Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0310/09
Data do Acordão:12/02/2009
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:COSTA REIS
Descritores:PESSOAL DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
REGIME DISCIPLINAR
PODER DISCRICIONÁRIO
Sumário:I - Os trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos admitidos antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20/08 - diploma que transformou aquela entidade em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - e que mantiveram o seu vínculo laboral continuaram submetidos ao regime do funcionalismo público constante do Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis, de 22/02/1913, desde que não usassem da faculdade de opção pela prevista no n.º 2 do art. 7.º daquele DL 287/93 e não optassem pela aplicação do Regime do Contrato Individual de Trabalho.
II - Se é certo que cabe dentro da competência do Tribunal analisar a existência material dos factos e averiguar se eles constituem infracções disciplinares, já lhe escapa a competência para apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, isto é, quando seja manifesta a desproporção entre a pena e a falta cometida, por esta ser uma tarefa da Administração inserida na chamada discricionariedade técnica ou administrativa.
III - E, se assim é, e se a CGD entendeu sancionar o comportamento da Recorrente com a pena de demissão em vez de lhe aplicar a pena de aposentação compulsiva nenhuma censura se lhe pode dirigir visto ser claro, por um lado, que tal sanção é adequada e proporcional à sua gravidade e, por outro, que a mesma não resulta da utilização de critérios inadmissíveis nem é o resultado de um erro ostensivamente grosseiro.
Nº Convencional:JSTA00066147
Nº do Documento:SA1200912020310
Data de Entrada:03/17/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC.
Objecto:AC TCA NORTE.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL/DISCIPLINAR.
DIR ADM GER - ADM PUBL/INDIRECTA.
Legislação Nacional:EDF84 ART11 ART12 N7 N8 ART13 N9 ART10 ART1 N2 ART4 N2.
D DE 1913/02/22 ART6.
DL 287/93 DE 1993/08/20 ART7 N2.
DL 48953 DE 1969/04/05 ART31 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC927/02 DE 2005/05/24.; AC STAPLENO PROC755/04 DE 2005/07/05.; AC STAPLENO PROC831/04 DE 2005/10/25.; AC STA PROC434/09 DE 2009/11/19.; AC STA PROC797/04 DE 2004/12/15.; AC STAPLENO PROC412/05 DE 2007/03/29.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do STA:
A… inconformada com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) que confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, que julgou improcedente a acção administrativa especial que deduzira contra a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS [CGD] pedindo a anulação da deliberação do seu Conselho de Administração, de …, que lhe aplicou a sanção disciplinar de demissão, interpôs o presente recurso de revista o qual foi admitido por ter sido entendido que a matéria nele controvertida tinha a relevância social suficiente para justificar a intervenção deste Supremo Tribunal.
Nele se formulam as seguintes conclusões:
1. O despacho n.º …, é ilegal “(...) por mandar aplicar o seu regime aos trabalhadores da Caixa que continuaram sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público, porque a estes aplica-se-lhes o RGU do Decreto de 22.12.1913 (...)» não o regime do mencionado DL n.° 24/84, de 16 de Janeiro (alega a Caixa).
2. A orientação firmada pelo TC e outros tribunais é a de que se lhes aplica o ED 24/84.
3. A errada invocação de outro regime jurídico inquina a legalidade das sanções concretamente aplicadas pela e, em particular, a demissão da Recorrente.
4. Está em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social se reveste de uma importância fundamental, tornando-se ainda necessário admitir o recurso para uma melhor aplicação do Direito.
5. O presente recurso de revista deve ser admitido, considerando-se abrangido por qualquer uma das duas hipóteses previstas no art.° 150.°, n.° 1, do CPTA.
6. A Autora foi empregada administrativa, da Ré, com funções de Front Office
7. Enquanto durou a relação funcional de emprego com a Ré a Autora teve sempre contrato de provimento.
8. Foi a Autora demitida por deliberação do Conselho de Administração da CGD, em sessão de 22.02.06 e remetida à Autora por carta registada datada de 06.03.2006, com efeitos a partir do dia seguinte àquele em que receber esta data.
9. Foi o processo disciplinar em cujo termo determinou o acto administrativo atrás referido, instaurado por despacho do Conselho Delegado de Pessoal e Assuntos Administrativos de 05.04.2005.
