Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01668/15
Data do Acordão:05/11/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO
RECORRIBILIDADE
Sumário:I - Há nulidade da decisão, por omissão de pronúncia quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões. E há nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o tribunal se ocupa de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso.
II - Das decisões do TCA proferidas em 2º grau de jurisdição, nos termos do art. 38º, nº 1, al. a), do ETAF, não cabe recurso jurisdicional para a Secção de Contencioso Tributário do STA (cfr. ainda art. 26º, nº 1, al. a), do mesmo diploma legal).
III - Consideram-se proferidos em segundo grau de jurisdição, os acórdãos do TCA proferidos em sede de recursos jurisdicionais de decisões dos TAF, ainda que neles se conheça, pela primeira vez, de determinada questão, sendo que, fora do âmbito do processo penal, não existe um ilimitado direito de recorrer de todas as decisões jurisdicionais, nem se pode, consequentemente, afirmar que a garantia da via judiciária (o direito de acesso aos tribunais) envolva sempre, necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição.
Nº Convencional:JSTA000P20507
Nº do Documento:SA22016051101668
Data de Entrada:12/17/2015
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do STA, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA:

1. A…………, S.A., recorrente nos autos, notificado do acórdão de fls. 504 a 510, proferido em 2/3/2016, vem arguir a nulidade do mesmo, invocando o disposto no art. 125º do CPPT e nos arts. 195º, 199º e 615º, nº 1, al. d), todos do CPC.

2. Alega, em síntese, que o acórdão enferma das seguintes nulidades:
2.1. Nulidade por omissão de pronúncia (n.ºs 7 a 23 da alegação)
­— O Tribunal, apesar de invocar a posição assumida pelo TCA (no despacho de admissão de recurso), não conheceu do mérito do pedido formulado pelo Recorrente - em concreto, da admissibilidade em processo tributário do Recurso de Revista “normal” (ou seja, não excecional) a que alude o artigo no art. 671°, nº 1 do CPC (ex vi art. 2°, al. e) do CPPT) tendo, antes, conhecido de um Recurso que não foi interposto pelo Recorrente nos presentes autos (o Recurso de Revista “excecional” a que alude o art. 150° do CPTA e também, no âmbito do processo civil, no art. 672° do CPC).
— Ou seja, o Tribunal não conheceu de todas as questões invocadas pelo Recorrente, na medida em que não apreciou a admissibilidade do Recurso de Revista interposto nos termos do art. 671°, nº 1 do CPC, ex vi art. 2°, al. e) do CPPT (com as adaptações a que aludem os arts. 280°, 282° e 284° deste diploma), apenas referindo tout court a equiparação que o TCA efectuou deste recurso àquele previsto no art. 280° do CPPT, não justificando, porém, qual o fundamento para interpretar que, em sede de processo tributário, não há recurso da decisão de mérito proferida pela primeira vez por um tribunal de segunda instância, quando este opte, ao abrigo dos seus poderes, por fazê-lo.
— E também nada referiu o STA quanto às razões que presidiram à decisão de não pronúncia quanto ao peticionado pelo Recorrente, não cuidando de justificar a dispensa do conhecimento de determinadas questões, desde que acompanhadas da motivação da opção (como ocorre, por exemplo, quando o tribunal detecta a prejudicialidade das questões não expressamente conhecidas na decisão).
— Ora, estando-se efectivamente perante uma “questão” expressamente submetida pelo Recorrente à apreciação do Tribunal - invocada no requerimento de arguição de nulidade do Acórdão proferido em 13/3/2014 e fazendo parte do próprio pedido -, e não de uma mera consideração secundária ou de argumentação em torno de uma outra questão resolvida pelo Tribunal, há que concluir que a decisão quanto à mesma deveria ter integrado a matéria sobre que recaiu a pronúncia judicial, uma vez que da sua apreciação poderia decorrer decisão diferente, designadamente ao nível da admissibilidade do Recurso de Revista nos termos apresentados pelo Recorrente.
