmos com base em ilegalidade das decisões concretas do órgão de execução, salvo questões de conhecimento oficioso.
II - Tendo os recorridos sido citados na execução como revertidos, era no âmbito da oposição à execução que deviam ter invocados quaisquer fundamentos que pudessem servir para contrariar a pretensão executiva, e não através da reclamação do despacho que indefere o pedido de suspensão da venda e se limita a marcar a data da realização da venda judicial.
III - O acto que determina a data da realização da venda é um acto praticado num processo judicial tributário e não num procedimento tributário naquele enxertado, o que significa que o regime de notificações previsto no art. 38º do CPPT não lhe é aplicável, uma vez que tal norma se reporta apenas ao procedimento tributário e aos actos em matéria tributária que põem termo àqueles.
IV - Também não lhe é aplicável o regime da fundamentação dos actos administrativos regulado no CPA e art. 77º da LGT, mas sim o das sentenças judiciais, previsto no art. 158º do CPC, ainda que com as devidas adaptações, devendo considerar-se fundamentado o despacho que cumpre as funções em que assenta a fundamentação das decisões judiciais: convencer o destinatário da racionalidade e ajustada aplicação da lei ao caso concreto e fornecer-lhe os elementos que lhe permitam uma defesa adequada, através da indicação dos motivos que levaram a decidir num dado sentido.
Nº Convencional:JSTA000P14505
Nº do Documento:SA2201209120877
Data de Entrada:08/03/2012
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I.RELATÓRIO

