Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01017/12
Data do Acordão:01/16/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:LOCAÇÃO FINANCEIRA
CÁLCULO PRO RATA
Sumário:Uma vez que, num contrato de locação financeira, a renda paga pelo locatário abrange amortizações de capital, juros e outros encargos, suscitando-se a dúvida, em face do artºs 23º, nº 4 do CIVA e 17º, nº 5 e 19º, nº 1, ambos da Directiva 77/388, sobre se no denominador da fracção a que se referem os artºs 23º e 19º citados devem ou não ser incluídas as amortizações, estando em causa a interpretação de normas de direito comunitário, justifica-se o reenvio prejudicial para o TJUE para conhecimento dessa questão.
Nº Convencional:JSTA000P15127
Nº do Documento:SA22013011601017
Data de Entrada:10/01/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Este acórdão contém as retificações feitas pelo acórdão de 20 de Fevereiro de 2013)

I – A Fazenda Publica, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo A…….., SA, com os demais sinais dos autos, contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, nos montantes 189.671,32€ e 21.825,19 € respectivamente, referente ao período de dezembro de 2004, apresentando para o efeito alegações nas quais conclui:


Iª)- Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, a qual considerou que nas operações de locação financeira e ALD financeira o IVA incide sobre o valor da contrapartida recebida ou a receber do locatário, ou seja, a renda, pelo que no cálculo da percentagem ou pro rata aplicável quando estão em causa simultaneamente operações que conferem e operações que não conferem direito à dedução, as operações mistas, é o valor total das operações que deve constar do numerador e do denominador da fracção que constitui aquela percentagem, e não apenas o valor da parcela juro de que é composta a renda recebida ou a receber do locatário.

IIª) Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em saber se o procedimento preconizado pela AT, nos termos do art.º 23º do CIVA, não violou as normas comunitárias e as normas internas ao considerar que para o apuramento da percentagem de dedução segundo o método do pro rata não concorre a parcela de capital constante das rendas pagas pelos clientes da impugnante no que respeita ao desenvolvimento da sua actividade de locação financeira e, se a interpretação dada pela AT fere a legislação comunitária, designadamente a Sexta Directiva e a Directiva IVA.

IIIª)- A Fazenda Pública considera, tal como foi provado, que a impugnante no seu exercício de actividade tem operações que conferem direito à dedução e outras que não conferem esse direito, sendo considerado um sujeito passivo misto ou promíscuo, na designação italiana. Assim, e no caso dos autos, o Tribunal a quo considerou que os custos comuns não poderiam ser deduzidos pelo método de afectação real pelo que deveriam ser integrados no denominador da fracção para o cálculo do pro rata, uma vez que o art.º 16º, n.º 1, al. h) do CIVA consagra como valor tributável o valor das rendas na locação financeira, olvidando que esse montante já havia sido deduzido no método de afectação real.

IVª) - A actividade exercida na banca, no caso em apreço, consiste no financiamento de crédito, pagando ao fornecedor do bem aquando da aquisição do veículo automóvel, (IVA suportado é dedutível), celebrando um contrato de locação financeira com o seu cliente, pelo que existem duas operações distintas, uma não confere direito à dedução e outra confere direito à dedução. Assim, a concessão de crédito não é a única actividade da banca, logo para poder concorrer em condições de igualdade com as demais empresas relativamente a essas outras actividades não isentas que também leva a cabo, deve poder exonerar-se do IVA suportado por causa dessas mesmas actividades. Só assim se consegue que seja verdadeiramente neutral o IVA suportado para produzir ou vender bens sujeitos mas não isentos.

Vª) - O balcão bancário por meio do qual se procede à concessão de empréstimos e à recepção de depósitos tem custos de IVA, custos que não podem ser deduzidos, logo as receitas desta actividade vão para o denominador.

VIª)- Saldanha Sanches e João Gama questionam-se, face à problemática, “(…) teremos também actividade económica no sentido que o IVA dá a esta expressão quando temos receitas que são de mera fruição e que, por isso, não contêm IVA? Note-se, não contêm IVA, porque não resultam de uma actividade, sendo antes o resultado de um investimento.
“(...) se tais receitas forem incluídas no divisor (denominador), vão baixar a taxa do pro rata e prejudicar a empresa, pois a percentagem do IVA que poderá ser deduzido será menor; o sistema de isenção parcial tem um custo para o sujeito passivo que foi isento: porque está isento, deve suportar IVA, sem possibilidade de dedução — é essa a lógica do sistema.
“Mas que fazer, então, perante receitas que não têm IVA, como os rendimentos de participações financeiras, os juros de obrigações ou empréstimos, ou os dividendos de acções de sociedades “Nestes casos, não há uma actividade, se a sociedade X ou o banco Y obtêm receitas que têm como fonte títulos antes adquiridos e que produzem rendimentos, não temos aqui quaisquer custos de IVA que devam ser suportados. Se um banco recebe dividendos, este direito resulta do seu direito de propriedade das acções: é uma pura receita de capital recebida por lhe ser devida e que o dispensa de qualquer actividade subsequente à aquisição de títulos. É, em termos fiscais uma receita líquida de quaisquer custos e como tal é tratada, por exemplo, no Código do IRS, que não admite deduções específicas aos rendimentos de capital.” - vide Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro — Junho 2006, pág. 106/107.

VIIª) - No caso da banca e, para os autores supra mencionados, o legislador do IVA isentou a actividade de prestação de serviços, ou seja, deu aos bancos (e, directamente, a todos aqueles que recorrem a crédito) a vantagem de fornecer um serviço por um preço mais baixo do que aquele que cobrariam aos seus clientes se a actividade fosse tributada.

