Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01018/15
Data do Acordão:06/16/2016
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IDENTIDADE DA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:I - A admissão do recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe que, no domínio do mesmo quadro normativo e perante uma realidade factual substancialmente idêntica, o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento tenham perfilhado soluções opostas quanto à mesma questão fundamental de direito
II - Essa contradição não se verifica quando no Acórdão fundamento se peticionou não só a anulação do acto impugnado como também a exclusão do concurso dos candidatos classificados em posição anterior à do Recorrente contencioso e no Acórdão recorrido não se pediu uma tal exclusão circunscrevendo-se o pedido à anulação do acto impugnado.
III - E também não se verifica essa contradição se as decisões em confronto se fundarem em diferentes quadros legislativos.
Nº Convencional:JSTA000P20712
Nº do Documento:SAP2016061601018
Data de Entrada:01/06/2016
Recorrente:A......., LDA
Recorrido 1:B......., LDA E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:


B…………, L.da, intentou, no TAF de Mirandela, contra o Município do Mogadouro, acção administrativa especial de contencioso pré-contratual pedindo a anulação da sua decisão que adjudicou a empreitada de obra pública denominada “Loteamento Industrial de Mogadouro – III Fase” à sociedade C…………., Lda.
Acção que foi julgada procedente, o que determinou não só a anulação do acto de adjudicação como do contrato celebrado na sequência do mesmo.

A………, L.da, - uma das oponentes ao referido concurso - interpôs recurso de revisão dessa sentença alegando não ter sido citada para intervir como Contra Interessada e de tal inquinar todo o processamento daquela acção posterior à petição inicial.
Recurso a que o TCA Norte concedeu provimento, declarando nulo todo o processado da referida acção a partir da petição inicial.
Todavia, essa decisão foi objecto de recurso de revista interposto pela Autora daquela acção e este Supremo, por Acórdão, de 12/11/2015, revogou a decisão do TCAN e julgou improcedente o recurso de revisão.

É deste Acórdão que vem o presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto A…….., L.da, onde se alegou que o mesmo estava em oposição com o que se sentenciou no Acórdão deste STA de 13/02/2002 (rec. 48403).
Rematou a sua alegação com a formulação das seguintes conclusões:
A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto do Acórdão proferido nos presentes autos em 12.11.2015 pelo Supremo Tribunal Administrativo (“Acórdão Recorrido”), e tem como fundamento o Acórdão proferido por este Venerando Tribunal em 13.02.2002, no âmbito do Processo n. 048403 (“Acórdão Fundamento”);
B. Por ter legitimidade, por estar em tempo e por estarem reunidos os requisitos estabelecidos na lei (i.e., CPTA e CPC, aplicável, ex vi, do artigo 140.º, do CPTA), vem o Recorrente interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência, em virtude de o caso vertente consubstanciar uma situação em que está em causa assegurar os valores da segurança e da certeza jurídica;
C. Compulsado o teor do disposto no artigo 152.º do CPTA, e, bem assim, dos artigos 688.º, 689.º, n.º 1, 690.º e 693.º do CPC, aplicáveis, ex vi do artigo 140.º do CPTA - que regem o Recurso para Uniformização de Jurisprudência - resulta que a admissibilidade do mesmo depende da verificação de 4 (quatro) requisitos, a saber: (i) contradição do Acórdão do TCA e outro Acórdão anterior, do mesmo TCA, ou do STA ou entre acórdãos do STA; (ii) identidade substantiva do quadro normativo; (iii) trânsito em julgado do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento; (iv) inadmissibilidade de recurso do Acórdão Recorrido que tiver adoptado jurisprudência recentemente consolidada no Supremo Tribunal Administrativo;
D. De acordo com o caminho trilhado pela Doutrina e pela Jurisprudência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 152. º, n.º 1, do CPTA, para se estar perante uma contradição relevante é necessário: (i) referir-se à mesma questão de direito objecto do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento, i.e., a oposição relevante reporta-se a soluções de direito e não a questões (mesmo genéricas) de facto; (ii) referir-se à própria decisão, e não aos seus fundamentos, i.e., a questão de direito deve revelar-se essencial/fundamental para o resultado num e noutro Acórdão, sendo irrelevantes respostas ou argumentos que não tenham valor decisivo; (iii) existir identidade fundamental da matéria de facto, i.e., que seja idêntico o núcleo das situações de facto à luz da norma aplicável; (iv) a oposição deve ser, a par das decisões em confronto, expressa e não implícita ou pressuposta;
E. A propósito do primeiro requisito, demonstrou a Recorrente que dúvidas não existem de que a questão de direito objecto de ambos os Acórdãos se consubstancia na mesma, i.e., a de saber se os Concorrentes posicionados entre o Adjudicatário e a Autora se configuram como Contra-Interessados no âmbito de uma Acção de Contencioso Pré-Contratual na qual se impugna não só o Acto de Adjudicação mas também as classificações obtidas por esses Concorrentes;
F. Demonstrou-se que a oposição relevante se reporta a soluções de direito, mormente quanto à noção de Contra-Interessado no âmbito de uma Acção de Contencioso Pré-Contratual na qual se impugna não só o Acto de Adjudicação mas também as classificações obtidas por esses Concorrentes, não estando em causa uma questão meramente de facto, que obste à admissibilidade do presente Recurso;
G. Demonstrou-se que a questão de direito se revelou determinante para o resultado chegado em ambos os Acórdãos;
H. Por um lado, no Acórdão Fundamento o STA considerou que, em sede de Recurso Contencioso interposto por Candidato classificado em 4.º lugar num Concurso para Prestação de Serviços, os Candidatos que ficaram nos 3 (três) primeiros lugares se configuram como Contra-Interessados, uma vez que o recorrente defendeu que todos esses deveriam ser excluídos do Concurso Público, e, em consequência, essa decisão traduziu-se na aceitação da legitimidade desses Concorrentes a intervir como Contra-Interessados;
I. Por outro lado, no Acórdão Recorrido este Venerando Tribunal decidiu que os Concorrentes classificados à frente da Autora - classificada em 6.º lugar - não seriam prejudicados da acção impugnatória, e, em consequência, essa decisão se traduziu na não aceitação da legitimidade desses Concorrentes a intervir como Contra-Interessados;
J. Demonstrou-se existir identidade fundamental da matéria de facto, uma vez que ambos os Acórdãos são nuclearmente idênticos quanto à respectiva situação fáctica;
K. A identidade fundamental da matéria de facto revela-se quer porque (i) em ambos os litígios dizem respeito à execução de um Contrato Público celebrado entre a Autora e Ré Município de Mogadouro/Câmara Municipal de V.N. de Gaia, (ii) em ambos os Acórdãos as Autoras impugnaram o Acto de Adjudicação praticado pelas edilidades públicas; em ambos os Acórdãos, as respectivas Autoras peticionam a anulação do Acto de Adjudicação praticado pelas edilidades públicas; e, (iii) em ambos os Acórdãos, os Concorrentes que pretenderam ver-se constituídos como Contra-Interessados ficaram classificados numa posição entre a classificação atribuída às Autoras e a Adjudicatária;
L. Ainda por referência ao primeiro requisito, mas em último lugar, demonstrou-se a oposição entre os dois Acórdãos é expressa e não meramente implícita ou pressuposta;
M. O segundo requisito, consagrado no artigo 688.º n.º 1, do CPC, aplicável, ex vi, do artigo 140.º do CPTA, diz respeito à identidade substantiva do quadro normativo, o qual, in casu, também se encontra verificado;
N. A este propósito, referiu a Recorrente que a mera alteração ou revogação da norma que concretamente foi interpretada não afasta a possibilidade de a divergência de respostas justificar o recurso, desde que, na sua substância, o quadro normativo se mantenha inalterado, isto é, também, desde que a disposição aplicável seja substancialmente a mesma;
O. In casu, a normatividade conformadora subjacente aos dois Acórdãos, no que concerne à questão fundamental de direito sub judice, é, no Acórdão Recorrido, o CPTA, e, no Acórdão Fundamento, a LPTA;
P. Todavia, referiu a Recorrente que não é pelo simples facto de a LPTA ter sido revogada pelo CPTA que o quadro normativo não seja substancialmente idêntico;
Q. Demonstrou a Recorrente que ainda que a lei que regulava o Contencioso Administrativo tenha sofrido uma profunda reforma, a verdade é que, no que concerne à noção de Contra-Interessado, o quadro normativo manteve-se inalterado;
R. Estabelecido o paralelismo entre o artigo 36.º, n.º 1, da LPTA, e o artigo 57.º do CPTA - ambos relativos à noção de Contra-Interessados - resulta que o quadro normativo relativo à noção de Contra-Interessado (e, em consequência, a sua obrigatória convocação ao processo judicial), traçado à data do Acórdão Fundamento (i.e., 2002), e traçado à data de hoje, não revela quaisquer alterações significativas, mantendo-se, pois, substancialmente idêntico.
S. Por referência ao terceiro requisito, estabelecido no artigo 152.º n.º 1, do CPTA, e, bem assim, nos artigos 688.º, n.º 2, e 689.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis, ex vi, do art.º 140.º, do CPTA, demonstrou a Recorrente que o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamentos se encontram transitados em julgado;
T. Com especial atenção ao trânsito em julgado do Acórdão Recorrido, referiu a Recorrente de que foi dele notificada, por Ofício de ref.ª 5620328, de 16.11.2015, e que, de acordo com o disposto nos artigos 689.º n.º 1, 628.º, 149.º n.º 1, e, 138.º n.º 1 e n.º 2, todos do CPC, aplicáveis, ex vi, do artigo 140.º, do CPTA, o Acórdão Recorrido transitou em julgado no passado dia 30.11.2015;
U. Por referência ao quarto, e último, requisito, estabelecido no artigo 152.º, n. 3, do CPTA, demonstrou a Recorrente que o presente Recurso tem por referência um Acórdão Recorrido que não adoptou jurisprudência uniformizada, nem sequer é uniformizador;
V. Tendo ficado demonstrado a verificação dos 4 (quatro) requisitos que a Lei faz depender a admissibilidade do Recurso para Uniformização de Jurisprudência, requer-se a V. Exas. a admissão do presente Recurso, e, bem assim, que seja proferida decisão que verifique a existência da contradição jurisprudencial, revogando-se, em consequência, o Acórdão Recorrido e substituindo-o por outro que decida a questão controvertida, em conformidade com o disposto no artigo 152.º, n.º 6, do CPTA;
W. Em último lugar, referiu a Recorrente que, tendo ficado demonstrado supra os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, é por demais evidente que o Acórdão Recorrido incorre numa grave e crassa infracção que merece ser agora reapreciada em sede de Recurso para Uniformização de Jurisprudência, i.e., a de ter considerado, apenas e tão-somente, a Adjudicatária como Contra-Interessada no âmbito de uma Acção de Contencioso Pré-Contratual, na qual a Autora não só impugna o Acto de Adjudicação, como também impugna as classificações obtidas pelos Concorrentes que se situaram em posições entre si e a Adjudicatária.