— E não se diga que a remissão para a decisão do TCA constitui uma decisão tácita sobre a questão: em primeiro lugar, porque o Relator não invoca na sua decisão que o recurso interposto pelo aqui Recorrente correspondia ao recurso previsto no art. 280º do CPPT; e em segundo lugar, porque é o próprio Tribunal que relembra ser certo que não está vinculado ao despacho do Relator.
— Assim, não se tendo o Tribunal pronunciado sobre a única questão ainda a conhecer em face do teor do requerimento apresentado pelo Recorrente em 31/3/2014 (ou seja, a admissibilidade do Recurso de Revista interposto nos termos do art. 671°, nº 1 do CPC), nem tendo justificado as razões do seu não conhecimento, verifica-se que a decisão aqui em escrutínio ficou condicionada por manifesta omissão de pronúncia.
2.2. Nulidade por excesso de pronúncia (n.ºs 24 a 30 da alegação)
— O acórdão conheceu da admissibilidade do Recurso de Revista excecional a que alude o art. 150° do CPTA, quando resulta do pedido formulado pelo Recorrente que o que estava em causa era a “convolação da presente peça em requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 671.º, número 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, ou seja, o Recurso de Revista “normal” previsto no Código de Processo Civil.
— Ora, estando-se efetivamente perante uma “questão” que não foi submetida pelo Recorrente à apreciação do Tribunal - ou seja, a da apresentação de um recurso excecional de revista, ao invés do conhecimento do recurso efetivamente apresentado (nos termos supra referidos) - e que não é de conhecimento oficioso, há que concluir que a decisão, quanto à mesma, extravasa a competência do Tribunal, o que determina que a decisão padeça de manifesto excesso de pronúncia.
2.3. E nos n.ºs 31 a 53 da alegação, o recorrente invoca, ainda, a inconstitucionalidade da interpretação do art. 280° do CPPT preconizada no acórdão, pois que:
— O acórdão assenta na equiparação que o STA faz do art. 671° do CPC ao art. 280° do CPPT, que interpreta no sentido de não ser admissível o recurso “normal” das decisões do TCA que formalmente sejam decisões de segunda instância mas em que, por decisão do tribunal em causa ao abrigo dos seus poderes (ao invés de fazer descer o processo à primeira instância), seja pela primeira vez escrutinado o mérito.
— Ou seja, o STA considerou que, pese embora a decisão recorrida corresponda materialmente a uma decisão de primeira instância, porquanto foi a primeira vez em que um tribunal conheceu o mérito da questão substantiva apresentada ao escrutínio judicial, porque a mesma foi formalmente proferida pelo TCAS em segunda instância, não é passível de Recurso de Revista “normal”, por o art. 280° do CPPT o não prever.
Mas o Recorrente considera que o art. 280° do CPPT, na interpretação preconizada no acórdão aqui em questão, é inconstitucional por violação dos princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva previstos nos arts. 20º e 268° da CRP que, no caso concreto, seriam limitados de forma excessiva, discriminatória e sem fundamento material bastante, pois, sendo incontestável que o TCA, tendo decidido formalmente em segunda instância, conheceu pela primeira vez do mérito do peticionado pelo Recorrente, seria excessiva a limitação do direito ao recurso inserta na interpretação do STA, face ao objetivo pretendido pelo legislador, não se vislumbrando um fundamento material bastante para a justificar. É que se o legislador do art. 280° do CPPT pretendeu limitar o recurso de Revista “normal” a um grau, não se vê por que motivo teria pretendido que tal limitação fosse aferida segundo o critério formal agora endossado pelo STA, impondo-se, pois, concluir que, tendo o TCAS apreciado, pela primeira (e única) vez, a questão de mérito que o Recorrente sujeitou ao escrutínio judicial, o mesmo terá direito a um novo grau de jurisdição, neste caso, a do STA.
— Sendo com este sentido que a doutrina e a jurisprudência interpretam o art. 671° do Código de Processo Civil, que o Supremo Tribunal Administrativo entendeu corresponder ao art. 280° do CPPT: o nº 1 do art. 671° do CPC estabelece que “[c]abe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”, ou seja, o referido preceito legal confere um segundo grau de jurisdição mesmo nos casos em que a decisão de mérito tenha sido tomada em segunda instância.
