Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0573/16
Data do Acordão:09/08/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
LIGAÇÃO ACTUAL E EFECTIVA A PORTUGAL
ÓNUS DE PROVA
Sumário:Na acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa proposta com fundamento na inexistência de ligação efectiva do requerente da nacionalidade à comunidade portuguesa, cabe ao A. provar os factos demonstrativos do fundamento alegado e não ao R. demonstrar a sua ligação efectiva.
Nº Convencional:JSTA000P20866
Nº do Documento:SA1201609080573
Data de Entrada:06/27/2016
Recorrente:A...............
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


1. A………….., inconformado com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público (MP) da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa que julgara improcedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, decidiu pela procedência desta acção, dele recorreu para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
“43. O recorrente provou através de provas documentais e testemunhais a efectiva ligação à comunidade nacional.
44. Tanto assim que o Sr. Dr. Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, ao julgar a acção de oposição da nacionalidade portuguesa, interposta pelo ilustre MP, muito acertadamente em sua sentença, afirma que: “A convicção do Tribunal fundamentou-se na prova documental, supra identificada, (…).
45. Por conseguinte, não existiu qualquer violação das regras de direito probatório, tendo o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa decidido com base nos factos, documentos e prova testemunhal que constavam nos autos, considerando-os suficientes para a resolução do litígio. Tanto assim, concluiu o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que “com o apelo ao princípio constitucional da unidade familiar deve-se entender que o mesmo justifica a concessão da nacionalidade ao ora requerido, o que deve ser conjugado com a prova documental patenteada nos autos da qual resulta que o requerido mostra interesse e ligação à comunidade portuguesa, mesmo fora do contexto do território nacional, e de que a ligação à comunidade portuguesa deve ser inferida da defesa do núcleo familiar, sem que dele seja excluído o requerido por carecer da nacionalidade portuguesa”.
46. Considera-se de suma importância enfatizar que a documentação acostada aos autos às fls. 8 a 16, comprovam as várias entradas e saídas do aqui recorrente em Portugal, sendo diversos os motivos das viagens, por vezes a lazer e por vezes a trabalho. Durante a juventude, o aqui agravado vinha visitar amigos seus e de seus familiares, que aqui residiam. Após contrair matrimónio, as suas vindas a Portugal se intensificaram, já que a sua esposa, D. B……………, possui muitos familiares que residem em Guimarães e em Amorim, e o casal costuma sempre visitá-los constantemente. Além disso, o recorrente é Director de uma sociedade anónima que possui diversos contratos de compra e venda com empresas portuguesas.
47. O vínculo com a comunidade portuguesa em Recife-PE, Brasil, onde reside o recorrente é bastante estreito. Prova disso são as várias declarações de entidades portuguesas respeitadas as quais constam nos autos às fls. 19 a 44.
48. As declarações referidas acima são da bem conceituada Associação dos Amigos do Porto que enfatiza que o recorrente mantém fortes laços com as instituições portuguesas, sendo bastante conhecido nesta associação; uma outra declaração prestada pelo Provedor do Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco, que também é membro da comunidade portuguesa da cidade do Recife, atestando a participação do recorrente nos mais diversos eventos culturais promovidos pela comunidade portuguesa e tendo a ciência dos fortes laços que ele mantém com a referida comunidade; declaração do Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, atestando mais uma vez os fortes laços do recorrente e sua inserção na comunidade portuguesa onde este reside; além de declarações de respeitados cidadãos portugueses residentes no Recife (Brasil) e em Portugal, no qual todos atestam que o aqui recorrente mantém fortes laços com cultura, história e economia de Portugal.
49. Ademais, houve uma audiência de diligência probatória em que o aqui recorrente esteve presente, tendo este sido também ouvido. A sublinhar que ao final desta diligência, foi requerido ao Sr. Dr. Juiz a junção de uma carta feita pelo recorrente, a qual foi rubricada em todas as páginas pelo Sr. Dr. A………………, havendo sido autorizada a sua junção aos autos, pelo que o MP reclamou a aplicação de multa. O conteúdo da referida carta nada mais é que mera repetição e ênfase de tudo o que já estava nos autos, onde o recorrente apenas condensou todas as informações em uma carta. Neste documento reitera-se os laços de amizade e familiares com portugueses no Brasil e em Portugal, bem como sua ligação com diversas entidades portuguesas na cidade do Recife, Pernambuco, Brasil.
