Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0246/09
Data do Acordão:06/17/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IRS
FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - A dignidade constitucional do direito à fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República) vale de igual modo para os actos tributários e procura acautelar quer a racionalidade da decisão tributária, quer as condições materiais para o adequado exercício dos direitos de defesa por parte dos contribuintes;
II - Nos casos em que a lei não imponha especiais requisitos de fundamentação, o cumprimento do dever de fundamentar por parte da Administração tributária afere-se em face do disposto nos números 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e atendendo aos fins visados pelo dever de fundamentação;
III - Nos actos de liquidação de IRS, atenta sua natureza de “processo de massa”, o dever de fundamentação é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, mas sem que possa deixar de observar o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT ou de pôr em causa as finalidades do direito à fundamentação;
IV - Estando o conteúdo do acto tributário em sintonia com o resultado do procedimento administrativo de que aos contribuintes foi sendo dado conhecimento pela via adequada e tendo estes reagido contra o acto de indeferimento de reclamação que está na origem do resultado espelhado na liquidação, não se verifica motivo determinante da anulação do acto tributário por falta de fundamentação.
Nº Convencional:JSTA00065819
Nº do Documento:SA2200906170246
Data de Entrada:03/06/2009
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA DE 2008/02/27 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CONST76 ART268 N3.
LGT98 ART77 N1 N2 N3 N4 ART63-B N4 ART23 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC65/09 DE 2009/04/15.; AC STA PROC1114/05 DE 2006/02/02.
Referência a Doutrina:SALDANHA SANCHES A QUANTIFICAÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DEVERES DE COOPERAÇÃO AUTOAVALIAÇÃO E AVALIAÇÃO ADMINISTRATIVA 1995 PAG198-202.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – A… e B…, casados, com os sinais dos autos, recorrem para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra de 27 de Fevereiro de 2008, que julgou improcedente a impugnação por eles deduzida contra liquidação de IRS n.º 2005 5000075796 de 20 de Maio de 2005, relativa a 2000 e no valor de 120.716,50 €, apresentando as seguintes conclusões:
1) As decisões que alteram a situação tributária dos contribuintes, maxime as que decorrem dos procedimentos de liquidação, têm de conter a respectiva fundamentação;
2) Nos termos do art. 77º da L.G.T. a fundamentação dos actos tributários deve sempre contar as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo;
3) A violação dos requisitos de clareza, fundamentação e congruência da decisão administrativa implica a respectiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação;
4) Com a exigência legal de fundamentação pretende-se que o administrado possa conhecer as razões de facto e de direito em que o acto assenta para que o mesmo possa optar entre a aceitação do acto e a sua impugnação;
5) Pela sua especificidade técnica, qualquer acto administrativo de índole fiscal não é acessível à fácil compreensão de um declaratário normal, incapaz de percepcionar, sem mais, os mecanismos contabilísticos técnicos ou operações promovidas no âmbito fiscal;
6) Em 07.04.2005, no seguimento da apresentação de uma declaração de substituição, os Recorrentes receberam uma nota de liquidação;
7) Em 20.05.2005 os recorrentes recebem uma nota de liquidação, sem explicitação de origem e contexto, na qual é apresentado um valor substancialmente elevado a pagar;
8) A duplicação de actos de liquidação prejudicou a transparência e clareza e reclamava uma explicação, o que não existiu;
9) Não é bastante o mero envio de comunicações postais irreferenciadas e sem substrato de facto e de direito, entre a Administração e os administrados, como modo legal de fundamentação do acto administrativo de liquidação tributária;
10) Não é admissível transferência de ónus para os administrados de numa lógica de indução, adivinhação e comparação entre comunicações postais, sem substrato de facto e direito, deverem lograr atingir os objectivos e os fundamentos que levaram ao acto decidido;
11) A troca de correspondência, no caso concreto, não pode servir, per si e tão só, para justificar a presença dos elementos factuais e de direito legalmente exigíveis inerentes à fundamentação, ou para se ter como atingida a finalidade da fundamentação, bem como exposição e sustentação da operação fiscal levada a cabo;
12) Não foi cumprido o exigido por lei nem os administrados ficaram a conhecer a origem e o motivo de nova liquidação, se esta anulava ou não a anterior liquidação e porquê, porque era exigível e porque era solicitado aquele pagamento e não outro, o que foi liquidado e como e quais os motivos porque foi operada a liquidação de um preciso modo;
13) No presente caso não foram observadas as exigências legais em termos de fundamentação de decisões, o itinerário cognoscitivo e valorativo não é perceptível por um destinatário normal;
14) Por tudo o exposto estamos pois perante um vício de forma, dada a insuficiência de fundamentação, que levou à incapacidade dos recorrentes atingir o devido conhecimento e esclarecimento do acto tributário, o que equivale à falta de fundamentação, com as devidas consequências legais.