10. E refere-se a factos chegados ao conhecimento da Gerência da Agência onde a Autora trabalhava e ao próprio Conselho Delegado de Pessoal e Assuntos Administrativos pelo menos em 25 de Janeiro de 2005.
11.Com data de 01.08.2005, por carta registada com A/R remeteu nova nota de culpa agora com a tramitação prevista no Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis de 1913.
12. E aí refere que, por despacho do Conselho de Administração da C. G. Depósitos S.A. de 27 de Julho de 2005 foi ordenado “a repetição dos trâmites do procedimento disciplinar”.
13.A Recorrente aceita a correcção do erro da Caixa de aplicação do direito laboral substituindo-o por um regulamento disciplinar de direito público,
14.A apreciação judicial da prescrição ou da caducidade do direito disciplinar tem de ser ou com base no direito laboral ou ancorado no direito público.
15. Antes dessa mudança de RGU já tinham decorrido 69 dias entre 25.01.2005 (conhecimento da falta pelo superior) e 05.04.2005 (decisão de instauração do PD) ainda em fase de decisão e aplicação desse bloco de legalidade laboral, pelo que já havia caducado o direito de exercício disciplinar, previsão do Código laboral, intermediado pelo ED 104/93.
16. Depois dessa mudança tinham passado mais de 6 meses entre o conhecimento da falta pelo superior e a decisão de instauração do procedimento disciplinar
17. “Não interrompe nem suspende o prazo de prescrição, o procedimento disciplinar que foi anulado contenciosamente”. (AC. STA 10-02-1985 BMJ n.° 345 pg. 433 sumário).
18. O prazo fixado para a instauração do procedimento disciplinar sob pena de caducidade é de 3 meses, (art. 4.º, n.° 2, do DL. 24/84 aplicável por força do art. 29º n°4 da CRP)
19. Face à prescrição/caducidade invocada, é manifesto que a sanção aplicada é nula ou anulada conforme doutamente se entender.
20.Violou o acto administrativo em causa o disposto nos artigos art. 4.º, n.° 2 ,do DL. 24/84 aplicável por força do art. 29.º, n.º 4, da CRP.
Sem prescindir:
21. O ED 1913, está revogado e, portanto, inexiste na ordem jurídica.
22. A decisão em crise ofende o núcleo essencial de um direito fundamental (art.° 53.° e/ou 58.°da CRP Acórdão do Tribunal Constitucional 285/92],
23. O ED 24/84 é o aplicável, além disso mais favorável e, mais tipificado quanto às normas e sanções expulsivas,
24. A sua aplicação aos pressupostos de facto, e em termos de audiência e defesa é imprescindível, sendo-o também a referência na Nota de culpa das normas aplicáveis às infracções é essencial a uma defesa adequada.
25. A referência ao ED 1913 na Nota de culpa e em todo o processo disciplinar por aplicar um bloco de legalidade inexistente, inquina todo o procedimento disciplinar.
26. É pois, nula e de nenhum efeito a deliberação em causa que se sustenta em processo disciplinar assente em legislação revogada.
27. Donde se violou também por aqui e desse modo o Direito a uma defesa adequada.
28.Violou a douta sentença em crise o disposto no ED 24/84 — artigo 42°, e os artigos 53° e/ou 58° da CRP.
Sem prescindir
29. Ocorre erro na apreciação da omissão de ponderação da aposentação compulsiva ou até da descida de categoria no pressuposto ED 1913.
30. A Recorrente tinha as condições necessárias à aplicação da aposentação, uma vez que o art.° 56.° do DL 498/72, 09.12, aplicável a partir de 01.01.2006, passou a permiti-lo.
31.Todos os factos apurados
32. E ao não lhe ser concedida a aposentação gerou um tratamento desigual ao dos demais funcionários públicos
33.Violando ainda o princípio da proporcionalidade atendendo à contextualização dos factos em causa, agravantes e atenuantes a ponderar.
34.Violou a douta decisão em crise a este respeito o disposto nos artigos 266º, n° 2, da CRP; n° 2 do artigo 5° do CPA, art.° 56.° do DL 498/72, 09.12, aplicável a partir de 1.01.2006
A CGD contra alegou para concluir como se segue:
1. O presente recurso não deve ser admitido, porquanto não se perspectiva a necessidade de intervenção desse Supremo Tribunal Administrativo, não se encontrando verificada nenhuma das duas hipóteses previstas no mencionado artigo 150.°, n.° 1, do CPTA.
