Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0939/03
Data do Acordão:11/03/2005
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ISABEL JOVITA
Descritores:EDIFICAÇÕES URBANAS.
DISTÂNCIA ENTRE FACHADAS.
REGULAMENTO GERAL DAS EDIFICAÇÕES URBANAS.
PRINCÍPIO DA IGUALDADE.
NULIDADE DE SENTENÇA.
Sumário:O disposto no art° 60º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas não é aplicável às fachadas laterais das edificações.
Nº Convencional:JSTA00062580
Nº do Documento:SA1200511030939
Data de Entrada:05/13/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:VEREADOR DO PELOURO DO URBANISMO DA CM DE MATOSINHOS
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC PORTO.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR URB - LICENCIAMENTO CONSTRUÇÃO.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPC95 ART668 N1 B C.
RGEU51 ART59 ART60 ART63 ART73 ART75.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC35403 DE 1995/01/17.; AC STA PROC40435 DE 1997/01/28.; AC STA PROC44785 DE 1999/07/08.; AC STA PROC48156 DE 2002/01/15.; AC STA PROC47139 DE 2001/04/05.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
1- RELATÓRIO
A…, melhor identificado nos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto que concedeu provimento ao recurso contencioso de anulação interposto por B…, do despacho de 15.10.99 do VEREADOR DO PELOURO DO URBANISMO DA CÂMARA MUNICIPAL DE MATOSINHOS, que aprovara um projecto de construção de uma edificação, sujeitando-o a duas condições.
Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Salvo melhor opinião o Meritíssimo Juiz a quo fez uma interpretação ab rogante e ilícita dos citados artigos 60°, 73° e 75° do RGEU, 5º do C.P.A. e 13° da C.R.P. desconsiderando as normas legais que estabelecem os limites da referida faculdade de construção de vãos habitáveis decorrentes das regras de execução a que devem obedecer as edificações urbanas constantes do RGEU aprovado pelo Decreto-Lei n° 38383 de 7 de Agosto de 1951, bem como desvirtuou o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
2. A devida apreciação dos factos face às normas legais constantes dos artigos 60°, 73º e 75° do RGEU não poderia deixar de levar à conclusão de que a construção levada a efeito pelo recorrente B… no que concerne a afastamentos dos vãos de compartimentos habitáveis previstos nos artigos 60º e 73º do RGEU é ilegal por violação dos afastamentos legalmente exigidos.
3. Da matéria de facto seleccionada constata-se e decorre que os vãos de compartimentos habitáveis se situam a menos de três metros do extremo do lote ou prédio do recorrido particular, A…, ora recorrente.
4. São aplicáveis ao caso dos autos as distâncias previstas no artigo 60° do RGEU.
5. As fachadas laterais nas quais existam vãos de compartimentos de habitação regulam-se pelo parágrafo 4º do artigo 59° e 60° do RGEU.
6. Os afastamentos previstos nos artigos 73º e 75° têm como objectivo proteger outro tipo de valores e sendo determinados de forma distante não conflituam com os afastamentos dos artigos 59° parágrafo 4° e artigo 60°.
7. O Meritíssimo Juiz a quo refere expressamente que “...tais aberturas situam-se a mais de 3 metros...” fazendo assim tábua rasa da letra da lei e designadamente do artigo 75° que ao invés do defendido manda expressamente contar a distância de 3 metros referida no artigo 73° “a partir dos limites extremos dessas construções”.
8. Mesmo que fossem de aplicar os artigos 73° e 75° do RGEU a distância da varanda de 2,20 metros do extremo do lote do recorrido viola de forma flagrante os limites exigidos.
9. O despacho impugnado enquadrou assim correctamente a situação de facto - aberturas na fachada lateral - ao exigir o cumprimento da distância prevista no artigo 60° do RGEU, e fez correcta aplicação da lei, destinando-se o artigo 60° a regular a distância entre fachadas laterais e frontais.