— Na sequência lógica da conclusão do STA quanto à correspondência entre o recurso “normal” do art. 671°, nº 1 do CPC e o recurso “normal” do art. 280° do CPPT há, assim, que concluir que o recurso interposto pelo Recorrente foi um recurso “normal”, na inexistência de “dupla conforme”. E, como recurso “normal”, deveria o mesmo ter sido admitido.
Sendo que, por outro lado, a não admissão do recurso baseada na interpretação que o STA faz do âmbito do recurso “normal” previsto no art. 280° do CPPT implica tratá-lo de forma diferente do Recurso de Revista “normal” na jurisdição civil, que apenas está limitado pela “dupla conforme”, a qual, no caso concreto, não se verifica.
— E não se vendo o porquê da diferença de tratamento em duas situações que para os efeitos relevantes são iguais, ocorreria assim uma violação do princípio da igualdade previsto no art. 13º da CRP.
— Por outro lado, no caso concreto o TCA conheceu do mérito do peticionado pelo Recorrente não porque a lei assim o obrigava, mas porque, no exercício do seu poder discricionário, decidiu não fazer baixar o processo à instância inferior, pelo que, considerar que para efeitos do art. 280° do CPPT não há que distinguir entre os casos em que o TCA decide do mérito em segunda instância daqueles em que, por sua opção e não por determinação da lei, decide do mérito em primeira instância, significaria tratar de forma igual o que é diferente, mais uma vez em violação do princípio da igualdade previsto no art. 13° da CRP.
— Em suma, o STA deve recusar-se a aplicar o art. 280° do CPPT nos termos restritivos e desconformes à CRP em que o fez no Acórdão ora posto em crise, preferindo, ao invés, uma interpretação conforme à Constituição, nomeadamente aos seus arts. 13°, 20° e 268°, que reconheça a possibilidade de Recurso de Revista “normal” de decisões do TCA que, apesar de formalmente terem sido proferidas em sede de recurso, materialmente conheçam do pedido em primeira instância.
2.4. Termina pedindo que o acórdão (proferido em 2/3/2016 (fls. 504 a 510) na Secção do Contencioso Tributário do STA, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA):
- (i) seja declarado nulo, por padecer do vício de omissão de pronúncia, nos termos do art. 125° do CPPT e dos arts. 195º e 199°, 615°, nº 1, al. d) do CPC, aplicável ao STA por força dos arts. 666°, nº 1 e 685° do mesmo diploma (todos aplicáveis ex vi art. 2°, al. e) do CPPT);
(ii) – seja declarado nulo, por padecer do vício de excesso de pronúncia, nos termos do art. 125° do CPPT e dos arts. 195° e 199°, 615°, nº 1, al. d) do CPC, aplicável ao STA por força dos arts. 666°, nº 1 e 685° do mesmo diploma (todos aplicáveis ex vi art. 2°, al. e) do CPPT);
e, em consequência,
(iii) - seja admitido o recurso de revista para o STA, nos termos do disposto no art. 671°, nº 1 do CPC, ex vi art. 2°, al. e) do CPPT, com as especificidades a que alude o art. 282° do CPPT (aplicável aos recursos em processo tributário), devendo o Recorrente ser notificado para apresentar as respectivas Alegações de Recurso, em virtude de o Tribunal a quo não ter notificado o Recorrente para esse efeito, sob pena de o Supremo Tribunal Administrativo estar a aplicar a norma que se retira do art. 280° do CPPT em termos restritivos e desconformes à Constituição da República Portuguesa, tudo com as legais consequências.