2. Relativamente à questão de fundo, a jurisprudência uniforme desse STA sempre tem entendido que o regime disciplinar aplicável aos funcionários da Recorrida, ao abrigo de vínculo jurídico-público, é o constante do Regulamento Disciplinar aprovado pelo Decreto de 22 de Fevereiro de 1913, completado pelo Decreto n.° 19.468, de 16/03/1931 — cfr., só entre a jurisprudência mais recente, Acs. de 24.05.2005 (Cons. PIRES ESTEVES), proc. n.° 927/02, de 05.07.2005 (Cons. JORGE DE SOUSA), proc. n.° 755/04, e de 25.10.2005 (Cons. GOUVEIA E MELO), proc. n.° 831/2004, todos disponíveis em www. dgsi.pt.
3. Também o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República no Parecer n.° 87/87, de 24.03.88, publicado no Diário da República, II série, n.° 180, de 5.08.1988, pp. 7058 e ss., se pronunciou no sentido da sujeição dos funcionários da Recorrida ao Regulamento Disciplinar de 1913, enquanto regime de «(...) natureza especial face ao estatuto geral de disciplina dos funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local (...)», aprovado pelo Decreto-Lei n.° 24/84, de 16 de Janeiro - cfr. a 2 conclusão do referido Parecer.
4. Mais recentemente ainda, no Parecer do mesmo órgão consultivo, datado de 05.12.2002, publicado no DR, II série, de 8.03.2003, e disponível em www.dgsi.pt, reiterou-se ser pacífico que «(...) o regime disciplinar aplicável [funcionários da Caixa] é ainda o que consta do Regulamento Disciplinar do Funcionalismo Civil do Estado, de 22 de Fevereiro de 1913».
5. A posição da Recorrente, no sentido de que seja adoptado entendimento diverso sobre essa matéria, adiantando que o artigo 36.° do Decreto-Lei n.° 48.953, de 5/04/69, se encontra revogado por efeito do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 287/93, de 20/08, e que, em consequência, deixou de ser aplicável aos funcionários da Recorrida, sujeitos a um vínculo laboral de Direito público, o Regulamento Disciplinar de 1913, passando a estar sujeitos ao regime geral do Decreto-Lei n.° 24/84, de 16/01, não tem qualquer apoio na doutrina e jurisprudência referidas.
6. Ao sustentar essa posição, a Recorrente não tem em conta, todavia, a metodologia a observar na determinação do regime jurídico aplicável em caso de desaplicação de normas por invalidade, do mesmo passo que contraria a intenção reiteradamente expressa pelo legislador de não submeter os funcionários da Recorrida ao regime disciplinar aplicável, em geral, à Administração Pública.
7. A desaplicação judicial do Regulamento da Recorrida aprovado pelo Despacho n.° 104/93, do respectivo Conselho de Administração, conduz, portanto, à repristinação do artigo 36.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 48.953, de 5/04/1969, segundo o qual deve aplicar-se, aos funcionários da Recorrida, ao abrigo de vínculo jurídico-público, o Regulamento Disciplinar de 1913.
8. Contra a repristinação do artigo 36.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 48.953, de 5/04/1969, não procede o disposto no artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 287/93, de 20/08, porque este não comporta qualquer intenção de afastar a aplicação do Regulamento Disciplinar de 1913 e, muito menos, de determinar a aplicação à Recorrida do Estatuto Disciplinar constante do Decreto-Lei n.° 24/84, de 16 de Janeiro.
9. Subsidiariamente, dir-se-á ainda que, mesmo que fosse de perfilhar a posição sustentada pela Recorrente, a invocação de base legal incorrecta não pode constituir, em si mesma, causa de invalidade: esta última, como desvalor cominado pela ordem jurídica em face da contrariedade ao Direito, só pode radicar na divergência entre a situação da vida concretamente em apreço e a normatividade efectivamente aplicável, o que a Recorrente não demonstra.