10. O princípio da igualdade só opera no contexto de situações idênticas e conformes com o regulamento jurídico a elas aplicável mas não confere um direito à igualdade na ilegalidade - ver Acórdão S.T.A. de 16/01/1996 in AD 419 - 1239, Ac. S.T.A. de 27/10/1998 in AD 447 - 308, Ac. T. C. de 06/09/1990 in B.M.J. 269 - 194 e Maria da Glória Pinto in Princípio da Igualdade in B.M.J. 358 - 47.
11. O recorrente não explica nem demonstra que as construções dos vizinhos e designadamente a do aqui recorrido particular se encontrem em situação idêntica à sua e que, apesar disso tenha sido objecto de diferente tratamento pela C.M.M., sendo que decorre do P.A. que o recorrente B… está a levar a efeito uma construção ao abrigo de um licenciamento condicional e que as restantes construções (e designadamente a do recorrido particular) só após a aprovação do loteamento serão objecto de legalização.
12. Donde não existe violação do princípio da igualdade.
13. Existe assim deficiente fundamentação da douta sentença recorrida que assenta em conceitos vagos e vazios de conteúdo sem a necessária concretização e ainda numa interpretação ab rogante dos artigos 60º, 73° e 75° do RGEU, 5º do C.P.A. e 13° da C.R.P. - artigo 668° n° 1 b) do C.P.C.
14. O Meritíssimo Juiz a quo proferiu a douta sentença recorrida nos moldes em que o fez não especificando os fundamentos de facto e de direito desprezando questões essenciais, praticou acto nulo - artigo 668.° n° 1 b) do C.P.C.
15. Uma sentença é nula “...quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, isto é, quando os fundamentos invocados devessem logicamente conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa...” - A. Reis, Cód. Processo Civil Anot. 5° - 141 e A. Varela, Manual, 1° Ed. Pag. 671.
16. O despacho recorrido não se encontra ferido de qualquer vício devendo improceder o alegado fundamento de violação de lei do artigo 60° do RGEU e 13º da C.R.P.
Da mesma sentença recorreu também a Câmara Municipal de Matosinhos, recurso que, por falta de alegações tempestivas, foi julgado deserto por despacho de fls. 230.
O recorrido contra-alegou, concluindo:
1 - O despacho impugnado parte do pressuposto de que os intervalos entre fachadas laterais e as distâncias das janelas dos vãos de compartimento de habitação à extrema do terreno é de 10m nos termos do art. 60° do R.G.E.U..
2 - Este preceito, porém, só rege para as fachadas principais e mesmo em relação a elas a Câmara Municipal pode estabelecer distâncias menores.
3 - No caso dos autos o afastamento imposto para as fachadas laterais foi de 3m, não constando que a nenhum dos outros titulares dos lotes fosse imposto o afastamento maior, como se exigiu ao recorrente.
4 - Assim, a imposição de um afastamento de 5m do prédio do recorrente para a fachada lateral do lado do recorrido particular ofende o princípio da igualdade constitucionalmente garantido - art. 13° da C.R.P. - e imposto no ordenamento ordinário - art. 5° do C.P.A..
5 - Como fluí dos autos, as janelas dos vãos de compartimento da fachada em questão distam mais de 3m do extremo do lote e mais do que metade da altura do muro fronteiro, obedecendo assim integralmente ao estatuído no art. 73° do R.G.E.U. que, por isso, foi violado no acto recorrido.
6 - Por outro lado, parece evidente que a douta sentença agravada se encontra bem fundamentada de facto e de direito.
7 - Assim, a douta sentença agravada ao anular o despacho impugnado fez a correcta interpretação da lei, entendendo que o despacho tinha invocado sem fundamento factual e legal o art. 60° e 73° do R.G.E.U. e que tinha violado o princípio da igualdade, não padecendo assim de nenhum dos vícios que lhe vem assacados.
