Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0404/18
Data do Acordão:05/03/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:Deve admitir-se revista de acórdão que anulou um acto administrativo com fundamento na violação do princípio da igualdade, perante uma situação idêntica em que alegadamente foi cometida uma ilegalidade.
Nº Convencional:JSTA000P23260
Nº do Documento:SA1201805030404
Data de Entrada:04/17/2018
Recorrente:MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL - MARINHA PORTUGUESA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. O MINISTÉRIO DA DEFESA – MARINHA NACIONAL recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 15-12-2017, que confirmou a sentença proferida pelo TAF do Porto, que por seu turno julgou procedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL intentada por A………… pedindo a anulação do acto administrativo praticado em 1 de Fevereiro de 2008 que indeferiu a sua pretensão de passagem à situação de reserva.

1.2. Justifica a admissão da revista relativamente a duas questões que considera de relevância jurídica fundamental: (i) a ausência de qualquer decisão sobre a prova testemunhal por si requerida; (ii) a violação do princípio da igualdade – cujo julgamento entende ter ficado prejudicado face à falta de produção de prova, uma vez que estaríamos perante um claro caso de “igualdade na ilegalidade”.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. Ambas as instâncias julgaram procedente a acção anulando o acto administrativo que indeferiu o pedido de passagem à reserva do ora recorrido, por dois fundamentos: preterição do direito de audiência e violação do princípio da igualdade. A entidade recorrente, neste recurso, não põe em causa o julgamento sobre a preterição do direito de audiência. Contudo, esta circunstância não parece afastar a legitimidade do recorrente, tendo em conta o disposto no art. 141º, n.º 3 do CPTA, segundo o qual “ainda que um ato administrativo tenha sido anulado com fundamento na verificação de diferentes causas de invalidade, a sentença pode ser impugnada com base na inexistência de apenas uma dessas causas de invalidade, na medida em que do reconhecimento da inexistência dessa causa de invalidade dependa a possibilidade de o ato anulado vir a ser renovado”.

O princípio da igualdade foi, neste caso, considerado violado porque, a entidade ora recorrida deferiu um pedido de passagem à reserva num caso idêntico ao do ora recorrido, que foi indeferido. O pedido de passagem à situação de reserva do CFR B………… foi deferido, em 30 de Setembro de 2007, sendo que na altura existia um défice superior a 5% no conjunto dos postos aplicáveis à classe. “No quadro jurídico enunciado - diz a sentença, confirmada pelo acórdão recorrido – é evidente a situação de desigualdade invocada nos autos. Na verdade, o Capitão-de-Fragata B………… encontrava-se em posição idêntica à do Autor, na medida em que também ele não cumpria o critério explicitado no ponto 3.A. (4) da aludida informação 12/ECN, de 29 de Janeiro de 2008, agora transcrito: “nas classes em que pertencem, no conjunto dos postos aplicáveis, não venham a ocorrer, em consequência das suas passagens à reserva, défices superiores a 5% na relação de “existências disponíveis” e “necessidades totais da marinha

A entidade recorrida entende que pelo facto da “Marinha não ter seguido o normativo interno no caso do CFR B…………, não significa que fique vinculada a decidir de forma semelhante todos os requerimentos apresentados nos mesmos termos, alheando-se das orientações internas e do sentido da decisão dada aos restantes requerimentos apresentados com a mesma intenção. Pois não há igualdade na ilegalidade” – conclusões BB e CC das conclusões desta revista.

A nosso ver a questão colocada – quanto a este aspecto - justifica a admissão da revista. O entendimento generalizado na doutrina e na jurisprudência é o de que o princípio da igualdade não confere um direito à igualdade na ilegalidade (cfr. entre outros os acórdãos deste STA de 30-1-2003, proferido no recurso 01106/02 e de 4-9-2014, proferido no processo 0117/13). Este aspecto da questão tinha sido colocado ao TCA Norte (conclusão 34º), mas não foi expressamente ponderado. Daí que, estando em causa a delimitação de um princípio fundamental e uma decisão que se desvia do entendimento tradicional, se justifique a admissão do recurso com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Lisboa, 3 de Maio de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.