3. Notificada, a Fazenda Pública nada veio alegar.

4. Corridos os vistos legais, cabe apreciar.
4.1. Quanto à alegada nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia:
4.1.1. Prevista no art. 125º do CPPT e na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do nº 2 do art. 608º deste último diploma: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
E como resulta das referências doutrinárias e jurisprudenciais apontadas pelo reclamante, e como, aliás, se escreveu no acórdão desta Secção, de 28/5/2014, proc. nº 0514/14, entre muitos outros, a omissão de pronúncia só existe «quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, ((1) Cfr. Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143.) «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Como se disse, o conceito de «questões» não se confunde com o de «argumentos» ou «razões» aduzidos pelas partes em prol da pretendida procedência das questões a apreciar («Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito». Ou seja, o juiz deve, sob pena de nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (e sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras - nº 2 do art. 608° do novo CPC), mas já não constituindo nulidade a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes das da sentença, que as partes hajam invocado. ((2) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 5ª ed., Lisboa, 2007, p. 913 - anotação 10 ao art. 125º. Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2°, Coimbra Editora, 2001, pag. 670.)
É claro que isto não significa que a decisão não possa sofrer de erro de julgamento por não ter atendido ou ponderado a argumentação apresentada pela parte. Todavia, essa é uma outra vertente do julgamento que, podendo eventualmente contender com o mérito da decisão, não contenderá com os vícios formais da sentença.» (fim de citação).

4.1.2. Neste contexto, e volvendo aos autos, constata-se o seguinte:
No acórdão ora reclamado (proferido, como acima se disse, na Secção do Contencioso Tributário do STA, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA), logo se começou por referir que o recorrente «vem interpor recurso de revista “nos termos do artigo 671º, número 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 13/3/2014 (complementado pelo acórdão de 18/9/2014, que indeferiu a arguição de nulidade daquele), no processo que aí correu termos sob o nº 7278/14», formulando pedidos no sentido de que o acórdão (do TCAS) deverá:
«... ser declarado nulo, nos termos do disposto no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e nos artigos 195.° e 199.º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2.°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário), tudo com as legais consequências.
Subsidiariamente,
Caso se entenda que, em face do disposto no artigo 615.º, número 4 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a arguição da nulidade deve ocorrer em sede de Recurso, por o processo admitir recurso ordinário ou, caso Vossas Excelências dêem como improcedente o pedido de Nulidade acima alegado, desde já se requer, por estar em tempo, a convolação da presente peça em requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 671.º, número 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Subsidiariamente,
Caso se entenda que, em face do disposto no artigo 615.º, número 4 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a arguição da nulidade deve ocorrer em sede de Recurso, por o processo admitir recurso ordinário ou, caso Vossas Excelências dêem como improcedente o pedido de declaração de nulidade acima efectuado e não admitam o Recurso acima interposto, desde já se requer, por estar em tempo, a convolação da presente peça em requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo para Uniformização de Jurisprudência, com base em Oposição de Acórdãos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 280.°, 282.° e 284.°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, fundado na oposição do Acórdão recorrido com o Acórdão proferido pela 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo número 0888/07, datado de 31 de Janeiro de 2008, publicado integralmente em www.dgsi.pt. tudo com as legais consequências

4.1.3. Em seguida, apontou-se a sequência dos trâmites e actos processuais decorrentes dos autos, nos termos seguintes:
«- (i) Em 13/3/2014 foi proferido no TCA Sul o acórdão de fls. 353/378, dando parcial provimento ao recurso que a recorrente A…………, S.A., havia interposto da sentença proferida pelo TT de Lisboa, na qual se julgara improcedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho do Director de Finanças de Lisboa que indeferira o pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação adicional de IRC, referentes aos exercícios de 1997 e 1998.
- (ii) Em requerimento entrado em 1/4/2014, que constitui fls. 386-393, a recorrente arguiu a nulidade do acórdão do TCA proferido em 13/3/2014 e, subsidiariamente, para o caso de se entender que “face ao disposto no artigo 615º, número 4 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a arguição da nulidade deve ocorrer em sede de Recurso, por o processo admitir recurso ordinário” ou caso “se dê como improcedente o pedido de nulidade”, requereu quer a sua convolação “em requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 671.º, número 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, quer, ainda subsidiariamente, caso também não seja admitido tal recurso, “a convolação da presente peça em requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo para Uniformização de Jurisprudência, com base em Oposição de Acórdãos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 280.º, 282.º e 284.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
- (iii) Por acórdão de 18/9/2014 (fls. 417/420) foi julgada improcedente a arguida nulidade.