O Exm° Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, entende ser correcta a interpretação da sentença quanto à aplicação dos dispositivos legais e que “recebe apoio na jurisprudência deste Supremo Tribunal, que sempre que confrontada com a questão acima delineada tem vindo a afirmar que o disposto no artigo 60.° do RGEU é inaplicável às fachadas laterais das edificações urbanas - cfr. acórdãos de 17-1-95, 28-1-97 e 15-01-02, nos recursos n.°s 35.403, 40.435 e 48.156, respectivamente”.
E que, “de acordo com a resposta ao quesito 3.° a abertura que o recorrente contencioso fizera nos compartimentos de habitação localizados na fachada lateral da sua casa se situa a uma distância de 3,80 metros do limite lote, medido na perpendicular ao plano da janela de acordo com a regra definida no art. 73 do RGEU, assim se respeitando o limite mínimo de três metros de distância legalmente exigido. Não suscita, deste modo, censura o decidido.
Já com menos acerto se afigurou o entendimento perfilhado na sentença ao considerar que o despacho revestia virtualidade lesiva do princípio da igualdade, uma vez que a respeito de habitações vizinhas a Câmara recorrida não fizera as mesmas exigências quanto à distância mínima das fachadas, provado como ficou que tinham janelas de compartimentos de habitação a menos de 5 metros dos respectivos lotes”, pois “o princípio da igualdade não confere um direito de igualdade na ilegalidade - cfr., entre muitos outros, acórdãos de 14-12-00 e 05-04-01, nos recursos n.°s 46.607 e 46.609, respectivamente.
O recorrente argúi ainda de nulidade a sentença, alegando para tanto não especificar os respectivos fundamentos de facto e de direito - artigo 668.°, n.° 1, alínea B) do CPC.
Nenhuma razão assiste ao recorrente em tal arguição, desde logo porque a sentença apresenta-se suficientemente fundamentada, mas ainda que assim não fora é sabido que a nulidade prevista na referida alínea B) do n.°1 do artigo 668.°, apenas ocorre quando a falta de fundamentação é total e já não nos casos em que essa fundamentação é deficiente ou incompleta - cfr. por todos, o acórdão de 2-2-99, recurso n.° 42.477.
Termos em que se é de parecer que o recurso deverá ser improvido.»
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
— Por escritura de 6 de Julho de 1995 lavrada na secretaria do Cartório Notarial de Vila do Conde onde ficou exarada a fls. 93v. a 94v. do Livro 147-C, o recorrente adquiriu dois vinte e dois avos indivisos do prédio rústico denominado …, sito no Lugar de Perafita da freguesia de Perafita, descrito na competente Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n° 00979 - Perafita e inscrito na matriz competente sob o art. 200°;
— O vendedor tinha dividido, no terreno, o prédio acima descrito em 22 lotes, na percentagem de cada um deles representando um vinte e dois avos, a vários interessados, mas fê-lo sem licença;
— Por isso, os adquirentes tiveram que constituir uma comissão com vista à legalização do terreno;
— Que efectivamente apresentaram dando origem ao processo n° 46/92;
— O processo de legalização foi obtendo as informações favoráveis das entidades competentes e por isso os serviços viabilizaram o loteamento desde que os lotes nos 20 e 21 fossem transformados num único e a implantação da moradia ficasse a menos de 10 metros do curso da água com que confronta;
— Por isso vários dos adquirentes apresentaram o projecto de construção que pretendiam erigir no local, pedindo a competente licença, ainda que condicional. — O recorrente apresentou o respectivo pedido em requerimento de 10 de Novembro de 1997;
— O projecto foi aprovado condicionalmente por despacho de 30/04/98, com a única condição de vir a ser legalizado o loteamento;
— Posteriormente e pelo facto de a entidade recorrida ter verificado várias irregularidades no projecto do recorrente veio a revogar em 2/6/99 o despacho que havia aprovado condicionalmente o projecto por concordância com a seguinte informação: “Tendo-se constatado que o requerente não acatou as instruções fornecidas por estes serviços nos termos da informação supra, referentes à suspensão da construção dos anexos dado situarem-se, em parte, em zona de reserva ecológica propõe-se que seja revogado o despacho superior de aprovação do projecto propondo-se ainda o embargo parcial da obra.”