50. Interpreta-se este rol de requisitos, no tocante ao que poderia demonstrar uma efectiva ligação à comunidade nacional, o que alegadamente é um rol meramente exemplificativo e não taxativo. Ainda assim, teria o aqui recorrente cumprido quase a totalidade dos requisitos apresentados pelo MP e pelo Tribunal Central Administrativo Sul, o que mais uma vez se demonstra seu direito a aquisição da nacionalidade portuguesa.
51. Posto que com excepção da residência em Portugal, todos os demais requisitos foram cumpridos e devidamente comprovados pelo recorrente.
52. Ficou exaustivamente comprovado que o ora recorrente está integrado na vida social, económica e cultural portuguesa. Senão vejamos:
a) Existe nos autos às fls. 35 e 36 a prova de que o aqui recorrente estudou português por 3 anos, o que demonstra que o mesmo tem conhecimento da língua; b) Em relação ao aspecto de ordem familiar: o recorrente é casado desde 2006 com cidadã portuguesa, D. B…………….., assento de nascimento n.º 13482 do ano de 2008 e assento de casamento n.º 777/2008 às fls. 45 a 48 dos autos, com quem tem duas filhas menores, C……………, assento de nascimento n.º 80 do ano de 2012, e D……………, assento de nascimento n.º 31 de 2014 – Vice Consulado de Portugal em Recife; c) Aspectos culturais e sociais devidamente comprovados com as declarações das entidades portuguesas da qual faz parte, tais como: Clube Português do Recife, a primeira instituição em que o recorrente se filiou, ainda na juventude, para que pudesse estar em contacto com amigos e familiares portugueses residentes em Recife; Gabinete de Literatura Portuguesa em Pernambuco, sendo amigo pessoal do Presidente desta instituição e participante dos eventos por esta promovidos; Clube Barroso de Pernambuco, instituição que promove eventos semanais para unir a comunidade portuguesa daquele Estado, havendo uma famosa “sardinhada” às sextas-feiras e onde o recorrente está sempre presente; além de ter um estreito convívio com o provedor do Hospital de Beneficência Portuguesa em Pernambuco e a Câmara de Comércio Brasil/Portugal, atuando em todas essas instituições de forma ativa e cada vez mais estreitando seus laços afetivos e comerciais com a comunidade portuguesa, tanto no Brasil, como em Portugal; d) Amizades: o recorrente possui muitos amigos portugueses, tanto em Recife, Pernambuco, onde reside, como em Portugal. Não foi possível juntar declarações de todas as pessoas, uma vez que são muitos amigos, o que demandaria muito tempo, mas ainda assim, estão nos autos declarações que comprovam a ligação efectiva do recorrente à comunidade portuguesa residente tanto em Portugal como no Brasil; e) Além da situação económico-profissional, uma vez que o recorrente participa activamente da Câmara de Comércio Brasil/Portugal e já fez muitos negócios com empresas portuguesas.
53. Por todos os factos apontados, simultaneamente ao casamento com cidadã portuguesa, com quem tem duas filhas, o que por si só já seriam elementos mais que suficientes, entende-se que os elementos acima descritos são pressupostos suficientes para que possa ser atribuída a nacionalidade portuguesa ao recorrente, Sr. Dr. A………….
54. O recorrente manifestou ter interesse em adquirir a nacionalidade portuguesa, juntando aos autos uma série de documentos que demonstraram que seguramente existe uma ligação efectiva e estreita dele para com a comunidade nacional, além do facto dele ter prestado declarações no intuito da obtenção da aquisição da nacionalidade portuguesa junto à Conservatória do Registo Civil de Celorico da Beira.
55. É facto notório que a noção de pertença para com a comunidade nacional por parte de A……………., ora recorrente, ficou plenamente provada através do casamento com cidadã portuguesa e das diversas declarações que clarificam as inúmeras relações sociais, humanas, económicas, de integração cultural e de estreita ligação em associações culturais, recreativas e desportivas.
56. Donde se conclui que do ponto de vista da matéria de facto e de direito, foi dada como provada e referida em sede de sentença; ao Ministério Público não logrou provar a ausência de ligação efectiva à comunidade portuguesa em face do ora recorrente.