VIIIª) - Mas, como as isenções são distorções ao sistema do IVA, a isenção limita-se ao valor acrescentado por essa actividade. Quando uma empresa compra bens ou adquire serviços no exterior do perímetro formado pela empresa, suporta IVA, mas não tem aqui o direito à dedução se essas despesas estiverem em conexão com o produto ou serviço isento que vai colocar no mercado.

IXª) - A Sexta Directiva criou dois regimes orientados pelo princípio do destino económico das despesas suportadas pela empresa. - vide Birkenfeld, das grosse Umsatzsteuer-Handbuch, vol. I, Koln, p. 185

Xª) - Existem duas hipóteses de actuação, para determinar os limites de dedução, a empresa pode proceder a uma separação ex ante ou a uma separação ex post entre actividades sujeitas ao regime geral e actividades isentas de IVA.
Na separação ex ante, utiliza-se o regime da afectação real, nos casos em que a separação e distinção é possível, a contabilidade da empresa vai distinguir entre as despesas conexas com as actividades onde há tributação em IVA e as despesas que têm uma conexão com produções isentas.
Imputa-se aos produtos tributados as despesas que com eles estão relacionados, criando-se uma zona dentro da empresa onde se pode proceder à dedução integral do IVA que foi suportado.

XIª) - Na separação ex post, o sistema é diferente, vai ser efectuado um pro rata, ou seja, um cálculo de proporcionalidade, entre as diversas receitas da empresa. Como não podemos separar com rigor a área isenta da área tributada (o balcão do banco onde se concedem empréstimos é também o local onde se vendem faqueiros), vamos recorrer à presunção de que a relação entre ambas vai corresponder à proporção das receitas geradas por cada uma das actividades. - vide Mateus, J Silvério, Regime e natureza do direito a dedução no imposto sobre o valor acrescentado, Fisco 12/13, 1989, pág. 34/35

XIIª) - Como salienta Saldanha Sanches, o IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade. - vide Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro — Junho 2006, pág. 111.

XIIIª)- Entre nós, e na esteira do artº 19.° da Sexta Directiva e do art.º 23.°, n.º 1 do CIVA, o fim da norma é claro, encontrar um modo de afastar da dedução os custos de IVA respeitantes a actividades isentas, de forma a limitar o alcance da dedução e a adequá-la ao modo de funcionamento do sistema do IVA.

XIVª) - Já vimos que no caso em apreço, as operações de leasing e de ALD, os rendimentos provenientes dos contratos supra são rendimentos de mera fruição financeira, pelo que devem ou não ser colocados no denominador da fracção?

XVª) - A jurisprudência, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de actividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui actividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução.

XVIª) - A actividade económica está definida no art.º 4.°, n.º 2 da Sexta Directiva, ou seja, são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas.

XVIIª) - No Caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a percepção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução.

XVIIIª) - Teresa Lemos referiu que “Ambos os acórdãos assentam no princípio de que uma holding não exerce actividade económica e não é por conseguinte sujeito passivo de IVA, pelo simples facto de deter participações financeiras em outras empresas, desde que não interfira na gestão destas últimas” - vide Lemos, Maria Teresa, IVA: direito à dedução dos holdings - a jurisprudência comunitária, Fisco 61, 1994, pág. 50

XIXª) - Por sua vez, o conceito de actividade económica é um conceito que procura distinguir, de um ângulo material ou substancial, entre actividades que em princípio exigem inputs sujeitos a IVA e actividades que os não exigem, podendo complementar a relação jurídica.
Se a relação jurídica tem um sinalagma prestação/dívida, temos uma situação; se a relação jurídica tem um sinalagma direito/dívida, sem novos deveres de prestação, a situação é outra.

XXª) - No Ac. de 14/07/1998, Caso First National Banck of Chicago, proc. C-172196, quando o Tribunal tratou a questão da prestação de serviços isenta de IVA, temos uma receita que deve entrar para o denominador da fórmula do pro rata, já que a prestação de serviços é uma prestação onerosa, tendo o Tribunal decidido que “uma prestação de serviços só é efectuada a título oneroso, na acepção do artigo 2°, ponto 1, da Sexta Directiva, e só é assim tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestado o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário.”

XXIª) - O conceito de prestação onerosa pode ser usado para completar o conceito de actividade económica: os rendimentos de acções não são uma receita sujeita a IVA, porque não são uma contrapartida por um serviço prestado, mas um rendimento de capital - e não é possível colocar rendimentos de capital de mera fruição no denominador da fórmula do pro rata - uma vez que estamos perante rendimentos que são o produto de uma actividade passada, ou seja, rendimentos fundados.

XXIIª) - A existência de uma fonte de onde brota um rendimento que pode ser consumido ou utilizado para os seus próprios fins é uma das características de um rendimento de capital. Tal rendimento será periódico se a fonte for conservada, não exigindo actividade para ser adquirido ou prestação onerosa como condição jurídica de obtenção.

XXIIIª) - No caso em apreço, pretende-se saber se o valor da amortização financeira, das rendas, da locação financeira se incluem ou não no cálculo do pro rata.

XXIVª) - À questão formulada, a Fazenda dirá que não porque:
a) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor tributável consiste no valor da renda recebida ou a receber do locatário;
b) Seguindo o método da afectação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respectivos bens será totalmente dedutível;
c) Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações;
d) No entanto, no cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afectação real aqueles custos são directamente imputados e o respectivo IVA é integralmente dedutível:
e) A não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.