— Posteriormente e pelo despacho agora impugnado de 15/10/99 a entidade recorrida aprovou o projecto anteriormente apresentado ao recorrente, condicionalmente, com as seguintes condições:
1 — Deverá ser cumprida a determinação da Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais, expressa no processo de legalização de loteamento relativa a uma parte dos anexos propostos, uma vez que se situam a uma distância inferior a 10 metros relativamente à linha de água existente a Norte, contrariando assim o parecer daquela entidade;
2 - Os vãos de compartimentos habitáveis propostos para a fachada Sul do prédio encontram-se a menos de 5 metros do respectivo limite do lote, pelo que, por não cumprir o art. 60° do Regulamento Geral de Ocupação de Solos (R.G.E.U.), deverão ser suprimidos.
— O recorrente foi notificado do acto impugnado em 5/11/99.
Todas as outras construções levadas a cabo no loteamento onde se insere a casa do recorrente têm vãos de compartimentos de habitação a menos de cinco metros dos limites dos lotes respectivos e com o esclarecimento de que, do limite da varanda do recorrente ao limite do lote há uma distância de 2,20 metros, do limite da janela ao mesmo local de 3,80 metros, do limite do lote à parede da casa na parte Sul mais a Poente, 3,20 metros e na parte Sul mais a Nascente, 3 metros.
— As janelas dos compartimentos habitáveis da casa do interessado particular situam-se a cerca de 3,60 metros da extrema do lote pelo lado Norte.
3. FUNDAMENTAÇÃO
Comecemos pelas invocadas nulidades da sentença, a que se referem as conclusões 13ª a 15ª das alegações do ora recorrente.
Embora este só refira violação do art° 668° n° 1, al. b), parece querer invocar também a al. c) do mesmo preceito (cfr. conclusão 15ª).
Na verdade, não só alega que a sentença padece de deficiente fundamentação como ainda imputa à mesma contradição entre os fundamentos e a decisão.
Sem razão, porém.
Com efeito, nos termos da alínea b), do n° 1, do art. 668° do Cód. Proc. Civil, a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”, sendo que, conforme é jurisprudência corrente, a nulidade prevista neste preceito apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentação e já não no caso da sua insuficiência.
Ora, no caso dos autos, não há dúvida de que a sentença especifica os fundamentos de facto e de direito em que se apoiou para decidir, não padecendo da nulidade que lhe vem assacada.
O mesmo acontece com a nulidade prevista na alínea c) do citado preceito pois não se vislumbra que os fundamentos invocados devessem logicamente conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa.
Poderá o recorrente não concordar com os fundamentos invocados mas isso não se prende com a validade formal da sentença mas sim com a sua validade substancial.
Improcedem, pois, as arguidas nulidades.
Passemos, agora, aos invocados erros de julgamento.
A sentença recorrida, com fundamento na violação do disposto no artigo 60.° do RGEU e do princípio da igualdade, anulou o despacho do vereador do urbanismo da Câmara Municipal de Matosinhos, notificado em 05/11/99, nos termos do qual foi aprovado, com duas condições, um projecto de construção de uma edificação.
Entendeu-se na sentença que, na situação em causa, por se tratar, de afastamentos legalmente exigidos quanto a fachadas laterais não era aplicável a distância prevista no artigo 60.°, do RGEU, que é de 10 metros, mas sim a distância de três metros, prevista no artigo 73.° do já mencionado diploma.
O recorrido particular, ora recorrente, discorda deste entendimento por entender que à situação descrita nos autos, dever-se-ia aplicar o § 4° do art. 59º e art. 60º do RGEU, o que significa uma distância entre os prédios de 10 metros. Manifesta também a sua discordância, no que se refere à violação do princípio da igualdade.