1. A…… e outra, identificados nos autos, reclamaram, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, da decisão do Senhor Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Valongo 2, que indeferiu o pedido de suspensão de venda de prédio penhorado, que julgou totalmente improcedente a reclamação.
2. Inconformados, os reclamantes vieram interpor recurso para este Supremo Tribunal, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações:
“I. Nos presentes autos foi proferida sentença, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual o Meritíssimo Juiz a quo decidiu rejeitar a reclamação apresentada, nos termos do art.° 276º a 278.° do CPPT, tal decisão não poderá manter-se, por violar os preceitos legais aplicáveis, daí o presente recurso.
II. Em primeiro lugar, os Recorrentes alegaram que a notificação do despacho que determinou a realização da venda judicial, o foi no seu entender ilegal, por não ter sido realizada por carta registada com aviso de recepção.
III. E, nos termos do artº 36.° nº 1 do CPPT, “Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
IV. Com efeito, nos termos do art.° 38.°, nº 1 do CPPT, “As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes”.
V. As reclamações previstas nos artigos 276º a 278.° do CPPT têm por objecto actos praticados no processo de execução fiscal e da sua função de um incidente típico da execução, têm a estrutura de uma acção de impugnação, como resulta dos termos da subalínea iii) da alínea a) do n.° 1 do artigo 49.° e das subalíneas iii) dos n.°s 2 e 3 do artigo 49.°-A, do ETAF de 2002, pelo que “deverão ser-lhe aplicáveis supletivamente as normas da acção administrativa especial, atenta a natureza do caso omisso, por força do disposto na alínea c) do artigo 2º do CPPT, na parte em que não devam ser aplicadas, directamente ou por analogia, normas próprias deste Código” Vide, Venerando Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, obra citada, Vol IV, pág. 289.
VI. Para o mesmo autor, “A reclamação a que se reporta este artigo - leia-se, o artigo 277.° do CPPT - assume a função de um incidente típico do processo de execução fiscal, por ser uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal do processo, mas, embora seja tramitada no próprio processo de execução fiscal (arts. 101.°, alínea d), da LGT e 97.°, n.° 1, alínea n), do CPPT), tem a estrutura de uma acção de impugnação ou recurso, denominações estas que lhe são atribuídas nos arts. 49.°, n.°s 1, alíneas a), subalínea iii), e d), e 49.°-A, n.° 1, alínea c), 2, alíneas a), subalínea iii), e 3, alíneas a) e c), subalínea iii), do ETAF de 2002, e nos arts. 62º, n.° 1, alínea g), do ETAF de 1984, no art.º 10.°, n.° 1, do RCPT, no art° 101º, alínea d), da LGT e no art.° 97.°, nº 1, alínea n), do CPPT. De qualquer forma, para o que possa ser relevante a designação dada legislativamente a este meio processual, será de considerá-lo como um acção de impugnação, por ser essa a denominação que lhe é atribuída pelo ETAF de 2002 que é o diploma mais recente sobre esta matéria e, por isso, terá revogado tacitamente os anteriores que se reportam a ela (art. 7º, n.°2, do C.C)”.(sublinhado nosso)
VII. A reclamação de acto praticado na execução fiscal constitui, pois, uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.
VIII. Os fundamentos para a impugnação do acto tributário se encontram referidos apenas a título exemplificativo pelo art.° 99.° do CPPT, podendo servir de base à mesma qualquer ilegalidade.
IX. No caso dos autos, ao contrário do entendimento sustentado pela decisão recorrida, verifica-se a existência de irregularidades, que deviam ter sido apreciadas na presente reclamação (como acção impugnatória incidental que é).
X. Questões que contendem com a legalidade da dívida exequenda suscitada pelos Recorrentes, e ao existir uma ilegalidade, consubstancia unia violação do princípio da legalidade das formas processuais, que contende com a decisão da marcação da venda judicial do prédio penhorado e com a sua suspensão.
XI. Apenas se pode concluir e, dado que os Recorrentes não se conformam com o julgado, advogando que foi cometido erro no julgamento das questões colocadas.
XII. O despacho reclamado informa que a origem da dívida refere-se a IRS retido na fonte nos períodos compreendidos entre os meses de Fevereiro e Dezembro de 2005 e corresponde aos valores apurados e indicados pela própria empresa nas diversas guias que submeteu, através da Internet, em data compreendidas entre 2005-03-22 e 2006-01-11, mas não faz a prova de tal fundamentação.
XIII. Por outro lado, com a empresa inactiva e cessada em IVA desde 2005.07.31, a não laborar, como podia estar a fazer retenções na fonte de IRS?
XIV. No caso em apreço, entendemos que os factos descritos no seu conjunto, constituem indícios seguros de fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário obtido.
XV. Inexistindo facto tributário em resultado da inactividade do sujeito passivo e consequente não demonstração da obtenção de receitas no ano a que respeita a tributação, não se verifica o pressuposto do imposto (art° 1º do CIRC).
XVI. Pelo que se impunha uma decisão judicial distinta e contrária da que foi proferida, e aqui se procura ver revogada.
XVII. Os Reclamantes invocaram também a nulidade do titulo executivo, porquanto a notificação (2011.12.05) que serviu de base à comunicação para a venda não cumpre os requisitos plasmados no art.° 163.°, nº 1, al. a) e art.° 39º, n.° 9 do CPPT, o que consubstancia uma nulidade de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art.° 165.°, nº 1, al. b) e do n.° 4 do CPPT.
XVIII. O Serviço de Finanças reconheceu que a notificação dessa decisão padecia do vício de incompetência, cancelando a venda agendada.
XIX. Acontece que, o cancelamento da venda origina um novo procedimento de venda, sob o qual não pode haver aproveitamento de actos.
XX. A conjugação dos dois actos no mesmo ofício, padece de vício por violação da lei.
XXI. Ora, uma notificação é: “o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo”.
XXII. O procedimento administrativo ou o processo judicial è composto por fases sequenciais, logicamente encadeadas, pelo que a omissão da prática de um qualquer acto correspondente a uma certa fase, retira a faculdade de o praticar numa outra, pelo que no despacho de cancelamento da venda agendada para o dia 15 de Março, não pode constar, a marcação de uma venda para o dia 26 de Março.
XXIII. A racionalidade e transparência da decisão tomada, face ao exposto, está suficientemente posta em causa e mostrando-se de forma clara violadas, pelo despacho reclamado, os arts.° 77.° da LGT e o art.º 125.° do CPA.
XXIV. A douta sentença recorrida deve ser revogada, devido à explanada errada aplicação do direito aos factos.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser procedente por provado, e consequentemente, se dê como provado erro no julgamento das questões colocadas e reforma da decisão, como é de direito.
Porém, como sempre, V.Exas. farão a sempre acostumada, JUSTIÇA

3. Não foram apresentadas contra-alegações.
4. Admitido o recurso, o Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, veio emitir o seguinte parecer:
“1.
Vem o presente recurso interposto da douta sentença do TAF de Penafiel que julgou totalmente improcedente a reclamação deduzida pelos executados, ora recorrentes, ao abrigo dos artsº 276º e seguintes do CPPT, do despacho do Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Valongo - 2, de 5/3/2012, que designou data para a venda do prédio penhorado no processo de execução fiscal a que se reportam os autos.
2.
Matéria controvertida:
2.1 Irregularidade da notificação da venda.
Pelas razões constantes da sentença recorrida, improcederá nesta parte o recurso.
A ser exigível a notificação dos executados por carta registada com aviso de recepção, a preterição desta formalidade traduzir-se-ia em mera irregularidade que não afectaria o valor da notificação efectivamente realizada, pois as formalidades processuais visam garantir objectivos, não constituindo finalidades em si mesmas. Neste sentido, “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, Jorge Lopes de Sousa, Áreas Editora, 2011, VoI. I, 6ª Edição, p. 375.
2.2 Ilegalidade da dívida exequenda, expressa na falta de fundamentação do despacho reclamado quanto aos elementos da respectiva liquidação.
Na esteira da posição já assumida nos autos pelo MºPº, em 1ª instância, improcede também aqui o recurso, esgotados que se mostram todos os prazos legais para impugnação da dívida exequenda, não contendendo assim as questões suscitadas acerca da sua legalidade com a decisão judicial de venda nem com a respectiva notificação, conforme bem decidiu a sentença recorrida.
2.3 Violação do artº 77º da LGT e do artº 125º do CPA.
Não ocorre manifestamente contradição de fundamentação.
Acresce que o acto reclamado declarou a nulidade das notificações dos executados afectadas por vício de incompetência do seu autor e simultaneamente revogou por substituição o despacho notificando que havia determinado a venda do bem penhorado, não se vislumbrando fundamento legal para a impossibilidade de designação de nova data de realização da venda do imóvel penhorado, como pretendem os recorrentes.
3.
Improcedendo todas as conclusões das alegações dos recorrentes, emitimos parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida.