Termos em que, e com o douto suprimento de V. Exas., deve “in casu” concluir-se pela inexistência de fundamentação legal do acto, com as devidas consequências legais. Assim se fazendo Justiça!!!
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se a liquidação de IRS se encontra suficientemente fundamentada ou se, como alegam os recorrentes, se encontra inquinada de vício de falta de fundamentação, determinante da sua anulação.
5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 2001, os Impugnantes apresentaram a sua declaração de rendimentos relativa a I.R.S. do ano de 2000, com base na qual foi efectuada a liquidação n.º 4133795492, de 2001.10.30, tendo sido apurado imposto a pagar no montante de € 4.561,14. (Facto extraído do alegado no artigo 3.º da douta contestação. Confirmado pelo documento de fls. 102 e 103 do processo de reclamação graciosa de que se encontra cópia em apenso).
2. Em 2002.05.24, os Impugnantes apresentaram uma primeira declaração de substituição relativa a I.R.S. do ano de 2000. (Facto alegado no artigo 4.º da douta contestação e confirmado pelo documento para que ali se remete).
3. Com base na declaração de substituição a que alude o n.º anterior foi efectuada em 2003.09.19 a liquidação n.º 5513959102, onde foi apurado imposto a pagar no montante de € 33.5920,14. (Facto alegado no artigo 5.º da douta contestação e confirmado pelo documento para que ali se remete, bem como pelo documento de fls. 5 do processo administrativo apenso).
4. Em 2003.10.27, os Impugnantes apresentaram uma segunda declaração de substituição relativa a I.R.S. do ano de 2000. (Facto alegado no artigo 6.º da douta contestação e confirmado pelo documento para que ali se remete).
5. Da análise das duas declarações verificou-se que a maior divergência entre elas consistia na substituição do anexo “G” (mais valias) por um anexo “G1” (acções detidas durante mais de 12 meses). (Facto alegado no artigo 7.º da douta contestação. Não foi impugnado pela parte contrária. O documento de fls. 2/3 do processo administrativo em apenso confirma que aquela declaração de substituição incluía um anexo “G1” nos termos consignados pela Representação da F.P. Apesar de não ser de fácil legibilidade, o documento de fls. 10 do mesmo processo administrativo parece configurar um anexo “G”. Confrontando os documentos em análise e considerando a falta de contestação da parte contrária, valorou-se positivamente a prova apresentada pela F.P.).
6. A segunda declaração de substituição, a que se alude em 4 supra, foi convolada em reclamação graciosa, a qual foi atribuído em 2003.11.03, o n.º 0728-03/400161.3. (Facto alegado no artigo 6.º, segunda parte, da douta contestação. Fls. 1 e 109 da cópia da reclamação graciosa em apenso).