Contra alegaram não só o Município do Mogadouro como a Massa Insolvente da B…………., L.da (Autora da acção).

O Município do Mogadouro concluiu como se segue:
A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto pela A……….., L.da por referência ao Acórdão proferido nos presentes autos por este Venerando Tribunal, tendo como Fundamento o Acórdão proferido também por este Venerando Tribunal em 13.02.2002, no âmbito do Processo n.º 048403;
B. Tendo o Município de Mogadouro (parte Recorrida no âmbito do Acórdão Recorrido) sido notificado da admissão do Recurso para Uniformização de Jurisprudência, veio, pela presente Reposta/Pronúncia, manifestar a sua plena adesão ao mesmo;
C. A título preliminar, demonstrou o Município de Mogadouro que o Acórdão Recorrido assenta quer em erro nos pressupostos de facto, quer em erro nos pressupostos de direito;
D. Relativamente ao primeiro - erro nos pressupostos de facto - demonstrou o Município de Mogadouro que a Recorrida B………., L.da, em sede de Petição Inicial (na Acção de Contencioso Pré-Contratual distribuída no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela sob o Processo n.º 219/14.7BEMDL) se pronunciou e debruçou sobre as Propostas apresentadas pelos Concorrentes classificados entre o 2° e o 5º lugar, apreciando-as, valorando-as, em comparação com a sua;
E. Compulsado o teor da Petição Inicial, constata-se sem dificuldades que esta se encontra construída com base no princípio de que é a Proposta da ora Recorrida B……….., Lda. que se apresenta em condições de ser ordenada em 1.º lugar, e, por isso, que a Recorrida dispõe do direito à adjudicação, ao contrário dos demais Concorrentes;
F. A Recorrida B………., Lda. reconheceu, em sede de Petição Inicial, que as Propostas dos Concorrentes classificados entre o 2.° e o 5.° lugar - a Recorrida B……….., Lda. era a 6.ª - eram aquelas que cumpria afastar, para que a sua pretensão adjudicatória fosse procedente;
G. Ainda que dúvidas houvesse, bastaria atentar na Petição de Execução de Sentença instaurada pela Recorrida B......., L.da já no decurso da apreciação do TCAN, onde esta veio peticionar a condenação do Município de Mogadouro no pagamento de uma indemnização correspondente ao lucro que a Recorrida B……….., L.da obteria caso lhe tivesse sido adjudicada a Empreitada em apreço;
H. Por outras palavras, a aqui Recorrida B………., L.da instaurou uma Execução onde, procurando retirar da Sentença de 31.10.2014 um efectivo direito à adjudicação;
I. Com efeito, demonstrou o Município de Mogadouro que resulta, de forma inequívoca e evidente, que os Concorrentes classificados entre o 2.° e o 5.° lugar são - e foram, efectivamente - directamente prejudicados com a anulação do Acto Administrativo Impugnado (i.e., o Acto de Adjudicação);
J. Todavia, este Venerando Tribunal parece não ter tido em consideração a concreta relação material controvertida configurada na instância, assente no pedido e na causa de pedir formulados pela Recorrida B………, Lda., pois apenas considerou existir 1 (um) único Contra-interessados: Concorrente Adjudicatário;
K. Todavia, essa não é uma posição que esteja em consonância com a relação material controvertida tal como é/foi configurada pela Recorrida B…………, L.da.;
L. É por demais evidente que a Recorrente A………., L.da, não iria beneficiar, de forma alguma, com a anulação do Acto Administrativo Impugnado (i.e., o Acto de Adjudicação) tendo em conta os termos em que a Recorrida B…………, Lda. configurou o pedido e a causa de pedir subjacentes à Acção de Contencioso Pré-Contratual que apresentou junto do TAF de Mirandela.
M. Se a Recorrida B…………., Lda., em sede de Petição Inicial, impugnou a classificação atribuída à Proposta da Recorrente A……….., Lda. -alegando que a mesma teria sido incorrectamente valorada - e, bem assim, alegou que a sua Proposta deveria ter ganho o 1.º Lugar no Concurso Público, então, é forçoso concluir que a Recorrente A………, Lda. em nada beneficiaria com a anulação do Acto de Adjudicação, muito antes pelo contrário: seria directamente prejudicada;
N. Assim, se para efeitos de definição do conceito de Contra-Interessados no âmbito de um processo impugnatório é necessário observar a configuração, feita pela Autora, da relação material controvertida, então o Tribunal deve, sempre, atender àquilo que essa Parte alega em sede de Petição Inicial, na sua globalidade;
O. Todavia, este Venerando Tribunal não atendeu ao facto de a Recorrida B………, Lda., em sede de Petição Inicial, ter impugnado as classificações das Propostas dos Concorrentes posicionados em 1°, 2°, 3°, 4.° e 5.º Lugares (sendo certo que a Recorrida B……., Lda. ficou em 6.º Lugar), nem atendeu ao facto de a Recorrida B………., Lda., em sede de Petição de Execução de Sentença, ter peticionando a condenação do Município de Mogadouro no pagamento de um montante correspondente ao lucro que lhe adviria com a execução do Contrato de Empreitada, como se da verdadeira Adjudicatária se tratasse;
P. Com efeito, ao não ter considerado os concretos termos em que a Recorrida B………, Lda. formulou o pedido e a causa de pedir subjacentes à Acção de Contencioso Pré-Contratual, este Venerando Tribunal errou nos pressupostos de facto que sustentaram a decisão ínsita no Acórdão Recorrido;
Q. Relativamente ao erro nos pressupostos de direito, referiu e demonstrou o Município de Mogadouro que a Recorrida B…………., Lda. nunca, até à interposição do Recurso de Revista, defendeu a posição que apresenta em sede de Alegações de Recurso de Revista, ou seja, a de que existe apenas 1 (um) único Contra-Interessado - o Concorrente Adjudicatário;
R. Desde que foi chamada pelo Tribunal de 1.ª Instância a identificar os demais Contra Interessados, a Recorrida B…………, Lda. defendeu sempre a mesma posição, i.e., a de que todos os Concorrentes do Concurso eram Contra-Interessados, deixando de a defender a partir do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte;
S. Surpreendentemente, em sede de Alegações de Recurso de Revista, veio a Recorrida B…………., L.da assacar um “erro de julgamento” ao Acórdão do TCAN, com fundamento na circunstância de o Tribunal ter feito uma “avaliação errónea da definição de contra-interessados”, por não ter considerado existir apenas 1 (um) Contra-Interessado nos autos, o Concorrente Adjudicatário.
T. Ora, nunca tendo a Recorrida B……….., Lda. sequer alegado que, in casu, existe apenas 1 (um) Contra-Interessado, não podia o TCAN considerar essa hipótese.
U. Em rigor, a Recorrida B………….., Lda. constrói o Recurso de Revista com base numa hipótese de raciocínio que nunca foi veiculada nos autos, motivo pelo qual nunca poderia ter sido objecto de apreciação pelo TCAN, e, por essa razão, não podia suportar a admissão do Recurso de Revista interposto pela Recorrida B………, L.da.;
V. Assim, resulta que a questão que a Recorrida B……….., Lda. colocou no Recurso de Revista está mal colocada, na medida em que se consubstancia numa hipótese de raciocínio que nunca foi veiculada nos autos - i.e., a de que existe apenas 1 (um) Contra-Interessado, o Concorrente Adjudicatário;
W. Com efeito, essa questão sempre excederia o presente “thema decidendum”, visto que o Acórdão proferido pelo TCAN a não tratou;
X. Assim, o Acórdão Recorrido padece de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 615°, n.º 1, al.ª d), do CPC, aplicável, ex vi, do art.º 1°, do CPTA, devendo, também por essa razão, ser revogado o Acórdão Recorrido, uniformizando-se Jurisprudência no sentido do decidido no Acórdão Fundamento;
Y. Por último, referiu o Município de Mogadouro que adere in totum àquilo que são os fundamentos explanados no Recurso para Uniformização de Jurisprudência interposto pela Recorrente A………., Lda., por entender que os fundamentos de ilegalidade que a ora Recorrente A……….., Lda. assacou à tramitação processual ocorrida no âmbito da Acção de Contencioso Pré-Contratual subjacente aos presentes autos merecem total procedência, como já teve oportunidade de demonstrar em sede de Contra-Alegações de Recurso Jurisdicional;
Z. Não pode ser outra a posição do Município de Mogadouro, senão a adesão plena, e sem qualquer reserva, aos fundamentos apresentados no Recurso para Uniformização de Jurisprudência, impondo-se a sua integral procedência.