5. Com dispensa de vistos, por o processo ser urgente, cumpre apreciar e decidir.

II.FUNDAMENTOS

1. DE FACTO
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
“A) Os reclamantes foram citados para o PEF em 6/11/2009, data em que foram assinados os avisos de recepção das citações (fls. 35 a 42).
B) Por despacho de 5/12/2001 de fls. 55 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, foi fixada como data para o termo do leilão de venda do prédio penhorado nos autos o dia 15/3/2012, pelas 12 H 00M.
C) A reclamante foi notificada deste despacho por carta registada em 6/12/2011, tendo a notificação o teor do ofício constante de fls. 58, que aqui se dá por reproduzido (fls. 58 e verso).
D) O reclamante foi notificado do despacho referido em A) pelo oficio constante de fls. 59 e verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, remetido por carta registada com aviso de recepção, registada em 6/12/2011 e recebida em 12/12/2011 (fls. 59, 59 verso e 64).
E) Em 15/2/2012 os reclamantes requereram ao órgão de execução fiscal a suspensão da venda designada para o dia 15/3/2012, pelas 12 H 00 M, pelo requerimento de fls. 75 a 79, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
F) Esse pedido foi indeferido por despacho de 20/2/2012, constante de fls. 81, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
G) Este despacho foi notificado aos impugnantes, na pessoa do seu ilustre mandatário, por carta registada em 20/2/2012 (fls. 82 e verso).
H) Em 23/2/2012, os reclamantes requereram de novo o pedido de suspensão da venda, pelo requerimento de fls. 92 a 97, cujo teor aqui se dá por reproduzido, invocando em parte os mesmos fundamentos do requerimento referido em D).
I) Sobre este requerimento foi lançada a informação constante de fls. 99, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
J) Pelo despacho de fls. 99 a 100, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o órgão de execução fiscal revogou o despacho que tinha determinado a venda para o dia 15/3/2012, que foi cancelada e foi determinada a venda judicial do prédio pelo montante de €133.928,00, tendo sido fixada como data para o termo do leilão o dia 26/3/2012, pelas 12H 00 M.
K) Este despacho foi notificado ao reclamante, à reclamante e ao seu ilustre mandatário, pelos ofícios constantes de fls. 101 a 103, respectivamente, cujo teor aqui se dá por reproduzido, remetido por cartas registadas em 6/3/2012 (fls. 101 a 103 e respectivos versos).

2. DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir: delimitação do objecto

Os ora recorrentes foram citados como executados por reversão em 6/11/2009, na qualidade de responsáveis subsidiários por dívida de IRS retido na fonte no ano de 2005, relativamente aos meses de Fevereiro a Agosto e Outubro a Dezembro, em que era executada originária a sociedade B……, Ldª.
Face à inexistência de contencioso, por despacho, de 5/12/2011, foi determinada a venda de um imóvel penhorado nos autos aos executados revertidos, por leilão electrónico para o dia 15/3/2012, pelas 15 horas, tendo para o efeito a reclamante sido notificada por carta registada.
Como resulta do probatório, os reclamantes começaram por requerer ao órgão de execução fiscal suspensão da venda designada para o dia 15/3/2012, invocando, entre o mais, a inconstitucional material da reversão por coimas (inconstitucionalidade do art. 8º do RGIT), e a manifesta insuficiência da fundamentação dos despachos de reversão, pedido que veio a ser indeferido, por despacho de 20/2/2012, notificado aos impugnantes na pessoa do respectivo mandatário, por carta registada.
Por requerimento de 23/2/2012, vieram os reclamantes, mantendo os fundamentos do anterior requerimento, acrescentar novas questões, tais como, que “há indício seguros da fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário” e a “nulidade do título executivo porquanto a citação que serviu de base à venda não cumpre não cumpre os requisitos plasmados nos arts. 163º e 39º do CPPT”. Invocaram ainda os reclamantes a nulidade do acto de notificação por “a Chefe de Finanças em Substituição” ter assinado “a citação”, mas não mencionar expressamente que o mesmo é praticado no uso do instituto da delegação de poderes.
Por Despacho de 5/3/2012, o órgão de execução fiscal, considerando procedente o alegado vício de incompetência, procedeu à revogação do despacho que havia fixado a venda para o dia 15/3/2012, determinando nova data para a realização da mesma, ou seja, o dia 26 de Março de 2012.
Contra este despacho deduziram os ora recorrentes reclamação, invocando, entre o mais, que:
· “(…)” os reclamantes não foram notificados por carta registada com Aviso de Recepção do dia designado para a venda de 26 de Março de 2012, o que implica falta de formalidade essencial da notificação, com violação do art. 886.°-A, n.° 4, do CPC (pontos 9 a 13 da Reclamação);
· “(…)” o despacho reclamado informa que a origem da dívida refere-se a IRS retido na fonte nos meses de Fevereiro a Dezembro de 2005, correspondendo a valores apurados e submetidos pela sociedade devedora original entre 22-03-2005 e 11-01-2006, mas não faz prova de tal fundamentação (ponto 15 da Reclamação);
· “(…)” com a empresa inactiva e cessada em IVA desde 31-07-2005, como podia estar a fazer retenções na fonte ? (ponto 16 da Reclamação);
· “(…)” A reclamante mulher enquanto funcionária da devedora originária, esteve desde 05.05.2005 até 14-11-2005, de baixa médica e no prazo seguinte de licença de parto, não se justificando por isso o IRS retido na fonte (ponto 17 da Reclamação);
· “(…)” pelo que a notificação e fundamentação não deve ser considerada (ponto 18 da Reclamação);
· “(…)” O dever de fundamentação dos actos tributários constante do art. 77º da LGT e 125º do CPA constitui garantia dos contribuintes, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareçam concretamente a motivação do acto (pontos 19 e 20 da Reclamação);
· “(…)” existe contradição no despacho reclamado, uma vez que cancela a venda para o dia 15/3/2012 e determina a venda do mesmo bem para o dia 26/3/2012 (pontos 21, 22 e 25 da Reclamação);
· “(…)” a racionalidade e transparência da decisão tomada está posta em causa, com violação dos arts. 77º e 125º da LGT ( ponto 24 da Reclamação).

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 14/6/2012, foi julgada totalmente improcedente a reclamação, tendo ponderado para o efeito o Mmº Juiz “a quo”, entre o mais:
· “Atendendo ao teor do art. 886°-A do CPC, a lei não exige em lado algum que a notificação dos executados da decisão que determina a realização da venda judicial dos bens penhorados, a sua modalidade, preço e data, seja realizada por carta registada com aviso de recepção.
· Assim, a notificação dessa decisão enquanto notificação duma decisão proferida num processo judicial tem de ser notificada por carta registada, como de resto ocorreu”.
· Os reclamantes invocam ainda a falta de fundamentação do despacho reclamado porquanto não contém os elementos da liquidação das dívidas exequendas.
· “(…) as questões de legalidade da liquidação das dívidas exequendas não contende com a legalidade da decisão que determinou a realização da venda judicial do prédio penhorado nos autos, nem com a regularidade, nem validade da notificação dessa decisão.
· Por outro lado, resulta do despacho reclamado que o mesmo está cabalmente fundamentado, de facto e de direito nos termos do art. 77.° da LGT.
· Os reclamantes invocam ainda a falta de fundamentação da decisão reclamada porquanto há uma contradição na fundamentação quando decide simultaneamente revogar a decisão de venda fixada para o dia 15/3/2012, dando-a sem efeito, e determina nova venda.
· (…) “basta ler a decisão impugnada para constata-se que está devida e legalmente fundamentada de facto e de direito”