7. Em 2004.11.24, foi no processo de reclamação graciosa a que alude o n.º anterior lavrada a informação que consta de fls. 98 a 100 do processo respectivo, de que se encontra cópia no apenso, que aqui se dá como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais e de onde, além do mais, consta o seguinte:
«4. Analisado o anexo G1 e a certidão emitida pela Conservatória do registo Comercial de Lisboa – 4.ª Secção, junta aos autos a fl.s 73 a 81, verificamos o seguinte:
4.1 – Em 26/01/1983, foi registada a empresa “C…, Lda., com um capital social de € 4.489,18 (900.000$00);
4.2 – Em 24/02/1992, houve um aumento de capital social de € 20.450,71 (4.100.000$00), ficando assim com um capital social de € 24.939,89 (5.000.000$00);
4.3 – Em 28/10/1992, é feito novo aumento de capital de € 54.867,77 (11.000.000$00), ficando a sociedade com um capital social de € 79.807,66 (16.000.000$00);
4.4 – Em 29/03/94, novo reforço de capital de € 69.831,71 (14.000.000$00), tendo agora o capital social de € 149.639,37 (30.000.000$00);
4.5 – Em 15/5/1999, é feito novo reforço de capital de € 99. 759,58 (20.000.000$00) e transformada em Sociedade Anónima com um capital de € 249.398,95 (50.000.000$00);
4.6 – Em 22/12/2000, houve novo reforço no valor de € 160.216,05 (32.120.434$00), realizada em dinheiro por um accionista, tendo agora a sociedade um capital social de € 409.615,00 (82.120.434$00);
5. Tendo também presente o documento junto aos autos de fls. 82 a fls. 126, que apesar de solicitado um documento mais esclarecedor, não nos foi apresentado, verifica-se que a sociedade “C…, S.A”, foi vendida em 31/12/2000, pelo valor de € 3.500.000,00 (701.687.000$00);
6. Com excepção da data de venda da empresa, 31/12/2000, nenhuma das datas de aquisição, nem os valores, indicados na declaração de substituição, são coincidentes com as datas e com os valores indicados no ponto 4 desta informação. Só os valores totais, quer de aquisição, quer de realização, são iguais;
7. Assim, através da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa – 4.ª Secção, podemos concluir que a alienação das acções que estão excluídas de tributação nos termos do artigo 34.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, são as adquiridas até à data de 14/05/1999;
8. Logo, o reforço de capital efectuado em 22/12/2000, no valor de € 160.216,05 (32.120.434$00), deverá ficar sujeito a tributação;
9. Contudo, não foi apresentado o valor de realização correspondente ao reforço de capital da importância de € 160.216,15, pelo que utilizamos a seguinte proporção:
(V. total de Aq) 409.615,00 ---------------(v. total de Realiz)3.500.000$00
160.216,05---------------- X
X = 1.368.983,50 → Será então este o valor de realização a considerar.
Em face do exposto e tendo em conta que as alterações agora apresentadas nesta declaração de substituição e que constam do ponto 2 desta informação são de aceitar, de acordo com as provas documentais juntas aos autos, com excepção de parte das acções que são de tributar, parece-me ser de deferir parcialmente a presente declaração.
No entanto, V. Ex.ª melhor resolverá.»
8. Com proposta favorável do Senhor Chefe do Serviço de Finanças foi a reclamação graciosa remetida para a Direcção de Finanças de Coimbra, onde foi lavrada a informação que consta de fls. 109 a 111 do processo respectivo, de que se encontra cópia no apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos e de onde, além do mais, consta o seguinte:
«Relativamente aos rendimentos provenientes da alienação de acções, agora declaradas no anexo G1, de acordo com o preceituado na alínea a) do artigo 35.º do EBF, a data de aquisição das acções resultantes da transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas é a data da aquisição das quotas que lhe deram origem, pelo que, considerando a certidão emitida pela Conservatória do registo Comercial (fls. 73 a 81 dos autos), corroboramos, nesta matéria, a proposta de decisão do Chefe do Serviço de Finanças competente:
- Estão assim sujeitas a tributação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, as acções correspondentes ao reforço do capital efectuado em 22.12.2000 no valor de 160.216,05€.
- As restantes, no valor de 249.398,95 €, adquiridas em fases distintas mas detidas durante mais de 12 meses, são excluídas de tributação por força do disposto na alínea b) do n.º 2 do citado preceito legal.
Da conferência dos restantes elementos declarados importa ainda informar que o reclamante apenas prova que do agregado familiar faz parte um dependente.
Face ao exposto, é minha opinião que o pedido merece deferimento parcial.
Deve ser elaborada a correspondente DO, com a correcção proposta»
9. Sobre a informação a que alude o n.º anterior incidiu o seguinte despacho do Senhor Director de Finanças: «Concordo, pelo que nos termos e com os fundamentos das informações juntas aos autos o pedido deve ser parcialmente deferido. Notifique-se nos termos e para os efeitos do art. 60.º da L.G.T.» (Fls. 109 do processo de reclamação graciosa de que se junta cópia em apenso).
