Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:031/08
Data do Acordão:07/01/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
COIMA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
REVERSÃO
Sumário:I - Sendo a responsabilidade dos devedores subsidiários pelas dívidas por coimas da sociedade originária devedora uma responsabilidade de natureza civil extracontratual e não uma responsabilidade pelo pagamento de coimas, a cobrança destas dívidas de responsabilidade civil não figuram entre as dívidas que podem ser cobradas através do processo de execução fiscal, uma vez que tal cobrança não está prevista no predito artº 148º.
II - Deste modo, não pode haver reversão.
Nº Convencional:JSTA00065842
Nº do Documento:SA220090701031
Data de Entrada:01/11/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRA ORDENAÇÃO TRIB.
DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:RGIT01 ART8.
CONST76 ART18 N2 ART30 N3 ART32 N2 N10.
L 15/2001 DE 2001/06/05.
CPPTRIB99 ART160 ART148 ART153 N1.
Jurisprudência Nacional:AC TC DE 2009/03/12.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificado nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que negou provimento ao recurso judicial que interpôs do despacho do Chefe dos Serviços de Finanças, que condenou a sociedade “B…, Lda”, no pagamento de uma coima, por falta de entrega da declaração periódica de IVA, relativo ao ano de 2001 e que contra si havia revertido, na qualidade de responsável subsidiário, dela veio interpor recurso para esta Secção do STA, formulando as seguintes conclusões:
A. A decisão que o aqui recorrente questionou no TAF de Braga foi proferida num processo de contra-ordenação e não no âmbito da liquidação do imposto ou numa oposição à execução.
B. Toda a tese da sentença sai viciada por não atender a essa distinção, facto que se nota pelas citações de jurisprudência que não tem aqui aplicação.
C. Na verdade, estamos perante o recurso judicial (art. 80º RGIT) de uma decisão que condenou a firma B…, Lda., no pagamento de uma coima, e que está agora a ser executada contra o recorrente.
D. Ora, se existe uma decisão que aplica uma coima, tem necessariamente de ser admitido a possibilidade de dela recorrer para o tribunal e por todos os que nisso tem interesse (art. 401° do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 3°, alínea b) do RJIT, que remete para o art. 41° do DL. 433/82, de 27/10 e este para o citado artigo 401° do CPP, bem como também o art. 680°, n°2 do Código de Processo Civil e o art. 22° da LGT)).
E. E assim como se pode recorrer dessa decisão, tem de se poder questionar tudo o que a ela diz respeito, incluindo nulidades e outras questões acessórias, certamente não menos importantes.
F. Tanto mais que o art. 80° do RGIT não faz uma restrição igual à do artigo 204° do CPPT.
G. Daí que, qualquer decisão ou qualquer norma que diga o contrário é claramente inconstitucional, desde logo por violar o art. 20° da CRP, que consagra o «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva», bem como o nº 10, do art. 32° da mesma Constituição, e também o seu art. 268°, particularmente o seu nº 4, que garante a todos os administrados a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente... a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma...».
H. Deste modo, podia o recorrente invocar a nulidade da falta de citação.
I. Também na parte que desatendeu a invocada prescrição, a decisão de que se recorre labora num equívoco.
J. Na verdade, não pode invocar-se contra o recorrente uma notificação efectuada noutra pessoa, designadamente na execução movida contra a sociedade, para com isso considerar interrompidos os prazos de prescrição.
K. Nem contra si podem ser invocados prazos contados a partir da citação efectuada ao devedor principal, mas sim a partir da sua própria citação.
L. E tanto é essencial a sua citação, que até foi ordenada, apesar de ter falhado pelos motivos alegados.
M. Aliás, como se alegou no requerimento de interposição de recurso, o art. 48°, nº 3 da LGT estabelece até que a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário.
N. Por outro lado, resulta dos autos que estamos perante uma decisão proferida num processo de contra-ordenação, contra uma sociedade comercial, mas cuja coima se pretende cobrar ao aqui recorrente.
O. Ora, está documentalmente demonstrado nos autos que a firma infractora foi dissolvido por sentença proferida no processo 2148/04.3 TJVNF do 2° Juízo Cível de V.N. de Famalicão, transitada em julgado em 28/04/2005, instaurado pelo Ministério Público em representação do Estado.
P. Consequentemente, tem de considerar-se extinto o processo por contra-ordenação ou, pelo menos, a coima nele aplicada, em conformidade com os artigos 61° e 62° do RGIF - o que não sucedeu.
Q. O TAF de Braga andou perto desta questão, mas não a tratou especificamente, pelo que cometeu uma nulidade ao não apreciar uma questão de conhecimento oficioso.
R. De qualquer modo, a decisão de que se recorre tratou de uma questão muito próxima, que é a de a sociedade devedora não ter actividade, apesar de laborar de novo no equívoco de considerar a “legalidade da liquidação”, como se estivéssemos a discutir um imposto propriamente dito e o presente processo fosse de oposição a uma execução.
S. Mas se a coima aplicada resulta de se considerar ter faltado a apresentação de declarações de impostos, pode e deve ver-se se havia razões para exigir essa apresentação.
T. Ora, se o Estado pediu a dissolução da sociedade e alegou e demonstrou que a empresa não tinha actividade desde o ano de 1993, como pode invocar infracções posteriores.
U. Na verdade, se o Estado alega que a empresa não tinha actividade, não podia haver impostos a liquidar.
V. É, pois, manifesto que a dissolução da sociedade acarretou a “morte” do processo e, ainda que assim não fosse, o facto de ter sido provado que a sociedade não tinha actividade na data em que vem acusada de não ter entregue as declarações de impostos dessa actividade, compromete irremediavelmente o processo de contra-ordenação.