10. Já no que se refere aos fundamentos concretos do recurso invocados pela Recorrente e no que toca especificamente à alegada prescrição do procedimento disciplinar, importa reter que se manteve em vigor, e não padece de qualquer ilegalidade, a decisão do Conselho Delegado de Pessoal e Assuntos Administrativos da Recorrente que instaurou o procedimento disciplinar à Recorrente, tomada em 05.04.2005 e, portanto, dentro do prazo legal de três meses.
11. Quanto à aplicação à Recorrente, em alternativa, da sanção de aposentação compulsiva, esta tem, como bem decidiram as instâncias, natureza residual face à sanção de demissão, que foi concretamente aplicada e não se mostra desproporcionada ou afectada por qualquer outro vício.
12. Ainda que não se entenda, portanto, que o presente recurso não deve ser admitido, o que só à cautela e por dever de patrocínio se concebe, é manifesto que o mesmo deve improceder totalmente, confirmando-se a decisão recorrida.
A Ilustre Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
I. MATÉRIA DE FACTO
São os seguintes os factos julgados provados na decisão judicial recorrida:
A) Na sequência do relatório de inquérito n.° 2005-0041, datado de 09.03.05, foi deliberado, em 05.04.05, pelo conselho Delegado de Pessoal e Assuntos Administrativos da Caixa Geral de Depósitos, instaurar processo disciplinar à autora [ver folha 32 do PA]
B) No dia 06.04.2005 foi nomeado o instrutor do processo disciplinar [ver folha 32 do PA];
C) No dia 21.04.2005 foi elaborada Nota de Culpa [ver folhas 43 a 51 do PA, dadas por reproduzidas);
D) A referida Nota de Culpa foi notificada à autora através de carta datada de 21.04.2005 [ver folha 52 do PA];
E) A autora apresentou resposta à referida Nota de Culpa, tendo requerido a realização de diligências probatórias [ver folhas 63 a 68 do PA, que se dão por reproduzidas];
F) No dia 09.06.2005 foram inquiridas 2 testemunhas arroladas pela autora na resposta à Nota de Culpa [ver folhas 90 e 91 do PA];
G) No dia 05.07.2005 [erradamente é referido, na sentença, o ano de 2007] foi elaborada informação n.° 123/2005, da qual se extrai o seguinte:
“1. Em 05.04.2005, foi deliberado instaurar procedimento disciplinar à empregada A…, com intenção de despedimento e com suspensão preventiva de funções [folha 32]
[...]
4. A instrução do processo foi juridicamente enquadrada pelo Instrutor no âmbito das normas constantes do Acordo de Empresa celebrado com os Sindicatos Bancários {SBN, SBC e SBSI] e do Código do Trabalho, por força do disposto no Regulamento Disciplinar aprovado pelo Despacho n.° 104/93, de 11.08, do Conselho de Administração da CGD.
5. Este regulamento foi, porém, considerado inválido em sucessivas decisões dos Tribunais Administrativos, que culminaram com o Acórdão de 24.05.2005 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em recurso por oposição de julgados, o qual manteve e confirmou a decisão no sentido da sua ilegalidade.
6. Assim, face ao referido, de acordo com a deliberação do Conselho de Administração de 29.06.2005, propõe-se o seguinte:
Que seja deliberada a anulação de todo o processado, a partir da Nota de Culpa, inclusive, e a repetição dos correspondentes actos, agora em conformidade com o disposto no Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis, aprovado pelo Decreto de 22 de Fevereiro de 1913” [ver folha 93 do PA];
H) O Conselho de Administração, em 27.07.2005, concordou com o proposto na informação supra referida [ver folha 93 do PA];
I) Foi elaborada Acusação em 01.08.2005 [ver folhas 94 a 102 que se dão por reproduzidas];
J) A autora foi notificada da aludida acusação através de carta datada de 01.08.2005 [ver folha 103 do PA];
K) A autora apresentou resposta à referida acusação [ver folhas 108 a 122 do PA, que se dão por reproduzidas];
L) No dia 02.01.2006 foi elaborado Relatório Final no qual se concluiu da seguinte forma:
“6.9. Apreciando a conduta infractora no seu todo, resta determinar a medida da pena:
Aos factos referidos nos artigos 20º, 6°, 80º, 90º, 100º e 110º, da acusação [factos ou actos desonrosos] corresponderia, em abstracto, a pena disciplinar de demissão — artigo 19° do Regulamento Disciplinar.
