Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01167/04
Data do Acordão:01/26/2005
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:TAXA MUNICIPAL.
TAXA DE PUBLICIDADE.
INCONSTITUCIONALIDADE.
Sumário:A taxa de publicidade, questionada nos presentes autos e cobrada pela Câmara Municipal de Lisboa, relativamente a instalação de reclamos luminosos, em prédios urbanos particulares, é de qualificar como imposto estando a sua criação, através de diploma não legislativo, ferida de inconstitucionalidade, por violar o preceituado nos artigos 106.º, 2, e 168.º, 1, i), da CRP.
Nº Convencional:JSTA00061675
Nº do Documento:SA22005012601167
Data de Entrada:11/09/2004
Recorrente:CM DE LISBOA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - TAXA.
Legislação Nacional:LGT98 ART4 N2.
CONST89 ART106 N2 ART168 N1 I.
CONST97 ART103 N2 ART165 N1 I.
REGULAMENTO DE PUBLICIDADE DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA ART3 ART16.
TABELA DE TAXAS E OUTRAS RECEITAS MUNICIPAIS DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA ART23 N4 B.
Jurisprudência Nacional:AC TC 313/92 DE 1992/10/06 PROC435/91.; AC TC 453/03 DE 2003/10/14 PROC410/03.; AC TC 558/98 DE 1998/09/29 PROC240/97.; AC TC 63/99 DE 1999/02/02 PROC513/97.; AC TC 32/00 DE 2000/01/12 PROC104/99.; AC TC 437/03 DE 2003/09/30 PROC540/02.; AC TC 453/03 DE 2003/10/14 PROC410/03.; AC TC 34/04 DE 2004/01/14 PROC33/03.; AC TC 109/04 DE 2004/02/11 PROC409/03.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A Câmara Municipal de Lisboa recorre da sentença que, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, julgou procedente a impugnação do acto tributário da liquidação de taxa de publicidade e, por isso, anulou a respectiva liquidação.
Alegou formulando o seguinte quadro conclusivo:
1. É com base no conceito de taxa estabelecido no n.º 2 do artigo 4.º da LGT, que se deve aferir da qualificação do tributo presente nestes autos, como taxa ou imposto (prevalecendo, como demonstrámos, a primeira) e, em consequência, da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de tal tributo.
2. O tributo exigido pela Recorrente resulta directamente da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, em razão da imposição legal de aqueles serem obrigados a requerer uma licença para o exercício da actividade publicitária, para a qual se exige a verificação dos requisitos decorrentes das normas legais e regulamentares aplicáveis, cujo cumprimento à autoridade licenciadora cabe assegurar.
3. A verificação da compatibilidade dos reclamos publicitários com a área envolvente e a segurança dos dispositivos, prende-se directamente com um serviço prestado pelo Município, inerente à emissão da correspondente licença, esta indispensável ao exercício da actividade publicitária.
4. A licença de publicidade permite fazer publicidade na via pública ou no espaço aéreo, independentemente do meio ou do suporte, propiciando a utilização de um bem público, consubstanciado nas ruas avenidas, praças, jardins, e espaço aéreo onde a mesma é visível, onde circulam as pessoas com as quais se estabelece o diálogo publicitário, com aproveitamento exclusivo para o beneficiário, o que legitima a exigência de uma taxa, contrapartida dessa utilização.
5. Do exposto, resulta manifesta a existência da sinalagmaticidade, pressuposto da qualificação do tributo que ora nos ocupa como taxa, a qual se basta com a existência de um mínimo de equilíbrio jurídico entre ambas as prestações, bem patente no presente caso.
6. O tributo cobrado em virtude do licenciamento prévio e da manutenção dos meios publicitários, objecto dos presentes autos, reveste, assim, a natureza de taxa.
7. Revestindo tal natureza, ao referido tributo não é aplicável o princípio constitucional da legalidade dos impostos, previsto no artigo 103.º da CRP, pelo que não padece o mesmo do vício de inconstitucionalidade.
8. É inconcebível e inaceitável que, prestando o Município um serviço de análise, fiscalização e emissão da respectiva licença de publicidade, não deva existir uma contrapartida por tal serviço, através da cobrança da respectiva taxa.
9. Aliás, tal taxa constitui uma receita própria dos municípios, consagrada na Lei das Finanças Locais, que concorre para a autonomia financeira e, consequentemente, para a autonomia local, princípios constitucionalmente consagrados, designadamente, no artigo 238.º da CRP.
10. Nesta conformidade, os artigos 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade não são inconstitucionais, não padecendo as liquidações de qualquer ilegalidade.
11. Assim, concluímos pela procedência do presente recurso, dada a manifesta constitucionalidade do tributo liquidado e cobrado, por configurar uma verdadeira taxa, devendo, por conseguinte, ser revogada a decisão judicial recorrida.
O EMMP entende que o recurso não merece provimento nos termos da jurisprudência reiterada do TC acatada pelo STA.
2. A sentença recorrida fixou o seguinte quadro factual:
1) A impugnante foi notificada para pagamento da quantia relativa a licença para exercício da actividade publicitária e ocupação da via pública, como resulta dos docs. de fls. 9 a 12.
2) A denominada licença respeita a anúncios publicitários dos A... (estabelecimentos hoteleiros propriedade da impugnante) colocados nos mesmos.