W. Ao entender de forma diversa, a decisão recorrida violou os citados preceitos legais;
A Fazenda Pública não contra-alegou.
Por Acórdão datado de 28/5/08, de fls. 99 e segs. e com fundamento na inconstitucionalidade do artº 8º do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/01 de 5/6, este Supremo Tribunal julgou procedente o referido recurso e, consequentemente, ordenou a revogação da sentença recorrida, julgando, assim, procedente o recurso judicial interposto.
Em consequência, o Exmº Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artºs 280º, nº 1, al. a) da CRP, 70º, nº 1, al. a), 71º, nº 1 e 72º, nºs 1, al. a) e 3 da Lei nº 28/82 de 15/11 (vide fls. 109).
Este Tribunal, por acórdão datado de 12/3/09, decidiu não julgar inconstitucional as als. a) e b) do nº 1 do predito artº 8º, pelas razões ali expostas, ordenando, em consequência, “a reforma do acórdão recorrido em conformidade com o juízo de constitucionalidade formulado”.
Concedida vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto este não emitiu parecer, por “o recurso vir alegado da 1ª instância e não ter abordado as questões que determinaram a apreciação do Tribunal Constitucional”, mantendo, porém, “a posição já assumida pelo M.P. a fls. 97v”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. O Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão – 2, instaurou execução fiscal contra a sociedade «B…, Lda.» para cobrança de coima fiscal aplicada àquela sociedade por falta de entrega da declaração periódica do IVA relativamente a todos os meses do ano de 2001;
2. Em 31/05/2004 e em 01/06/2004 foi a sociedade «B…, Lda.» notificada na pessoa do sócio C…, mediante cartas registadas com aviso de recepção endereçadas e recebidas na Rua …., Vila Nova de Famalicão, para defesa no processo de contra-ordenação referente à não entrega das declarações de IVA de todos os meses do ano de 2001;
3. A decisão de aplicação da coima foi proferida a 23/02/2006, no respectivo processo de contra-ordenação, fixando-se o valor de € 2.054,92, tendo a mesma transitado a 04/04/2006;
4. A execução fiscal foi revertida contra A…, tendo o mesmo sido citado a 02/08/2006, na pessoa do seu filho, D….
3 – Conforme resulta dos autos, está em causa uma dívida proveniente de coima fiscal, relativa ao ano de 2001, aplicada à originária devedora, a sociedade “B…, Lda” e para cujo pagamento foi citado, por reversão, o ora recorrente, na sua qualidade de responsável subsidiário.
A questão que, previamente, se coloca consiste em saber se essa dívida pode ou não reverter contra o recorrente.
No acórdão reformando decidiu-se que no domínio do ilícito contra-ordenacional, se deve aplicar os princípios da intransmissibilidade das coimas e da presunção de inocência, pelo que estas não podem ser exigidas ao revertido, ainda que em termos de responsabilidade subsidiária, nos termos do artº 8º do RGIT, sendo este preceito legal inconstitucional por violação do disposto nos artºs 18º, nº 2, 30º, nº 3 e 32º, nºs 2 e 10 da CRP.
Chamado a apreciar esta questão, o Tribunal Constitucional decidiu o seguinte:
“Não julgar inconstitucional as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação”.
Isto, depois de considerar expressamente o seguinte:
“O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas.
A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra-ordenacional.
Por outro lado, o facto de a execução fiscal poder prosseguir contra o administrador ou gerente é uma mera consequência processual da existência de uma responsabilidade subsidiária, e não constitui, em si, qualquer indício de que ocorre, no caso, a transmissão para terceiros da sanção aplicada no processo de contra-ordenação (cfr. artigo 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas um facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal.
É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil”.
Balizados estes princípios pelo Tribunal Constitucional, importa, agora, conhecer da questão supra referida.
4 – Dispõe o artº 153º, nº 1 do CPPT, que define a legitimidade dos executados, que “podem ser executados no processo de execução fiscal os devedores originários e seus sucessores dos tributos e demais dívidas referidas no artigo 148.º, bem como os garantes que se tenham obrigado como principais pagadores, até ao limite da garantia prestada”.
Por sua vez, estabelece o artº 148º, nº 1 daquele diploma legal que “a) o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívida: tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais; b) coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns”.
E acrescenta no seu nº 2 que “poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei: a) outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo; b) reembolsos ou reposições”.
Neste preceito legal incluem-se, assim, normas genéricas determinando a aplicação do processo de execução fiscal para cobrança de todos os créditos tributários e dos derivados da prática de contra-ordenações tributárias, quando as coimas ou sanções pecuniárias são aplicadas pela administração tributária ou pelos tribunais tributários.
O processo de execução fiscal é, assim, o processo que em regra é utilizado para cobrança de tais dívidas.
Ora, no acórdão do Tribunal Constitucional supra referido e como vimos, definiu-se que “…a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas um facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal.
É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil”.
Ou seja, “o que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas”.
Sendo assim, se a responsabilidade dos devedores subsidiários pelas dívidas por coimas da sociedade originária devedora é uma responsabilidade de natureza civil extracontratual e não uma responsabilidade pelo pagamento de coimas, a cobrança destas dívidas de responsabilidade civil não figuram entre as dívidas que podem ser cobradas através do processo de execução fiscal, uma vez que tal cobrança não está prevista no predito artº 148º.
E a ser assim, como é, é patente que não pode haver reversão.
5 – Nestes termos e com estes fundamentos, acorda-se em conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, julgando-se, assim, procedente o recurso judicial interposto pela recorrente e, consequentemente, o acto de reversão impugnado.
Sem custas.
Lisboa, 1 de Julho de 2009. – Pimenta do Vale (relator) – António Calhau – Jorge de Sousa.