57. O Tribunal Central Administrativo, em sede de recurso, anulou a decisão proferida em primeira instância, colhendo o entendimento de que o ora recorrente não fizera prova dos elementos comprovativos da efectiva ligação à comunidade portuguesa, inclusivamente enfatizando em diversos parágrafos o (efetiva!).
58. Afirmou ainda o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, às fls. 15, que “Ora, ante a concreta e parca factualidade provada no presente processo, é claro que não se pode concluir, em termos do chamado silogismo judiciário, pelo preenchimento do requisito legal (jurídico e não fáctico) de que o estrangeiro interessado (cidadão estrangeiro residente no estrangeiro) tem ligação (efetiva!) a Portugal e à sua cultura (…). Por isso é irrelevante a questão de saber a quem caberia o ónus da prova dos factos constitutivos do direito/interesse aqui invocado pelo réu no procedimento subjudice. (…). Note-se que ter ou não ter a referida ligação efetiva, não é matéria de facto, é uma conclusão jurídica a retirar dos factos concretos”.
59. Acresce ainda o acórdão que aqui se pretende reformular, às fls. 16 e 17, que “Por outras palavras mais rigorosas: os atrás transcritos e parcos factos aqui apurados não nos deixam dúvidas e não permitem tirar a conclusão jurídica exigida pelo art.º 9.º/a) da LN de que o interessado ora réu (cidadão estrangeiro, residente no estrangeiro, casado com uma brasileira entretanto tornada cidadã portuguesa, e que vem a Portugal várias vezes) tem uma ligação (efetiva!) à comunidade nacional portuguesa; sem o preenchimento deste requisito jurídico, o estrangeiro não pode adquirir a nacionalidade portuguesa. Ad Latere: o art.º 343.º, n.º 1, do CC estabelece que nas acções de apreciação ou declaração negativa compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga”.
60. É espantoso para o recorrente a divergência de entendimento entre o acórdão ora mencionado e a sentença proferida na primeira instância, onde restou mais que comprovada a ligação efetiva à comunidade nacional.
61. Subscrevendo o entendimento do Professor Rui Manuel Moura Ramos, in Estudos de Direito Português da Nacionalidade, pp. 299 a 309, a aquisição derivada pela mera vontade, como forma de realização do princípio da unidade da nacionalidade familiar, faz-se sem a intervenção conformadora da vontade do Estado, através de uma simples declaração do interessado.
62. A aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do cônjuge estrangeiro casado com nacional português há mais de três anos é um direito fundamental, a que se aplica o regime do art.º 18.º da Constituição.
63. Deste modo, à oposição da nacionalidade com base nesse fundamento não pode o MP oferecer oposição sem que, para tanto, tenha a certeza e tenha provas da indesejabilidade da integração em causa na comunidade nacional.
64. Ademais, na fase administrativa, e depois na primeira instância, o recorrente indicou testemunhas aptas a fazer prova de sua ligação à comunidade nacional e declarações outras, que comprovaram a efetiva ligação à comunidade nacional.
65. Por fim, considerando a jurisprudência recente do STA, caberia ao MP alegar e provar o ónus da prova, em relação a não existência de ligação à comunidade portuguesa”.
O Ministério Público contra-alegou, tendo concluído pela improcedência do recurso, “atenta a manifesta insuficiência da matéria de facto dada como provada, a qual é notoriamente insuficiente para se concluir no sentido da pretendida ligação do recorrente à comunidade nacional portuguesa”.
Para admitir a revista, a formação a que alude o n.º 5 do art.º 150.º do CPTA proferiu acórdão com a seguinte fundamentação:
“(…)
As instâncias julgaram de modo divergente.
O acórdão recorrido, que omitiu qualquer referência à jurisprudência deste Supremo Tribunal, considerou que «os factos aqui apurados não nos deixam dúvidas e não permitem tirar a conclusão jurídica exigida pelo art.º 9.º/a) da LN de que o interessado ora réu (cidadão estrangeiro, residente no estrangeiro, casado com uma brasileira entretanto tornada cidadã portuguesa, e que vem a Portugal várias vezes) tem uma ligação (efetiva!) à comunidade nacional portuguesa; sem o preenchimento deste requisito jurídico, o estrangeiro não pode adquirir a nacionalidade portuguesa».