XXVª) - Nestes termos, pode-se concluir que no cálculo da percentagem de dedução apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing ou de ALD, desde que a utilização do método de afectação real não se mostre exequível.

XXVIª) - Atendendo a que se trata do cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista cuja afectação não se mostrou viável, teremos de concordar com a interpretação dada, no sentido de ser determinada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs aos dois tipos de operações.

XXVIIª) - Porém, ter-se-á de ressalvar a questão que não estamos no âmbito de aplicação do art.º 23.°, n.º 4 do CIVA, mas sim no apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata especifico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

XXVIIIª) - Assim, a solução não poderia ser outra senão a de apenas incluir no cálculo da percentagem de dedução o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividades em causa já que, em relação a esses custos, a afectação real não se mostrava viável.
Se a solução fosse outra, a impugnante obteria uma vantagem injustificada ao deduzir indevidamente uma parte do IVA que já fora deduzido quando da afectação real, feita previamente.
A solução preconizada é a que mais se aproxima da neutralidade e a que melhor se ajusta à redacção do art.º 23º do CIVA, que como se constatou não fere o artº 174º da Directiva IVA.

XXIXª)- A corroborar a posição assumida pela Fazenda, está o Parecer de 0610612005, elaborado pelo Gabinete do Director Geral sobre a questão controvertida, extraindo-se o seguinte:
“a) A prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação financeira tributada (mobiliária sempre e actualmente a imobiliária em caso de renuncia à isenção do artigo 90º, nº 30), significará que, quando houver bens e serviços adquiridos (inputs) que sejam conjuntamente utilizados em ambas, se haja de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado a qualificar como passível de direito a dedução;
b) Os métodos previstos são dois - afectação real e a percentagem de dedução ou pro rata, este com a natureza de percentagem geral ou genérica, apelando aos montantes das transmissões de bens e prestações de serviços, montantes esses que, porque se está perante operações sujeitas ao imposto, serão os que resultam das disposições estabelecidas como base ou valor tributável pelo artigo 16º do CIVA. Admissível como método supletivo, a utilização do método do pro rata pode ser afastada pela Administração Fiscal, exigindo a utilização do método da afectação real, quando entenda estarem reunidas e verificadas as condições previstas no n.º 3 do artigo 23.°;
c) Na situação em apreço, a mistura de “montantes anuais, imposto excluído” de prestações de serviços, que apenas reflectem a componente juros das operações de normal concessão de crédito, com “montantes anuais, imposto excluído” de prestações de serviços que reflectem a soma do capital financiado e dos juros, em relação a operações que sendo ainda de financiamento assumem a veste jurídica de locação financeira, retira à utilização do pro rata geral idoneidade para o apuramento a que é chamado, sendo a falta de coerência das variáveis nele utilizadas, susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados, o mesmo é dizer, susceptível de conduzir a “distorções significativas na tributação”.
d) Termos em que se reputa aconselhável impor, doravante, nestas situações a obrigatoriedade de uso do método da afectação real para apurar o IVA dedutível relativamente a bens e serviços adquiridos e de utilização conjunta nos dois tipos de operações ou actividades;
e) Neste contexto, devem os sujeitos passivos operar “com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços e operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Imposto lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação, cabendo-lhes, então, escolher os critérios objectivos que se mostrem mais adequados aos fins visados pela disciplina e pela fundamentação que lhe subjaz.”;
f) No caso de não se mostrar viável um índice objectivo específico, poderá, recorrer-se para o efeito a uma percentagem ou coeficiente, desde que ela faça apelo, nos seus dois membros - numerador e denominador - a variáveis que se mostrem coerentes entre si, homogeneizadas para o efeito, e com a mesma natureza, ressalvadas as devidas adaptações, obviamente.
Teríamos assim o uso de uma percentagem (tal como aquela outra percentagem que é a percentagem genérica de dedução ou pro rata geral), mas aqui não geral mas sim especifico à realidade a que vai ser aplicada. E não entendido como método de apuramento de direito a dedução mas sim e apenas como coeficiente de imputação dentro do método de afectação real;
g) Como quer que seja, sempre com exigência de que os sujeitos passivos possuam elementos capazes de demonstrar, sempre que a DGCI o solicite, o bem fundado dos critérios, coeficientes ou indicies utilizados e com a faculdade da administração fiscal, desde que adequadamente o justifique, poder discordar e impor as correspondentes e necessárias rectificações.”

XXXª) - Em face do entendimento mencionado no ponto anterior, o mesmo não fere nenhuma legislação nem nenhuma norma europeia nem nenhuma norma interna, pois o rácio, a percentagem, o coeficiente apresentado é com base num “pro rata não geral mas especifico à realidade a que vai ser aplicado”, daí que seja de extrair a amortização financeira para se apurar com base nos juros, sendo este o lucro que actividade financeira do banco obtém nos contratos de ALD ou leasing.

XXXIª) - Ainda um outro aspecto não de sob menos importância, é que atendendo a que os contratos de locação financeira são distintos entre si, pois os de ALD configuram-se como contratos de locação venda, uma vez que o locatário adquire a propriedade do bem na última prestação paga, em que existe uma transferência da propriedade; enquanto que no contrato de locação financeira o locador-proprietário não tem a intenção de usar o bem, de correr os riscos próprios do proprietário, nomeadamente o risco económico de não rentabilidade de coisa e do seu perecimento. O locador proprietário quer que o bem seja usado, com a assunção integral do risco, pelo utente.