Na determinação da medida da pena são tomadas em consideração todas as circunstâncias que concorrem a favor e contra a Arguida e anteriormente referidas.
Tudo visto e ponderado, de acordo com o disposto nos artigos 5.º, 6.º, n.° 10; parágrafo 1 do artigo 8°; artigos 19° e 21° do Regulamento Disciplinar aprovado por Decreto de 22.02.1913, com as alterações introduzidas pelo Decreto n.° 19.468 de 16.03.1931, submete-se à consideração do Ex.mo Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, SA que, face à gravidade do comportamento da arguida, no nosso entendimento, a conduta da mesma, é passível da pena disciplinar de demissão” [ver folhas 142 a 169 que se dão por integralmente reproduzidas];
M) No dia 16.02.2006 foi elaborado parecer no qual é sugerido que o Conselho de Administração da ré aplique à autora a pena disciplinar de demissão [ver folha 175 do PA];
N) O Conselho de Administração da ré, em 22.02.2006, proferiu a seguinte deliberação:
“Apreciado o processo disciplinar instaurado contra a empregada A…, o Conselho dá o seu inteiro acordo aos fundamento de facto e de direito constantes do Relatório Final, considerando provados, nos termos do mesmo Relatório, os factos indicados pelo Instrutor do processo e que fazem parte da Nota de Culpa deduzida contra a arguida.
Tal relatório constitui, pois, parte integrante da presente Deliberação, para todos os efeitos legais.
Deste modo, tendo em consideração a conduta da arguida — consubstanciada, em síntese, na apropriação ilícita, para proveito próprio, de verbas pertencentes a uma cliente, no montante de 11.550,00€ - a qual se traduziu na violação grave de deveres profissionais que sobre ela impendiam, nomeadamente os de zelo, isenção, lealdade e probidade, com a consequente quebra, absoluta e definitiva, da confiança indispensável à subsistência da relação funcional, o Conselho concorda com a gravidade emergente de tal conduta.
Nestes termos, tendo em atenção os actos praticados pela arguida, que são considerados desonrosos, as circunstâncias que concorrem contra e a favor da mesma, e o Parecer da Comissão de Trabalhadores, de acordo com os artigos 5.º, 6.º, n° 10, 7.º, n° 4, e § 2°, 8°, n° 1, e 19.º do Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis de 22 de Fevereiro de 1913, publicado no Diário do Governo n° 44, de 24.02.1913, que continua a aplicar-se na Caixa Geral de Depósitos, conforme jurisprudência pacífica do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Administrativo — ver Acórdão de 24.05.2005, recurso n° 927/02, Acórdão de 05.07.2005, recurso n° 755/04-20, e Acórdão de 25.10.2005, recurso n° 831/04-20 - o Conselho aplica à empregada A… a pena disciplinar de demissão” [acto impugnado] [ver folha 176 do PA];
O) A autora foi notificada da deliberação supra mencionada através de ofício datado de 06.03.2006 [ver folha 181 do PA];
P) A petição inicial relativa à presente acção administrativa especial foi remetida a tribunal, por correio registado, no dia 06.06.2006 [ver folha 84 dos autos].
II. O DIREITO.
A presente revista dirige-se contra o Acórdão do TCAN que confirmou a sentença do TAF de Braga, que julgou improcedente a acção proposta pela Recorrente contra a CGD pedindo a anulação da deliberação do seu Conselho de Administração, de 22/02/2006, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão. Decisão que reputava de ilegal pela seguinte ordem de razões: (1) porque o processo disciplinar foi instaurado depois de prescrito o respectivo procedimento, visto que entre 25.01.2005 [data em que o dirigente máximo do serviço teve conhecimento da falta] e 27.07.2005 [data da referida instauração] decorreram mais de 3 meses; (2) porque inexistia despacho a designar Instrutor naquele processo; (3) e porque tinha sido violado o disposto nos artigos 6.º do RDFC de 1913 [Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis aprovado pelo Decreto de 22.02.1913], 11.º, 12.°, n.°s 7 e 8, 13.º, n.° 9, e 10.º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL n° 24/84 de 16/01, e 1.º, n.° 3, do Decreto n.° 19.486 de 16.03.1931.