Essa linha de entendimento, de que a aquisição da nacionalidade exige que se conclua pela existência de ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa, significando que a acção de oposição só seria improcedente se se chegasse a essa conclusão, parece contrariar a linha de entendimento que tem sido seguida neste Supremo Tribunal, como resulta, por exemplo, dos acórdãos de 19.06.2014, processo 103/14, 28.5.2015, proc. 1548/14, 18.6.2015, proc. 1054/14, 1.10.2015, processos 1409/14 e 203/15, 3.3.2016, proc. 1480/15.
É, pois, de toda a necessidade admitir a revista”.

2. O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
a) O requerido A……………….., de nacionalidade brasileira, nasceu em 5/08/76, em Itaíba, Pernambuco, República Federativa do Brasil, e é filho de pais de nacionalidade brasileira;
b) O requerido contraiu casamento, em 15/09/2006, no Recife, Brasil, com a cidadã portuguesa, natural do Brasil, B…………….., conforme assento de casamento n.º 130/2007;
c) Deu entrada e foi recebido em 4/02/2011, na Conservatória do Registo Civil de Celorico da Beira, requerimento no qual foi exarada declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, prestada pelo requerido, ao abrigo do art.º 3.º/Lei 37/81, com fundamento no celebrado casamento, e alegou, ainda: que tem ligação efetiva à comunidade portuguesa; que não praticou crime punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa; e que com base em tal declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais, o processo n.º 6693/11, onde se constatou a existência de facto impeditivo da pretendida aquisição da nacionalidade, razão pela qual o registo não chegou a ser lavrado;
d) O requerido é pai de C………………., nascida a 18/08/2011;
e) O requerido, com o seu agregado familiar, tem a sua residência fixada na Av. …………., n.º …………., Apto. ………., …………, Recife, Pernambuco, Brasil;
f) O requerido vem, com frequência, a Portugal.

3. Resulta da matéria fáctica provada que o ora recorrente, de nacionalidade brasileira, após ter contraído casamento, em 15/09/2006, com uma cidadã portuguesa nascida no Brasil, em 4/02/2011 manifestou a vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa, afirmando ter ligação efectiva à comunidade nacional, o que determinou a organização de um processo de aquisição da nacionalidade na Conservatória dos Registos Centrais onde o registo não chegou a ser lavrado.
Tendo o MP instaurado, no TAC, acção de oposição à aquisição pelo requerente da nacionalidade portuguesa, foi proferida sentença a julgá-la improcedente, por se considerar que o princípio constitucional da unidade familiar justificava que, no caso, essa nacionalidade lhe fosse concedida.
Na sequência de recurso interposto desta sentença, foi proferido o acórdão recorrido que, após caracterizar a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa como uma acção de simples apreciação negativa, entendeu que “ante a concreta e parca factualidade provada” não se podia concluir que o requerente tinha uma ligação efectiva a Portugal e à sua cultura, requisito de procedência da acção exigido pelo art.º 9.º, al. a), da Lei n.º 37/81, de 3/10, na redacção resultante da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04. Concedeu, assim, provimento ao recurso, revogou a sentença do TAC e julgou a acção procedente.
Contra este entendimento, o recorrente, na presente revista, alega fundamentalmente que demonstrou exaustivamente a sua ligação efectiva à comunidade nacional, através de laços familiares, sociais, económico-profissionais, culturais e de amizade com Portugal e com cidadãos portugueses e que, de qualquer modo, era sobre o MP que impendia o ónus da prova da ausência da ligação efectiva do interessado à comunidade nacional.
Já o MP, nas suas contra-alegações, sustenta que da factualidade dada por provada não resulta que se possa considerar preenchido o requisito da ligação efectiva do recorrente à comunidade portuguesa.
A questão que está em causa nos autos é, assim, a de saber se a procedência da acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa depende da demonstração da inexistência da ligação efectiva do requerente da nacionalidade à comunidade portuguesa ou se basta não estar demonstrada essa ligação efectiva.