É contra este entendimento que vem o presente recurso concluindo os recorrentes as suas alegações, do modo que se sintetiza:
· Ilegalidade da notificação por não ter sido realizada través de carta registada com aviso de recepção, agora com fundamento na violação do art. 38º, nº 1, do CPPT;
· Constituindo a reclamação uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal, e por finalidade a apreciação da validade desse acto, pode servir de base à reclamação qualquer ilegalidade;
· Incluindo assim questões que contendem com a legalidade da dívida exequenda suscitada pelos exequentes, designadamente o facto de existirem indícios seguros de fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, pelo que foi cometido erro de julgamento;
· Inexistindo facto tributário em resultado da inactividade do sujeito passivo e consequente não demonstração da obtenção de receitas no ano a que respeita a tributação, não se verifica o pressuposto do imposto (art. 1º do CIRC);
· Existe nulidade do titulo executivo, “porquanto a notificação (2011.12.05) que serviu de base à comunicação para a venda não cumpre os requisitos plasmados no art.° 163.°, nº 1, al. a) e art.° 39º, n.° 9 do CPPT, o que consubstancia uma nulidade de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art.° 165.°, nº 1, al. b) e do n.° 4 do CPPT”;
·
· No despacho de cancelamento da venda agendada para o dia 15 de Março, não pode constar a marcação de uma venda para o dia 26 de Março, pelo que a conjugação dos dois actos no mesmo ofício, padece de vício por violação da lei;
· A racionalidade e transparência da decisão tomada, face ao exposto, está suficientemente posta em causa e mostrando-se de forma clara violadas, pelo despacho reclamado, os arts.° 77.° da LGT e o art.º 125.° do CPA.
Em face do exposto, verifica-se que os ora recorrentes invocam agora pela primeira vez a nulidade do título executivo. Com efeito, leitura atenta da reclamação demonstra que a questão não foi ali colocada em termos de propiciar a sua apreciação pelo Tribunal recorrido.
Ora, como é sabido, “o recurso jurisdicional constitui um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça. O recurso jurisdicional visa apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, motivo por que não constitui forma de conhecer de questões novas, isto é, que não tenham sido oportunamente suscitadas perante o tribunal ad quem, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso” (Cfr. o Acórdão do STA de 23/2/2012, proc nº 01153/2012. No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão de 1/6/2005, proc nº 028/05.) .
Alegam os Recorrentes, no ponto XVII, que “Existe nulidade do titulo executivo, “porquanto a notificação (2011.12.05) que serviu de base à comunicação para a venda não cumpre os requisitos plasmados no art.° 163.°, nº 1, al. a) e art.° 39º, n.° 9 do CPPT, o que consubstancia uma nulidade de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art.° 165.°, nº 1, al. b) e do n.° 4 do CPPT”.
Acontece que, salvo o devido respeito, não assiste aos recorrentes qualquer razão porquanto confundem o despacho que fixa a data da venda com o título executivo, quando são coisas completamente diferentes.
Com efeito, como dizem expressamente os recorrentes, a notificação de (2011.12.05) que serviu de base à comunicação para a venda, destina-se precisamente a caracterizar o imóvel (identificação, valor da venda, etc.), data da venda, modalidade e demais elementos e formalidades a que deve obedecer a venda judicial, segundo o disposto no art. 249º do CPPT.
Nesta fase, tal despacho já não tem de conter ou ser acompanhado dos requisitos do título, plasmados no art.° 163.° do CPPT, elementos que devem constar da certidão de dívida (art. 162º, alínea a), do CPPT, que acompanhou o despacho de citação dos Recorrentes por reversão (cfr. fls.35 a 42 dos autos).
Assim sendo, não podemos deixar de concluir que o despacho notificado aos recorrentes, em 5/12/2011, não enferma de qualquer nulidade.
Considerando o exposto e em face das conclusões, que são as relevantes para aferir do objecto e âmbito do presente recurso [cfr. os arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1 do CPC, e o art. 2º, alínea e), do CPPT], a questão central a decidir prende-se com o problema de saber se o Mmº Juiz “a quo” incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a reclamação, com a consequente rejeição das ilegalidades invocadas pelos recorrentes.
Na apreciação da questão que vem posta iremos analisar separadamente as ilegalidades que se reportam à dívida exequenda e as que se contendem com a validade do acto reclamado.