A Massa Insolvente de B………., L.da concluiu do seguinte modo:
1. O Acórdão proferido em 12.11.2015 nenhuma censura merece, configurando uma decisão douta, material e formalmente justa, e que contribuiu para uma boa exímia aplicação do direito.
2. Não existe entre este Acórdão e o Acórdão proferido por este Venerando Tribunal em 13.02.2002, no âmbito do processo n.º 048403 nenhuma contradição manifesta, susceptível de justificar um aresto de unificação de jurisprudência.
3. Não podemos considerar que exista entre os dois Acórdãos uma oposição de julgados.
4. Havendo, inclusive, Jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça que vai ao encontro do Acórdão recorrido, o que por si só é fundamento para a inadmissibilidade do presente recurso.
5. Pelo que, o presente recurso de uniformização de jurisprudência não deve merecer provimento face à sua manifesta falta de fundamento.
Vejamos,
6. Em 28.01.2014, no Diário da República, II Série, n.º 19, foi publicado o anúncio de abertura do concurso público para a adjudicação da empreitada de obra pública denominada de “Loteamento Industrial de Mogadouro: III Fase”, em que era entidade adjudicante o Município de Mogadouro.
7. A recorrente e a recorrida apresentaram proposta no âmbito do referido procedimento público pré-contratual, tendo ficado a recorrente classificada em 4° lugar e a recorrida em 6° lugar, apesar de ter um preço mais baixo do que o da recorrente num concurso em que o critério de adjudicação era, precisamente, o da proposta economicamente mais vantajosa.
8. A obra foi adjudicada à concorrente C……….., Lda., classificada em 1° lugar.
9. Em 29.04.2014, no seguimento da adjudicação levada a cabo, a recorrida avançou com uma acção administrativa especial de contencioso pré-contratual, alicerçando a sua fundamentação no facto da entidade adjudicante ter lançado mão de um critério de classificação das propostas manifestamente ilegal, violador do princípio da concorrência, repercutindo-se esta ilegalidade na decisão final de adjudicação do concurso, pedindo, em virtude da ilegalidade manifesta, a anulação acto de adjudicação da obra em questão.
10. A acção foi julgada procedente, considerando o Tribunal de Primeira Instância que o critério em causa era manifestamente ilegal e violador do princípio da concorrência, tendo, por isso, anulando o acto de adjudicação e o contrato de empreitada celebrado na sua sequência.
11. Desta decisão, após o seu trânsito em julgado, interpôs a recorrente um recurso de revisão no TAF de Mirandela, o qual foi indeferido,
12. Deste mesmo indeferimento, reclamou a ora recorrente para a Conferência, a qual manteve a decisão de indeferimento do recurso.
13. Face à confirmação de indeferimento proclamada pela Conferência, a ora recorrente interpôs recurso para o TCAN, o qual, concedeu provimento ao pedido da recorrente.
14. Do acórdão emanado do TCAN recorreu a ora recorrida para o STA, tendo logrado alcançar a revogação do acórdão anteriormente proferido pelo Venerando TCAN, o que desencadeou um novo recurso por parte da ora recorrente - desta vez com vista à uniformização de jurisprudência.
15. Importa referir que a recorrente apenas sustenta os seus sucessivos recursos na falta de citação (na qualidade de contra interessada) nada dizendo quanto a uma eventual impossibilidade de exercer o seu direito.
16. A questão central sub judice versa sobre a definição de contra interessados na acção administrativa especial de impugnação de actos administrativos.
17. Nos termos do art.° 57° do CPTA “para além da entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os contra interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo” - sublinhado nosso.
18. A lei exige, assim, um litisconsórcio necessário passivo na situação acima descrita. O contra interessado defende um interesse que coincide com o interesse do réu mas tem uma actuação autónoma e independente do ponto de vista processual.
19. Escreve o Prof. VIEIRA DE ANDRADE, in “Justiça Administrativa”, 2012, 12ª Edição, pág. 253, que “Ao lado das partes principais - ao lado do autor (ad adjuvandum), bem como ao lado do réu (ad opponendum) - podem surgir, como partes acessórias, os assistentes, ou seja, as pessoas interessadas em que o litígio seja resolvido a favor de uma das partes, havendo ainda a considerar no processo administrativo a posição especial do Ministério Público. Em primeiro lugar, são de destacar os contra interessados, designação que cabe aos que tenham interesse directo e pessoal em que não se dê provimento à acção (não é necessária a titularidade de uma posição jurídica própria), em regra, os particulares nos processos dirigidos contra a Administração (...)“.
20. O Ilustre Professor de Coimbra estabelece ainda uma pertinente distinção: entre co-interessados e contra interessados.
21. Segundo o Autor, estes últimos são “(...) os terceiros que tenham interesse em que não se dê provimento ao pedido do autor (...)“, ob. cit., pág. 254.
22. Pegando na definição de contra interessados acima transcrita, concluímos que apenas um dos concorrentes estaria na posição de contra interessado, pois só a ele o provimento da acção poderia prejudicar (porque seria tolhida, como foi efectivamente, a adjudicação da obra).
23. Com efeito, só ele tinha interesse na manutenção do acto impugnado, pois só assim realizaria a obra.
24. Apenas este concorrente tem um interesse idêntico ao do réu. Todos os outros concorrentes têm um interesse idêntico ao da Autora, ou seja, a anulação do concurso, pelo que não são contra interessados.
25. Mas sim co-interessados.
26. Não há assim preterição de qualquer formalismo legal.
27. O contra interessado é um litisconsorte necessário passivo. Há uma identidade de interesses entre o Réu e o contra interessado. O contra interessado não deduz nenhum pedido, defende a posição do réu, pois os seus interesses são iguais.
28. Portanto, numa situação de concurso público para adjudicação de uma empreitada de obras públicas, apenas o adjudicatário tem um interesse coincidente com o da entidade administrativa adjudicante.
29. Apenas este é, no rigor dos rigores, à luz do disposto no artigo 57° do CPTA, contra interessado.
30. Assim, a recorrente A………. não é contra interessada neste processo.
31. A recorrente não tinha legitimidade para intervir no processo nessa qualidade, podendo fazê-lo, todavia, como interveniente processual, recorrendo à figura do assistente.
32. Dito isto, decidiu bem o STA no Acórdão de 12.11.2015, ora recorrido.
33. A questão suscitada no Acórdão Recorrido é a seguinte: contra interessado é apenas o adjudicatário, são todos, e apenas, os classificados antes do autor, ou são todos os concorrentes?
34. Entendeu o Supremo Tribunal Administrativo que: “Na categoria de contra interessado cabem, pois, duas espécies de pessoas; em primeiro lugar, aquelas que são directamente prejudicados pela anulação ou declaração de nulidade do acto impugnado e, depois, aquelas cujo prejuízo não resulta directamente dessa anulação ou declaração de nulidade mas que, ainda assim, têm interesse legítimo na manutenção do acto visto que, se assim não for, verão a sua esfera jurídica ser negativamente afectada. O que evidencia que o conceito de contra interessado está indissociavelmente associado ao prejuízo que poderá advir da procedência da acção impugnatória para todos aqueles que, de algum modo, estiveram envolvidos na relação material controvertida. A noção de contra interessado terá, pois, de ser construída não a partir do eventual interesse que alguém pudesse ter em ser parte na acção mas a partir do prejuízo que ele terá se não for chamado a juízo, o qual estará sempre relacionado com a manutenção ou anulação do acto impugnado”. -sublinhado nosso.
35. Concluindo que: “será em função da análise da concreta relação material controvertida e do prejuízo que poderá advir do desfecho do seu processo impugnatório que se poderão identificar os contra interessados, só eles podendo beneficiar das garantias de defesa concedida por lei.”
36. Aplicado ao caso concreto, entendeu este Supremo Tribunal que: “a anulação do acto impugnado só acarretará prejuízo para a entidade que praticou o acto e o adjudicatário e isto porque, atenta essa anulação, aquela terá de refazer o processo administrativo e praticar novo acto não inquinado pela ilegalidade que determinou a anulação do anterior e este ver-se-á afastado da posição de vantagem em que se encontrava colocado.
Todos os outros oponentes ao concurso - do segundo ao último classificado - irão beneficiar do acto anulatório na medida em que, por força dessa anulação, será refeito o processo administrativo e praticado um novo acto classificatório que, colocando um deles na primeira posição, o fará beneficiário do contrato. Daí que o interesse do impugnante na anulação do acto seja convergente com o interesse de todos os outros concorrentes não posicionados no 1.º lugar.
É, pois, seguro que, à excepção da adjudicatária, nenhum dos outros concorrentes será, directa ou indirectamente, prejudicado pela procedência da acção impugnatória uma vez que a anulação do acto adjudicatório e a prática de um novo acto abrirá a todos - quer os que ficaram classificados à frente da Autora da acção quer os que foram colocados em lugares inferiores - a possibilidade de serem os vencedores do concurso.” - sublinhado nosso.
37. Concluindo que: “nesta conformidade, a pergunta que se deve fazer para verificar se a Autora do processo de revisão goza da qualidade de contra interessado é a seguinte: que interesse teria ela em, aliando-se à adjudicatária, pugnar pela manutenção do acto? Que prejuízo lhe adviria da anulação deste? E a resposta a estas interrogações só pode ser negativa e isto porque a Autora da revisão só beneficiará com a anulação do acto impugnado uma vez que só ela lhe poderá permitir alimentar expectativas de que a empreitada poderá ser adjudicada a seu favor.
Se assim é, só o adjudicatário da obra pública em causa pode ser qualificado como contra interessado.”
38. Este Acórdão fez uma correcta interpretação do artigo 57° do CPTA e da noção de contra interessados.
39. Para aferir se determinado concorrente é contra interessado numa acção de impugnação de actos administrativos tem de ser analisada a relação material controvertida em causa, analisando o prejuízo que a procedência da acção poderá ter para o possível contra interessado, ou o interesse que este terá na manutenção do acto impugnado.
40. Analisado o caso concreto dos autos (pois é da análise do caso concreto que aferimos a legitimidade como contra interessado) só podemos concluir que a recorrente não é contra interessada, pelo que não merece qualquer censura o Acórdão recorrido, o qual contribui para uma boa aplicação do direito.
41. A recorrente invoca um Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido em 13.02.2002, no âmbito do Proc. n.º 048403, para fundamentar o presente Recurso de Uniformização de Jurisprudência.
42. Uma das questões apreciadas neste Acórdão prende-se com a legitimidade para intervir como contra interessados, em recurso contencioso interposto por candidato que ficou classificado em 40 lugar em concurso para prestação de serviços, os candidatos que ficaram nos três primeiros lugares, se o recorrente defende que todos eles devem ser excluídos do concurso.
43. Entendeu este Tribunal que: “No caso em apreço, o agrupamento de empresas que interpôs o recurso contencioso ficou em 4.° lugar no concurso e pretende ficar em 1.º, atacando as posições não só do consórcio que ficou em primeiro lugar, mas também a daqueles agrupamentos que ficaram em 2°, defendendo que todos eles deveriam ser excluídos.