Como se referiu no acórdão que admitiu a presente revista, o entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido de que a aquisição da nacionalidade exige que se conclua pela existência da mencionada ligação efectiva, com a consequente improcedência da acção de oposição apenas no caso de assim se concluir, contraria a jurisprudência deste Supremo Tribunal que desde o Ac. de 19/06/2014, proferido no processo n.º 0103/14, tem sido unânime no sentido que a procedência dessa acção depende de o MP conseguir provar que o requerente da nacionalidade não tem ligação efectiva à comunidade portuguesa (cf. os Acs. da Secção de 28/05/2015 – Proc. n.º 1548/14, de 18/06/2015 – Proc. n.º 1054/14, de 1/10/2015 – Procs. nºs. 1409/14 e 203/15, de 4/02/2016 – Proc. n.º 1374/15, de 25/02/2016 – Proc. n.º 1261/15 e de 3/03/2016 – Proc. n.º 1480/15). E foi esta orientação jurisprudencial que, em recursos de uniformização de jurisprudência, veio a ser consagrada nos recentes Acs. do Pleno desta Secção de 16/06/2016 – Proc. n.º 0201/16 e de 7/07/2016 – Proc. n.º 1264/15, ambos tirados por unanimidade, onde se afirmou o seguinte:
“(…)
XIX. Presente o quadro jurídico a atender e cientes daquilo que foi a evolução do mesmo importa, então, passar ao conhecimento da questão objeto de divergência, questão essa que não é nova neste Supremo Tribunal e que motivou a emissão de vários pronúncias, aliás, em sentido uniforme.
XX. Com efeito, uma vez confrontado com a questão o STA no seu acórdão de 19/06/2014 (Proc. n.º 0103/14 disponibilizado in: «www.dgsi.pt/jsta») firmou entendimento, que vem sendo sucessivamente reiterado (cfr., nomeadamente, os Acs. de 28/05/2015 – Proc. n.º 01548/14, de 18/06/2015 – Proc. n.º 01053/14, de 1/10/2015 – Proc. n.º 0203/15, de 4/02/2016 – Proc. n.º 01374/15, de 25/02/2016 – Proc. n.º 01261/15, de 3/03/2016 – Proc. n.º 01480/15, todos consultáveis no mesmo sítio), de que no âmbito da ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa o ónus de prova relativo à factualidade integradora da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional impende sobre o MP após a alteração produzida na LN pela Lei Orgânica n.º 2/2006.
XXI. É àquele, pois, que incumbe alegar e provar que o requerente/pretendente da nacionalidade não tem qualquer ligação à comunidade portuguesa e é-o, porquanto, segundo se extrai da linha fundamentadora colhida, nomeadamente no acórdão de 19/06/2014 (Proc. n.º 0103/14), “o legislador, considerando que o equilíbrio na atribuição da nacionalidade passava por uma previsão de regras que, «garantindo o fator de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objetivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000», resolveu, uma vez mais, alterar a redação da mencionada norma com vista a que no procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, se invertesse «o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9.º que passa a caber ao Ministério Público. Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro» - Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 32/X”, termos em que a partir da entrada em vigor da referida lei orgânica “passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade «a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional» (nova redação da al. a) do art.º 9.º) a qual tinha de ser provada pelo MP” e era “claro que à data em que a Recorrente manifestou a sua vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa vigorava a nova redação daquele art.º 9.º da Lei n.º 37/81 e que, por força do que nela se dispunha, era ao MP que cabia provar que ela não tinha qualquer ligação efetiva à comunidade portuguesa”.
XXII. Fê-lo ainda na consideração de que esta modalidade aquisição da nacionalidade (por efeito da vontade) “não se produz automaticamente com a simples reunião daqueles pressupostos já que essa pretensão pode ser contrariada pelo MP através da propositura de uma ação”, fundada, nomeadamente, na “ausência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional por parte do interessado”, tanto mais que as normas aludidas visam “por um lado, promover o valor da unidade familiar e proteger essa unidade e, por outro, dotar o Estado Português de mecanismos legais destinados a evitar que cidadãos estrangeiros sem nenhuma ligação afetiva, cultural ou económica a Portugal ou cidadãos tidos por indesejáveis pudessem adquirir a nacionalidade portuguesa”, sendo que a “jurisdicionalização da oposição à aquisição derivada da nacionalidade teve, por sua vez, e igualmente, em vista permitir uma melhor e mais isenta ponderação dos interesses em jogo e a consequente salvaguarda dos interesses do pretendente à aquisição da nacionalidade, desde que legítimos, por não colidentes com os interesses do Estado” (cfr., neste mesmo entendimento, na jurisprudência, o Ac. do STJ de 15/12/2002 – Proc. n.º 02B3582 in: «www.dgsi.pt/jstj»; na doutrina, Rui Moura Ramos, in: “Revista de Direito e Economia”, Ano XII, págs. 273 e segs., em especial, págs. 283/288).
