Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0458/08
Data do Acordão:10/29/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
PRAZO SUBSTANTIVO
CONTAGEM DE PRAZO
Sumário:I - A caducidade do direito à liquidação, tanto do imposto como dos respectivos juros, gera mera anulabilidade.
II - O prazo de impugnação judicial é de natureza substantiva, não sendo, por isso, aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 15.º do CPC, de caducidade e peremptório.
III - Conta-se esse prazo nos termos do artigo 279.º do CC, "ex vi" do artigo 20.º do CPPT, ou seja, de forma contínua, sem suspensões, designadamente, nos períodos de férias judiciais, apenas acontecendo que se o prazo terminar durante esse período, o seu termo se transfere para o primeiro dia útil após as férias.
Nº Convencional:JSTA00065313
Nº do Documento:SA2200810290458
Data de Entrada:05/26/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART20 ART120.
CCIV66 ART279.
CPC96 ART145.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1733/03 DE 2004/04/02.; AC STA PROC680/05 DE 2006/01/18.; AC STA PROC24562 DE 2000/05/03.; AC STA PROC238/07 DE 2007/05/30.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – A…, identificada nos autos, vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a excepção de caducidade, por extemporâneo, do direito de deduzir a impugnação judicial do acto de liquidação adicional do IRC e IVA, relativos aos anos de 1997, 1998, e 1999, no montante global de € 28 706.66 e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido, dela vem interpor o presente recurso formulando as seguintes conclusões:
1 - Por carta registada e com aviso de recepção foi a oponente citada em 09/11/2006 para proceder ao pagamento da quantia de € 9 601,08 (...)
2 - A oponente deduziu impugnação judicial contra a liquidação do IVA e IRC, por falta de notificação à devedora originária e à impugnante chamada à execução por via de reversão, em 28/02/2007.
3 - O tribunal “a quo”, entendeu que o prazo para apresentar a impugnação judicial terminava em 07/02/2007, pelo que o oponente ultrapassou o prazo.
4 - A oponente alega que a impugnação judicial apresentada não é extemporânea.
5 - Com a impugnação judicial visou a oponente atacar os actos praticados pela administração para obter a declaração da sua inexistência ou nulidade.
6 - O objecto da impugnação interposta são actos tributários inquinados de ilegalidade e que, por isso, devem ser anulados totalmente.
7 - De acordo com o disposto no n.º 3 do art. 102° do CPPT, se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.”
8 - Os actos de liquidação das dívidas não foram notificados nem à executada originária, nem à oponente chamada à execução por via de reversão, no prazo de caducidade.
9 - Dispõe o artigo 36° do CPPT que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.
10 - E, nos termos do art. 45º da LGT, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo legal.
11 - Estas liquidações ilegais estão feridas de nulidade.
12 - Nos termos do art. 133° do C.P.A., são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais. Como é o caso da falta de notificação da liquidação, que é considerada como um requisito de validade da própria liquidação.
13 - Os contribuintes têm direito não só à legalidade material dos actos em matéria tributária, mas também à legalidade formal desses actos, como evidência o art. 103°, n. ° 3 da Constituição da Republica Portuguesa, ao estabelecer que “ninguém pode ser obrigado a pagar imposto que não hajam sido criados nos termos da constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
14 - Sem Prescindir, o prazo para a apresentação da impugnação judicial nos presentes autos iniciou-se a 10 de Novembro de 2006 e expirou a 26 de Fevereiro de 2007, tendo em atenção que os prazos suspendem durante as férias judiciais e que à citação da impugnante acresce uma dilação de 5 dias, uma vez que a mesma foi citada fora da área do seu serviço periférico local, que é Barcelos.
15 - A apresentação de impugnação judicial é, por denominação e natureza um acto processual, e nessa conformidade, é-lhe aplicável o disposto no Código de Processo Civil, art. 145°, n.º 5, quanto à possibilidade de prática de qualquer acto processual nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, mediante o pagamento de uma multa.
