Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:048035
Data do Acordão:10/01/2003
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:J SIMÕES DE OLIVEIRA
Descritores:CONCURSO PÚBLICO.
EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS.
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE.
PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA.
Sumário:I - Em conformidade com o princípio da transparência, que constitui uma garantia preventiva da imparcialidade, os órgãos da Administração devem actuar por forma a darem de si mesma uma imagem de objectividade, isenção e equidistância dos interesses em presença, de modo a projectar para o exterior um sentimento de confiança.
II - É ilegal a adjudicação de uma empreitada para construção duma barragem feita ao concorrente cuja proposta incluía um projecto-base da autoria da empresa que realizou para o dono da obra os estudos de preparação do próprio concurso (definição geral da obra, estimativa orçamental, peças escritas e desenhadas do caderno de encargos, etc.), que é apresentada nessa proposta como a responsável pela elaboração do projecto definitivo de execução, e que, já depois de aberto o concurso, face a pedidos de esclarecimento de alguns concorrentes, interveio a solicitação do dono da obra para corrigir erros em peças do concurso.
III - Nessas circunstâncias, releva o simples perigo ou risco um comportamento de favor, não sendo necessária a demonstração de que se verificou, em concreto, uma actuação parcial com reflexos no acto de adjudicação - sem prejuízo de os recorridos fazerem a prova de que o resultado decisório do concurso seria inelutavelmente esse.
Nº Convencional:JSTA00059962
Nº do Documento:SAP20031001048035
Data de Entrada:02/27/2002
Recorrente:MIN DAS CIDADES ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E AMBIENTE - A... E OUTROS
Recorrido 1:B... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC 2 SUBSECÇÃO DO CA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONTRATO.
Legislação Nacional:DL 59/99 DE 1999/03/02 ART58 N1.
CPA91 ART6.
CONST97 ART61 N1 ART266 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC27738 DE 1991/10/10.; AC STA PROC28280 DE 1997/02/19.; AC STA PROC45826 DE 2000/05/31.; AC STA PROC48403 DE 2002/02/13.; AC STA PROC113/03 DE 2003/04/02.
Referência a Doutrina:MARIA TEREZA DE MELO RIBEIRO O PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PAG191.
ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTRO CONCURSOS E OUTROS PROCEDIMENTOS DE ADJUDICAÇÃO ADMINISTRATIVA PAG87.
AFONSO QUEIRÓ LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO V1 PAG311.
JEAN RIVERO DIREITO ADMINISTRATIVO PAG88.
ANDRADE DA SILVA REGIME JURÍDICO DAS EMPREITADAS DE OBRAS PÚBLICAS 6ED PAG160.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
- I -
O MINISTRO DO AMBIENTE E ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO e as empresas A..., S.A, ..., S.A, e ..., S.A. recorrem para o Pleno da Secção do Acórdão da 2ª Subsecção deste Supremo Tribunal que anulou o despacho do primeiro, de 1.9.01, que adjudicou ao consórcio constituído pelas recorrentes a empreitada objecto do concurso público internacional para construção da barragem de Ribeiradio.
Nas suas alegações, o 1º recorrente enunciou as seguintes conclusões:
“a) Não se verificou, em qualquer momento do procedimento concursal, qualquer “ligação intima” entre o INAG e a empresa ..., nem qualquer outro aspecto controverso que possa ferir o acto de adjudicação de 09.01.2001, proferido pelo então Ministro de Ambiente e do Ordenamento do Território.
b) Durante o concurso a empresa ... não prestou qualquer assessoria/consultadoria ao INAG.
c) Só se poderia falar de “duplicidade de papéis” se a empresa ... tivesse tido, durante o concurso, uma relação contratual com o INAG, o que não aconteceu.
d) Apenas, depois de aberto o concurso, e por força de um pedido de esclarecimentos de um dos concorrentes, foi necessário rectificar um aspecto pontual do “Estudo prévio” que estava patenteado.
e) Tal rectificação não implicou que a ... consultasse qualquer documento produzido por outro concorrente que qualquer documento que estivesse na posse da entidade adjudicante.
f) Essa rectificação foi dada a conhecer a todos os concorrentes.
g) A razão de ser das incompatibilidades/impedimentos no âmbito dos procedimentos concursais tem a ver com o facto de se entender que não pode ser admitido a concurso aquele que, por força de qualquer circunstância efectiva, tem acesso a uma posição/informação privilegiada que ponha em crise as regras da concorrência e da igualdade de tratamento, colocando-o, por essa razão, numa posição mais favorável que a dos demais concorrentes.
h) O documento produzido pela ... e patenteado não é de natureza, nem ao nível da linguagem técnica nem do conteúdo, imperceptível para os técnicos da área em causa, tanto assim, que foi facilmente perceptível por todos os concorrentes.
i) O concorrente nº 2, assessorado pela ..., não foi sequer o melhor classificado no factor “Qualidade técnica do Projecto-Base”, posicionando-se apenas em 4º lugar de entre os seis concorrentes apresentados a concurso.
j) Em momento algum do procedimento concursal foi suscitada pelo ora recorrido qualquer motivação concreta da violação dos princípios concursais.
I) Não se compreende, pois, quais os “pequenos pormenores” e quais são as “efectivas vantagens” a que alude o douto acórdão quando diz “Em termos efectivos o concorrente nº 2 gozou (...) do conhecimento de pequenos pormenores que os elementos patenteados aos demais concorrentes nem sempre podem traduzir” e “efectivas vantagens” do concorrente vencedor.
m) É que é o próprio recorrente que, nas suas alegações assume que não é possível determinar nem demonstrar que “o acto de adjudicação está efectivamente condicionado pelo facto de a ... ter elaborado o “projecto de referência” patenteado no presente concurso”.
n) Cercear uma empresa, nestas condições, de concorrer ao mercado é que acaba por se traduzir numa violação da concorrência, que se pretende sã e aberta, e numa lesão do interesse público.
o) Pelo que não houve no caso sub judice qualquer violação dos princípios da concorrência, igualdade e imparcialidade”.
Nas alegações apresentadas, as recorrentes formularam as conclusões seguintes:
“1ª - O Acórdão recorrido considerou como provado que a ... elaborou em 1996 um estudo prévio do aproveitamento da Barragem de Ribeiradio, e em 1999, a solução de referência patenteada no concurso aqui em questão. Considerou ainda demonstrado que a ... apresentou durante o prazo do concurso algumas rectificações a documentos antes entregues. A ... foi a autora do projecto de base do concorrente nº 2, bem como a empresa indicada para realizar o respectivo projecto de execução.