XXXIIª) - Na verdade, o locatário/utente, não pretende obter o simples uso de um bem disponível no mercado de locação. Realiza verdadeiramente um investimento, traduzido em parte ou na totalidade do valor do bem, correndo o risco equivalente do seu perecimento ou da sua não rentabilidade.

XXIIIª) - Pelo exposto, podemos concluir que enquanto no ALD existe uma transferência de propriedade e não de uso, no contrato de locação financeira existe o uso pelo locatário do bem, consubstanciando para o locador um investimento, no qual se traduz entre locador e locatário no pagamento de uma divida, daí não ser considerado uma actividade económica, sendo de afastar a sua inclusão no denominador de IVA, relevando tão só para o denominador o IVA contido nos juros.
Por outro lado, na cedência de crédito o que entra no cálculo do pro rata é o juro e não o capital, pelo que na amortização financeira só se poderá considerar o juro e não a amortização do capital.

XXXIVª) - Assim sendo, o Tribunal a quo estribou na sua douta sentença um pressuposto erróneo de qualificação da norma jurídica, pois como se tem demonstrado unicamente os juros poderão fazer parte do denominador da fracção, pois só estes são a relação entre prestação e beneficio e não a amortização.

XXXVª) - Sendo a questão controvertida suscitada polémica para a banca e não tendo sido a questão tratada directamente pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, suscita-se a questão prejudicial no sentido de se saber se para o cálculo do pro rata, no caso do leasing e do ALD, uma vez que na aquisição o IVA suportado foi liquidado e deduzido, ou seja, através do contrato de financiamento, se para o cálculo do pro rata, no contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, se a renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena para o denominador do pro rata ou se, ao invés, deve ser considerado unicamente os juros, pois estes, efectivamente, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação.
A questão suscitada prende-se com a neutralidade do IVA, com o princípio da igualdade, é que se a actividade bancária poderá deduzir o IVA suportado pela afectação real nas amortizações financeiras e por sua vez, de novo, pelo contrato de locação financeira através das rendas, está efectivamente a deduzir duas vezes o mesmo imposto para o mesmo bem, ou seja, existe uma duplicação de imposto, o que prejudica a Fazenda Pública, pois obtém uma percentagem de pro rata superior à devida. Ao passo que, se só puder deduzir o IVA contido nos juros, já não existe a duplicação de imposto nem a Fazenda será prejudicada, mantendo-se a neutralidade do imposto do IVA.

XXXVIª) - Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo” esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de direito, em clara e manifesta violação da interpretação das normas constantes do CIVA e das normas quer da Sexta Directiva quer da Directiva IVA, nos art°s 16° e 23° do CIVA, 13 B e 19° da Sexta Directiva e art.º 174º da Directiva IVA, o que levou a que o princípio da neutralidade, na vertente de princípio da igualdade fosse violado, pois ao considerar-se a renda da prestação como entrando para o cálculo da fracção do denominador do pro rata, está-se a duplicar a dedução do IVA uma vez que o mesmo já tinha sido deduzido integralmente aquando do método afectação real.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
Porém V. Ex.as decidindo farão a costumada justiça.

II – Em contra alegações, a recorrida defende a manutenção da douta sentença, nos seguintes termos:

“Em conclusão, portanto, deve, no entender do recorrido, face às normas vigentes à data da questão dos autos, isto é em 2004, o recurso ser julgado improcedente e não provado, reconhecendo-se que a sentença recorrida decidiu, atenta a matéria de facto que provada vem da instância, nos termos e de harmonia com o disposto no artº 23º, nºs 1, 2, 3 e 4 do Código do IVA, nos termos do disposto nos artigos 17º, nº5, e 19º, nº1 da 6ª Directiva, de conformidade até com o disposto nos artigos 167º, 174º e 175º da Directiva 2006/122/C do Conselho, de 28 de Novembro e do disposto no artigo 128º do Código de Procedimento Administrativo e do disposto no artigo 103º, nº3 da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que julgando-se o recurso improcedente, se fará Justiça”.

III - O MºPº emitiu parecer a fls. 347 verso onde conclui, que pela análise da conclusão XXXVª) das alegações de recurso apresentadas pela F.P. à que “… sujeitar a questão controvertida à apreciação do T.J.C.E – artº 267º do Tratado da União Europeia em cujo §2º se prevê tal como obrigatório nos casos “cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.”

IV - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

V- Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

A) Em cumprimento da ordem de serviço nº 01200600408 de 14/09/2006, os Serviços da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária iniciaram em 17/01/2007, à Impugnante, acção de inspecção de âmbito geral ao exercício de 2004 (cfr. fls. 60 dos autos).

B) Em 27/12/2007 foi elaborado o relatório final da acção de inspecção do qual resultaram correcções de natureza meramente aritmética em sede de IVA no montante de 189.671,32€ (cfr. doc de fls. 51 a 81 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido).

C) Do relatório mencionado na alínea antecedente consta o seguinte:
“ (…)
I.3. IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO

I.3.1. Regularizações do Prorata Definitivo para o exercício de 2004 (Artº. 23º n.º 4 e Art. 24 nº 1)- €189,671,32

A. Regularização do Pro-rata
No cálculo da percentagem de dedução (pro rata), efectuado nos termos do Artº 23° do CIVA, apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing, tendo o SP considerado, indevidamente, a componente “Amortização Financeira”.
Deste modo, procedemos à correcção do pro rata geral de 39% para 7%, resultando assim uma correcção a favor do Estado no montante de €107.823,95 (Campo 41 — Reg a favor do Estado), com referência à aplicação ao IVA dedutível relativo aos Bens e Serviços Comuns adquiridos ao longo do ano.
O total a corrigir é de €185.014,38 [€77.190,43 (Campo40-DP-Dez.° 2004) + €107.823,95], nos termos dos n°54 e 6 do Artº 23º do CIVA.