3.1. A sentença recorrida julgou a impugnação procedente e por isso anulou a respectiva liquidação por ocorrer inconstitucionalidade orgânica da norma que prevê a cobrança da taxa de publicidade quando as mensagens publicitárias se encontrem colocadas em bens pertencentes a particulares.
É esta decisão que vem questionada pela recorrente C. M. de Lisboa.
A sentença recorrida acompanha jurisprudência corrente do Tribunal Constitucional que vem sendo acompanhada por este STA, inexistindo motivo para dela discordar.
Na verdade a distinção entre imposto e taxa assenta na unilateralidade ou bilateral idade dos tributos pois que enquanto o imposto tem estrutura unilateral, a taxa caracteriza-se pelo seu carácter bilateral e sinalagmático assumindo tal diferenciação quer a doutrina quer a jurisprudência.
E de tal distinção resulta a afirmação do carácter sinalagmático das taxas o que implica reconhecer que a sua estrutura “supõe a existência de uma correspectividade entre a prestação pecuniária a pagar e a prestação de um serviço pelo Estado ou por outra entidade pública”, contrapartida essa que foi expressamente acolhida no n.º 2 do artigo 4º da Lei Geral Tributária ao afirmar a “utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, (..) utilização, pelo menos, de um bem público ou semi-público ou de um bem do domínio público e, finalmente, (..) remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares”.
Tal relação sinalagmática entre a contrapartida e o montante a pagar não pode deixar de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal o que não implica, porém, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatíve1 com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser “superior (e, porventura, até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado” contudo o que não pode é ocorrer uma «desproporção intolerável»”, ou seja, “manifesta” e comprometedora, “de modo inequívoco, da correspectividade pressuposta na relação sinalagmática”, devendo a respectiva aferição tomar em conta, não apenas o valor da quantia a pagar, mas também a utilidade do serviço prestado.
Conforme se refere na sentença recorrida os anúncios a que se referem os presentes autos não foram colocados em espaço público e não foi prestada qualquer contrapartida por parte da Câmara à impugnante pois que, como refere o TC, Ac. n.º 313/92 de 6 de Outubro, Proc. 435/91, e reafirmou no Ac. n.º 453/03 de 14 de Outubro, Proc. 410/03, “mesmo nas hipóteses em que a actividade dos particulares sofre uma limitação, aqueloutra actividade estadual, consistente na retirada do obstáculo à mencionada limitação mediante o pagamento de um tributo, é vista pela doutrina como a imposição de uma «taxa» somente desde que tal retirada se traduza na dação de possibilidade de utilização de um bem público ou semi-público”.
Daí que seja de concluir, com a sentença recorrida, que não havendo qualquer oneração especial de um serviço público, nem qualquer utilização de um bem público ou semi-público, dado que o local pertence a particulares, terá que considerar-se o tributo em causa como um imposto.
Neste sentido se tem pronunciado o TC em casos semelhantes aos dos presentes autos e nomeadamente nos Ac. n.º 558/98 de 29 de Setembro, Proc. 240/97, n.º 63/99 de 2 de Fevereiro, Proc. 513/97, n.º 32/00 de 12 de Janeiro, Proc. 104/99, n.º 437/03 de 30 de Setembro, Proc. 540/02, n.º 453/03 de 14 de Outubro, Proc. 410/03, n.º 34/04 de 14 de Janeiro, Proc. 33/03) e n.º 109/04 de 11 de Fevereiro, Proc. 409/03.
E na verdade, conforme se escreveu no referido Ac. do TC n.º 32/00 de 12 de Janeiro, Proc. 104/99, estando em causa a afixação de um reclamo e de um friso luminosos nas fachadas de um prédio urbano tal afixação não constitui qualquer «ocupação» minimamente relevante do «espaço público».
Afirmou, ainda, o TC que não estando em causa nos autos a utilização de veículos para publicidade, mas a colocação de reclamos luminosos em telhados de prédios urbanos tal facto porém, em nada impede a aplicação da doutrina fixada em jurisprudência anterior uma vez que igualmente não ocorreria utilização de bens ou locais públicos ou semi-públicos, mas sim de bens ou locais pertencentes a particulares, Ac. n.º 63/99 de 2 de Fevereiro, Proc. 513/97, e n.º 453/03 de 14 de Outubro, Proc. 410/03, e daí que não ocorra a contrapartida específica, na utilização de um bem semi-público, para a remuneração periódica da mera permanência do reclamo e friso em questão, Ac. n.º 34/04 de 14 de Janeiro, Proc. 33/03.
Assim é de concluir que as taxas de publicidade, questionadas nos presentes autos e cobrados pela Câmara Municipal de Lisboa, relativamente a instalação de reclamos luminosos, em prédios urbanos particulares, sejam de qualificar como impostos estando a sua criação, através de diploma não legislativo, ferida de inconstitucionalidade por violar o preceituado nos artigos 106.º, 2, e 168.º, 1, i), da CRP.
É, por isso, de afirmar, com a sentença recorrida, que as normas contidas nos art.ºs 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa, nas quais se baseia a taxa constante do art. 23.º, obs. 4, al. b) da TTORM, padecem de inconstitucionalidade orgânica por violação dos anteriores art. 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, al. i), da Constituição da República (actuais artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i)).
4. Nos termos expostos nega-se provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2005. – António Pimpão – (relator) – Baeta de Queiroz – (com a declaração de que voto o acórdão apenas considerando que segue a jurisprudência firme do Tribunal Constitucional). – Lúcio Barbosa.