2ª - Não se demonstrou existirem quaisquer dados de facto que consubstanciassem uma situação de vantagem do concorrente nº 2 pelo facto de ser assessorado pela ..., e mais do que isso, não se demonstrou existir no acto de adjudicação anulado qualquer indício concreto de que o mesmo resultasse de uma situação de privilégio ou de favorecimento das ora recorrentes pelo facto de serem assessoradas pela .... Ficou assim afastada da matéria provada a ideia de que o facto de a autora da solução de referência ter sido a autora do projecto base do concorrente nº 2 tenha tido alguma relação com o facto de este ter sido declarado adjudicatário.
3ª- Pelo contrário, está demonstrado que o projecto base elaborado pela ..., e único contributo desta empresa para a proposta do concorrente nº 2, ficou classificado em penúltimo lugar na hierarquização das propostas, não tendo contribuído para que esta empresa fosse objecto de uma adjudicação a seu favor.
4ª - O concurso em questão era um concurso de concepção construção pelo que a solução de referência elaborada pela ... contém uma mera descrição geral da obra e um conjunto de informações para a elaboração do projecto a apresentar a concurso, sendo certo que tais projectos foram elaborados pelos concorrentes e avaliados pelos seus exclusivos méritos que não decorrem nem dependem de forma alguma da solução de referência.
5ª – Ficou igualmente demonstrado na Instância “a quo” que todas as informações a que a ... teve acesso para elaboração da solução de referência, assim como todos os documentos por ela elaborados foram patenteados a todos os concorrentes.
6ª – As correcções dos documentos e dos perfis sísmicos que a ... entregou durante o período de esclarecimentos não significam qualquer relação entre a ... e o INAG durante o concurso, constituindo apenas a correcção do anterior cumprimento defeituoso do contrato, sendo absolutamente inócuas do ponto de vista da possibilidade do concorrente nº 2 participar no concurso: não traduzem – nem sequer na aparência - qualquer relação especial do INAG com a ... durante o concurso, relação essa que de facto não existia.
7ª - Apesar de ser esta a única matéria de facto dado como provada, a Instância “a quo” considerou que o acto recorrido violava os princípios da concorrência, da igualdade e da imparcialidade, tendo assim julgado erradamente.
8ª - As considerações que constam do acórdão recorrido a propósito de uma suposta vantagem do concorrente nº 2, através da ..., nomeadamente no que se refere ao facto de a ... ter tido mais tempo para elaborar o projecto e de ter tido acesso a “pequenos pormenores” a que os outros concorrentes não tiveram acesso não passam de meras conjecturas, de juízos conclusivos, feitos pelo Tribunal, não constituindo de alguma forma matéria de facto provada (na verdade, não se demonstraram existir tais vantagens).
9ª - Note-se que não está vedado ao Pleno afastar tais juízos, nomeadamente porque, como se sabe, cabem na sua competência as ilações ou conclusões factuais que ofendam disposições legais que fixam a força probatória de um determinado meio de prova: ora o único facto que resultou demonstrado pelos documentos foi o facto de a ... ter sido autora da solução de referência, sendo abusivo retirar daí as ilações referidas.
10ª - Constitui também um juízo meramente conclusivo – cuja fundamentação está absolutamente por demonstrar - a referência da Instância “a quo” a que a proposta do concorrente nº 2, no que se refere ao projecto base, ainda poderia ter tido pior classificação se o mesmo não tivesse tido efectivas vantagens. Trata-se de uma consideração da Instância a quo absolutamente irrelevante pois não se baseia em quaisquer dados de facto, e que não afasta a conclusão de que em concreto não se provou que o acto de adjudicação tenha sido o resultado de uma qualquer situação de vantagem.
11ª - O julgamento feito pelo acórdão recorrido acerca da violação dos princípios da concorrência e da igualdade é, assim, um julgamento errado por várias ordens de razões.
12ª – A primeira delas é o facto de ter considerado que o concorrente nº 2 gozava de situação de vantagem ou de desigualdade quando não ficou demonstrado nenhum facto que consubstanciasse uma efectiva posição de vantagem.
13ª - A segunda razão pela qual não se pode aceitar o julgamento feito acerca da violação de tais princípios é o facto de que, ainda que se pudesse considerar que o concorrente nº 2 tinha alguma pequena vantagem de facto na elaboração da sua proposta – o que se admite, sem conceder – sempre se concluiria que tal vantagem se revelava como juridicamente irrelevante. O acórdão recorrido julga mal ao confundir situações de desigualdade real entre os concorrentes ou de vantagens de facto – que existirão sempre em qualquer concurso público, e que muitas vezes resultam de anteriores relações com a mesma entidade adjudicante – com situações de vantagem juridicamente inaceitáveis.
14ª - Finalmente, o acórdão recorrido julgou mal por anular o acto recorrido com fundamento na existência de uma hipotética situação de vantagem embora não se tenha demonstrado em concreto que o acto de adjudicação tenha sido o resultado de qualquer situação de vantagem.
15ª - Esqueceu-se o acórdão recorrido de que estavam em confronto no presente processo princípios que propugnavam soluções diferentes: os princípios da concorrência e da igualdade tal como vinham sendo suscitados pelos então recorrentes, alegadamente propondo a exclusão do concorrente nº 2, e o princípio da concorrência (tal como consagrado no art. 10º do Decreto-lei nº 197/99), e do favor do concurso (bem como o princípio da boa fé) propugnando o direito do concorrente nº 2 a participar no concurso.
16ª - Na falta de uma norma que em concreto determine a impossibilidade de concorrer – como é o caso -, a tarefa de concordância prática entre estes princípios, bem como o respeito pelo direito de livre iniciativa económica privada – e o próprio princípio do aproveitamento dos actos jurídicos - levam a que só se pudesse anular o acto de adjudicação se existissem indícios concretos de que o mesmo resultara de uma situação de vantagem do concorrente nº 2.
17ª - Dado que no caso em apreço não se revelaram existir quaisquer indícios concretos dessa natureza (pelo contrário), deve a sentença recorrida ser revogada.