B. Regularizações de IVA — Bens não imóveis do activo imobilizado
Atendendo à correcção no pro-rata definitivo, que passou de 39% para 7%, procedemos à alteração da regularização feita pelo SP, a seu favor, referente às deduções efectuadas a bens não imóveis do activo imobilizado.
Resulta uma correcção, a favor do Estado, nos termos do Artº 24º nºs 1 e 3 do CIVA de €4.656,94.
O sujeito passivo procedeu à contestação da totalidade da correcção em sede de IVA.
Não se atendeu ao pretendido, pelo que a correcção inicial é mantida.
(…)

III.2. IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO

III.2.1 Regularizações - Prorata Definitivo ao exercício de 2004 (Artº 23.º n.º 4) - 189.671,32

A. Procedimento adoptado pelo contribuinte
O SP, procedeu a regularizações de IVA, no Campo 40, da Declaração de Substituição da declaração Periódica de IVA, referente ao mês de Dezembro de 2004, no montante de €77.190,43, referente a alteração da taxa do pro rata (Cfr. Anexo nº 10, folha 1).
No decurso do exercício em análise, o Banco adoptou o seguinte regime para efeitos de IVA Dedutível:
• A percentagem provisória de dedução de IVA efectuada relativamente à sua actividade bancária foi de 28% (Cfr. Anexo nº 10, folha 1);
• Praticou a afectação real, para efeitos de dedução de IVA, relativamente à sua actividade de leasing;
No final do exercício de 2004 o A…….., SA, efectuou o apuramento do pro rata definitivo relativo à sua actividade bancária, chegando à percentagem definitiva de dedução de IVA, de 39% (Cfr. Anexo n° 10, folhas 1 e 5).
De salientar que existem sempre despesas comuns e que há impossibilidade prática de determinar a que actividade dizem respeito. Nestes casos o imposto apurado deverá ser deduzido segundo o método da percentagem de dedução ou pro rata.
As operações resultantes de um contrato de locação financeira representam um tipo de operação, de entre vários, praticados pela empresa. Para este tipo de operação determina a alínea h) do nº 2 do Artº 16° do CIVA que o valor tributável é o valor da renda recebida ou a receber do locatário.
A renda, no âmbito dos contratos de locação financeira, decompõe-se em amortização financeira e juros ou outros encargos. Esta componente — amortização financeira — corresponde à divisão do valor do bem (capital) pelo período do contrato e segundo a regra de dedução da afectação real o imposto suportado na aquisição dos respectivos bens é totalmente dedutível.
A componente — juros e outros encargos — que também compõe a renda, corresponde ao valor acrescentado pela entidade financeira e é registada nas respectivas contas de proveitos.
Podemos utilizar a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações.
No entanto, no cálculo da referida proporção apenas deverá entrar o valor que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, já que através da aplicação do método de afectação real os custos específicos são directamente imputados e o respectivo IVA é integralmente dedutível.
Com efeito, será apenas aquele valor que se encontra em conexão com os custos comuns utilizados indistintamente nas operações tributadas e não tributadas.
Assim, no cálculo da percentagem de dedução (pro rata), apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing.

B. Regularização do pro rata
A empresa, no cálculo da referida proporção, considerou no numerador e no denominador da fracção a amortização financeira, no montante de €30.668.132,85, componente da renda no âmbito dos contratos de locação financeira (Cfr. Anexo nº 10, folhas 2 a 5).
A prática utilizada pela empresa de incluir no cálculo do prorata as componentes “amortização financeira” conduziu a uma percentagem de dedução muito superior aquela que corresponde ao real peso das operações com direito à dedução no conjunto das operações praticadas e provocou distorções significativas no apuramento do imposto dedutível, relativo aos denominados custos comuns.
É o que se verifica na análise dos elementos de suporte aos cálculos do pro rata geral, em que o Banco considera como operações tributadas da actividade leasing o montante da amortização financeira no total €30.668.132,85 (Cfr. Anexo nº 10, folhas 2 e 5).
Ora para efeitos do cálculo da percentagem da dedução (pro rata), nos termos do nº 4 do Artº 23º do CIVA, e tal como atrás já foi referido, apenas se poderá considerar o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos a actividade de leasing, tendo que se retirar o valor da amortização financeira.
Com efeito, a empresa apurou um pro rata geral de 39%. O resultado da fracção, depois de expurgada a amortização financeira, passa a ser de 7% (pro rata) (Cfr. Anexo nº 10, folhas 2 a 5).
Deste modo, procedemos à correcção do pro rata geral de 39% para 7%, resultando assim uma correcção ao valor regularizado pelo SP a seu favor de €77.190,43 (Campo 40, da DP de Dez.°2004) para €107.823,95 (Campo 41 — Regularização a favor do Estado), com referência à aplicação ao IVA Dedutível relativo aos bens e serviços Comuns adquiridos ao longo do ano.
O total a corrigir é de €185.014,38 (6.77.190,43 + 6.107.823,95) (Cfr. Anexo n°10, folha 1).

III.2.1.2. Regularizações de IVA - Bens não imóveis do activo imobilizado (Artº 24.º nºs 1 e 3 do CIVA) - €4.656,94.