- (iv) Notificada, a recorrente apresentou, em 7/10/2014, o requerimento de fls. 430/438, no qual, invocando o disposto no art. 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, ex vi art. 2º, al. e) do CPPT, diz “interpor Recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, com invocação de nulidade do Acórdão proferido em 18 de Setembro de 2014” e, subsidiariamente, “a convolação da presente peça processual em requerimento de interposição de Recurso para o Supremo Tribunal Administrativo para Uniformização de Jurisprudência, com base em Oposição de Acórdãos” e ainda subsidiariamente, “vem arguir a nulidade do Acórdão”.
- (v) Por despacho de 13/10/2014, (fls. 448/449) o Relator (no TCAS) rejeitou a arguição de nulidade daquele acórdão proferido em 18/9/2014 e considerou ser de “admitir, liminarmente, o recurso por oposição de acórdãos (…), dado que do desfecho que ocorrer neste depende a utilidade da aferição do recurso de revista”.
- (vi) Juntas que foram, entretanto, por parte da recorrente, as pertinentes alegações tendentes a demonstrar a invocada oposição de acórdãos, o recurso veio a ser julgado findo, por despacho do Relator (no TCAS), de 30/7/2015 (fls. 472/479), que entendeu não se verificar a invocada oposição de acórdãos.
- (vii) Notificada, a recorrente apresentou, em 15/9/2015 o requerimento que constitui fls. 488/491, pedindo que fosse “conhecido do Recurso de Revista apresentado pelo Recorrente em 31 de março de 2014, nos termos do disposto no artigo 671.º, número 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com as especificidades a que alude o artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, devendo o Recorrente ser notificado para apresentar as respetivas Alegações de Recurso” e subsidiariamente “Caso deva considerar-se que o Recurso de Revista interposto pelo Recorrente em 31 de março de 2014 foi indeferido tacitamente” requerendo que se ordenasse “a convolação do presente requerimento em Reclamação para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos e para os efeitos do artigo 643.º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário), devendo o Recorrente ser notificado para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pelo referido incidente, tudo com as legais consequências”.
- (viii) Na sequência de tal requerimento, o Relator (no TCA) proferiu em 18/9/2015 despacho (fls. 495), admitindo o recurso de revista, nos termos seguintes:
«Fls. 386/393 e fls. 488/491:
Por legal e tempestivo, interposto por quem tem legitimidade, admito (sem prejuízo do disposto no art. 150º/5 do CPTA), o recurso de revista interposto que subirá de imediato, nestes mesmos autos e com efeito meramente devolutivo.
Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento do requerimento de fls. 488/491.
Notifique.
Oportunamente, remeta a Venerando STA.».

4.1.4. E é face aos pedidos formulados e à apontada tramitação processual, que o acórdão logo exara o seguinte:
«É sabido que as decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, apenas excepcionalmente consentindo recurso nos termos do nº 1 do citado art. 150º do CPTA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. (...)
Como resulta do acima exposto, a recorrente interpõe o presente recurso de revista ao abrigo do disposto no art. 671º, nº 1 do CPC, que entende subsidiariamente aplicável.
Mas o mesmo veio a ser admitido (no TCA Sul), sem prejuízo do disposto no art. 150º/5 do CPTA.
Ora, ao recurso de revista previsto no art. 671º do CPC corresponde, no âmbito do processo tributário, o art. 280º do CPPT (o recurso de revista excepcional está, no âmbito do processo civil, regulado no art. 672º do CPC). E no caso, apesar de a recorrente se referir ao recurso de revista previsto no dito art. 671º do CPC que, como se viu, não terá aplicação, o despacho recorrido parece ter concluído que o recurso interposto se reconduz ao recurso de revista excepcional previsto no citado art. 150º do CPTA.