Vejamos se lhe assiste razão.
Está em causa a fachada sul do prédio do ora recorrido (recorrente contencioso), estando as partes de acordo em que se trata de uma fachada lateral.
Prevê o artigo 60.° do RGEU, inserido no capítulo II do título III, título este subordinado à epígrafe “Condições especiais relativas à salubridade das edificações e dos terrenos de construção” que “Independentemente do estabelecido no artigo anterior, a distância mínima entre fachadas de edificações nas quais existem vãos de compartimentos de habitação não poderá ser inferior a dez metros”.
O capítulo II reporta-se às “edificações em conjunto”, dispondo logo no seu art° 58° que “a construção ou reconstrução de qualquer edifício deve executar-se por forma que fiquem assegurados o arejamento, iluminação natural e exposição prolongada à acção directa dos raios solares (...)”
O art° 59° dispõe no seu corpo sobre a altura das edificações, tomando como referencial a fachada da edificação fronteira e, portanto, claramente, da fachada principal da edificação, considerada na sua posição relativa face à edificação fronteira.
Os §§ 1°, 2° e 3° do mesmo artigo continuam a referir-se à altura da edificação, considerando-se três situações distintas: construções sobre terrenos em declive, construção em gaveto formado por dois arruamentos de largura ou de níveis diferentes, construções que ocupam todo o intervalo entre dois arruamentos de larguras ou níveis diferentes.
Como se escreveu no acórdão deste STA de 17.1.95, in rec. 35403, em qualquer destes parágrafos, a referência a fachadas é igualmente inequívoca no sentido de que se têm em conta as fachadas principais ou anteriores das edificações.
Já o § 4° se reporta aos intervalos entre construções, dispondo que “em caso de simples interrupção de continuidade numa fila de construções, poderá o intervalo entre duas edificações confinantes ser igual à média dessas edificações, sem prejuízo, no entanto, do disposto no art° 60°” (sublinhado nosso).
Por sua vez, o artigo 73.° do RGEU, inserido já no capítulo III, “Disposições interiores das edificações e espaços livres” estabelece que «As janelas dos compartimentos das habitações deverão ser sempre dispostas de forma que o seu afastamento de qualquer muro ou fachada fronteiros, medido perpendicularmente ao plano da janela e atendendo ao disposto no artigo 75.°, não seja inferior a metade da altura desse muro ou fachada acima do nível do pavimento do comportamento, com o mínimo de 3 metros. Além disso não deverá haver a um e outro lado do eixo vertical da janela qualquer obstáculo à iluminação a distância inferior a 2 metros, devendo garantir-se, em toda esta largura, o afastamento mínimo de 3 metros acima fixado” determinando-se no art° 75° que “sempre que nas fachadas sobre logradoros ou pátios haja varandas, alpendres ou quaisquer outras construções, salientes das paredes, susceptíveis de prejudicar as condições de iluminação ou ventilação, as distâncias ou dimensões mínimas fixadas no art° 73° serão contadas a partir dos limites extremos dessas construções”.
Como resulta dos preceitos acabados de transcrever, a lei prevê diferentes distâncias para as fachadas e incluídas em diferentes capítulos. A inserção sistemática do art° 60° e a remissão nele feita para o art° 59° aponta desde logo para que o seu campo de aplicação se restrinja às fachadas principais das edificações, regendo para as laterais o art° 73°, norma relacional que atende à posição relativa das construções confinantes.
Constitui, aliás, jurisprudência largamente maioritária deste Supremo Tribunal Administrativo o entendimento de que o artigo 60.° do RGEU não se aplica às fachadas laterais das edificações urbanas mas tão só às fachadas principais. — cfr., entre outros, o citado acórdão de 17.1.95, bem como os de 28.1.97, rec 40435, 8.7.99, rec.44785, de 15-01-02, rec n°48156, de 5.4.01, rec. n°47139).