O SP, procedeu a regularizações de IVA, no Campo 40, no montante de €3. 735,95 relativo aos bens adquiridos nos exercícios de 2001 e 2002 (6.1.709,78 + 6.2.026,14 respectivamente). Atendendo à correcção por nós efectuada ao pro rata definitivo, o qual passou de 39% para 7%, procedemos à alteração, nos termos dos nºs 1 e 3 do Artº 24° do CIVA, da regularização efectuada pelo SP, a seu favor, referente às deduções efectuadas a bens não imóveis do activo imobilizado.
Tendo sido considerado um pro rata definitivo para o exercício de 2001 de 9%, verifica-se que a diferença para o pro rata definitivo do exercício em análise é inferior a cinco pontos percentuais, pelo que não haverá lugar a qualquer regularização, anulando-se a regularização efectuada no valor de «.1.709,78 (Cfr. Anexo nº 10, folha 6).
Relativamente ao exercício de 2002, o pro rata definitivo considerado no exercício, foi de 17%, pelo que resulta, assim, uma correcção ao valor regularizado pelo SP a seu favor de €2.026,17 (Cfr. Anexo nº 10, folha 7), para €920,99 (Cfr. Anexo nº 10, folha 8) a favor do Estado.
A correcção total, nos termos do Artº 24º nºs 1 e 3 do CIVA, é de €4.656,94.
(…)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
(…)

IX.2. IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO

IX.2.1. Regularizações — Prorata Definitivo ao exercício de 2003 (Artº 23º, nº 4) - €189.671,32

A. Regularizações do Pro-rata e Correcção ao IVA deduzido relativamente a Imobilizado
O Sujeito Passivo, em Direito de Audição afirma não concordar com a posição da DSIT, na medida em que não encontra fundamento legal para a segregação da componente da “amortização financeira” e para a sua exclusão do cálculo do pro rata, face ao disposto nos art°s 16° e 23° do Código do IVA.
(…)
Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, estipula a alínea h) do nº 2 do artº 16° do CIVA, que o valor tributável é o valor da renda recebida ou a receber do locatário.
No que se refere às rendas a pagar no âmbito dos contratos de locação financeira, desde logo se poderá decompor a renda do seguinte modo:
a) Amortização financeira
b) Juros e outros encargos
Seguindo a regra de dedução indicada em 1 e 2, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respectivos bens será inteiramente dedutível.
No entanto, é de referir que a referida actividade utiliza bens e serviços que são indiscriminadamente usados nessas operações e em outras operações isentas (custos comuns). No que respeita ao critério de imputação na repartição desses custos, e na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito à dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações.
No entanto, no cálculo da referida proporção deverá entrar apenas o valor que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, já que através da aplicação do método de afectação real os custos específicos são directamente imputados e o respectivo IVA é integralmente deduzido.
Com efeito, será apenas aquele valor que se encontra em conexão com os custos comuns utilizados indistintamente nas operações tributadas e não tributadas.
A não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade fiscal que se pretende com a mecânica do IVA.
De acordo com o referido, no cálculo da percentagem de dedução (prorata), nos termos do artº 23° do CIVA, só poderão ser considerados o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing.
O A………, SA, efectua a afectação real relativamente à maioria dos inputs necessários à prossecução da referida actividade, nomeadamente aquisição dos bens que vão ser objecto de locação (à excepção de imóveis em que não tenha renunciado à isenção), procedendo, assim, à dedução integral do IVA suportado nos mesmos, os quais vão constituir a componente de amortização financeira na renda liquidada aos seus clientes.
De acordo com o referido anteriormente, e dado que a amortização financeira, corresponde a inputs que foram objecto de dedução de IVA integral, através da afectação real, não deve a mesma ser tida em consideração para cálculo dos custos comuns a imputar à actividade sujeita a IVA, mas tão só a componente de juros e outras prestações de serviços.
Assim, é de manter a correcção inicialmente considerada ao pro rata utilizado (passou de 39% para 7%) (...), não dando seguimento ao pretendido pelo A…….., SA”.

D) Através do ofício nº 00096 de 10/01/2008, foi dado conhecimento à Impugnante das correcções efectuadas no âmbito da acção de inspecção mencionada em A) e remetido o relatório da acção de inspecção mencionado em B) (cfr. fls. 50 dos autos).

E) Em 07/02/2008 foram emitidas à Impugnante a liquidação adicional de IVA com o nº 08014788, no montante de 189.671,32€ e a liquidação de juros compensatórios com o no 08014789, no montante de 21.825,19€, respeitantes ao período de Dezembro de 2004 (cfr. fls. 26 e 27 dos autos).

F) Em 06/05/2008 a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações identificadas na alínea antecedente, instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 6 sob o nº 3123200804000765 (cfr. fls. 28 a 49 dos autos e processo de reclamação graciosa em apenso aos presentes autos, que se dá por integralmente reproduzido).

G) Em 18/11/2008 foi elaborada informação no âmbito da reclamação graciosa identificada em F), da mesma constando o seguinte “... Nestes termos, propõe-se o indeferimento do pedido, em conformidade com o proposto na informação nº 219- AJT/2008, de 29 de Outubro de 2008, que se junta cópia” (cfr. fls. 126 do processo de reclamação graciosa apenso).

H) A presente impugnação foi apresentada em 10/12/2008 (cfr. fls. 3 dos autos).

I) Através do ofício nº 99090 de 22/12/2008 foi comunicado à Impugnante, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, o projecto de decisão da reclamação graciosa identificada na alínea antecedente (cfr. fls. 127 do processo de reclamação graciosa apenso).