2.2.Quanto às ilegalidades relativas à dívida exequenda

Importa começar por recordar que resulta dos autos que os ora recorrentes foram citados em 6 de Novembro de 2009 como executados por reversão no processo de execução fiscal em causa, não tendo deduzido Oposição, nos termos dos arts. 203º e 204º do CPPT contra o despacho de reversão, no âmbito da qual deviam ter impugnado a dívida exequenda, nos mesmos termos em que o podia fazer o devedor originário.
Somente após a prolação de despacho a marcar a data da realização da venda judicial é que vieram os ora recorrentes requerer a suspensão da venda alegando para o efeito, entre o mais, ilegalidades que embora tentem imputar ao despacho reclamado, são questões de legalidade da liquidação das dívidas exequendas, que não contendem em nada com a decisão reclamada, que determinou a realização da venda judicial no dia 26/3/2012.
Com base no argumento de que pode servir de base à reclamação qualquer ilegalidade, os ora recorrentes defendem que cabe no seu âmbito a apreciação de questões que contendem com a legalidade da dívida exequenda, designadamente o facto de existirem “indícios seguros de fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário”.
Os recorrentes pretendem através da reclamação de despacho do órgão da execução fiscal obter a suspensão da execução, o que significa em termos substantivos que, no fundo, o meio processual que deveriam ter utilizado em momento oportuno era a oposição à execução fiscal.
Com efeito, a oposição à execução fiscal visa, em regra, a extinção do processo de execução fiscal relativamente ao oponente, funcionando como uma “contestação à pretensão do exequente”.
Nas palavras de JORGE LOPES DE SOUSA, “a oposição à execução fiscal estará naturalmente vocacionada, como contestação que é, para a invocação de quaisquer fundamentos que possam servir para contrariar a pretensão executiva, independentemente do seu carácter substantivo ou adjectivo (art. 487º do CPC)…”.
E, mais adiante, o mesmo autor, depois de assinalar a inadequação da reclamação para assegurar uma tutela efectiva dos interesses dos revertidos, conclui que “é a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para os revertidos impugnarem a legalidade do despacho que ordena a reversão” (Cfr. Código do Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, Lisboa, anotação ao art. 176º do CPPT, pp. 275 ss. No mesmo sentido vai a jurisprudência reiterada e uniforme deste Supremo Tribunal vazada, entre outros, no Acórdão de 24/2/2011, proc nº 105/11. )
.
Na verdade, a reclamação prevista no art. 176º do CPPT destina-se apenas a obter a anulação de actos praticados no processo de execução fiscal, e não a extinção do próprio processo de execução fiscal, efeito que os ora recorrentes pretendem obter através da via enviesada de reclamação do despacho, que indeferiu o pedido de suspensão da venda e marcou nova data para a realização da venda.
Por outro lado, este mecanismo não pode ser encarado como um meio genérico de sindicância de todos os actos da execução, mas apenas um meio de sindicar a ilegalidade de uma decisão concreta do órgão de execução (Cfr. o Acórdão do TCA-N de 27-8-2009, proc nº 1814/08.9 BEBRG.), salvo questões de conhecimento oficioso que, como vimos, não é o caso. Acresce que a reclamação também não pode ser instrumentalizada como um meio de reabertura da via judicial quando o direito de acesso à mesma para discutir as ilegalidades em causa já haja caducado, como seria o caso.
Finalmente, importa ponderar que a circunstância de os recorrentes invocarem causas de pedir que não constituem fundamentos válidos da reclamação, não quer dizer que se possa dar como verificada a nulidade processual por erro na forma do processo.
Com efeito, o erro na forma de processo, regulado no art. 199º do Código de Processo Civil (CPC), traduz-se numa nulidade que consiste na utilização de meio processual impróprio, aferindo-se tal erro pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido, ou seja, a concreta pretensão de tutela solicitada pelo autor ao tribunal não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre erro na forma do processo (Cfr. neste sentido, entre outros, os Acórdão do STA de 2873/2012, proc nº 1145/11, e de 29/2/2012, proc nº 1161/2011.).
No caso em apreço, da leitura da petição de reclamação verifica-se que no pedido que nela é formulado se pretende obter a revogação(Os recorrentes utilizam a expressão revogação mas, no fundo, consistindo a causa de pedir em ilegalidades várias o que está em causa é a anulação.) (anulação) do despacho reclamado, que é perfeitamente adequado ao processo de reclamação das decisões do órgão da execução fiscal recebida no art. 276º do CPPT.
Assim, o facto de algumas causas de pedir não constituírem porventura fundamentos válidos da reclamação, tal não pode servir de motivo para se concluir pelo erro na forma de processo, mas sim motivo para se decidir pela improcedência do pedido com base nessas causas de pedir (Cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 28/3/2012, proc nº 1145/11.).
Acresce que mesmo que fosse de concluir pela verificação de nulidade processual, com base no erro na forma de processo, por razões de economia processual não poderia haver lugar para a convolação, uma vez que já há muito foi ultrapassado o prazo da Oposição à execução fiscal (Cfr., entre outros, o Acórdão do STA de 5 /7/2012, proc nº 328/12 e jurisprudência aí citada.).
Nesta sequência, andou bem o Mmº Juiz “a quo” quando decidiu, entre o mais, que “a legalidade das liquidações das dívidas exequendas não contende com a legalidade da decisão que determinou a realização da venda judicial do prédio penhorado nos autos, nem com a regularidade, nem validade da notificação dessa decisão.
Logo, tais factos não constituem fundamento para esta reclamação e não tem qualquer utilidade para ela. O despacho reclamado pronunciou-se sobre eles, por terem sido invocados pelos reclamantes no seu requerimento de 23/2/2012. Porém, como se disse tais factos não contendem com a decisão de venda judicial, nem com a sua notificação, pelo que não constituem fundamento para esta reclamação”.
Improcede, desta forma, a argumentação dos recorrentes.