Está em causa a fachada sul do prédio do ora recorrido, estando as partes de acordo em que se trata de uma fachada lateral onde existem vãos de compartimentos habitáveis.
Não era, pois, aplicável o art° 60° do RGEU mas sim o art° 73° do mesmo diploma, pelo que, neste aspecto, a sentença recorrida não merece censura, tendo o acto impugnado ao exigir o cumprimento daquele artigo 60.°, incorrido em vício de violação de lei.
Relativamente a essa fachada está provado que do limite da varanda ao limite do lote há uma distância de 2,20 metros, do limite da janela ao mesmo local de 3,80 metros, do limite do lote à parede da casa na parte Sul mais a Poente, 3,20 metros e na parte Sul mais a Nascente, 3 metros.
Ora, o despacho contenciosamente recorrido determinou a supressão dos vãos de compartimentos habitáveis da fachada sul do prédio do recorrente por não cumprirem o disposto no art° 60°, não equacionando .a situação se regulada pelos artºs. 73º e 75.°Daí que se imponha a anulação do acto contenciosamente impugnado, não se podendo, na economia do presente recurso contencioso, substituir-se o tribunal à Administração
No que se refere ao vício de violação do princípio da igualdade já se verificou erro de julgamento.
Entendeu-se na sentença que o despacho impugnado revestia virtualidade lesiva do principio da igualdade, uma vez que no tocante às habitações vizinhas a autoridade recorrida não exigira as mesmas distâncias mínimas das fachadas,
O princípio da igualdade traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio, postulando o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, mas não proibindo as diferenciações de tratamento desde que estai tenham um fundamento material bastante ou uma justificação razoável segundo critérios de valor objectivos.
Conforme é jurisprudência uniforme do STA, a violação destes princípios só assume relevância autónoma quando a Administração actua no exercício de poderes discricionários, porque, quando actua no exercício da actividade vinculada, a prossecução daqueles princípios encontra-se tutelada pelo princípio de legalidade.
Ora, no caso dos autos, como muito bem realça o Exmo. Magistrado do Ministério Público, o recorrido ao fazer respeitar as exigências contidas na lei, quanto às distâncias mínimas dos afastamentos da fachadas das edificações, exercia poderes vinculados.
O princípio da igualdade não confere um direito de igualdade na ilegalidade, isto é, se todas as restantes habitações estivessem ilegais, isso não conferia ao recorrente o direito de construir ilegalmente.
4. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida apenas na parte em que decidiu anular o despacho contenciosamente recorrido com fundamento em violação do art.° 60º do RGEU.
Custas pelo recorrente.
Taxa de justiça: 200 euros
Procuradoria 100 euros.
Lisboa, 3 de Novembro de 2005. - Isabel Jovita Loureiro Santos Macedo (relatora) - António Fernando Samagaio - Rosendo Dias José (com a declaração junta).
Declaração de voto.
Discordo da fundamentação que fez vencimento.
Este STA não efectuou até ao momento a interpretação conjunta e harmonizada dos artigos 60.° e 73.° do RGEU/1951.
A posição vencedora passa ao lado da questão, como se não estivesse provado que quer o prédio para o qual se pretende obter licença, quer o prédio do lote confinante têm fachadas com janelas defronte umas das outras.
Tentemos pois perceber o regime legal dos preceitos em causa. As referidas normas fazem parte do título III do RGEU e referem-se às “condições especiais relativas à salubridade das edificações”, mas o artigo 60° inclui-se no capítulo “da edificação em conjunto” e o artigo 73° no capítulo sobre “disposições interiores das edificações e espaços livres”.
Como o artigo 73º não se refere a interiores das edificações reporta-se a “espaços livres “, e diga- se desde já, espaços que é obrigatório deixar livres.
O artigo 60° inicia-se com a expressão “independentemente do estabelecido no artigo anterior”.
