Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:08/05
Data do Acordão:02/16/2005
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL.
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA.
PROCESSO PENAL.
EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL.
EFEITOS DA ABSOLVIÇÃO PENAL.
CASO JULGADO.
Sumário: I – Infere-se do regime previsto nos arts. 51º e 51º do R.J.I.F.N.A. (a que correspondem os arts. 47º e 48º do R.G.I.T.) que existe uma opção legislativa no sentido da preferência da jurisdição fiscal em relação à jurisdição criminal para apreciação de questões de natureza tributária, preferência essa que é corolário da atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (art. 212º, nº 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.
II – Por outro lado, não atribuindo a lei qualquer relevância em processo de impugnação judicial ao caso julgado formado em processo criminal, não se pode justificar que aquele processo aguarde que ocorra o trânsito em julgado de decisão a proferir em processo criminal sobre factos que importe apreciar também no primeiro.
III – Sendo assim, independentemente de o tribunal tributário poder e dever aproveitar provas produzidas em processo criminal, não se pode justificar que se aguarde que nesse processo seja proferida decisão com trânsito em julgado.
Nº Convencional:JSTA00061681
Nº do Documento:SA22005021608
Data de Entrada:01/06/2005
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RJIFNA90 ART50 N1 ART51.
RGIT01 ART47 ART48.
CPC96 ART279 N1 ART674-A ART674-B.
CPTRIB91 ART121 N2.
CPPTRIB99 ART100 N2.
CONST97 ART212 N3.
CPP87 ART84.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, impugnou judicialmente, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, liquidações adicionais de I.V.A..
O Meritíssimo Juiz a quem o processo estava distribuído decidiu suspender a instância, até que transitasse em julgado a decisão a proferir no processo crime n.º 1/00-9.TELSB, do Tribunal Judicial de Ovar, pelo «notório interesse para a instrução deste processo e do conhecimento da prova produzida no se natureza criminal».
O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público naquele Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que havia promovido que se solicitasse ao Tribunal judicial de Ovar certidão do acórdão proferiu, mesmo que ainda não tivesse transitado em julgado, interpôs recurso daquela decisão para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1 – Estando a correr termos processo de impugnação judicial e também processo penal fiscal relacionado com os factos tributários em discussão nos autos, não há fundamento para suspender o processo de impugnação judicial, já que este é que determina a suspensão daquele, nos termos do disposto no art.º 50. n.º 1. do R.J.I.F.N.A.;
2 – O processo crime n.º 1/00.9 TELSB, que corre termos no Tribunal Judicial de Ovar e que motivou a suspensão da instância, já se encontra na fase de julgamento,. sendo possível obter cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele, quer pelas partes quer por este Tribunal, conforme o disposto no art.º 86.º, n. 2, do C.P.Penal;
3 – A sentença proferida em processo de impugnação judicial constitui caso julgado para o processo penal fiscal apenas relativamente às questões nele decididas e nos precisos termos em que o foram, mas o contrário não resulta da lei, pelo que não estando o Tribunal Tributário vinculado à prova produzida naquele processo, não se justifica a suspensão do processo de impugnação por se encontrar pendente o dito processo penal fiscal;
4 – Decidindo como decidiu, o M.mo Juiz violou o disposto nos arts. 50.º e 51.º do RJIFNA e não interpretou correctamente o disposto nos arts. 86.º do Código de Processo Penal e 279.º do Código de Processo Civil.
Pelo que revogando o douto despacho recorrido e ordenando a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento dos autos, VOSSAS EXCELÊNCIAS farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A questão a apreciar é a de saber se pode ser suspenso um processo de impugnação judicial, por estar pendente um processo criminal que tem por objecto factos que podem interessar para a decisão daquele.
A suspensão da instância foi ordenada ao abrigo do disposto no art. 279.º, n.º 1, parte final, do C.P.C., que estabelece que «o tribunal pode ordenar a suspensão (...) quando ocorrer outro motivo justificado».
No entanto, o art. 50.º, n.º 1, do R.J.I.F.N.A. estabelece que «se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição de executado, nos termos do Código de Processo das Contribuições e Impostos, o processo penal fiscal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças».
Na mesma linha, o art. 47.º do R.G.I.T. estabelece que «se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças».
A sentença proferida em processo de impugnação judicial e a que tenha decidido da oposição de executado, uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal fiscal apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram (arts. 51º do R.J.I.F.N.A. e 48º do R.G.I.T.).
Esta suspensão do processo criminal tem em vista as situações em que a existência de infracção criminal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal, reconhecendo-se à jurisdição fiscal a competência exclusiva para decidir essa matéria.
Infere-se claramente deste regime que existe uma opção legislativa, ínsita nestas normas do R.J.I.F.N.A. e do R.G.I.T., no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (art. 212.º, n.º 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.
Assim, em sintonia com essa opção legislativa, deve entender-se que não se justificará a suspensão de processos tributários de impugnação judicial (ou de oposição à execução fiscal) para aguardar decisões que sejam proferidas em processos criminais sobre factos que relevem para decisão daqueles processos.
Por outro lado, no caso em apreço, em que está em causa no processo de impugnação judicial a apreciação da falsidade ou não de facturas, a formulação de um juízo pelo tribunal tributário não depende da decisão que for proferida em processo criminal sobre a mesma matéria, pois, enquanto no processo criminal as dúvidas sobre a matéria de facto são valoradas a favor do arguido, no processo de impugnação judicial, havendo indícios de irregularidades de escrita, o ónus da prova da veracidade desta cabe ao contribuinte (arts. 121º., n.º 2, do C.P.T. e 100.º, n.º 2, do C.P.P.T.).
Para além disso, apesar da maior exigência probatória do processo criminal para dar como provados factos integradores de infracção que é corolário do principio in dúbio por reo, não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial às decisões proferidas em processo criminal. Com efeito, o art. 84.º do C.P.P. apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os arts 674.º-A e 674.º-B do C.P.C. apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária.
Sendo assim, independentemente de o tribunal tributário poder e dever aproveitar provas produzidas em processo criminal, como bem sugere o Distinto Magistrado do Ministério Público Recorrente, não se pode justificar que se aguarde que nesse processo seja proferida decisão com trânsito em julgado, pois nenhuma relevância é legalmente atribuída a este trânsito no processo de impugnação judicial.
Assim, o despacho recorrido não pode ser mantido.
Quanto à questão de saber se deve ou não ser pedida certidão do acórdão proferido em primeira instância naquele processo do Tribunal Judicial de Ovar é questão que não foi decidida no despacho recorrido e, por isso, não cabe apreciar no presente recurso jurisdicional, que tem como objectivo apenas apreciar a correcção do decidido no despacho recorrido.
Termos em que acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar o despacho recorrido e ordenar que os autos baixam ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a fim de ser proferido despacho que não seja no sentido de ordenar a suspensão da instância pelo motivo invocado no despacho recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2005. – Jorge de Sousa (relator) – Pimenta do ValeVítor Meira.