10. Com data de 2005.01.27, foi enviada carta registada ao ora Impugnante com a proposta de decisão a que alude o n.º anterior, convidando-o a dizer por conveniente no âmbito do direito de audição. (Fls. 112 do processo administrativo em apenso – ofício n.º 192 – e talão na folha seguinte).
11. Em 2005.03.15, o Senhor Director de Finanças lavrou decisão final onde, confirmando a proposta anterior, deferiu parcialmente a reclamação. (Fls. 141 do processo de reclamação graciosa de que se junta cópia em apenso – a qual constitui fls. 112 do processo administrativo. A cópia fornecida não permite aceder ao texto integral da decisão final, mas é esse inequivocamente o sentido da parte que é possível ler, confirmado pelo teor do ofício n.º 595. A data é visível).
12. Com data de 2005.03.17, foi enviada carta registada com aviso de recepção ao ora Impugnante com a decisão a que alude o n.º anterior, recebida em 2005.03.21. (Fls. 114 do processo administrativo em apenso – ofício n.º 595 – e talão na folha seguinte. Quanto à data da recepção, vd. fls. 125 do mesmo processo).
13. Os Impugnantes apresentaram recurso hierárquico da decisão a que aludem os nós (sic) anteriores nos termos que constam de fls. 116 a fls. 119 do processo administrativo em apenso. (Fls. 114 do processo administrativo em apenso – ofício n.º 595 – e talão na folha seguinte).
14. Nos autos de recurso hierárquico foi lavrada a informação de que se junta cópia de fl.s 133 a fl.s 137 do processo administrativo em apenso, que aqui se dá também por reproduzida e de onde, além do mais, consta o seguinte:
«7. Relatados os factos subjacentes ao historial do processo, considerando que o recurso se encontra em tempo e que ao contribuinte assiste legitimidade para o acto, passa-se a informar que, nos termos do estabelecido na alínea b), n.º 1, do artº 10.º do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais, agrícolas, de capitais ou prediais, resultem a alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários.
8. O mesmo normativo exclui, todavia, no seu número 2, alínea b), as acções que sejam detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.
9. No caso particular de acções resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedades anónimas, a respectiva aquisição é a das quotas que lhe deram origem.
10. O ganho sujeito a IRS será constituído, de harmonia com o estabelecido na alínea a), n.º 4, do art.º 10.º, do respectivo Código mesmo normativo, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, liquido da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos, nomeadamente na alínea b) do n.º 1.
11. Para efeitos de apreciação do caso ora objecto de estudo, relevam, assim, os seguintes factos circunstanciais:
1983.01.26 – Registo da empresa “C…, Lda.”, com um capital social de € 4.489,18 (900.000$00);
1992.02.24 – Aumento de capital de € 20.450,71 (4.100.00$00), passando assim o capital social da empresa a ascender a € 24.939,89 (5.000.000$00);
1992.10.28 – Novo aumento de capital de € 54.867,77 (11.000.000$00), pelo que o capital social da empresa passou a ser de € 79.807,66 (16.000.000$00);
1994.03.29 – Novo reforço de capital de € 69.831,71 (14.000.000$00), passando o capital social a ser de € 149.639,37 (30.000.000$00);
1999.05.15 – Novo reforço de capital de € 99.759,58 (20.000.000$00) e transformação em Sociedade Anónima com um capital de € 249.398,95 (50.000.000$00);
2000.12.22 – Novo reforço de capital de € 160.216,05 (32.120.434$00), realizada em numerário por um accionista, pelo que o capital social passou a € 409.615,00 (82.120.434$00); e
2000.12.31 – Venda da sociedade pelo valor de € 3.500.000,00 (701.687.000$00).
12. Na circunstância, apenas se encontrará sujeito a tributação o montante parcial da venda que, proporcionalmente, se mostre imputável ao reforço de capital de € 160.216,05, levado a efeito em 2000.12.22, i.e.,
€ 409.615,00 --------------- € 3.500.000$00
€ 160.216,05---------------- X
X = € 1.368.983,50
13. Não colhendo, até em termos matemáticos, o alegado pelo contribuinte, resta propor que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida com direito ao exercício de audição prévia.
À consideração superior.».