18ª – Ao contrário do que julgou a “Instância a quo”, o art. 58º do Decreto-lei nº 59/99 não tem qualquer aplicação a este caso, nem constitui a tal norma que determinasse a impossibilidade de o concorrente nº 2 participar no concurso: tal disposição legal foi pensada para situações de acordos concertados entre concorrentes que conduzam a que seja apresentada uma proposta menos favorável para o interesse público, situações essas censuráveis que dão lugar a uma comunicação ao IMOPPI e à Direcção Geral do Comércio e da Concorrência. Como facilmente se compreende são situações que nada têm a ver com o caso em apreço, razão pela qual também deve ser revogado o acórdão recorrido.
19ª – Caso se mantivesse – o que se confia não virá a acontecer – a jurisprudência fixada no acórdão recorrido, com uma interpretação maximalista de uma vertente dos princípios da concorrência e da igualdade, qualquer adjudicação a favor de um qualquer concorrente que já tivesse tido conhecimento anterior do local da obra (nomeadamente porque ganhara a empreitada para o troço de estrada anterior), ou uma relação com a entidade adjudicante deveria ser anulada. Na verdade, aplicando o raciocínio do acórdão em questão torna-se impossível traçar uma fronteira entre as vantagens de facto admissíveis e as vantagens juridicamente inaceitáveis, a que acresce para além disso da prova o facto de se prescindir da prova da influência em concreto de tais vantagens no acto de adjudicação.
20ª- Ficaria assim posta em a própria lógica do concurso público e o direito de acesso aos contratos públicos.
21ª - Mais do que isso: admitindo sem conceder que o art. 58º do Decreto-lei nº 599/99 seja aplicável, então sempre se dirá que tal disposição interpretada no sentido de impedir a participação no concurso de um agrupamento nas condições do agrupamento aqui em questão é inconstitucional por violação do direito de livre iniciativa económica privada, tal como consagrado no art. 61º, nº 1 da Constituição. Do mesmo modo se deve considerar inconstitucional o art. 9º nº 1 do Decreto-lei nº 197/99 e o art. 11º do mesmo diploma quando interpretados no sentido de impedirem a participação dum concorrente na situação dos ora recorrentes num concurso.
22ª - No que concerne ao princípio da imparcialidade entendeu o Tribunal “a quo” que basta que fique ferida a imagem de imparcialidade da Administração para que se considere violado este principio. Com base em tal suposta violação entendeu ser de anular o acto de adjudicação. O julgamento assim feito pelo acórdão recorrido é errado por duas razões.
23ª - Em primeiro lugar porque no caso em apreço não há qualquer violação da imagem de imparcialidade da Administração, dadas as características da relação anterior da ... com a Barragem de Ribeiradio (as quais ficaram devidamente apuradas no processo), e a própria lógica inerente ao concurso na qual qualquer alegado reforço de confiança num concorrente não tem qualquer reflexo na hierarquização das propostas.
24ª - Em segundo lugar, porque mesmo que assim não fosse, não basta a beliscadura da imagem de imparcialidade da Administração para que se pudesse anular um acto de adjudicação relativamente ao qual não se verificaram quaisquer indícios de favorecimento de um concorrente.
25ª - Existe um lugar paralelo na legislação e jurisprudência portuguesa onde se demonstra que a jurisprudência do acórdão recorrido, segundo a qual bastaria a mera violação em abstracto dos princípios da imparcialidade, da concorrência e da igualdade, independentemente de o acto recorrido conter indícios da violação de tais princípios, não está consagrada na nossa Ordem jurídica pelo que deve ser rejeitada. Trata-se do que decorre da lei e da jurisprudência firmada em matéria de casos de escusa e suspeição, em que é claro que o acto praticado por alguém em situação de escusa não requerida (e apesar da violação do dever de a requerer) só será anulado se se demonstrar, em concreto, haver indícios de violação do princípio da imparcialidade.
26ª - A lei e a jurisprudência portuguesa são claras em afirmar que não basta a violação da imagem de imparcialidade da Administração para que o acto seja anulado. Do mesmo modo, não se pode anular um acto com fundamento em violação do princípio da concorrência e da igualdade, sem que em concreto existam indícios da violação de tais princípios. Ao adoptar solução contrária, o acórdão recorrido violou a lei e o Direito, pelo que deve ser revogado.
27ª - Note-se que a solução contrária à do acórdão recorrido é imposta também pelo princípio do aproveitamento dos actos jurídicos.
28ª - Independentemente do que se afirmou, acresce que estava vedada ao tribunal, no caso em apreço, conhecer das supostas violação dos princípios da concorrência, da imparcialidade e da igualdade, uma vez que se havia já formado caso decidido sobre a aptidão e idoneidade do concorrente nº 2 para participar no concurso.
29º - Na verdade, a possibilidade de manutenção dos concorrentes em concurso foi objecto de uma decisão autónoma notificada aos concorrentes, nos termos do art. 98º do Decreto-lei 59/99, não tendo qualquer concorrente reclamado ou recorrido de tal decisão. Formou-se assim caso decidido sobra a sua manutenção no concurso, não podendo a mesma ser objecto de posterior apreciação judicial. Deve também por isso ser revogado o acórdão recorrido”.
As recorridas B..., S.A. e ..., S.A. pugnam nas contra-alegações pela manutenção do julgado, tendo concluído da seguinte forma:
“1ª - Não cabia à ora recorrida o ónus de demonstrar que existe uma relação de causa e efeito entre a assessoria da ... ao INAG e o resultado da adjudicação, dado que aquela assessoria pura e simplesmente impede a ..., directa ou indirectamente, de participar no presente concurso;
2ª - A intervenção da ... na elaboração dos documentos patenteados a concurso viola o principio da concorrência, nos termos do artigo 58º do Decreto-Lei n- 55/99, de 2 de Março.
3ª - A admissão ao concurso da recorrida particular e ora recorrente viola o principio da igualdade, previsto no artigo 5ª do CPA, porque o projecto de base por ela apresentado foi elaborado pela mesma entidade que, desde 1986, vinha estudando o aproveitamento hidroeléctrico de Ribeiradio por conta da entidade adjudicante.
4ª - O despacho recorrido viola o principio da imparcialidade previsto no artigo 6º do CPA porque, independentemente da boa fé com que os estudos prévios foram elaborados pela empresa ..., as condições do concurso foram estabelecidas de forma que, em termos objectivos, favorecem os interesses da ora recorrida particular;
5ª - Não se formou caso decidido quanto à possibilidade de o concorrente nº 2 se manter em concurso, em virtude da sua qualificação nos termos dos artigos 98º e 99º do decreto-lei nº 59/99”.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, e da revogação do acórdão recorrido.