2.3.Quanto às ilegalidades do próprio despacho
2.3.1. Da falta de notificação

No que se refere às ilegalidades concretas que afectam o acto que procedeu à marcação do dia da venda judicial, invocam os recorrentes irregularidades no que diz respeito à notificação do mesmo.
Como vimos, os recorrentes invocaram na reclamação a violação de formalidade essencial da notificação pelo facto de não terem sido notificados por carta registada com aviso de recepção do dia designado para a venda de 26 de Março, com violação do disposto no art.886º-A, nº 4 do CPC.
O art. 886°-A do CPC estabelece no seu nº 6 (anterior nº 4) que “A decisão é notificada pelo agente de execução ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia real sobre os bens a vender, preferencialmente por meios electrónicos”.
Como bem ajuizou o Mmº Juiz “a quo”, “a lei não exige em lado algum que a notificação dos executados da decisão que determina a realização da venda judicial dos bens penhorados, a sua modalidade, preço e data seja realizada por carta registada e com aviso de recepção, concluindo pela inexistência de qualquer irregularidade.
Vêm agora os Recorrentes no presente recurso invocar que tal exigência resulta do disposto no art.38º, nº1, do CPPT mas, mais uma vez, sem razão.
Na verdade a resposta a esta questão já foi dada na sentença recorrida quando o Mmº Juiz “a quo” ponderou que a notificação do despacho a marcar a data da venda judicial “enquanto notificação duma decisão proferida num processo judicial tem de ser notificada por carta registada, como de resto ocorreu”.
Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 20/6/2012, proc nº 161/12, a invocação dos arts. 38º e 39º do CPPT “só poderia aceitar-se no pressuposto, não verificado, de que o acto que determinou a modalidade da venda e fixou o valor do bem para tal efeito é um acto administrativo de natureza tributária, um acto praticado no âmbito de um procedimento tributário.”
Segundo JORGE LOPES DE SOUSA, “Embora este artigo, bem como os subsequentes arts. 37º, 38º e 39º, venha inserido no Título I do CPPT, que tem a epígrafe «Disposições gerais», depreende-se do seu conteúdo que se reportam apenas ao procedimento tributário e não também ao processo judicial tributário.(…). Assim, o regime de notificações previsto nestes artigos não será aplicável às notificações efectuadas no processo de execução fiscal, por este processo ter natureza judicial na sua totalidade (art. 103º, nº 1, da LGT), a não ser às que sejam feitas de actos conexionados com o processo de execução fiscal, mas que não constituem actos processuais próprios da sua tramitação, antes constituem verdadeiros «actos em matéria tributária» que põem termo a procedimentos tributários conexos com o processo de execução fiscal, mas dele distintos.”
Independentemente da controvérsia que possa subsistir quanto à identificação de algumas situações quanto a saber se estamos ou não perante a prática de actos administrativos de natureza tributária que respeitam à dívida tributária e integram procedimentos tributários, a verdade é que existe uniformidade da jurisprudência deste Supremo Tribunal, vazada, entre outros, no Acórdão de 20/6/2012, proc nº 161/2012, segundo a qual, actos como a citação, a penhora e a venda constituem exemplos de “actos judiciais de tramitação processual sem natureza jurisdicional”, (…) “cuja prática o legislador pôs a cargo da AT, enquanto órgão da execução fiscal, a qual age aí como um mero “auxiliar”. E ainda que se possa discutir a natureza destes actos, existe uniformidade que a mesma “será idêntica à dos actos de natureza não jurisdicional que são praticados no âmbito de todos os processos judiciais”.
O que não quer dizer que todos os actos praticados pelo órgão de execução fiscal, que tenham potencialidade lesiva, independentemente da sua natureza, não estejam sujeitos ao controlo judicial através do meio processual consagrado no art. 276º do CPPT.
Por conseguinte, no caso em apreço, por aplicação da mencionada jurisprudência, o acto que determinou a data da venda é um acto praticado num processo judicial tributário e não num qualquer procedimento tributário naquele enxertado como um acto ou decisão em matéria tributária.
O que significa, sem qualquer dúvida, que o regime jurídico vertido nos arts. 38º e ss. do CPPT não é aplicável ao caso em apreço.
Acresce que mesmo que fosse exigível a notificação dos executados por carta registada com aviso de recepção, a preterição desta formalidade traduzir-se-ia numa mera irregularidade, porquanto, nos termos do art. 201º do CPC, “a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Ora, no caso em apreço, a notificação por carta registada cumpriu todas as finalidades que a lei lhe assinalada, tendo os recorrentes ficado cientes do conteúdo do acto notificado, com a possibilidade de se prepararem para o acto da venda ou mesmo de contra o mesmo se defenderam, como o vieram a fazer (Como resulta do probatório, estando os executados representados por mandatário ao qual foi enviada a carta registada, a notificação realizada aos próprios executados constitui até um excesso de garantia, porquanto a notificação tem de ser realizada na pessoa do Ilustre mandatário, nos termos fixados pelos arts. 253°, n.° 1, do CPC e 40.° do CPPT.).
Em face do exposto, também nesta parte os fundamentos da reclamação devem improceder.