15. Da informação a que alude o n.º anterior, a valer como projecto de despacho de indeferimento do recurso, foi o Impugnante notificado através do ofício datado de 2006.09.08, onde era também convidado a pronunciar-se, querendo, no prazo de 15 dias. (Ofício 22365. Fls. 138 a 140 do processo administrativo em apenso).
16. Através de ofício datado de 2007.01.03, foi o impugnante notificado da decisão definitiva de indeferimento do recurso. (Ofício 22365. Fls. 138 a 140 do processo administrativo em apenso).
17. Entretanto, em 2005.04.07 foi efectuada a liquidação n.º 2005 5000061844 nos termos que constam do documento de fls. 12 dos autos e que aqui se dá por reproduzido, onde foi apurado imposto a reembolsar de € 160,28; (Doc. junto pelo Impugnante. Confirmado no artigo 13.º da douta contestação.).
18. E em 2005.05.20 foi efectuada a liquidação n.º 2005 5000075796 nos termos que constam do documento de fls. 10 dos autos e que aqui se dá por reproduzido, onde foi apurado imposto a pagar de € 120.716,50 cfr. quadro infra (Doc. junto pelo Impugnante. Confirmado no artigo 13.º da douta contestação).
19. Em 2005.10.07, foi apresentado no Serviço de Finanças de Coimbra 1 a presente impugnação judicial. (Cfr. carimbo aposto no cabeçalho da douta P.I.).
6 – Apreciando
6.1 Da suficiência da fundamentação do acto de liquidação impugnado
A sentença recorrida considerou inverificado o vício falta de fundamentação do acto tributário impugnado, não obstante reconhecer-lhe “deficiências”, por considerar ter sido atingida a finalidade pretendida com tal fundamentação, a saber, a compreensão do conteúdo do acto pelos seus destinatários e a possibilidade de contra ele reagirem. Os ora recorrentes alegam, contudo, que a insuficiente fundamentação do acto (…) levou à incapacidade dos recorrentes atingir o devido conhecimento e esclarecimento do acto tributário (cfr. a segunda parte do n.º 14 das alegações de recurso supra transcritas), pois que, em razão da duplicação de actos de liquidação realizada, não foi cumprido o exigido por lei nem os administrados ficaram a conhecer a origem e o motivo de nova liquidação, se esta anulava ou não a anterior liquidação e porquê, porque era exigível e porque era solicitado aquele pagamento e não outro, o que foi liquidado e como e quais os motivos porque foi operada a liquidação de um preciso modo (cfr. o n.º 12 das alegações de recurso supra transcritas).
Vejamos.
Não oferece dúvidas a este Tribunal, que aliás o tem afirmado reiteradamente [cfr., por todos os Acórdãos de 15/4/2009 (rec. n.º 65/09) e de 2/2/2006 (rec. n.º 1114/05)], que a dignidade constitucional do direito à fundamentação dos actos administrativos (artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República), vale de igual modo para os actos tributários, como também não merece contestação a (pelo menos) dupla finalidade (de racionalidade da decisão e de criação de condições materiais para o adequado exercício dos direitos de defesa dos contribuintes) que o cumprimento do dever de fundamentar as suas decisões por parte da Administração visa tutelar.
Também a sentença recorrida (cfr. a sentença a fls. 43 dos autos), os ora recorrentes (cfr. as suas alegações de recurso a fls. 73 e 78 – conclusão n.º 2 – dos autos) e este Tribunal concordam quanto às disposições legais aplicável ao caso, a saber os números 1 e 2 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), por serem estas as normas que, no domínio tributário, estabelecem os requisitos gerais de fundamentação dos actos, sendo por isso as aplicáveis nos casos, como o dos autos, em que a lei não prescreve regras particulares quanto à fundamentação (como se exige nos casos de “relações especiais” – art. 77.º, n.º 3 da LGT, tributação por “métodos indirectos” – art. 77.º, n.º 4 e 5 da LGT, “derrogação administrativa de segredo bancário” – art. 63.º-B n.º 4 da LGT ou de “reversão contra responsáveis subsidiários” – art. 23.º, n.º 4 da LGT). Está em causa nos autos um acto de liquidação (adicional) de IRS, acto final de um procedimento administrativo tributário tendente a determinar o montante de IRS a pagar pelos contribuintes no exercício de 2000, para o qual a lei não exige senão a observância dos requisitos gerais de fundamentação constantes dos citados números 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e que é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, atenta a natureza de “processo de massa” da liquidação anual deste imposto (cfr. J.L. Saldanha Sanches/João Taborda da Gama, «Audição-Participação-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária», in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 290/297 e J.L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária: Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Lisboa, 1995, pp. 189/202).