O processo foi aos vistos legais, cumprindo agora decidir.
- II -
O acórdão recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:
a) Por aviso publicado na III Série do Diário da República n.º 143, de 23 de Junho de 2000, foi aberto pelo Instituto da Água ( INAG ) um concurso público internacional para a “ Empreitada de Construção da Barragem de Ribeiradio e Acessos, com apresentação de Projecto Base. “
b) A tal concurso apresentaram-se os seguintes concorrentes (agrupamentos de empresas):
N.º 1 – B..., S.A./..., S.A.;
N.º 2 – A..., S.A./..., S.A./..., S.A.;
N.º 3 – ... S.A./...;
N.º 4 – ..., T.P./..., S.A./...;
N.º 5 – ..., ..., S.A./..., S.A./..., S.A.; e
N.º 6 – ..., S.A./..., S.A..
c) Em 21.12.00, realizou-se a sessão do acto público, conforme está documentado nas folhas 170 a 173 dos autos, que se têm por reproduzidas.
d) A Comissão do acto público depois de verificados os documentos de habilitação, admitiu todos os concorrentes, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.
e) Abertas e lidas as propostas, a comissão do acto público procedeu ao respectivo exame, deliberando admitir todas elas.
f) Foi depois fixado, pela Comissão, um prazo de 15 minutos para os concorrentes examinarem as propostas e, eventualmente, reclamarem contra a deliberação havida a propósito da sua admissão.
g) Então, o concorrente n.º 5 apresentou a seguinte reclamação:-
“ O concorrente n.º 5 ao concurso público para execução da empreitada de Construção da Barragem de Ribeiradio e Acessos, com apresentação de projecto base, agrupamento constituído pelas empresas .../.../... não se conformando com a deliberação da Ex.ma Comissão de abertura de propostas que admitiu o concorrente n.º 2, agrupamento constituído pelas empresas A.../...& Companhia vem da mesma reclamar, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes: o referido concorrente apresenta no fascículo referente à alínea g) do n.º 14.1 do programa de concurso um projecto base referente aos elementos solicitados no programa de concurso, constituídos por desenhos, memória descritiva, estudos de base / hidrologia, resumo não técnico do estudo de impacte ambiental, e geotécnico – trabalhos de campo, que constituem os volumes 3, 4, 5, 6, e 7 do projecto referência patenteado em concurso, projecto base esse apresentado pelo concorrente, que vem elaborado pela empresa ..., S.A.. Para além do mais, da memória descritiva e justificativa na forma de execução da obra apresentada por este concorrente, e que se refere a alínea e) do n.º 14.2.1 do programa de concurso, designadamente no n.º 1.5.2, pag. 8/64 da referida memória ( pag. 91 do fascículo em questão ) consta a seguinte menção “ o projecto será elaborado pela ..., S.A., empresa com vasta experiência em obras hidráulicas e conhecedora com profundidade do sistema de construção de barragens em BCC. “
Ora esta empresa ..., foi a empresa que elaborou o projecto referência patenteado em concurso pelo dono da obra e que assessorou este último em todo o processo de concurso, para além de continuar a assessorá-lo até à presente data.
Tal procedimento em que um concorrente se apresenta com o mesmo projectista do dono da obra apresenta evidentes discrepâncias relativamente aos restantes concorrentes.
Designadamente o art. 58º do Dec. – Lei 59/99 de 2 de Março dispõe que:
“1 – São proibidos todos os actos e acordos susceptíveis de falsear as regras de concorrência, sendo nulas as propostas, os pedidos de participação ou as decisões apresentadas, recebidas ou proferidas, devendo as mesmas ser rejeitadas e os concorrentes excluídos. “
Ora, é evidente que estamos perante uma situação que falseia as regras da concorrência e a igualdade entre os vários concorrentes uma vez que o concorrente n.º 2 detém informação privilegiada relativamente ao dono da obra, por via da entidade que subscreve o projecto apresentado.
Nestes termos e dando cumprimento ao art. 58º, n.º 1 do Dec. Lei 59/99 vem o recorrente n.º 5 requerer a revogação da deliberação da Ex.ma Comissão de abertura de propostas que admitiu a proposta do concorrente n.º 2, excluindo-a do presente concurso. “
O concorrente n.º 1 também reclamou nos seguintes termos:
“ O concorrente n.º 1 ao Concurso Público para a Construção da Barragem de Ribeiradio e Acessos, constituído pelas empresas B... AS e ... AS, também não se conformando com a deliberação da Ex.ma Comissão que admitiu a concurso a proposta do concorrente n.º 2, da mesma vem reclamar, pelos motivos e fundamentos constantes da reclamação apresentada pelo concorrente n.º 5 nos seus precisos termos, aqui os reproduzindo e subscrevendo na íntegra para todos os legais efeitos.
Assim sendo, deve a decisão da Ex.ma Comissão de Abertura que admitiu o concorrente n.º 2, ser revogada e substituída por outra que exclua a concorrente n.º 2 ao presente concurso. “
Reclamou ainda o concorrente n.º 3, nos seguintes termos: - “ Concorrente n.º 3 constituído pelas empresas .../... e ... vem por este meio, subscrever as reclamações apresentadas pelos concorrentes n.ºs 5 e 1, em nome do princípio da transparência.
h) Depois de reunir em sessão reservada a Comissão deliberou assim: “ Da sua apreciação resultou matéria antes desconhecida na generalidade pela Comissão. Assim, conjugando o disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 89º e o n.º 1 do art. 58º do Dec. Lei 59/99 de 2 de Março, e ainda nos termos dos art.s 6º e 7º do Código do Procedimento Administrativo, a Comissão deliberou, por unanimidade, dar provimento às reclamações apresentadas e portanto excluir o concorrente n.º 2. “
i) Desta deliberação foi interposto recurso hierárquico pelo concorrente n.º 2, por este modo:
“ O concorrente n.º 2 formado pelas empresas A.../.../... & Companhia, inconformado com a deliberação da Ex.ma Comissão de Abertura, que excluiu a sua proposta, vem da mesma interpor recurso hierárquico, requerendo desde já que lhe seja passada e entregue certidão do teor da acta do presente acto público. “
j) O Presidente do INAG, por seu despacho de 1.3.01, aposto sobre a informação n.º 839/DSPO/2001, constante de fls. 72 a 94 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas, deferiu o recurso, readmitindo o concorrente n.º 2.