Ainda assim, sendo certo que o Tribunal nem está vinculado ao despacho do relator que no TCAS admitiu o recurso, nem está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (nº 3 do art. 5º do NCPC), importa averiguar se estão verificados os requisitos de tal recurso excepcional de revista

4.1.5. Ora, face aos termos expostos, fica claro que o acórdão se pronuncia (expressamente, e não apenas tacitamente) sobre a pretendida (em termos de pedido subsidiário) interposição do recurso de revista ao abrigo do disposto no art. 671º do CPC, afirmando-se que tal recurso «não terá aplicação» no âmbito do processo tributário, onde lhe corresponde o recurso previsto no art. 280º do CPPT, além de também se referenciar (“tout court” na alegação do reclamante) a equiparação que o TCA efectuou deste recurso àquele previsto no art. 280° do CPPT, ao salientar-se que o recurso foi admitido no TCAS mas sem prejuízo do disposto no no nº 5 do art. 150º do CPTA.
Não se nos afigura que ocorra, portanto, a invocada nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia sobre a dita questão.

4.1.6. Acresce que apesar de o reclamante igualmente alegar que «Também nada referiu o STA quanto às razões que presidiram à decisão de não pronúncia quanto ao peticionado pelo Recorrente, não cuidando de justificar a dispensa do conhecimento de determinadas questões, desde que acompanhadas da motivação da opção (como ocorre, por exemplo, quando o tribunal detecta a prejudicialidade das questões não expressamente conhecidas na decisão)» não se vê que ocorra nulidade do acórdão, por falta de fundamentação da decisão. Além de tal nulidade não ter sido expressamente invocada, ela só poderia verificar-se caso nenhuma fundamentação existisse: o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação e essa nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos. Ou seja, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, o que, manifestamente, não ocorre no caso vertente.
Improcede, portanto, a arguição da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia.

4.2. E pelas mesmas razões, também não ocorre a nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia (nº 1 do art. 125º do CPPT e segmento final da al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC):
Esta nulidade relaciona-se com a segunda parte do nº 2 do art. 608º e com o nº 1 do art. 609º do CPC, em que se estabelece que o juiz nem pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, nem pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Ora, (i) foi por ter considerado que o recurso de revista previsto no art. 671º do CPC não tem aplicação no âmbito do processo tributário e que o recurso previsto no art. 280º do CPPT também não teria aplicação no caso concreto, dado que as decisões proferidas pelo TCA em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso, apenas excepcionalmente consentindo recurso excepcional de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, e (ii) por ter considerado que, tendo o recurso sido «admitido (no TCA Sul), sem prejuízo do disposto no art. 150º/5 do CPTA (...) o despacho recorrido parece ter concluído que o recurso interposto se reconduz ao recurso de revista excepcional previsto no citado art. 150º do CPTA», que o acórdão ora reclamado apreciou tal requerimento de interposição de recurso por reporte ao regime do recurso excepcional de revista previsto nesse mesmo art. 150º do CPTA. Ou seja, foi, ainda, no âmbito da questão trazida pela parte (recurso de revista previsto no art. 671º do CPC) que o Tribunal acabou por apreciar o requerimento de interposição de recurso.
Assim, embora possa, eventualmente, ter ocorrido erro de julgamento em tal apreciação, não ocorreu, contudo, a alegada nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia.

4.3. Quanto à alegada inconstitucionalidade da interpretação do art. 280° do CPPT preconizada no acórdão, no sentido de não ser admissível o recurso “normal” das decisões do TCA que formalmente sejam decisões de segunda instância mas em que, por decisão do tribunal em causa ao abrigo dos seus poderes (ao invés de fazer descer o processo à primeira instância), seja pela primeira vez escrutinado o mérito.
Também quanto a esta matéria o reclamante carece de razão legal.
Como se colhe, entre outros, do teor do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 28/5/2014, proc. nº 0906/13, «como vem sublinhando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo no quadro de definição de recursos, o grau de jurisdição resulta «da posição em que o tribunal é chamado a decidir: directamente, por dever conhecer do pedido inicialmente formulado – por exemplo, em acção ou meio processual acessório - ou em segunda ou terceira via, por virtude de recurso jurisdicional ou meio análogo.