16 - Da eventual extemporaneidade da presente impugnação no dia 28 de Fevereiro de 2007, 2° dia útil seguinte ao termo do prazo, nunca poderia decorrer a sua inadmissibilidade, mas antes a obrigação de pagamento de uma multa adicional, nos termos legais.
2 – A recorrida Fazenda Pública não contra alegou.
3 – O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“As questões suscitadas no presente recurso são essencialmente as que foram suscitadas na contestação a Fazenda Pública e apreciadas na sentença recorrida de fls. 71 e segs.
E sobre as mesmas pronunciou-se já o Ministério Público junto da 1ª Instância, no esclarecido parecer de fls. 67 e segs., em termos que merecem a nossa concordância e que, por isso, subscrevemos.
Daí que, para além do que ali foi dito, apenas se julgue oportuno realçar, em face das conclusões das alegações de recurso, que, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal Administrativo, o prazo de impugnação judicial é um prazo de natureza substantiva, de caducidade e peremptório e conta-se nos termos do artº 279º do Código Civil (artº 20º do Código de Procedimento e Processo Tributário) - neste sentido, podem ver-se, entre outros, os Acórdãos de 14.03.07, processo 831/06, de 06.07.05, processo 585/05, de 3/5/00, in rec. nº 24.562; de 23/5/01, in rec. nº 25.778; de 30/5/01, in rec. nº 26.138 e de 13/3/02, in rec. nº 28/02, in www.dgsi.pt.
Daí que aos prazos de impugnação judicial não seja aplicável o disposto no art. 145º, n.º 5, do Código de Processo Civil, que prevê a possibilidade de apresentação de documentos nos três dias subsequentes ao termo do prazo mediante o pagamento de multa - cf. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT anotado, 4 edição, pags. 179.
Trata-se de normativo que se aplica apenas aos prazos de natureza judicial ou processual e não aos prazos de natureza substantiva.
Como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 14.01.2004, processo 1208/03, in www.dgsi.pt, «o prazo judicial é aquele que se destina à prática de actos processuais em juízo. Prazo judicial é a distância entre dois actos de um processo. Prazos judiciais são os que medeiam entre dois actos judiciais ou praticados em processo. No caso, o prazo de dedução da impugnação, não é um prazo de natureza processual e está sujeito as regras da caducidade, que são incompatíveis com a possibilidade prevista no nº. 5 e 6 do artigo 145 do Código de Processo Civil.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve improceder, confirmando-se o julgado recorrido.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência.
4 - A Sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1- A impugnante foi citada pelo oficio nº 7255, na qualidade de revertida da devedora B… Ldª, para proceder ao pagamento da quantia de 9 601.08 €, como consta a fls. 29, que aqui se dá por inteiramente reproduzida;
2 - A impugnante foi citada no dia 09.11.2006 (fls. 54 dos autos);
3 - Em 28.02.2007 foi deduzida a presente impugnação.
5- A sentença sob recurso, em resumo, tendo em conta que a recorrente fora citada a 09-11-06 e apenas veio a deduzir presente impugnação judicial a 28-02-07, concluiu que tinha sido ultrapassado o prazo de 90 dias prescrito para o efeito na alínea c) do artigo 120.º, n.º 1 do CPPT (que terminara a 07-02-07) e daí que tenha julgado procedente a excepção de caducidade que a Fazenda Pública havia suscitado.
Para tanto, ponderou-a na decisão que o prazo em questão é de natureza substantiva, contínuo e contado de acordo com as regras do artigo 279.º do CC, por remissão do artigo 20.º nº. 1 do CPPT, sendo certo que “as liquidações ilegais de um imposto, por falta de notificação” seriam apenas sancionadas com mera anulabilidade, posto que não afectariam direitos fundamentais, mas tão só patrimoniais.
Inconformada, a recorrente vem defender, como acima se vê, que a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade constituiria um requisito da validade da própria liquidação, ferindo-a de nulidade por falta de um dos seus requisitos essenciais, donde resultaria que nos termos do n.º 2 do artigo 102.º a impugnação poderia ser deduzida a todo o tempo.