l) Deste despacho houve dois recursos contenciosos:-
um, interposto pelo agrupamento formado pela ... e outros, que tomou o n.º 292/01 no Tac de Lisboa, e que foi rejeitado por irrecorribilidade do acto, tendo a decisão transitado em julgado;
outro, interposto pelo consórcio constituído por B... Construções e outro, também no TAC de Lisboa, onde assumiu o n.º 243/01, e que foi rejeitado por intempestividade, tendo o recurso jurisdicional interposto para o STA confirmado esta decisão com trânsito em julgado.
m) A Comissão deliberou depois sobre a qualificação dos recorrentes nos termos do art. 98º do Dec. Lei n.º 59/99, sem que algum tenha sido excluído, o que não foi objecto de qualquer reclamação.
n) A Comissão de Análise elaborou o relatório final constante de fls. 26 a 40 dos autos e que aqui se dão por reproduzidas, propondo a adjudicação da empreitada ao concorrente n.º 2.
o) A entidade adjudicante, o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, por despacho de 1.9.01 e concordando com os termos daquele relatório, procedeu à adjudicação conforme vinha proposto (fls. 25 ).
p) Em 1996 a empresa ..., S.A., elaborou para o INAG, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, o estudo prévio de aproveitamento hidráulico da Ribeiradio, incluindo o estudo económico da produção de energia eléctrica, a partir de uma central com potência instalada de 70 MW.
q) Mais tarde, em Abril de 1999, o INAG pretendendo lançar um concurso destinado à concepção e exploração do referido aproveitamento hidráulico, mas a partir de uma central com potência apenas de 10 MW, adjudicou por ajuste directo à ... o respectivo estudo prévio, conforme contrato que foi assinado em 26.8.99 e consta de fls. 259 a 266 dos autos.
r) Esta, antes da adjudicação, consultou o INAG sobre se tal trabalho era incompatível com a participação como concorrente, em consórcio com outras empresas, em futuro concurso respeitante àquela obra, tendo-lhe sido dito que não.
s) Segundo o objecto do contrato, a ... obrigou-se a proceder à elaboração do estudo prévio para o concurso da Barragem de Ribeiradio, aí se incluindo a definição geral da obra e dos acessos, a estimativa orçamental, as peças escritas e desenhadas do caderno de encargos, nomeadamente as especificações técnicas, as especificações para a topografia e a definição do programa de prospecção geotécnica.
t) O prazo para a execução dos trabalhos era de 2 meses a partir da assinatura daquele, o que foi respeitado ( v. fls. 270 a 283 dos autos e, do proc. instrutor, os vol.s 3 ( Situação de referência – Memória ), 4 ( Solução de referência – desenhos ), 5 ( Estudos de base – Hidrologia ), 6 ( Resumo não técnico de impacte ambiental ) e 7 ( Geotecnia – Trabalhos de Campo ), o que tudo se dá por reproduzido ).
u) No decurso do prazo para a apresentação de propostas, os interessados representaram vários pedidos de esclarecimento sobre os elementos patenteados.
v) Foi então que, ainda ao abrigo do contrato celebrado e por solicitação do INAG face a erros detectados, a ... introduziu correcções em documentos e num desenho, que antes havia entregue no âmbito do estudo prévio, o que tudo foi distribuído aos interessados em Agosto de 2000.
x) Na mesma altura foram também remetidas aos interessados novas indicações sobre a orientação dos perfis sísmicos elaboradas pela ..., por determinação do INAG.
z) Alguns dos pontos do estudo prévio foram depois tornados vinculativos de acordo com o ponto 9.1 do Programa.
a1) A proposta do concorrente n.º 2 é integrada por um projecto base da ..., que foi ainda indicada como a futura responsável pela elaboração do projecto definitivo de execução ( v. vol. 3, Tomos 1 2 e 3 – projecto base da barragem -, do processo instrutor, que aqui se dão por reproduzidos ).
b1) Aos interessados foram disponibilizados todos os elementos de informação fornecidos à ... para elaboração do estudo prévio, bem como este e documentos atinentes.
- III -
O acórdão recorrido anulou o acto de adjudicação no concurso público para a empreitada de construção da barragem de Ribeiradio, com fundamento na violação do disposto no art. 58º, nº 1, do Dec-Lei nº 59/99, bem como dos princípios da igualdade e da imparcialidade.
Na base da anulação decretada está a circunstância de o consórcio vencedor, constituído pelas agora recorrentes, ter concorrido com um projecto elaborado pela empresa ... , S.A., empresa esta que elaborara para o INAG (dono da obra) o estudo prévio para o concurso em questão. Além disso, já durante o concurso, a ... voltou a desenvolver tarefas para o dono da obra, ao introduzir, a pedido deste e face a pedidos de esclarecimento dos concorrentes, correcções em documentos e num desenho que havia anteriormente entregue.
O recorrente público insurge-se contra este entendimento, dizendo, em síntese, que não houve nenhuma ligação íntima entre o INAG e a ..., nem duplicidade de papéis desta, pois não houve durante o concurso relação contratual com a mesma nem assessoria prestada. Não houve acesso a qualquer informação privilegiada que pudesse pôr em crise a concorrência ou a igualdade de tratamento, o documento produzido pela ... era facilmente perceptível para todos os concorrentes, o concorrente vencedor obteve apenas o 4º lugar entre 6 no factor “qualidade técnica do projecto-base”, e nunca foi suscitada, no procedimento, a violação dos princípios concursais; não se compreende quais sejam os “pequenos pormenores” e as “efectivas vantagens” a que alude o acórdão recorrido, a adjudicação não está influenciada pelo facto de a ... ter elaborado o projecto de referência patenteado no concurso, e cercear as possibilidades de esta empresa concorrer no mercado é que acaba por se traduzir numa violação da concorrência.