Por isso, não estando afastada a possibilidade de em execução de sentença anulatória poderem ser afectadas as posições destes agrupamentos indicados como contra interessados, é de admitir a sua intervenção no recurso.”
44. Ora, analisados os termos dos dois Acórdãos podemos desde já concluir que não há entre eles nenhuma contradição de decisões.
45. Como já foi referido, cada caso tem de ser analisado em concreto, só assim se podendo aferir a legitimidade como contra interessado.
46. No caso do Acórdão Fundamento o recorrente defende que todos os concorrentes que ficaram classificados acima de si devem ser excluídos, pedindo no fundo que seja classificado em primeiro lugar.
47. No caso do Acórdão Recorrido, a ora recorrida pede a anulação do acto administrativo, cuja consequência será a de refazer todo o processo administrativo e praticar um novo acto, abrindo uma nova oportunidade a todos os concorrentes de executar a empreitada.
48. Ora, estamos perante pedidos e situações diferentes.
49. O pedido efectuado no caso do Acórdão Fundamento ataca particularmente os concorrentes classificados antes de si.
50. Entendemos no entanto, que o Acórdão Fundamento peca por não descriminar o prejuízo que poderá advir do provimento desse recurso para o 2° e 3° classificados, pois só assim será possível discernir acerca da qualificação dos mesmos como contra interessados, in casu, importa aferir se a alteração da classificação das propostas pode prejudicar estes concorrentes. Em que sentido? E o que acarretará a sua exclusão do concurso?
51. Só mediante a resposta a estas questões, poderíamos aceitar ou não a legitimidade dos mesmos como contra interessados.
52. Contudo, no caso dos presentes autos, e atendendo ao objecto do litígio - ilegalidade do critério adoptado pela entidade adjudicante - dúvidas não restam que apenas a entidade adjudicatária poderá configurar como contra interessada, já que os demais concorrentes não têm interesse em contraditar o pedido da ora recorrida.
53. Salvo o devido respeito, não concebe a recorrida como é que a recorrente vem lançar mão de sucessivos, morosos e dispendiosos expedientes processuais quando a mesma tem interesse em que o pedido da ora recorrida seja julgado procedente, de forma cabal, possibilitando a realização de um novo concurso público.
54. De qualquer forma, e como referido supra, a identificação dos contra interessados no âmbito da acção administrativa especial só poderá ser concretizada mediante a análise da concreta relação material controvertida.
55. O Recurso Extraordinário de Uniformização de Jurisprudência tem aplicação reservada a situações em que verdadeiramente esteja em causa assegurar os valores da segurança e da certeza jurídicas.
56. Ora, entendemos que na presente situação não foi de forma alguma posta em causa a certeza e a segurança jurídicas.
57. O Acórdão Recorrido representa uma decisão materialmente justa do litígio em causa.
58. Relembramos que a recorrente em momento algum afirma que a procedência da acção de contencioso pré-contratual lhe afectou gravemente os seus interesses.
59. Nesta situação não podemos deixar de partilhar da opinião de ABRANTES GERALDES, quando refere que a possibilidade de as partes interporem recurso nos termos do art.° 688° do CPC “facultando-se, na realidade, um quarto grau de jurisdição”, vai originar “um acréscimo no grau de litigiosidade e o prolongamento da instabilidade de acórdãos proferidos ao mais alto nível da estrutura judiciária”.
60. O presente recurso para uniformização de jurisprudência foi apresentado ao abrigo do art.° 152°, nº 1 do CPTA, com a alegação que entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento existe contradição entre a mesma questão fundamental de direito, que é a de “saber se os concorrentes posicionados entre o Adjudicatário e a Autora se configuram como Contra interessados no âmbito de uma Acção de Contencioso Pré-Contratual na qual se impugna não só o Acto de Adjudicação mas também as classificações obtidas por esses concorrentes.”
61. Ora, ao contrário do que alega a recorrente, nos dois Acórdãos não se discute esta questão.
62. No Acórdão Recorrido impugna-se o acto de adjudicação, por terem sido utilizados critérios ilegais e violadores do princípio da concorrência. A procedência da acção determina a anulação do acto de adjudicação e impõe que seja refeito o concurso público e praticado um novo acto de adjudicação, abrindo a possibilidade a todos os concorrentes de ganharem este concurso. Nada se diz quanto às classificações dos demais concorrentes.
63. No Acórdão Fundamento, para além de impugnar o acto de adjudicação, o recorrente impugna as classificações dos outros concorrentes.
64. Há, sem dúvida uma situação de facto diferente nos dois Acórdãos.
65. Ora, de acordo com a jurisprudência firme deste Supremo Tribunal a contradição de decisões sobre a mesma questão fundamental de direito, relevante para efeitos de admissão do recurso para uniformização de jurisprudência, pressupõe que as soluções opostas ou contraditórias perfilhadas pelo acórdão fundamento e pelo acórdão recorrido, procedam de diversa interpretação dos mesmos critérios legais na sua aplicação a situações de facto substancialmente idênticas. O que é o mesmo que dizer que não há contradição sobre a mesma questão fundamental de direito se as soluções divergentes tiverem sido determinadas pela diferenciação da situação de facto e respectivo regime legal.
66. Nos termos do art.° 688°, n°1 do CPC, ex vi do art.° 140° do CPTA “as partes podem interpor recurso (...) quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação (...)“.
67. Por domínio da mesma legislação deverá entender-se o que se reporta à “identidade de disposição legal, ainda que de diplomas diferentes, e, desde que, com a mudança de diploma, a disposição não tenha sofrido, com a sua integração no novo sistema, um alcance diferente, do que antes linha”.
68. A manutenção da norma pode não ser bastante para se considerar verificado o domínio da mesma legislação, se ao lado da disposição legal surgirem novas normas que influem na interpretação daquela.
69. No caso concreto, o diploma legal subjacente ao Acórdão Fundamento é a LPTA, enquanto no Acórdão Recorrido é o CPTA.
70. O CPTA revogou a LPTA, trazendo consigo uma profunda reforma do contencioso administrativo.
71. Na vigência da LPTA, o art.° 36°, n.º 1 deste diploma legal dispunha que na petição de recurso, o recorrente devia:
“b) Indicar a sua identidade e residência, bem como as dos interessados a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar, requerendo a sua citação.”
72. Actualmente, dispõe o art.° 57° do CPTA que: “para além da entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os contra interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.”
73. Efectivamente, o CPTA manteve o quadro normativo, mas aditou-lhe algo mais.
74. O art.° 57° do CPTA acrescenta ao conceito de contra interessado a análise da concreta relação material em causa, ou seja, o contra interessado é aquele a quem o provimento da acção possa directamente prejudicar, ou aquele que tenha um interesse legítimo na manutenção do acto impugnado, desde que possa ser identificado como tal em função da análise da relação material em causa.
75. Posto isto, concluímos que a alteração normativa da noção de contra interessado altera a interpretação que o conceito de contra interessado tinha na vigência da LPTA, não estando os dois Acórdãos no domínio da mesma legislação.
76. Sem prejuízo de tudo quanto deixámos dito, acresce que mesmo que se entendesse que ocorre a invocada oposição de acórdãos, o presente recurso também não poderia prosseguir, uma vez que não se verificaria o segundo requisito de que depende a admissibilidade do recurso por oposição de julgados: que o acórdão recorrido não esteja em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
77. Dispõe o art.° 152° nº 3 do CPTA que o recurso para uniformização de jurisprudência “não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo”.
78. O Acórdão do STA de 14.02.2013, proferido no Proc. n° 0115/13, analisa a noção de contra interessado, na reclamação deduzida contra o acto do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de nulidade processual por falta de notificação da liquidação.
79. Ora, apesar do acórdão ser totalmente distinto do acórdão recorrido, incluindo-se no âmbito da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, a questão fundamental de direito é a mesma: a noção de contra interessados do art.° 57° do CPTA.
80. Sendo que este Acórdão e o Acórdão recorrido estão em sintonia quando à definição de contra interessados.
81. Entendeu o Supremo Tribunal Administrativo neste Acórdão que:
Para a questão da legitimidade passiva, em litisconsórcio necessário, dos contra interessados, não é indiferente conhecer a natureza jurídica da reclamação, na medida em que a sua intervenção só se justifica para tutela de direitos e interesses legalmente protegidos que sejam contrapostos aos do reclamante. Se a reclamação estiver estruturada de forma objectiva, como um processo feito a um acto, que visa apenas controlar a legalidade e regularidade do acto reclamado, não há qualquer necessidade daquela intervenção, pois não está em causa reconhecer qualquer direito subjectivo dos interessados perante a administração tributária, mas apenas emitir um juízo de confirmação ou de anulação de um acto reclamado”- sublinhado nosso.
82. A propósito do art.° 57° do CPTA, referiu este Venerando Tribunal que:
Nos termos desta norma, o juízo prévio de determinação do universo dos contra-interessados deve ser formulado a partir do conteúdo do acto reclamado e da inerente projecção subjectiva dos seus efeitos, fazendo-se uma estimativa de como uma eventual decisão judicial relativamente ao acto e a inerente execução da sentença atingirão directamente posições jurídicas subjectivas de terceiros fundadas no acto reclamado. Isto sem prejuízo da atenção que se deve prestar aos termos como o próprio reclamante formulou a sua petição inicial, designadamente à protecção sobre terceiros dos fundamentos invocados para anulação do acto reclamado.
Havendo pessoas a quem a procedência da reclamação possa prejudicar ou que tenham interesse na manutenção da situação contra a qual se insurge o reclamante, e que possam ser identificadas em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo de execução, o reclamante tem o ónus de os fazer intervir no processo como partes principais, em litisconsórcio necessário com a administração tributária.” - sublinhado nosso.
83. Ora, apesar da diferença de situações entre os Acórdãos, este Acórdão do STA de 14.02.2013 vai ao encontro daquilo que temos referido e defendido, estando em plena sintonia com o entendimento seguido por este Supremo Tribunal em 12.11.2015.
84. Podemos assim concluir que é do entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que o que determina a noção de contra interessado é o prejuízo que a impugnação do acto possa causa ou o interesse na manutenção desse acto, em função da análise da concreta relação material em causa.
85. É da análise da concreta situação em causa que conseguimos determinar se existirá um prejuízo ou um interesse na manutenção do acto, só assim podendo aferir a legitimidade do contra interessado.
86. Posto isto, e apesar de entendermos que não existe fundamento para o recurso de uniformização de jurisprudência, sempre se dirá, que a entender que o mesmo seja admissível neste caso, o Acórdão recorrido deve ser mantido, uniformizando-se Jurisprudência no sentido da decisão contida no Acórdão Recorrido.


O Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer de onde se destaca o seguinte:
“A nosso ver, os acórdãos em confronto não se debruçaram sobre situações de facto substancialmente idênticas, pelo que foram encontradas, por cada um deles, soluções diferentes, embora com recurso a normas legais idênticas - posto que pertencentes a diplomas legais diversos, sucedendo um ao outro.
Aliás, a fundamentação de cada um dos acórdãos permite supor que, se a situação de facto fosse substancialmente idêntica, a decisão do acórdão fundamento não seria diferente da obtida no acórdão recorrido.
Com efeito, ambos os acórdãos subentendem que a determinação de quem é ou não contra interessado com legitimidade passiva pressupõe a consideração da causa de pedir e da pretensão deduzida no recurso contencioso/acção. Por isso, se o provimento do recurso contencioso/acção for susceptível de prejudicar, em concreto, os candidatos melhor classificados, ambos os acórdãos admitem a tese de que, nessa hipótese, se verifica a legitimidade passiva.
Porém, o acórdão fundamento concluiu, no seu caso, que a legitimidade dos candidatos classificados nos 3 primeiros lugares no concurso para prestação de serviços ocorria, porque o recorrente contencioso - o candidato que ficou classificado em 4.° Lugar - defendia que deviam ser excluídos do concurso.
E, na verdade, se o provimento do recurso contencioso pode determinar a exclusão do concurso dos candidatos classificados antes do recorrente, estes têm todo o interesse em que o recurso improceda nesses termos, e daí a sua legitimidade processual, em perfeita harmonia lógica com a tese geral admitida em qualquer dos acórdãos.
Já no caso do acórdão recorrido, segundo a causa de pedir, o provimento da acção apenas poderá conduzir à anulação do ato impugnado, mas não exclusão do concurso dos candidatos classificados antes do recorrente.
Deste modo, a procedência da pretensão do acórdão fundamento poderia excluir os candidatos anteriores ao recorrente do próprio concurso, impedindo, em execução de sentença, que pudessem ser reclassificados, e eventualmente, ganhá-lo; mas a procedência da pretensão do acórdão recorrido, pelo contrário, nunca poderá impedir essa reclassificação, pois não foi pedida a exclusão do concurso de qualquer candidato, e daí que, em execução de sentença, todos possam vir a ser classificados em primeiro lugar.
Em conclusão, o que distingue substancialmente a questão decidida em ambos os acórdãos, é que, num - o acórdão fundamento - estava em causa a exclusão do concurso dos candidatos classificados em posição anterior ao recorrente, que a ser decretada, impediria a sua futura Recorrente classificação; e no outro - o acórdão recorrido -, não estando em causa uma tal exclusão, os candidatos classificados em idêntica posição só poderão beneficiar com o provimento da acção, aspirando ainda, em execução de sentença, a vir a ganhar o concurso.
Em face do exposto, parece-nos que o presente recurso, caso seja admitido - embora pareça que não existe contradição com o acórdão fundamento sobre a questão fundamental de direito, o que obsta à sua admissão -, deverá improceder, porquanto, tendo presente a pretensão deduzida na acção e os seus fundamentos, o provimento da acção, nos termos em que foi proposta, nenhum prejuízo poderá causar aos candidatos classificados em melhor posição que a autora, pois, do provimento da acção não resultará a sua exclusão do concurso, não sendo, por isso, contra interessados nessa acção, como decidiu o acórdão recorrido.”