O Acórdão sob censura manteve o julgamento de improcedência da acção por considerar que não se verificava a prescrição do procedimento disciplinar uma vez que, tanto à face do RDFC de 1913 como do ED aprovado pelo DL 24/84, o processo fora instaurado dentro do prazo legal. E isto porque, à face deste Estatuto – a que se devia lançar visto ele fixar um prazo para a referida prescrição (3 meses - art.º 4.º/2) e o Regime de 1913 não estatuir qualquer prazo para o efeito e, nessa medida, significar a aplicação da lei mais favorável - tal prazo não tinha decorrido visto o dirigente do serviço ter tido conhecimento da falta em 25.01.2005 e a decisão que mandou instaurar o processo ter sido proferida em 05.04.2005. A Recorrente carecia, assim, de razão ao invocar a deliberação de 27.07.2005 como sendo a relevante para balizar o termo final daquele prazo, uma vez que esta se limitou a anular, a partir da Nota de Culpa, o processo já instaurado [para que ele fosse tramitado de acordo com o RDFC de 1913] e, portanto, ter deixado incólume a decisão de instaurar aquele processo.
E também improcedia a alegação de que a deliberação impugnada era ilegal em resultado de não ter sido nomeado instrutor do processo disciplinar uma vez que o “despacho de 06.04.2005, que procedeu à nomeação do instrutor B…, foi poupado ao efeito anulatório da decisão de 27.07.2005, que apenas anulou todo o processado a partir da nota de culpa [datada de 21.04.05].”
Finalmente, não tinha havido violação do disposto no art.º 6.º do RDFC de 1913 e nos art.ºs 11.º, 12.°, n.°s 7 e 8, 13.º, n.° 9, e 10.º do Estatuto Disciplinar e o art.º 1.º, n.° 3, do Decreto n.° 19486, de 16.03.1931, visto a pena disciplinar de demissão aplicada à Recorrente ser adequada e proporcional à gravidade da conduta que lhe foi imputada.
A Recorrente considera errado esse julgamento repetindo, no essencial, os fundamentos que vem sustentando desde o Tribunal de 1.ª instância, isto é, de que o procedimento disciplinar estava prescrito quando foi o respectivo processo instaurado, que a deliberação punitiva culminava um processo disciplinar tramitado com base legislação revogada e que a sanção aplicada era desadequada e desproporcional aos factos de que fora acusada.
Vejamos se este ataque tem fundamento começando-se por resolver a essencial questão de saber qual a legislação aplicável, visto a Recorrente sustentar que o ED 1913, está revogado e, portanto, inexiste na ordem jurídica, que a referência que lhe é feita na Nota de Culpa e em todo o processo disciplinar se traduz na aplicação de um bloco de legalidade inexistente, o que inquina todo o procedimento disciplinar, e que, sendo assim, era nula e de nenhum efeito a deliberação em causa. – Vd. conclusões 21. º a 28. º do seu recurso.
1. A Caixa Geral de Depósitos foi uma pessoa colectiva de direito público até ter sido transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos pelo Decreto-Lei n.º 287/93, de 20/08, o que suscitou a questão de saber qual o regime jurídico, designadamente em matéria disciplinar, que deveria ser aplicado aos funcionários que, tendo sido admitidos antes dessa transformação, mantiveram o seu vínculo laboral após a mesma se ter operado.
Questão que foi resolvida, sem qualquer voz discordante, pelo Acórdão do Tribunal Pleno de 24/05/2005 (rec. 927/02) e que foi assim sumariada: “V - Até à publicação do DL 287/93 aos trabalhadores da CGD era aplicável o regime jurídico da função pública e o regime disciplinar do Decreto de 22/02/1913. Após a publicação e entrada em vigor daquele DL 287/93 é-lhes aplicável o Regime do Contrato Individual do Trabalho.