XXIII. Analisados, no que releva para a discussão, o quadro legal a atender e aquilo que foi a sua sucessiva evolução não descortinamos ou sequer vislumbramos razões que nos levem a afastar do entendimento que sobre a questão se mostra firmado pela jurisprudência acabada de enunciar deste Supremo, que assim se reafirma e reitera, no sentido de que, após a alteração produzida na LN pela Lei Orgânica n.º 2/2006, na ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade o ónus de prova relativo à factualidade integradora da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional impende sobre o MP.
XXIV. Como referido a solução legal inserta no art.º 03.º da LN inspira-se ou radica na proteção do interesse da unidade familiar, sendo que o facto relevante para a aquisição da nacionalidade é a declaração de vontade do estrangeiro de que reúne condições para adquirir a nacionalidade portuguesa e já não a constância do casamento por mais de três anos visto este ser um mero pressuposto de facto necessário à potencialidade constitutiva da declaração de nacionalidade portuguesa (cfr., nomeadamente, os citados Acs. do STA de 28/05/2015 – Proc. n.º 01548/14, de 1/10/2015 – Proc. n.º 01409/15, de 4/02/2016 – Proc. n.º 01374/15; Rui Moura Ramos in: ”Do Direito Português da Nacionalidade”, 1992, pág. 151).
XXV. Ocorre, porém, que o efeito da aquisição da nacionalidade não se produz sem mais pela simples verificação do facto constitutivo que a lei refere – a manifestação/declaração de vontade do interessado (cfr. art.º 03.º da LN) – já que importa, também, que ocorra uma condição negativa, ou seja, de que não haja sido deduzida pelo MP ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela haja sido julgada improcedente (cfr. citado art.º 09.º da LN), na certeza de que uma tal ação reveste natureza constitutiva e na mesma o Estado Português, através do MP, exercita o direito potestativo de se opor àquela declaração de vontade (cfr., nomeadamente, os citados Acs. do STA de 18/06/2015 – Proc. n.º 01053/14, de 1/10/2015 – Proc. n.º 01409/15, 4/02/2016 – Proc. n.º 01374/15).
XXVI. Nesta mesma linha de entendimento e de interpretação quanto às regras de ónus de prova se havia manifestado a doutrina [cfr., nomeadamente, Rui Manuel Moura Ramos em “A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006…” in: RLJ, Ano 136, Págs. 211/213; Joaquim Gomes Canotilho em parecer sob o título “Uma compreensão constitucional e legalmente adequada dos direitos fundamentais à cidadania e à nacionalidade na ordem jurídica portuguesa”, datado de 25/10/2011 (págs. 17 e 18 do referido parecer) e junto aos presentes autos a fls. 142/172] e, mais recentemente, também o Tribunal Constitucional o veio sustentar no seu acórdão n.º 106/2006, de 24/02/2016 (Proc. n.º757/13 disponível in: «WWW.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» e publicado no DR II série, n.º 62, de 30/03/2016), donde, no que releva, se extrai o seguinte “[a] sua redação original estabelecia os seguintes fundamentos de oposição: a manifesta inexistência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional; a prática de crime punível com pena maior segundo a lei portuguesa; e o exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a estado estrangeiro. (…). Para a aferição destes fundamentos eram ouvidos em auto os respetivos requerentes sobre os factos suscetíveis de constituir fundamentos de oposição, não lhes cabendo, todavia, a respetiva comprovação. Tal seria substancialmente alterado pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto. Com efeito, esta lei, para além de estabelecer a necessidade de um período de 3 anos de casamento para que o cônjuge estrangeiro pudesse apresentar um pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, viria a introduzir uma alteração significativa neste regime ao estabelecer que cabia ao interessado comprovar (por meio documental, testemunhal ou outro) a existência de uma ligação efetiva à comunidade nacional, pois, se isso não sucedesse, a não comprovação era motivo para oposição. Em paralelo cabia também essa prova aos requerentes de naturalização. (…). A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, veio repor o regime de prova originário, invertendo o respetivo ónus. Cabe, desde então, ao Ministério Público, a comprovação dos factos suscetíveis de fundamentarem a oposição deduzida, incluindo a falta de ligação efetiva à comunidade nacional”.