A Recorrente A…………, L.da, pronunciando-se sobre o Parecer do Magistrado do Ministério Público, sustentou que o mesmo deveria ser rejeitado uma vez que, reportando-se a oposição à noção de Contra interessado, haveria que concluir pela alegada contradição de julgados na medida em que Acórdão fundamento considerou que os concorrentes classificados nos três primeiros lugares num recurso contencioso interposto pelo candidato posicionado em 4.º lugar eram contra interessados o que contradizia o que se decidira no Acórdão recorrido na medida em que neste se rejeitara a possibilidade dos cinco primeiros classificados serem considerados contra interessados numa impugnação judicial interposta pelo candidato graduado em 6.º lugar.


FUNDAMENTAÇÃO


I. MATÉRIA DE FACTO

A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:

A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:

1. Em 29.04.2014, entrou a petição inicial no TAF de Mirandela.
2. Com data de 30.04.2014, foi expedida citação para o réu Município de Mogadouro e para a indicada contra-interessada C…………, L.da;
3. Em 23.06.2014, foi proferido despacho para que a autora indicasse todos os contra-interessados na presente acção.
4. Em 08.07.2014, a autora deu cumprimento ao despacho referido no ponto anterior.
5. Em 11.07.2014, foi determinada a publicação de anúncio para citação dos contra-interessados.
6. O anúncio foi remetido à autora para publicação, em 15.07.2014.
7. Em 28.07.2014, a autora requereu a publicação do anúncio na plataforma “Vortalgov”.
8. Em 29.07.2014, foi proferido despacho a determinar a publicação na plataforma “Vortalgov.
9. Em 07.08.2014, foi publicado anúncio na plataforma “Vortalgov”, constando, entre outros, a aqui recorrente.
10. Em 08.09.2014, foi junto ao presente processo comprovativo da publicação do anúncio na plataforma “Vortalgov”.
11. Na sequência do anúncio, não houve constituição de contra-interessados.
12. No âmbito do Concurso Público em apreço, foi a seguinte a ordem das classificações: em 1.º lugar, ficou classificada a proposta apresentada por C…………, L.da; em 2.º lugar, ficou classificada a proposta apresentada por D……….., L.da; em 3.º lugar, ficou classificada a proposta apresentada por E…………., Lda.; a ora recorrente, A…………., L.da, ficou classificada em 4º lugar; em 5.º lugar, ficou classificada a proposta apresentada pelo Consórcio constituído pelas empresas F……….., Lda., G………….., Lda. e H……………, L.da; em 6.º lugar, ficou classificada a proposta apresentada por B…………., Lda., a autora.
13. Para além destes seis concorrentes, apresentaram propostas outros 17 (dezassete) concorrentes, a saber: …………, S.A.; ………., S.A.; ……….., Lda.; ……….., S.A.; Consórcio – ………….., Lda., ……….., Lda. e ………., Lda.; …………, S.A.; …………., S.A.; …………., S.A.; Consórcio – ………….., S.A. e …………., Lda.; Consórcio – ……….., S.A. e ……….., Lda.; ……………, S.A.; ………….., Lda.; ……………, S.A.; ………….., Lda.; Consórcio – ………….., Lda. e …………….., S.A.; ……………..; e …………., S.A.
14. Foram indicados como contra-interessados pela autora e constavam da publicação do anúncio na plataforma “Vortalgov” todos os 23 concorrentes.