O artigo anterior trata da cércea dos edifícios e do afastamento entre eles que decorre das regras da cércea.
Portanto, o artigo 60.° estabelece regras de defesa da salubridade das edificações em conjunto que para além do afastamento exigido pelas regras da cércea, têm de guardar (de ser implantados) uma distância mínima de 10 metros “entre fachadas de edificações nas quais existam vãos de compartimentos de habitação”.
Os vãos de compartimentos de habitação são as aberturas ou espaços vazados nas paredes exteriores dos compartimentos destinados a habitação, isto é, as janelas de qualquer tipo. Portanto, ao contrário do que se tem dito e redito, todas as partes exteriores da construção em que exista fenestração são fachadas com vãos dos compartimentos de habitação (se for esse o destino do compartimento) para efeitos da previsão do artigo 60.°, sejam tais fachadas designadas frontais, laterais ou de tardoz.
E, o artigo 60.° contém uma regra geral de afastamento das fachadas em que exista fenestraçâo.
Como entender então que o artigo 73.° estabeleça que as janelas dos compartimentos de habitação deverão ser dispostas de forma que o seu afastamento de muro ou fachada fronteiros não seja inferior a um mínimo de três metros?
Dir-se-ia que cumprido o artigo 60.° a regra do art.° 73.° não tinha razão de ser.
Mas não é assim.
Desde logo a norma vale para quando se edifica em frente de um muro, ou uma de empena lateral de edifício, na qual não existem janelas, caso em que não é aplicável o artigo 60.° que supõe duas fachadas com fenestração.
Em segundo lugar a norma do artigo 73.° aplica-se quando existam fachadas que não tenham cumprido o artigo 60.°, por exemplo por fazerem parte de construções anteriores à entrada em vigor do RGEU nas quais se efectuem obras de alteração, ou mesmo de ampliação, que envolvam a abertura de janelas.
Trata-se, portanto de norma que tem espaço de aplicação apesar da exigência do artigo 60.°, ainda que este garanta uma melhor protecção e seja obrigatório para toda a edificação a que possa efectivamente aplicar-se, como é o caso das novas edificações em que existe ou se prevê construção em que fachadas com janelas vão ficar fronteiras.
Mas, nos casos em que houvesse de aplicar-se o artigo 60.°, mas não possa, em virtude de a edificação já estar consumada com implantação menos afastada, então ainda e sempre terão de observar-se as normas do artigo 73º.
Deste modo, a distância exigida pelo artigo 73.° garante um espaço livre mínimo, mesmo quando as edificações não observem o artigo 60.°, designadamente por motivos justificados.
No caso dos autos não há dúvida alguma de que os dois edifícios apresentam fenestração nas fachadas que ficam frente a frente pelo que, tratando-se de construção nova, era obrigatório o cumprimento do artigo 60°.
Porém, a câmara permitiu a construção do edifício do recorrente e até a aprovou condicionalmente, embora posteriormente tenha revogado a autorização e agora recusa a legalização do que se encontra construído, dizendo que deve suprimir os vãos, além de que consentiu que o prédio fronteiro fosse construído a menos de cinco metros da linha divisória também com fachada em que existem janelas, embora ainda o não tenha licenciado.
Nestas circunstâncias seria contrário à boa-fé recusar o licenciamento com base num entendimento que considerasse que a distância existente entre as fachadas na situação concreta — superior aos três metros - não é de molde a salvaguardar aquela garantia mínima de salubridade que é exigida pelo artigo 73.°, pelo que a aplicação do artigo 60.° pode e deve ceder (ainda que excepcionalmente) devido às circunstâncias especiais da situação, criada em grande medida pela actuação do órgão competente para o licenciamento.
Por esta via, salvo melhor, admito chegar a conclusão idêntica àquela que fez vencimento.
Lisboa, 3 de Novembro de 2005. - Rosendo Dias José