J) A Impugnante, na sequência do ofício supra mencionado, informou no processo de reclamação graciosa que “…por não ter recaído qualquer despacho no prazo que a lei fixa para a mesma se presumir indeferida para efeitos contenciosos, apresentou já aos 10 de Dezembro de 2008, no 6° Serviço de Finanças de Lisboa, a petição da competente impugnação judicial contra tal liquidação adicional” (cfr. fls. 129 do processo de reclamação graciosa apenso).

VI. Conforme resulta da conclusão XXXVª) das alegações da recorrente, a questão a conhecer no presente recurso consiste em saber se, num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena para o denominador do pro rata, ou se, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação.

VI.1. Entende a recorrente que esta questão se prende com a neutralidade do IVA, pois se pela actividade bancária poderá deduzir-se o IVA suportado pela afectação real nas amortizações financeiras, podendo fazê-lo de novo, pelo contrato de locação financeira através das rendas, está efectivamente a deduzir duas vezes o mesmo imposto para o mesmo bem, ou seja, existe uma duplicação de imposto, o que prejudica a Fazenda Pública, pois obtém uma percentagem de pro rata superior à devida. Ao passo que, se só puder deduzir o IVA contido nos juros, já não existe a duplicação de imposto nem a Fazenda será prejudicada, mantendo-se a neutralidade do imposto do IVA.

VI.2. Tanto a decisão recorrida como o recorrido, entendem que as amortizações devem ser incluídas no citado denominador.
A argumentação da decisão recorrida (que o recorrido acompanha – v. as suas contra-alegações) é, resumidamente, do seguinte teor:

A impugnante consegue obter a dedução integral do imposto que suporta com a aquisição dos bens que adquire para dar em locação, o que faz através do método da afectação real. No entanto, o exercício da actividade de locação gera “custos comuns" às operações que não conferem direito à dedução (operações de crédito isentas de IVA), relativamente aos quais não é possível encontrar o critério objectivo aludido no nº 2 do artº 23º do CIV A para a aplicação do método de afectação real. Ou seja, o exercício da actividade de locação pela impugnante não é possível a aplicação do método da afectação real para a dedução do IVA suportado.
Assim, há que aplicar o regime do pro rata previsto no artº. 23,° nº 4 do CIVA.
Aplicando-se este regime verifica-se que não tem um mínimo de correspondência na letra da lei o entendimento de que só o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de locação financeira deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução.

Por outro lado, não procede a argumentação de que apenas os juros recebidos ou a receber estão em conexão com os custos comuns utilizados nas operações sujeitas com e sem direito a dedução, porquanto a remuneração do serviço prestado, para efeitos de IVA, é toda a renda, tal como resulta do artigo 16º, nº 2, alínea h) do CIVA, e isso independentemente de saber se cobrem ou não custos suportados. Repare-se que o IVA não tributa apenas operações respeitantes a proveitos, mas contrapartidas que é o valor que é sujeito a imposto, in casu, a contrapartida na locação financeira é a renda, e não apenas os juros.
Por outro lado, nos termos do disposto na alínea h) do nº 2 do artº. 16.° do CIVA é toda a renda recebida, e ou seja capital e juros, que constitui o valor tributável das operações de locação financeira.
Com efeito, aquele preceito legal não faz qualquer distinção entre juro e capital ao referir- se ao valor tributável nas operações de locação financeira, sujeita a imposto a totalidade da renda recebida.
Deste modo, no cálculo da percentagem de dedução ou pro rata aplicável quando estão em causa simultaneamente operações que conferem e operações que não conferem o direito a deduzir (operações mistas) é o valor total das operações que deve constar do numerador e do denominador da fracção que constitui aquela e não apenas o valor da parcela juro de que é composta a renda recebida ou a receber do locatário.

VI.3. O MºPº, no seu parecer de fls. 347 e em sintonia com a conclusão XXXVª) da recorrente, pronunciou-se também no sentido de se sujeitar a questão controvertida à apreciação do T.J.C.E - artº 267º do Tratado da União Europeia em cujo §2º se prevê tal como obrigatório nos casos “cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.”

VII. As disposições legais relevantes para a decisão são as seguintes:

Artº 16º, nº 2, alínea h) do CIVA:
“2 — Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é:
h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário.

Artº 23º, nºs 1, alínea b) e 4:

“1 — Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.
4 — A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento”.

Porém, o IVA constitui um imposto de raiz comunitária tendo na sua génese a Directiva nº 77/388 do Conselho de 17 de maio, cujos artºs 17º, nº 5 e 19º, nº 1, estabelecem, respectivamente o seguinte:

“5. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos nºs 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.”

“1. O pro rata de dedução, previsto no n º 5, primeiro parágrafo, do artigo 17 º, resultará de uma fracção que inclui:
- no numerador, o montante total do volume de negócios anual, liquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n º 2 e 3 do artigo 17º;
- no denominador, o montante total do volume de negócios anual, liquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução. Os Estados-membros podem incluir, igualmente, no denominador o montante das subvenções que não sejam as referidas em A, 1, a), do artigo 11º.
O pro rata é determinado numa base anual e fixado em percentagem arredondada para a unidade imediatamente superior”.

Daqui resulta então que interpretar as normas do CIVA, implica também interpretar as normas da Directiva Comunitária acima referida.
Tal interpretação cabe, em primeira linha ao Tribunal de Justiça da União Europeia, podendo os tribunais nacionais dispensar tal interpretação, nomeadamente em caso de a norma se revelar clara ou de o Tribunal de Justiça já se ter pronunciado sobre situação similar.