XXVII. Firmado que se mostra o entendimento quanto à questão jurídica objeto de divergência importa, então, centrar nossa atenção na aferição do acerto do julgamento feito pelo acórdão recorrido da situação jurídica sob apreciação.
XXVIII. E para concluir, desde já, pelo desacerto do acórdão recorrido, quer quanto à correta interpretação daquilo que eram as regras do ónus de prova no âmbito do quadro normativo em crise, quer quanto ao enquadramento e julgamento que no mesmo foi feito dos factos e da pretensão deduzida pelo MP, aqui recorrido.
XXIX. Na verdade, errou o acórdão recorrido no entendimento de que era à aqui recorrente, contra quem foi instaurado a presente ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade pelo MP junto do TAC/L, quem incumbia a prova da factualidade que integradora da “existência de ligação efetiva à comunidade nacional” ou a demonstração de que se encontra inserida na comunidade nacional, pois, não era sobre a mesma que recai o ónus de prova.
XXX. Tal como errou na análise que realizou dos factos que se mostram provados com um tal pressuposto, na consideração de que a aqui recorrente “apenas apresentou como prova o casamento com um nacional português e o nascimento de dois filhos desse matrimónio” e que era “manifestamente insuficiente para a demonstração do quid legal da ligação à comunidade nacional em termos de efetividade”.
XXXI. Não era a recorrente que, frise-se, tinha que efetuar a alegação e a prova de factualidade integradora da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, visto ser sobre o MP, enquanto demandante, que impendia tal ónus, efetuando, uma vez recebida a comunicação feita pelos serviços competentes, as prévias e necessárias diligências de averiguação e instrução tendentes a apurar da existência e consistência, no caso, de factos integradores da referida inexistência de ligação efetiva e da viabilidade da propositura duma ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa neles fundada.
XXXII. No caso apenas se extrai da factualidade apurada que a recorrente, natural do Brasil (país onde residiu e que atualmente reside na Alemanha) casou, em outubro de 2003, com um cidadão português (nascido e que foi residente no Brasil, mas que atualmente, reside também na Alemanha), de quem tem duas filhas com nacionalidade portuguesa e que, em setembro de 2011 (isto é, cerca de 07 anos depois), manifestou vontade de ser cidadã nacional, tendo, nessa declaração, afirmado haver contraído matrimónio com cidadão nacional e possuir ligação à comunidade portuguesa.
XXXIII. Perante este acervo factual, no essencial muito similar àquele que foi considerado no acórdão fundamento assim como ao que se mostra apurado na generalidade dos demais acórdãos supra citados; e considerando as regras relativas ao ónus de prova quanto à demonstração da inexistência de uma ligação efetiva à comunidade nacional; impõe-se concluir, no caso, que em face da parcimónia dos factos levados ao probatório o MP não logrou alegar/carrear e provar nos autos, como lhe era imposto, os factos demonstrativos da inexistência de tal ligação por parte da aqui recorrente, termos em que essa míngua factual não justifica, nem permite outra conclusão que não seja a da improcedência da presente ação ao invés do que havia sido julgado pelo TAC/L e confirmado pelo TCAS/S no acórdão recorrido, julgamento este que, assim, não se pode manter ou sufragar”.
Nestes termos, aderindo-se a esta jurisprudência e uma vez que os factos provados não permitem concluir pela inexistência da referida ligação efectiva, há que conceder provimento à revista, revogando-se o acórdão recorrido e mantendo-se a sentença do TAC quando julgou improcedente a acção intentada pelo MP contra o ora recorrente

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e mantendo a sentença do TAC.
Sem custas, por isenção do recorrido.

Lisboa, 8 de Setembro de 2016. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Jorge Artur Madeira dos Santos.