Não é o facto de uma questão ter ou não sido decidida pela primeira vez no Tribunal Central Administrativo que determina a recorribilidade, mas sim o facto de ter sido proferida em Acórdão pronunciado em primeiro grau de jurisdição ou como tribunal de recurso.
Neste último caso – questão decidida pelo tribunal de recurso, ou seja em segundo grau de jurisdição - mesmo que se trate de questão nova, não haverá um terceiro grau de jurisdição - cfr. neste sentido os acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Janeiro de 2004, processo n.º 01960/03, de 24.10.2006, processo nº 815/06, de 23.09.2009, processo nº 603/09, e da Secção de Contencioso Tributário de 26.04.2007, processo nº 195/07 e de 18.06.2008, processo nº 400/08, todos in www.dgsi.pt.» (No mesmo sentido, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª edição, volume IV, anotação 38 ao art. 279º, pp. 392/393).)
E a respeito da alegada violação dos princípios constitucionais, também se colhe daquele mesmo aresto:
«A jurisprudência do Tribunal Constitucional já, por várias vezes, afirmou que em matéria de direito ao recurso jurisdicional, não resulta da Constituição, em termos genéricos, nenhuma garantia do duplo grau de jurisdição e que tal direito não faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente consagrado no artigo 20.º da Constituição (cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 239/97, 510/2003, 44/2008, 339/2011 e 396/14 todos in www.tribconstitucional.pt, e, bem assim Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª edição, nota XXI ao artigo 20.º, pp. 449 a 452, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, nota XIV ao artigo 20.º, p. 418).
Como ficou sublinhado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 396/14, de 07.05.2014, «o direito que o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição a todos assegura de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” consiste no “direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade) ”. Da previsão constitucional decorre ainda que a tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos deve ser efetuada “mediante processo equitativo” e cujos procedimentos possibilitem uma “decisão em prazo razoável” e sejam “caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” (n.ºs 4 e 5 do referido artigo 20.º da CRP).
A exigência de um duplo grau de jurisdição apenas está expressamente consagrada no âmbito do processo penal e relativamente a decisões condenatórias ou que afetem a liberdade do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP). Para além disso, esse direito é considerado por alguma doutrina e jurisprudência, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, como inerente à proteção contra decisões jurisdicionais que imponham restrições a direitos, liberdades e garantias pessoais.
Fora desses domínios específicos, o legislador ordinário goza de ampla margem de conformação do direito ao recurso, podendo regular diversamente a possibilidade e o modo de impugnação das decisões jurisdicionais».
No fundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reafirmado que não existe um ilimitado direito de recorrer de todas as decisões jurisdicionais, nem se pode, consequentemente, afirmar que a garantia da via judiciária, ou seja, o direito de acesso aos tribunais, envolva sempre, necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição (com excepção do processo penal) – vide Ac. 510/2003, de 28.10.2003 (Diário da República II Série, de 6.1.2004).
De idêntico sentido tem sido a posição tomada por este Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, como decorre dos já citados acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo proferidos nos processos 1960/03 e 603/09 e ainda do acórdão da Secção de Contencioso Tributário de 11.07.2012, proferido no recurso 509/12 (recurso de revista excepcional).» (fim de citação)
Ora, os fundamentos aduzidos em tal jurisprudência, cuja bondade aqui se reitera, são também totalmente transponíveis para o caso dos autos, pelo que se conclui que não se mostra violados aqueles princípios.

5. Nestes termos e pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a arguição de nulidades do acórdão proferido em 2/3/2016 (fls. 504 a 510), bem como o pedido de consequente admissão do recurso de revista para o STA, nos termos do disposto no art. 671°, nº 1 do CPC, ex vi art. 2°, al. e) do CPPT, com as especificidades a que alude o art. 282° do CPPT.
Custas pelo reclamante.
Lisboa, 11 de Maio de 2016. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce NetoIsabel Marques da Silva.