Os recorrentes adjudicatários esforçam-se igualmente por demonstrar que o acórdão errou, essencialmente com base nas seguintes ordens de razões: não se provou a existência de nenhuns dados de facto que consubstanciassem uma situação de vantagem do concorrente nº 2 pelo facto de ter sido assessorado pela ..., nem indícios concretos de que o acto de adjudicação tivesse resultado de situação de privilégio ou favorecimento, até porque o projecto-base da autoria desta empresa ficou classificado em penúltimo lugar; os méritos da soluções dos concorrentes não dependem da solução de referência elaborada pela ..., e todos os elementos de que esta se serviu para a conceber foram patenteados aos concorrentes; as correcções elaboradas pela ... durante o concurso não significam qualquer relação especial entre o INAG e a ..., sendo apenas a correcção do anterior cumprimento defeituoso do contrato; não constituem matéria de facto provada, mas meras conjecturas ou juízos conclusivos, as considerações feitas no acórdão quanto ao facto de os recorrentes estarem em vantagem por a ... ter tido mais tempo para elaborar o projecto e acesso único a “pequenos pormenores”, assim como exprime um juízo conclusivo e não fundamentado dizer-se que a proposta do concorrente nº 2 ainda poderia ter tido pior classificação se não tivesse havido efectivas vantagens; vantagens de facto existem sempre em todos os concursos, mas isso é diferente de situações de vantagem juridicamente inaceitáveis; o acórdão não valorou, como contrapeso, os princípios da concorrência, do favor do concurso e da boa-fé; o art. 58º do D-L nº 59/99 não tem aplicação ao caso concreto, pois foi concebido para situações de acordos concertados entre os concorrentes; a manter-se o entendimento do acórdão, seria sempre anulada a adjudicação em favor do concorrente que conhecesse de antemão o local da obra, ou que tivesse tido uma relação com a entidade adjudicante; concedendo que o art. 58º fosse aplicável, então o mesmo seria inconstitucional, quando interpretado no sentido de impedir a participação como a do concorrente em causa, por violação do art. 61º, nº 1, da CRP, o mesmo sucedendo com os arts. 9º e 11º do D-L nº 197/99; não basta a beliscadura da imagem de imparcialidade da Administração, ou a violação em abstracto dos princípios da concorrência e da igualdade, para anular um acto de adjudicação sem indícios de favorecimento, pois existe Jurisprudência firmada no sentido de que só deve ser anulado o acto praticado em situação de escusa não requerida se se demonstrar haver, em concreto, indícios de violação do dever de imparcialidade; finalmente, estava vedado ao tribunal conhecer das violações em causa, em virtude de se ter formado caso decidido sobre a aptidão e idoneidade do concorrente, tendo existido decisão autónoma, notificada aos concorrentes, nos termos do art. 98º do Dec-Lei nº 59/99, não tendo havido recurso desta decisão.
Comecemos por este último aspecto, uma vez que, a proceder a argumentação das recorrentes, o tribunal estaria impedido de pronunciar a anulação decretada, mesmo que para tanto dispusesse de fundamento válido.
As recorrentes não têm razão. A decisão a proferir pela comissão do concurso, no âmbito do art. 98º do Dec-Lei nº 59/99, não abarca as matérias em que o tribunal encontrou as disfunções que justificaram a anulação do acto impugnado. A análise que nessa sede tem de fazer-se diz unicamente respeito à capacidade “financeira, económica e técnica” dos concorrentes, como manda o preceito. De fora ficarão sempre outros aspectos, incluindo todos os que se prendam com o conteúdo das propostas. Ora, aquilo que o tribunal a quo valorou negativamente não foi nada que se referisse à capacidade do concorrente, em alguma daquelas três vertentes, mas sim o facto de, na proposta que apresentou, surgir como autora do projecto-base a mesma empresa que fora previamente encarregada pelo dono da obra de elaborar o projecto de referência do próprio concurso. Além disso, para o veredicto anulatório contou igualmente a circunstância de tal empresa ter colaborado com o dono da obra já no decorrer do concurso, e este é mais um aspecto absolutamente estranho à decisão a tomar pela comissão ao abrigo da disposição citada.
Por conseguinte, não pode afirmar-se que com aquela decisão se formou caso resolvido no sentido de o concorrente poder participar no concurso.
Prosseguindo:
Importa antes de mais precisar quais os factos concretos que se provaram e que, valorados pela subsecção, a autorizaram a extrair a conclusão de que foram desrespeitados os princípios da igualdade e imparcialidade, bem com a norma sobre concorrência do art. 58º, nº 1, do D-L nº 59/99.
O conjunto dos mais relevantes retira-se das alíneas p) a s) e u) a b1) do elenco da matéria de facto que atrás se deixou feito, e pode sintetizar-se utilmente do seguinte modo:
Na sequência de estudo prévio de aproveitamento hidráulico da Ribeiradio, que há cerca de 3 anos tinha elaborado para o INAG ao abrigo de um contrato de prestação de serviço, a empresa ... voltou a ser chamada pela mesma entidade para elaborar um novo estudo, na perspectiva do lançamento de um concurso de concepção e exploração desse aproveitamento, e a celebrar com o INAG novo contrato. Este tinha por objecto o estudo prévio para o concurso, incluindo a definição geral da obra e acessos, a estimativa orçamental, as peças escritas e desenhadas do caderno de encargos, nomeadamente as especificações técnicas, as especificações para a topografia e a definição do programa de prospecção geotécnica. Alguns aspectos deste estudo foram tornados vinculativos pelo Programa do Concurso.
Esta mesma empresa vem depois a aparecer no concurso como autora do projecto-base integrado na proposta do concorrente nº 2, formado pelas empresas ora recorrentes, sendo ainda por estas indicada como a futura responsável pela elaboração do projecto definitivo de execução.
Acresce que, perante o pedido de esclarecimento formulados por concorrentes, o dono da obra pediu à ... que, ainda ao abrigo do contrato celebrado, introduzisse correcções em documentos e em desenhos que havia entregue, por forma a eliminar erros detectados.
Ora, este jogo de circunstâncias é, efectivamente, susceptível de lançar sobre o concurso e o acto que lhe pôs termo uma aura de suspeita e desconfiança, pondo em causa a imagem de objectividade e seriedade que os órgãos da Administração Pública devem guardar. Associada a um dos concorrentes e subscrevendo um projecto que é uma importante componente da proposta dele, e além disso apresentada como o autor do futuro projecto de execução da obra posta a concurso, surge uma empresa que foi a responsável pela elaboração, para o dono da obra, do estudo prévio que constituiu o projecto de referência do concurso. A empresa que ajudou a preparar o concurso, que procedeu ela própria à definição geral da obra, à estimativa orçamental, e que elaborou peças escritas e desenhadas que deram corpo ao respectivo caderno de encargos, desenvolvendo, dessa forma, uma relação de extrema proximidade com a entidade adjudicante, ao participar na candidatura do consórcio passa a participar também do interesse comercial deste em vencer o concurso. Está, em simultâneo, do lado da organização do concurso e, por outro, envolvida na competição com os outros concorrentes, projectando para o exterior uma imagem de pouca rectidão da parte de quem permitiu que tal acontecesse.