VI - Quanto às normas disciplinares a que os funcionários da CGD estão sujeitos podem existir as seguintes situações:
a) regime disciplinar do Decreto de 22/2/1913;
- é aplicável aos trabalhadores que se encontravam ao serviço na data de entrada em vigor do DL. n.° 287/93 (1/9/3) e não optaram pelo Regime do Contrato Individual de Trabalho;
- é aplicável aos restantes trabalhadores da CGD quer se encontrassem ao serviço na data de entrada em vigor do DL nº 287/93 (1/9/3) e que optaram pelo Regime do Contrato Individual de Trabalho quer aos que entraram ao serviço em data posterior a 1/9/1993, que já foram contratados de acordo com este RCIT até à da entrada em vigor do Despacho n° 104/93 do Conselho de Administração da CGD (31/8/1993).
b) regime disciplinar do Despacho nº 104/93;
- é aplicável, desde a sua entrada em vigor, aos trabalhadores da CGD quer se encontrassem ao serviço na data de entrada em vigor do DL. nº 287/93 (1/9/3) e que optaram pelo Regime do Contrato Individual de Trabalho quer aos que entraram ao serviço em data posterior a 1/9/1993, que já foram contratados de acordo com este RCIT.”
E o Acórdão de 5/07/2005 (rec. 755/04) do mesmo Tribunal Pleno chegou à mesma conclusão tendo afirmado:
“Os trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos admitidos antes desta transformação estavam sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público, com as modificações exigidas pela natureza específica da actividade da Caixa como instituição de crédito, conforme determinam o n.º 2 do art.º 31.º do Decreto-Lei n.º 48.953, e o art.º 108.º, n.º 2, do referido Regulamento.
O contrato através do qual se estabeleceu essa relação jurídica de emprego, de natureza pública, é qualificável como contrato administrativo de provimento [art.ºs 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48953 e 110.º, n.º 1 daquele Regulamento, 2.º, n.º 1, 5.º, 7.º, n.º 1, alínea a), e 8.º, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, e 2.º, n.º 1, 3.º e 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7/11].
Em matéria disciplinar, antes da referida transformação em sociedade anónima e antes de ser proferido o referido Despacho n.º 104/93, era aplicável aos trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos o Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis, de 22/02/1913, por ser o que, de acordo com o Decreto n.º 8162, de 29/05/1922, o primitivo Regulamento da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, era o aplicável, em matéria disciplinar, aos funcionários civis (Neste sentido, pode ver-se o acórdão deste STA de 2-2-1993, proferido no recurso n.º 29972, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14-8-96, pg. 540).
Estando o recorrente sujeito ao regime jurídico do funcionalismo público, a relação jurídica de emprego que mantinha com a Caixa Geral de Depósitos era de emprego público, de harmonia com as disposições citadas.
Com aquela transformação em sociedade anónima, os novos trabalhadores da Caixa passaram a ficar sujeitos ao Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, mas os que se encontrassem ao seu serviço no momento da entrada em vigor daquele Decreto-Lei n.º 287/93 continuaram sujeitos ao regime que lhes era até aí aplicável, podendo contudo optar pelo regime previsto no número anterior, mediante declaração escrita feita nos termos e no prazo a fixar pela administração da Caixa (art. 7.º, n.ºs 1 e 2, deste diploma).”.
O mesmo Pleno reforçou este entendimento no Acórdão de 25/10/2005 (rec. 831/2004) dizendo que “O Regulamento Disciplinar aprovado pelo Despacho n.º 104/93, do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, ao mandar aplicar o seu regime aos trabalhadores da mesma Caixa que continuaram sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público, viola o disposto no art.º 31º., nº. 2, do DL nº. 48.953, de 5/4/69, uma vez que se lhes aplica o Regulamento Disciplinar de 22/2/1913.”
E, finalmente, o recente Acórdão da 2.ª Subsecção deste STA de 19/11/2009 (rec. 434/09) concluiu da mesma forma tendo sumariado o seguinte:
“I. Aos trabalhadores da CGD que se encontravam em serviço na data da entrada em vigor do Dec. Lei 287/93 e que não optaram pelo Regime do Contrato Individual de Trabalho é aplicável o regime disciplinar previsto no Decreto de 22-2-1913.
II. Não pode considerar-se irrelevante e, portanto, sem efeitos invalidantes, a decisão de despedimento com justa causa, proferida no âmbito de um processo disciplinar a que foi aplicada a lei laboral (substantiva e processual) a um trabalhador sujeito ao regime disciplinar previsto no Decreto de 22-2-1913.”
O que quer dizer que, a partir da prolação destes Arestos, ficou claro que os trabalhadores da CGD admitidos antes da sua transformação em sociedade anónima de capitais públicos continuaram sujeitos ao regime disciplinar constante do ao Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis, de 22 de Fevereiro de 1913, salvo se optassem pelo Regime do Contrato Individual de Trabalho.