II. O DIREITO.

Resulta do antecedente relato que B………….., L.da, intentou, no TAF de Mirandela, contra o Município do Mogadouro, acção administrativa especial de contencioso pré-contratual pedindo a anulação “da decisão do órgão executivo do Réu Município do Mogadouro, de 25/03/204, de adjudicar a empreitada pública denominada «Loteamento Industrial do Mogadouro – III Fase» à sociedade por quotas com a firma C……….., L.da, com todas as consequências legais.”

Acção que foi julgada procedente, o que determinou não só a anulação do acto de adjudicação como do contrato celebrado na sequência do mesmo.

A………….., L.da, - uma das oponentes no referido concurso e nele classificada em 4.º lugar - interpôs recurso de revisão dessa sentença alegando não ter sido citada para intervir como Contra Interessada naquela acção e de tal constituir uma ilegalidade que inquinava o processado posterior à citação do Réu e do contra interessado que havia sido identificado, pelo que pediu a sua anulação “após a citação das partes primitivas da presente acção de contencioso pré contratual.”

Recurso a que o TCA Norte, revogando sentença do TAF, concedeu provimento declarando nulo todo o processado daquela acção a partir da petição inicial.

Todavia, B…………., L.da - Autora na acção de contencioso pré contratual – não se conformou com essa decisão pelo que dela interpôs recurso de revista.
E este Supremo, por Acórdão de 12/11/2015, revogou o Acórdão do TCAN e julgou improcedente o recurso de revisão.

É deste Acórdão do STA que vem o presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto A…………….., L.da, onde alegou que o mesmo estava em oposição com o sentenciado no Acórdão deste STA de 13/02/2002 (rec. 48403).
Vejamos, pois.

1. Os recursos para uniformização da jurisprudência destinam-se, como é sabido, a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que, sobre a mesma questão fundamental de direito, tenham sido proferidas decisões contraditórias em Acórdãos já transitados do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA.
Todavia, a existência dessa contradição não é o único requisito de admissão deste tipo de recursos uma vez que estes só podem ser admitidos se (1) os quadros normativos e as realidades factuais subjacentes às decisões contraditórias forem substancialmente idênticos e se, por isso, for certo que essa contradição decorreu apenas de divergente interpretação jurídica e (2) se a orientação perfilhada no acórdão impugnado for conforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada no STA. Sendo certo, ainda, que a jurisprudência deste Tribunal tem dito que essa admissão depende, ainda, da contradição de julgados se referir a decisões expressas e não a julgamentos implícitos. Vd. art.º 152.º/1 do CPTA e, entre muitos outros, Acórdãos do Pleno da 1ª Secção de 16/09/2010 (proc. 262/10), de 18/10/2010 (proc. 355/10), de 18/11/2011 (proc. 482/11), de 12.12.2012, (rec. 791/09), de 12.12.2012, (rec. 932/12), de 21.02.2013, (rec. 63/12) de 27.03.2014, (rec. 62/14), de 15.10.2014, (rec.1150/12), de 25.02.2015, (rec. 964/14) e de 14/05/2015 (rec. 134/15).

Sendo assim, sendo que os Arestos em confronto já transitaram, que só existe contradição entre dois Acórdãos relativamente à mesma questão fundamental de direito quando os pressupostos de facto e de direito em que assentaram as respectivas decisões forem substancialmente idênticos e sendo, ainda, que o Acórdão recorrido não está em desconformidade com a jurisprudência mais recentemente consolidada no STA, cumpre analisar se realidade jurídica e factual dos referidos Acórdãos é substancialmente idêntica e se, portanto, a alegada contradição de julgados existe e se ela decorre unicamente de divergente interpretação da lei.

1. Os Acórdãos alegadamente em confronto foram tirados neste Supremo e pronunciaram-se sobre decisões proferidas pelo TAC (no caso do Acórdão fundamento) e pelo TCAN (no caso do Acórdão recorrido) onde se identificaram as pessoas que podiam intervir como contra interessados nos processos de impugnação judicial de decisões camarárias que adjudicaram o serviço ou a obra pública postos a concurso.

1. 1. No Acórdão fundamento - tirado num tempo em que vigorava a LPTA - o recurso contencioso foi interposto no TAC do Porto pela concorrente classificada em 4.º lugar no concurso público internacional destinado à prestação dos serviços de concepção, recolha e transporte a destino final e limpeza urbana de algumas freguesias do concelho de Gaia e nele se peticionou não só a anulação da deliberação que adjudicou esse serviço ao concorrente classificado no 1.º lugar como também a exclusão dos concorrentes posicionados nos 2 primeiros lugares.
Recurso que foi provido, o que determinou a anulação da adjudicação impugnada.

A Câmara de Gaia recorreu dessa decisão para o STA e, na correspondente minuta, alegou que a Recorrente contenciosa não tinha articulado factos que permitissem “concluir que os recorridos particulares sejam prejudicados com a anulação do acto adjudicatório (pelo que) deveriam também estes serem considerados partes ilegítimas.” (conclusão 2.ª)

E o Acórdão fundamento sobre essa questão ponderou o seguinte:
“O art. 36.º, alínea b), da L.P.T.A. impõe aos recorrentes que indiquem as identidades e residências dos interessados a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar.
No caso em apreço, o agrupamento de empresas que interpôs o recurso contencioso ficou em 4.º lugar no concurso e pretende ficar em 1.º, atacando as posições não só do consórcio que ficou em primeiro lugar, mas também a daqueles agrupamentos que ficaram em 2.º, defendendo que todos eles deveriam ser excluídos.
Por isso, não estando afastada a possibilidade de em execução de sentença anulatória poderem ser afectadas as posições destes agrupamentos indicados como contra-interessados, é de admitir a sua intervenção no recurso.”

Daí que tivesse sumariado:
“Têm legitimidade para intervir como contra-interessados, em recurso contencioso interposto por candidato que ficou classificado em 4.º lugar em concurso para prestação de serviços, os candidatos que ficaram nos três primeiros lugares, se o recorrente defende que todos eles devem ser excluídos do concurso.”

O que significa que este Acórdão decidiu um recurso contencioso onde se peticionou não só a anulação do acto impugnado mas também a exclusão dos concorrentes melhor classificados que o Recorrente. E que considerou que, podendo o provimento do recurso determinar a exclusão desses candidatos, era manifestamente evidente o seu interesse em contradizer o pedido formulado no processo impugnatório já que, se ele fosse provido, seriam – ou poderiam ser - excluídos do concurso. E daí que tivesse concluído que, por ser assim, os mesmos gozavam da qualidade de contra interessados e tinham legitimidade processual.