Relativamente ao universo dos concorrentes, isso transmite a ideia de que o concorrente cuja proposta conta com semelhante mais-valia ficará, no critério de quem adjudica, mais bem colocado para conseguir o contrato. O que de imediato desvirtua, pelo menos num plano potencial, as regras da sã concorrência.
Isso explica, portanto, a reacção adversa dos outros concorrentes logo na sessão do acto público, reclamando contra a admissão da proposta, assim como legitima a atitude prontamente tomada pela comissão de dar provimento às reclamações – decisão essa que viria depois a ser revogada pelo dono da obra.
A adjudicação feita nessas condições não pode deixar de estar viciada. Em causa está, naturalmente o princípio da imparcialidade da Administração, a que a mesma está adstrita por força do disposto no art. 266º, nº 2, da CRP e no art. 6º do CPA. Mas não no sentido de que ela materializa, em si mesma, a prática de um acto de favor para com o adjudicatário, visto que nada a esse respeito se provou, mas na dimensão de transparência que o princípio comporta, e que tem recebido tratamento com foros de alguma autonomia na Jurisprudência deste Supremo Tribunal (v. os Acs. de 10.10.91, proc.º nº 27.738, 19.2.97, proc.º nº 28.280, 31.5.00, proc.º nº 45.826, 17.1.01, proc.º nº 44.249, 8.3.01, proc.º nº 47.288, 13.2.02, proc.º nº 48.403, 9.4.02, proc.º nº 48.427, 9.7.02, proc.º nº 48.057, 24.10.02, proc.º nº 122/02, e 2.4.03, proc.º nº 113/03).
Nesta vertente, e como diz MARIA TERESA DE MELO RIBEIRO, a transparência administrativa existe como “uma forma de garantir, preventivamente, a imparcialidade da actuação da Administração” – in O Princípio da Imparcialidade da Administração Pública, Almedina, Coimbra, p. 191.
Do que se trata é de proteger a imagem de imparcialidade e bom nome da Administração, e simultaneamente de assegurar aos cidadãos que podem acreditar e confiar numa Administração com essas características (cf. ob. e loc. cit. e FREITAS DO AMARAL, Os Princípios da Justiça e da Imparcialidade da Administração Pública na Constituição de 1976, edição policopiada de lições ao 2º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1993). No entendimento de VIEIRA DE ANDRADE, em parecer inédito citado pela referida autora, as garantias legais da imparcialidade administrativa funcionam como garantias da imagem e do bom nome da Administração, “conjurando, através das proibições, situações de perigo em que, além da tentação que se oferece ao agente, pode germinar a suspeita pública relativamente à falta de isenção dos órgãos administrativos. A protecção legal do bem jurídico imparcialidade alarga-se, assim, demarcando uma zona envolvente que se julga adequada a prevenir a respectiva lesão” (loc. cit.).
É por estas razões que não pode acolher-se a tese das recorrentes segundo a qual o acto recorrido apenas poderia ser anulado caso se demonstrasse a existência de um concreto reflexo que a situação descrita tivesse tido no acto de adjudicação, e de que nenhum indício pôde ser comprovado – isto, pese embora o grande empenho e o muito brilho postos na argumentação que desenvolvem.
É que o valor ou interesse jurídico tutelado com a transparência é o mero risco ou perigo de quebra do dever de imparcialidade, independentemente de se ter produzido, em concreto, uma efectiva actuação imparcial. O dever que aos órgãos administrativos se impõe não é apenas o de agirem com imparcialidade, mas o de se comportarem por forma a alardear essa imparcialidade, a projectá-la para o exterior. Em tempos de muita desconfiança, porventura fruto dos excessos cometidos ao longo de um processo recente de transformação social, e de perda da nitidez da fronteira entre o público e o privado, a benefício de alegados imperativos de ordem económica, tudo deve ser feito para dissipar suspeitas e reforçar a confiança dos cidadãos na Administração Pública, na construção do verdadeiro Estado de Direito.
A ilicitude da acção ou omissão administrativa reside, desde logo, naquilo que for susceptível de configurar, por critérios de razoabilidade e tendo em vista os ditames da ética, o perigo do aproveitamento ou do favorecimento, independentemente da verificação do dano.
Contrariamente ao que as recorrentes defendem, este entendimento não põe em causa nenhuma corrente jurisprudencial anteriormente formada neste S.T.A.. Como contrapeso ao aresto que cita, vários acórdãos há em que se tem afirmado o efeito invalidante autónomo de certas violações, em abstracto, do princípio da imparcialidade, independentemente da demonstração de uma actuação efectivamente imparcial, como seja o caso do estabelecimento de critérios, subcritérios ou elementos de avaliação após o conhecimento do conteúdo das propostas (v. os Acs. de 13.2.02, 9.402 e 2.4.03, resp. proc.ºs nºs 48.403, 48.427 e 113/03).
O mais que pode aceitar-se é que o tribunal deixe de proferir a anulação contenciosa se lhe for exibida prova (cujo ónus compete ao recorrido e será decerto muito difícil) de que a violação cometida não teve qualquer espécie de influência no resultado decisório, que seria sempre o mesmo se o dever de transparência não tivesse sido quebrado.
Simplesmente, no caso dos autos essa demonstração não foi feita. O argumento de que o concorrente em causa recebeu uma má pontuação no factor de avaliação que se prendia com o mérito do projecto da autoria da empresa ... é manifestamente insuficiente para arredar por completo qualquer desconfiança, pois nesse segmento classificativo o concorrente ainda levou vantagem sobre os 2 últimos, e pôde somar alguma pontuação.