No caso dos autos, o procedimento que culminou no acto de liquidação impugnado – e cujo resultado final, em termos de apuramento de imposto a pagar, nele se espelha de forma “padronizada”, dessa forma cumprindo os requisitos de fundamentação impostos pelo n.º 2 do artigo 77.º da LGT – revelou-se de alguma complexidade, como pormenorizadamente o relatam os factos constantes do probatório (n.ºs. 1 a 18) supra transcrito, sendo que no desenrolar do procedimento, a Administração foi cumprindo os seus deveres de informação ao contribuinte e chamando-o à participação no procedimento nos momentos decisivos em que foram praticados actos potencialmente lesivos (cfr. proposta de decisão de indeferimento parcial da reclamação na qual foi convertida a sua segunda declaração de substituição e o acto de indeferimento dessa reclamação – factos relatados, respectivamente, nos n.ºs 10 e 12 do probatório e, já depois da liquidação impugnada, projecto de despacho de indeferimento de recurso hierárquico da reclamação e decisão de indeferimento de recurso hierárquico - factos relatados, respectivamente, nos n.ºs 15 e 16 do probatório supra transcrito).
O momento eventualmente perturbador da compreensão do acto de liquidação impugnado terá sido o que é relatado no n.º 17 do probatório, ou seja, o ter sido efectuada uma liquidação (intermédia), na qual foi determinado imposto a reembolsar, sendo que posteriormente foi efectuada outra liquidação – a impugnada (referenciada no n.º 18 do probatório supra transcrito) –, na qual se apresentava agora um valor substancialmente elevado a pagar, e que gerou a incompreensão e não conformação dos contribuintes (cfr. os n.ºs 17 e 18 das alegações de recurso a fls. 75 e 76 dos autos).
Certo é, contudo, que o acto desconforme com os resultados apurados no procedimento e de que aos recorrentes foi dado conhecimento - haver mais valias tributáveis de valor elevado imputáveis ao ano de 2000 -, foi o acto de liquidação “intermédio”, do qual resultava reembolso de imposto, e não o final, do qual resulta imposto a pagar, esse sim conforme ao que se decidiu no procedimento administrativo tributário. E certo é também que na liquidação impugnada (a fls. 11 dos autos) se encontra referência à anulação da liquidação intermédia, aí identificada pelo respectivo número, na “demonstração de acerto de contas”.
Não obstante o alegado “tecnicismo” das questões fiscais e a sua “inacessibilidade” para o declaratário normal” (cfr. o n.º 5 das alegações de recurso, a fls. 79 dos autos), tais circunstâncias não impediram os ora recorrentes de fazer valer as suas razões pela via que consideraram adequada, pois que, como nota a sentença recorrida (a fls. 43, verso, dos autos) já depois de recebida a liquidação objecto do presente recurso, os ora recorrentes interpuseram recurso hierárquico do indeferimento parcial da reclamação em que foi convertida a segunda declaração de substituição que entregaram e onde se insurgem contra o tratamento fiscal das mais-valias obtidas. Não pode, pois, dizer-se que da fundamentação da liquidação impugnada tenha resultado prejuízo para a sua defesa, cumprindo-se assim uma das finalidades primaciais do dever de fundamentação.
Diga-se finalmente que, se a fundamentação do acto que lhes foi facultada, não lhes permitia ultrapassar dúvidas que tivessem quanto às razões fundamentantes da liquidação, pois que o conteúdo do acto não lhes era acessível, poderiam procurar esclarecê-las utilizando a faculdade que lhes confere o n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, solicitando à Administração tributária fundamentação menos sintetizada do que aquela que lhes foi comunicada com a liquidação.
Conclui-se, pois, que o recurso não merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 17 de Junho de 2009. Isabel Marques da Silva (relatora) - Pimenta do Vale - Miranda de Pacheco.