1. 2. Situação bem diferente é a que ocorre no Acórdão recorrido.
Com efeito, este - proferido num recurso de revisão intentado e decidido já no domínio do CPTA – deparou-se com um pedido de anulação de todo o processado, numa acção de contencioso pré contratual, a partir da citação das partes indicadas na petição inicial com o fundamento de que a Autora do pedido de revisão gozava da qualidade de contra interessada e, por essa razão, devia ter sido citada e não o foi.
E o Acórdão recorrido, invocando o disposto no art.º 57.º do CPTA, considerou que “o conceito de contra interessado está indissociavelmente associado ao prejuízo que poderá advir da procedência da acção impugnatória para todos aqueles que, de algum modo, estiveram envolvidos na relação material controvertida. A noção de contra interessado terá, pois, de ser construída não a partir do eventual interesse que alguém pudesse ter em ser parte na acção mas a partir do prejuízo que ele terá se não for chamado a juízo, o qual estará sempre relacionado com a manutenção ou anulação do acto impugnado.” O disposto na citada norma destinava-se, assim, “a assegurar o cumprimento do princípio do contraditório, conferindo legitimidade passiva a todos aqueles que possam ser prejudicados pela anulação do acto. … E, porque assim, será em função da análise da concreta relação material controvertida e do prejuízo que poderá advir do desfecho do seu processo impugnatório que se poderão identificar os contra interessados, só eles podendo beneficiar das garantias de defesa concedidas por lei.” (sublinhados nossos).

Sendo assim, e sendo que, no caso, o único pedido formulado naquela acção foi o da anulação da decisão da Câmara do Mogadouro “de adjudicar a empreitada pública denominada «Loteamento Industrial do Mogadouro – III Fase» à sociedade por quotas com a firma C…………, L.da, com todas as consequência legais” concluiu que o deferimento desse pedido só acarretariaprejuízo para a entidade que praticou o acto e (para) o adjudicatário e isto porque, atenta essa anulação, aquela terá de refazer o processo administrativo e praticar novo acto não inquinado pela ilegalidade que determinou a anulação do anterior e este ver-se-á afastado da posição de vantagem em que se encontrava colocado. Todos os outros oponentes ao concurso – do segundo ao último classificado – irão beneficiar do acto anulatório na medida em que, por força dessa anulação, será refeito o processo administrativo e praticado um novo acto classificatório que, colocando um deles na primeira posição, o fará beneficiário do contrato. Daí que o interesse do impugnante na anulação do acto seja convergente com o interesse de todos os outros concorrentes não posicionados no 1.º lugar.” E daí, também que “só o adjudicatário da obra pública em causa pode ser qualificado como contra interessado.”
Sendo assim, e sendo certo que a Autora do pedido de revisão não só não iria ter qualquer prejuízo com a anulação do acto impugnado como, ao invés, poderia vir a beneficiar do mesmo concluiu que a mesma, face ao que se dispunha no art.º 57.º do CPTA, não gozava da qualidade de contra interessada e “não gozando desta qualidade não tem legitimidade passiva pelo que não deveria ter sido chamada ao processo e, muito menos, citada.”

2. A resenha que se acaba de fazer dos Acórdãos em confronto evidencia que se não verificam os requisitos de que depende a admissão deste recurso e isto porque, desde logo, os quadros normativos àquelas decisões não só não são os mesmos como, em certa medida, nem sequer se podem considerar idênticos.

Com efeito, as normas que sustentaram as decisões alegadamente contraditórias, apesar de terem alguma similitude, não têm o mesmo conteúdo nem são substancialmente idênticas.
Na verdade, enquanto a LPTA não define formalmente o conceito de contra interessado limitando-se a referir que a petição inicial deve indicar os “interessados a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar, requerendo a sua citação[art.º 36.º/1/b)], o CPTA, no seu art.º 57.º, sob a epígrafe «contra interessados», estatui que neste conceito cabem todos aqueles a ”quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.” E que só estes são obrigatoriamente demandados.
O que significa que a nova lei processual, apesar de manter o estatuído na LPTA no tocante à inclusão na categoria de contra interessados de todos aqueles que possam vir a ser directamente prejudicados pelo provimento do processo impugnatório, considera que, para além desses, cabem também nesse conceito – e aqui a novidade – todos os que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado e possam ser identificados em função da relação material controvertida.
O que significa que o conceito de contra interessado ínsito no CPTA é mais abrangente e mais alargado daquele que nos era dado pela LPTA e isto porque considera que cabem naquela figura são não só os que poderão vir a ser directamente prejudicados pelo provimento da impugnação como também aqueles que têm interesse na manutenção do acto impugnado.
O que nos permite concluir que, apesar da similitude do disposto no art.º 36.º/1/b) da LPTA com o estatuído no art.º 57.º do CPTA, certo é que entre eles não existe a identidade jurídica suficiente para que, no caso, possamos afirmar que, subjacente às decisões alegadamente contraditórias, se encontra o mesmo quadro normativo ou um quadro normativo substancialmente idêntico.
Na verdade, tendo a acção de contencioso pré contratual sido julgada procedente e tendo sido anulado o acto de adjudicação, a intervenção da Recorrente nessa acção só faria sentido se a mesma se propusesse sustentar que tinha interesse na manutenção daquele acto na ordem jurídica. Só assim a mesma podia justificar, a coberto no que se dispõe no citado artigo 57.º do CPTA, que tinha interesse em intervir naquela acção e só assim estava garantida a sua qualidade de interessada ao abrigo da «novidade» trazida por aquela norma. De contrário, isto é, se a sua intenção fosse litigar ao lado da Autora daquela acção e pugnar pela anulação do acto de adjudicação a Recorrente não gozava da qualidade de contra interessada uma vez que o provimento do processo impugnatório só a iria beneficiar. E, se assim é, a sua qualidade de contra interessada só poderia ser reivindicada a coberto da «novidade» trazida pelo CPTA em relação à LPTA.

O que, por si só, evidencia que, subjacente às decisões em confronto, se encontram quadros normativos diferenciados e que tal impossibilita o prosseguimento do recurso.

Todavia, ainda que se entendesse que, apesar da referida ausência de identidade, as citadas normas convergiam ao afirmar que só podiam intervir no processo impugnatório aqueles a quem seu provimento podia directamente prejudicar e que, por isso, contendo as citadas normas da LPTA e do CPTA estatuições substancialmente semelhantes, ambas garantiam à Recorrente a qualidade de interessada, certo é que uma outra razão existe e esta, sim, incontroversa que nos conduz à impossibilidade da admissão deste recurso, qual seja a ausência de similitude nas situações trabalhadas por ambos os Acórdãos e, por isso, a sua incomparabilidade para os presentes efeitos.

3. Com efeito, enquanto que no Acórdão fundamento se peticionou não só a anulação do acto impugnado como também a exclusão do concurso dos candidatos melhor classificados que o Recorrente contencioso e, porque assim, a ser decretada a pretendida exclusão, os excluídos ficariam impedidos de voltarem a ser considerados na eventual reformulação classificação o que, prejudicando-os directamente, lhes garantia a qualidade de contra interessados, no Acórdão recorrido não se peticionou a exclusão de nenhum concorrente e, por isso, os candidatos colocados em melhor posição que a Autora só poderiam beneficiar com o provimento da acção na medida em que a anulação da adjudicação lhes permitia aspirar a, em execução de sentença, a vir a ganhar o concurso.
Por ser assim, isto é, por os Acórdãos em confronto não se debruçarem sobre questões substancialmente idênticas é que foram encontradas, por cada um deles, soluções jurídicas diferentes sendo admissível supor pela forma como os mesmos se encontram fundamentados que, como bem observa o Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto “se a situação de facto fosse substancialmente idêntica, a decisão do acórdão fundamento não seria diferente da obtida no acórdão recorrido.”

O que vale por dizer que se não encontram reunidos os requisitos legalmente exigidos que permitam o prosseguimento dos autos.


Termos em que os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo acordam em declarar não verificada a alegada contradição de julgamentos e, em consequência, julgar findo o recurso.

Custas pela Recorrente.

Sem publicação.


Lisboa, 16 de Junho de 2016. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes - Jorge Artur Madeira dos Santos (com a declaração de que não vislumbro qualquer essencial diferença, entre a LPTA e o CPTA, no conceito do contra-interessado; e, se tivesse, ela seria irrelevante “in casu”) – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.