Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01106/02
Data do Acordão:01/30/2003
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SANTOS BOTELHO
Descritores:LICENÇA DE CONSTRUÇÃO.
ORDEM DE DEMOLIÇÃO.
PRINCIPIO DA IGUALDADE.
Sumário:I - O D. Lei 445/91, alargou o âmbito material de licenciamento municipal, no que se refere às obras de Iniciativa dos Particulares, circunscrevendo a isenção a meras obras de conservação ou reparação.
II - O principio da igualdade não confere um direito à igualdade na ilegalidade.
Nº Convencional:JSTA00058739
Nº do Documento:SA12003013001106
Data de Entrada:06/26/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:PRES DA CM DE CASCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC LISBOA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR URB - LICENCIAMENTO CONSTRUÇÃO.
Legislação Nacional:DL 445/91 DE 1991/11/20 ART1 A ART57 ART58.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC37235 DE 1999/02/25.; AC STA PROC25847 DE 1988/11/02.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo;
1 – RELATÓRIO
1.1 A ..., casado, residente na Rua ..., ..., ..., Cascais, recorre da sentença do TAC de Lisboa, de 28-1-02, que negou provimento ao recurso contencioso por si interposto do despacho, de 17-6-96, do Presidente da CM de Cascais, que lhe ordenou a demolição da obra de colocação de chapas metálicas num muro divisório.
Nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
“1- O recorrente colocou um chapa metálica, sobre o muro divisório com o seu vizinho B..., numa extensão de 13,50 metros e numa altura de 1,50 metros.
2 – Por despacho do Presidente da Câmara Municipal de Cascais, de 17/06/96, foi-lhe ordenada a demolição da referida chapa.
3 – Do despacho acabado de referir, o recorrente interpôs recuso contencioso de anulação junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.
4 – Notificada a autoridade recorrida, contestou alegando que o recorrente procedeu a diversas obras de construção na moradia, pelo que foram objecto de participação pelos serviços de fiscalização municipal, que, culminou na decisão prévia de demolição.
5 – Nas alegações, de recurso, o recorrente alegou que apenas colocou uma chapa metálica, imprescindível para a sua segurança, e a essa colocação de chapa, não é aplicável o disposto no artigo 1º, nº 1, alínea a) do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro.
6 – Como a Câmara Municipal de Cascais também reconhece e confessa no ponto 12 da sua contestação.
7 – O recorrido alega que a volumetria do prédio urbano propriedade do recorrente encontra-se alterada com obras de construção e ampliação da edificação de raiz, sem que para tal se encontre legalmente licenciada.
8 – O Meritíssimo Juiz a quo diz no ponto III – 2 – Direito da sentença, de que se recorre: “A questão que se coloca neste recurso é a suscitada pelo recorrente na petição inicial e não aquela que a autoridade recorrida invoca na sua resposta. De facto, em causa não estão quaisquer obras de construção..., mas apenas a colocação de chapas metálicas que o despacho recorrido mandou demolir.”
9 – A topografia, no conjunto de elementos que caracterizam e definem o relevo terrestre, não se encontra alterada, porque não foi levada a efeito qualquer edificação de raiz, que foi o que de facto levou a autoridade recorrida a concluir que ao caso era aplicado o disposto na alínea a) do nº 1 e do nº 2 do art. 1º do Decreto-Lei nº 445/92, de 20 de Novembro, com a redacção introduzida pela Lei nº 29/92, de 5 de Setembro e que induziu o Meritíssimo Juiz a quo em erro, como se deixou provado.
10 – A colocação de uma chapa metálica não está abrangida por nenhuma das obras de construção civil enumeradas na alínea a) do nº 1 e do nº 2 do art. 1º do Decreto-lei nº 445/92, de 20 de Novembro, com a redacção introduzida pela Lei nº 29/92, de 5 de Setembro, não lhe sendo, portanto, aplicáveis tais disposições legais.
11 - A chapa metálica em causa constitui mais uma das muitíssimas outras, que estão dessiminadas por todo o Concelho de Cascais, nomeadamente no muro do recorrido particular B..., sem qualquer intervenção da Câmara de Cascais, por não constituírem obras de construção.
Termos em que, o presente recurso deve ser admitido e, a final anulada a “Decisão Final” de 25/03/96 do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cascais...
Pois só assim se evitará tratamento discriminatório..” – cfr. fls. 105-106.
1.2 Nas suas contra-alegações a Entidade Recorrida vem defender a manutenção da sentença do TAC.
E, isto, fundamentalmente, por entender que, contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, em causa estava, efectivamente, uma obra de construção civil, sujeita a licença camarária, sendo que o Recorrente a levou a efeito sem que, previamente, se tivesse munido da dita licença, daí a legalidade da ordem de demolição determinada pelo despacho objecto de impugnação contenciosa.