2.3.2. Da falta de fundamentação.

A exigência de fundamentação dos actos tributários está prevista no art. 77.° da LGT e prevê, em síntese, que os actos administrativos tributários têm sempre de ser fundamentados, por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que os motivaram.
Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. (Acórdão de 23/5/2012, da 2ª secção do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, processo nº. 882/11, disponível em www.dgsi.pt.) .
Foi com base nesta jurisprudência que o Mmº Juiz “a quo” considerou e bem que o despacho reclamado não enferma do vício de falta de fundamentação.
Note-se, porém, que, como já vimos, estamos perante um acto de natureza processual, um acto judicial de tramitação processual e não propriamente perante um acto administrativo, pelo que as exigências de fundamentação têm de ser analisadas não à luz das normas do CPA ou da LGT, mas sim do dever de fundamentação contido no CPC para as decisões judiciais, mais propriamente à luz do art. 158º do CPC, ainda que com as devidas adaptações.
Tal como no direito administrativo, também no Direito Processual Civil, a fundamentação cumpre a função de convencer o destinatário da racionalidade e ajustada aplicação da lei ao caso concreto, por um lado, e, por outro lado, a de fornecer-lhe os elementos que permitam uma defesa adequada através da indicação dos motivos que elevaram a decidir num dado sentido (Neste sentido, pode ler-se no acórdão do STJ de 9/12/1987, (BMJ, nº 372, p. 372) que «A motivação da sentença impõe-se por duas razões: uma substancial, pois cumpre ao juiz demonstrar que da norma abstracta formulada pelo legislador soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto; e outra de ordem prática, uma vez que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo da parte vencida (…) para impugnar, quando seja admissível recurso, o fundamento ou fundamentos».).

No caso em apreço, o despacho reclamado começa por dizer, de forma expressa, suficiente, congruente e perceptível, que as questões da legalidade das dívidas exequendas suscitadas pelos reclamantes constituiriam fundamento de reclamação graciosa ou impugnação judicial, mas que tal possibilidade estaria inviabilizada atendendo que os reclamantes foram citados em 6/11/2009, pelo que estão esgotados os prazos legais para a sua impugnação. Mais se acrescenta que tais factos não contendem com a decisão da marcação da venda judicial do prédio penhorado e com a sua suspensão.
De seguida, o mencionado despacho, de forma claramente perceptível refere que o órgão de execução fiscal revogou a decisão que tinha determinado a venda judicial do prédio penhorado porquanto entendeu, em conformidade com o alegado pelos reclamantes, que a notificação dessa decisão padecia do vicio de incompetência, e por isso cancelou a venda designada para o dia 15/3/2012.
Tendo revogado aquela decisão, o órgão de execução fiscal proferiu nova decisão a determinar a realização da venda judicial do prédio penhorado aos reclamantes na modalidade de leilão electrónico, tendo fixado o valor mínimo para a venda em €133.928,00 e designou como data para o termo do leilão o dia 26/3/2012, pelas 12 H 00 M (fls. 99 e 100 dos autos).
Finalmente, não estando em causa, nem na decisão reclamada, nem nesta reclamação, a discussão da legalidade das dividas exequendas, o órgão de execução fiscal não tinha, de todo, de juntar quaisquer documentos relativos às liquidações das mesmas.
Assim sendo, não podemos deixar de concluir no sentido de que o despacho impugnado se encontra devidamente fundamentado, cumprindo as funções em que assenta o dever de fundamentação das decisões judiciais.
Além de estar fundamentado, o despacho em causa não padece de qualquer contradição e em particular da invocada pelos reclamantes, quanto ao facto de no mesmo despacho não ser possível revogar o anterior e proferir nova decisão, ponto é que o seu conteúdo seja claro e perfeitamente compreensível pelos destinatários, como aconteceu no caso.
Em suma, o despacho reclamado está cabalmente fundamentado e não está minimamente em causa nem a racionalidade nem a transparência da decisão em causa, pelo que também nesta parte a reclamação deve improceder.
Em face do exposto, improcedem as alegações dos recorrentes devendo ser confirmada a sentença recorrida.

III- DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 12 de Setembro de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.