Ainda no intuito de defender a tempestividade da impugnação que deduzira, mais entende a recorrente que sempre o prazo para apresentação da impugnação judicial estivera suspenso no decurso das férias judiciais e daí que esse prazo expirara a 26-02-07, sendo dessa forma admissível a prática desse acto nos três dias seguintes em face do disposto no n.º 5 do artigo 145.º do CPC, mediante o pagamento de uma multa.
Vejamos, então.
Relativamente à primeira questão colocada pela recorrente (conclusões 4 a 14) importa salientar que constitui jurisprudência firma e reiterada deste Supremo Tribunal, a que se adere, o entendimento segundo o qual a caducidade do direito à liquidação, tanto do imposto como dos respectivos juros compensatórios, gera mera anulabilidade e não nulidade como pretende a recorrente (cfr. acórdãos de 02-04-04, 2-11-05 e 18-01-06, nos processos n.ºs 1733/03, 365/05 e 680/05.
Na verdade, como bem se deixou expresso na sentença sob recurso, a ilegal liquidação de um imposto, em razão da respectiva caducidade, não afecta o conteúdo essencial de um direito fundamental (artigo 133.º, alínea d) do CPA), mas tão só os direitos patrimoniais do contribuinte, não configurando a falta de notificação da liquidação a ausência de um elemento essencial desse acto de liquidação, como acto que lhe é posterior e autónomo.
Como assim, tendo a recorrente tomado conhecimento da liquidação aquando da sua citação na qualidade de revertida da devedora originária a 9-11-06 (1. e 2. do probatório) e apenas veio a deduzir a presente impugnação judicial a 28-02-07, bem se andou na sentença ao concluir que tinha sido ultrapassado o prazo de 90 dias prescrito para o efeito na alínea c) do artigo 120.º do CPPT (que terminara a 07-02-07) e daí que tenha julgado procedente a excepção de caducidade suscita pela Fazenda Pública.
Improcedem, deste modo, as conclusões 4 a 14.
Nenhuma razão assiste ainda à recorrente quando defende que o prazo para apresentação da impugnação judicial se suspendera durante as férias judiciais e que revestiria a natureza de um prazo processual, sendo-lhe aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 145.º do CPC.
De facto, a jurisprudência firme e reiterada deste Supremo Tribunal vai no sentido do prazo de impugnação judicial ser um prazo de natureza substantiva, não sendo, por isso, aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 145.º do CPC, de caducidade e peremptório e que se conta nos termos do artigo 279.º do CC, “ex vi” do artigo 20.º do CPPT, ou seja de forma contínua, sem suspensões, designadamente, nos períodos de férias judiciais, apenas acontecendo que se o prazo terminar durante esse período, o seu termo se transfere para o primeiro dia útil após as férias, o que não sucede na situação em apreço - cfr. acórdãos de 3/5/00, 23/5/01, 30/5/01, 13/3/02, 14/1/04, 6/7/05 e 30/5/07, nos recursos n.º s 24.562, 25.778, 26.138, 28/02, 1208/03, 585/05 e 238/07, respectivamente.
Entendimento jurisprudencial este que por inteiro se subscreve.
Deste modo, não se suspendendo o prazo de impugnação judicial durante as férias judiciais, tendo a recorrente sido citada a 9/11/06 esse prazo terminou a 7/2/07, o que determina que a presente impugnação, entrada a 28/2/07, seja intempestiva, de nada valendo à recorrente a pretensão, destituída de fundamento como acima se disse, de poder beneficiar do disposto no n.º 5 do artigo 145 do CPC, uma vez que no caso, de qualquer modo, se encontrava largamente ultrapassado o prazo de três dias para a apresentação da impugnação a seguir ao decurso do prazo legal.
Daí que improcedam as conclusões 14 a 16.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida com a alteração decorrente da fundamentação acima aduzida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 29 de Outubro de 2008. – Miranda de Pacheco (relator) – Jorge de Sousa – António Calhau.