Também não convence o argumento de que desta forma se estaria a abrir uma “caixa de Pandora”, inviabilizando o acesso aos concursos de empresas que tenham relações anteriores com a entidade adjudicante, como por exemplo nos casos em que uma dada empresa vence um concurso para um troço de uma estrada, que ficaria impedida de concorrer ao concurso para adjudicação do troço seguinte, ou do vencedor dum concurso de informática para uma dependência de uma entidade pública, num concurso para escolha do sistema informático doutra dependência do mesmo organismo. Não estamos perante casos análogos, nem comparáveis ao nível dos factos e da valoração que dos mesmos se tem de fazer. Do que aqui se trata não é de uma simples ligação “histórica” da empresa candidata ao dono da obra, é de essa empresa ter sido associada à tarefa específica, que se inscreve nas atribuições do ente adjudicatário, de preparar o concurso nas suas valências técnica e regulamentar, e de a mesma aparecer depois como elemento preponderante da proposta de um concorrente. No caso dos autos, a prova de que durante o concurso ainda permaneciam sinais e manifestações da associação da ... ao INAG, e da posição de duplicidade da primeira, surge à tona quando a mesma é chamada, já no decorrer do concurso, a prestar apoio técnico para corrigir um erro do estudo prévio. É inútil insistir que essa intervenção teve lugar fora do âmbito das relações contratuais entre ambas as partes, pela simples razão de que ela só faz sentido enquanto manifestação dessas mesmas relações.
Por outro lado, não são suficientes para abalar a construção da decisão recorrida, e a solução que deu ao litígio, as acusações de que se socorreu de meras conjecturas e juízos conclusivos que não constituem matéria de facto provada. O que o acórdão pretendeu, ao aludiu aos “pequenos pormenores” e às “vantagens” que uma situação como a que ocorreu podia proporcionar, como o ganho de tempo para elaborar o projecto, foi apenas inventariar um pequeno conjunto de benefícios que o concorrente pode, num juízo de prognose assente na experiência comum, retirar quando confortado com a presença, nas suas fileiras, da empresa que ajudou o dono da obra na preparação do concurso. No fundo, e em lugar de dar como adquirido que a empresa em questão gozou desta ou daquela vantagem, o acórdão teve em vista justificar o porquê do alcance invalidante que deu ao princípio da imparcialidade – tarefa que, na óptica do presente aresto, se afigura mais fácil se se puser o acento tónico na vertente de transparência, ou de garantia preventiva da imparcialidade, como atrás se discorreu.
Injusta é também a crítica de que o acórdão não deu o devido valor aos princípios da concorrência, do favor do concurso e da boa-fé.
Quanto aos dois primeiros, não se nega, evidentemente, a sua existência e relevância em procedimentos deste tipo. Mas, mesmo que a respectiva invocação tivesse pleno cabimento, a verdade é que nada podem contra princípios com valor constitucional como é o princípio da imparcialidade da Administração, por definição inderrogáveis. Acerca da superioridade desta categoria de princípios, v. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, p. 87, AFONSO QUEIRÓ, Lições de Direito Administrativo, 1976, vol. I, p. 311 e JEAN RIVERO, Direito Administrativo, p. 88.
Relativamente à boa-fé, não é verdade que o entendimento que prevaleceu – e agora se reitera – afronte os ditames da boa-fé. As recorrentes alegam que lhes foram criadas expectativas de que podiam legitimamente ter a ... como colaboradora. Sucede, porém, que não foi a entidade adjudicante (o Ministro recorrido) mas o INAG, a responder negativamente à sua consulta sobre se o trabalho como coadjuvante do concurso a impedia de participar como concorrente, e sendo assim não estava criada perante o órgão com competência para decidir nenhuma espécie de vinculação com origem nos preceitos da boa-fé. De qualquer modo, ainda que a criação e a defraudação das expectativas se concentrassem no mesmo órgão da mesma pessoa colectiva, ainda assim não seria caso de dar primazia à boa-fé (que tem sempre uma eficácia conformadora relativa) sobre a imparcialidade. Sem embargo das consequências que uma informação como a que foi dada pode ter no plano da responsabilidade civil extra-contratual, de que aqui não se cura.
Igualmente, o princípio da concorrência teria de ceder face às exigências da transparência administrativa, mas o que acontece é que este princípio pode e deve ser convocado, mas em favor da anulação que o acórdão recorrido ditou.
Na realidade, a dupla intervenção da ... ao lado das recorrentes, nas circunstâncias que já foram descritas, é que constitui um factor de desvirtuamento da concorrência, na medida em que, como atrás se disse, as veio colocar em posição de aparente vantagem sobre os demais concorrentes.
Nem se diga que não é destes interesses que se ocupa o art. 58º, nº 1, do Dec-Lei nº 59/99, que teria sido pensado exclusivamente para prevenir acordos concertados entre os concorrentes em prejuízo do interesse público. Esta última ratio cabe, sem dúvida, no enunciado da norma, mas ela também abarca outros comportamentos susceptíveis de falsear a sã concorrência, como se depreende do uso da alternativa “actos ou acordos”. O preceito, como assinala ANDRADE DA SILVA, “visa obter seriedade de comportamento e de processos por parte dos empreiteiros participantes no concurso, condenando-se todo e qualquer expediente que possa conduzir a conluio entre eles ou a situações que, ilegitimamente, coloquem algum ou alguns deles em situação de privilégio relativamente aos restantes” (Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, 6ª edição anotada e comentada, 2000, p. 160).
Resta acrescentar que desta disposição não dimanam unicamente directrizes para os concorrentes, mas igualmente para a Administração, sendo esse o sentido da locução “devendo as mesmas (as propostas ou pedidos de participação) ser rejeitadas e os concorrentes excluídos”.
Deste modo, tem inteira justificação a chamada deste art. 58º, nº 1, como disposição legal violada pelo acto administrativo impugnado, muito embora o vício decorrente da violação da transparência possua, desde logo, eficácia invalidante a suportar a anulação decretada.
Por esse motivo, é inoperante, para os efeitos pretendidos pelas recorrentes, a arguição de inconstitucionalidade desse art. 58º, por ofensa do disposto no art. 61º, nº 1, da CRP.
Ainda assim, sempre se dirá que esta norma não tutela o exercício indiscriminado da iniciativa económica privada, mas unicamente a que é desenvolvida “nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral”. Ora, disposições como a do referido art. 58º são justamente exemplos das limitações que a lei tem de estabelecer para harmonizar os interesses particulares entre si e estes com o interesse geral, sem todavia atingir o núcleo da protecção da garantia constitucional.
Improcedem, deste modo, as alegações dos recorrentes.
Termos em que acordam em negar provimento aos recursos, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelas recorrentes particulares.
Taxa de justiça: 480,00€
Procuradoria: 240,00€
Lisboa, 1 de Outubro de 2003.
J. Simões de Oliveira – Relator – António Samagaio – Azevedo Moreira – Isabel Jovita – Adelino Lopes – Abel Atanásio – João Cordeiro – Vítor Gomes.