1.3 No seu Parecer de fls. 122, o Magistrado do M. Público pronuncia-se pelo não provimento do recurso jurisdicional
1.4 Colhidos os vistos cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
2 – A MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença, que aqui consideramos reproduzida, como estabelece o nº 6, do artigo 713º do CPC.
3 – O DIREITO
3.1 A primeira das questões a decidir no âmbito do presente recurso jurisdicional consiste em saber se a colação, pelo Recorrente, de chapas metálicas, nas condições descritas na sentença recorrida, sobre parte de um muro de vedação, integra ou não o conceito de obra de construção civil sujeita a licenciamento municipal, à luz da alínea a), do artigo 1º do DL 445/91, de 20-10.
Resposta afirmativa foi dada na sentença recorrida que considerou improceder o arguido vício de violação de lei.
Já para o Recorrente não seria exigível o aludido licenciamento, daí a ilegalidade da ordem de demolição consubstanciada no acto objecto de impugnação contenciosa.
Ora, não assiste razão ao Recorrente.
Com efeito, o âmbito material do preceito em análise abrange, efectivamente, a colocação das mencionadas chapas metálicas.
E, isto, desde logo, pelo facto de o Legislador não confundir os conceitos de construção com o de edificação.
Aliás, já Cunha Gonçalves, em anotação ao artigo 2324º do Código Civil de 1867, salientava que o termo edificação tinha “como radical a palavra aedis, com que se designava a casa de habitação,...Por isso, edifícios são os prédios urbanos, casas..., em suma, todas as construções com paredes e tecto, destinadas a qualquer uso dos homens. Tudo o mais que por acção do homem se ergue no solo, feito com materiais de alvenaria, pedra, ferro, madeira, etc., é simplesmente construção...”.
Vidé, neste sentido o Ac. deste STA, de 2-11-88 – Rec. 25847.
Por outro lado, importa não esquecer que o Decreto-Lei nº 445/91 alargou o âmbito material do licenciamento municipal, no que se refere às obras de iniciativa dos particulares, circunscrevendo a isenção a meras obras de conservação ou reparação.
Podemos, por isso, concluir com o Ac. deste STA, de 3-7-01 que “II - Uma obra traduzida em colocação de chapas metálicas numa extensão...e numa altura de 1,50m, sobre parte de um muro de vedação de imóvel urbano, sendo que tal estrutura se incrusta no próprio muro, deverá ser qualificado com obra de construção civil, nos termos e para os efeitos do art. 1º, nº 1 alínea a) do DL 445/91 e, como tal e “ex vi” daquele normativo, está sujeita a licenciamento municipal”.
Bem andou, por isso, o Meritíssimo Sr. Juiz “a quo” ao considerar que a obra leva a cabo pelo Recorrente se encontrava sujeita a licenciamento municipal, razão pela qual, não se tendo previamente munido da dita licença, a obra realizada fosse passível de ordem de demolição, nos termos das disposições combinadas dos artigos 57º e 58º do DL 445/91, conclusão em nada infirmada pela posição assumida pela Entidade Recorrida no artigo 12º da sua contestação, mas logo contrariada nos artigos 15º e 16º do mesmo articulado e no ponto 3. das sua alegações, na medida em que tudo se reconduz à aplicação do direito, não estando o Tribunal, neste particular contexto, sujeito às alegações das Partes (cfr. o artigo 664º do CPC).
3.2 Por outro lado, tratando-se, como se trata, no caso dos autos, de uma construção ilegal por parte do Recorrente, irreleva, obviamente, a argumentação por este desenvolvida, quando fala de tratamento discriminatório, por supostamente, o mesmo tipo de construção estar dessiminada “por todo o Concelho de Cascais, nomeadamente no muro do recorrido particular B..., sem qualquer intervenção da Câmara Municipal da Cascais” – cfr. a 11ª alegação do Recorrente.
É que, como tem sido afirmado reiteradamente por este STA, o princípio da igualdade só funciona no contexto da legalidade ou seja não existe direito à igualdade na ilegalidade.
Por outras palavras, a igualdade não pode imperar na ilegalidade, isto é, ainda que a Administração tivesse, hipoteticamente, praticado um acto ilegal, deferindo uma pretensão de um Particular, não podia outro Particular pretender impor à Administração a prática de um acto ilegal, deferindo o seu pedido.
Cfr., entre outros, os Acs. de 2-12-87 – Rec. 24192, de 25-2-99 – Rec. 37235.
3.3 Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação do Recorrente.
4 – DECISÃO
Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 400 € e a procuradoria em 200 €.
Lisboa, 30/1/2003
Santos Botelho - Relator - Azevedo Moreira - Adérito Santos