No caso dos autos, entende-se que a norma comunitária carece, efectivamente, de interpretação do TJUE, pois se desconhece decisão em que a questão suscitada nos autos tenha sido afrontada directamente e a mesma revela-se complexa.

Na verdade, são conhecidas decisões em que estava em causa actividade financeira e o Tribunal se pronunciou pela exclusão de dividendos de acções recebidos por uma empresa do denominador referido no citado artº 19º da Directiva (Acórdão de 22 de Junho de 1993 – Processo nº C 333/91). Do mesmo modo, foi entendido que desse denominador se deveriam também excluir os dividendos distribuídos pelas suas filiais a uma sociedade holding que está sujeita a IVA relativamente a outras actividades e fornece serviços de gestão, isto porque não constituindo a contrapartida de qualquer actividade económica, a percepção de dividendos não entra no âmbito de aplicação do IVA (Acórdão de 14 de Novembro de 2000 – Processo nº C-142/99).
Ainda com alguma relevância em matéria de actividade financeira e relacionado com o cálculo do pro rata v. os Acórdãos de 29 de Abril de 2004 –Processo nº C-77/2001, de 27 de Setembro de 2001 – Processo nº C-16/00e de 26 de Maio de 2005 –Processo nºC-536/03).

No entanto, como se referiu, a questão dos autos consiste em saber se num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena para o denominador do pro rata, ou se, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação.

A tese da recorrente Fazenda Pública é a de que para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, estipula a alínea h) do nº 2 do artº 16° do CIVA, que o valor tributável é o valor da renda recebida ou a receber do locatário.
No que se refere às rendas a pagar no âmbito dos contratos de locação financeira, desde logo se poderá decompor a renda do seguinte modo:
a) Amortização financeira
b) Juros e outros encargos

(*) Seguindo a regra de dedução, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será inteiramente dedutível.
No entanto, é de referir que a referida atividade utiliza bens e serviços que são indiscriminadamente usados nessas operações e em outras operações isentas (custos comuns). No que respeita ao critério de imputação na repartição desses custos, e na impossibilidade de adoção de um critério mais objetivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito à dedução) para determinar ou estimar a afetação dos inputs aos dois tipos de operações.
Porém, no cálculo da referida proporção deverá entrar apenas o valor que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, já que através da aplicação do método de afetação real os custos específicos são diretamente imputados e o respetivo IVA é integralmente deduzido.
Será apenas aquele valor que se encontra em conexão com os custos comuns utilizados indistintamente nas operações tributadas e não tributadas, pois, a não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade fiscal que se pretende com a mecânica do IVA.
O A…….., SA, efetua a afetação real relativamente à maioria dos inputs necessários à prossecução da referida atividade, nomeadamente aquisição dos bens que vão ser objeto de locação (à exceção de imóveis em que não tenha renunciado à isenção), procedendo, assim, à dedução integral do IVA suportado nos mesmos, os quais vão constituir a componente de amortização financeira na renda liquidada aos seus clientes.
Dado que a amortização financeira, corresponde a inputs que foram objeto de dedução de IVA integral, através da afetação real, não deve a mesma ser tida em consideração para cálculo dos custos comuns a imputar à atividade sujeita a IVA, mas tão só a componente de juros e outras prestações de serviços.

VIII. Pelo que ficou dito, formula-se ao Tribunal de Justiça da União Europeia, a título prejudicial, a seguinte questão:

“Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”.

IX. Nestes termos acordam os juízes deste Supremo Tribunal e Secção em:

a) Ordenar o presente reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
b) Suspender o processo até decisão do mesmo.

*
Para cumprimento do agora decidido ordena-se a passagem de carta, a dirigir pela Secretaria deste STA à daquele Tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado do translado do processo, incluindo cópias da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da impugnante e todas as peças processuais posteriores, bem como fotocópias dos diplomas legais mencionados no presente acórdão.
*
Até à prolação de decisão pelo TJUE, ficará suspensa a instância nestes autos.
*
Custas a considerar a final.

Lisboa, 16 de janeiro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.

(*) Retificações feitas pelo acórdão de 20 de Fevereiro de 2013.

Segue acórdão de 20 de Fevereiro de 2013:

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1.No acórdão proferido em 5 de dezembro de 2012, corrijo em 16.1.2013, nestes autos, ocorreu um lapso de impressão, agora constatado, e que consistiu na omissão, no início de fls. 21 do mesmo acórdão, da seguinte passagem:
” Seguindo a regra de dedução, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será inteiramente dedutível.
No entanto, é de referir que a referida atividade utiliza bens e serviços que são indiscriminadamente usados nessas operações e em outras operações isentas (custos comuns). No que respeita ao critério de imputação na”

2. De acordo com o disposto no nº 1 do artº 667º do CPC, aplicável ex vi artºs. 726º e 716º, ambos do mesmo diploma, se a sentença … contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

Sendo assim, importa agora corrigir o referido lapso.

3. Nestes termos e pelo exposto retifica-se o referido acórdão dele ficando a constar no início de fls. 21, a seguinte passagem agora aditada e que por lapso não foi oportunamente impressa: “Seguindo a regra de dedução, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será inteiramente dedutível.
No entanto, é de referir que a referida atividade utiliza bens e serviços que são indiscriminadamente usados nessas operações e em outras operações isentas (custos comuns). No que respeita ao critério de imputação na”

Sem custas. Notifique.

Esta retificação faz parte integrante do acórdão de 5 de dezembro de 2012, corrijo 16.1.2013.

Lisboa, 20 de fevereiro de 2013. - Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.