No caso em apreço, a Recorrente estabeleceu a sua relação de emprego com a CGD antes da referida transformação e após a mesma ter ocorrido não optou pelo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho o que quer dizer que continuou sujeita ao Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis de 1913.
O Acórdão recorrido não questionando esta realidade considerou, porém, que em matéria disciplinar, e concretamente no tocante à verificação da alegada prescrição do respectivo procedimento, se devia lançar mão do regime previsto no artigo 4.° do ED de 1984, uma vez que a sua aplicação se traduzia na solução mais favorável à Recorrente visto este fixar um prazo de prescrição para aquele procedimento e o Regime Jurídico de 1913 ser omisso nessa matéria. E, aparentemente, essa decisão não mereceria censura já que, nos termos gerais, estando em causa a aplicação de um direito sancionatório, à semelhança do que acontece no direito penal, deverá recorrer-se à lei mais favorável ao arguido e, como acabamos de ver, o ED de 1984 estabelece, nesta sede, um regime mais favorável que o RDFC.
Só que esse princípio geral deve se arredado quando a lei posterior – ainda que mais favorável – excluir expressamente essa possibilidade.
Ora, foi isso que aconteceu in casu visto o n.º 2 do art.º 1.º do ED aprovado pelo DL 24/84, de 16/01, estatuir taxativamente que “excluem-se do âmbito de aplicação deste diploma os funcionários e agentes que possuam estatuto especial” e é manifestamente evidente que os funcionários da Caixa que se encontravam na situação da Recorrente possuíam um estatuto especial – o Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis de 1913 - cuja aplicação foi salvaguardada aquando da transformação da CGD em sociedade anónima, visto o n.º 2 do art.º 7.º do diploma que a operou – o DL 287/93, de 20/08 – ter expressamente estabelecido que “os trabalhadores que se encontrem ao serviço da Caixa na data da entrada em vigor do presente diploma continuam sujeitos ao regime que lhe era até aí aplicável, podendo contudo optar pelo regime previsto no número anterior [o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho], mediante declaração escrita feita nos termos e no prazo a fixar pela Administração da Caixa.”
Podemos, assim, dar como assente que a Recorrente - tal como os funcionários da Caixa admitidos antes da sua transformação em sociedade anónima (isto é, antes da entrada em vigor do DL 287/93) que não optaram pelo Regime do Contrato Individual de Trabalho - continuou sujeita ao regime jurídico do funcionalismo público constante do Decreto de 1913 e que, atenta a exclusão estatuída no n.º 2 do art.º 1.º do ED, aprovado pelo DL 24/84, será aquele regime especial - o Regime Disciplinar dos Funcionários Civis - o aqui aplicável e não, como pretende a Recorrente, o Estatuto aprovado pelo DL 24/84.
Nesta conformidade, e tendo-se em conta não só que foi esse Regime que presidiu à tramitação do processo disciplinar como também foi com fundamento no que nele se prescrevia que foi aplicada a sanção aqui sindicada, improcede a alegação da Recorrente de que a deliberação impugnada era nula por ter sido sustentada em legislação revogada.
Posto isto, vejamos se o Acórdão recorrido decidiu bem quando considerou que se não verificava a prescrição do procedimento disciplinar.
2. Sabemos já que Aresto considerou que, apesar do RDFC de 1913 ser o Regime aplicável à Recorrente, certo era que, em matéria de prescrição, se deveria lançar mão do regime previsto do ED de 1984 visto a sua aplicação se traduzir na solução que lhe era mais favorável entendimento que, pelas razões expostas, não se subscreve.
A resolução desta questão far-se-á, pois, com apelo ao Regime constante do Decreto de 1913, o qual não fixava nenhum prazo para a autoridade competente instaurar o procedimento disciplinar.
Sendo assim, e sendo que a invocação deste vício tinha como fundamento a violação do ED de 1984 e que este diploma não se aplica improcede a alegação da alegada prescrição.
Deve, todavia, acrescentar-se que a tese sustentada pela Recorrente – que partia do pressuposto que a deliberação do Conselho de Administração da CGD, de 27/07/2005, que anulou toda a tramitação do processo disciplinar instaurado em 5/04/2005 “a partir da Nota de Culpa, inclusive,” e ordenou a “repetição dos correspondentes actos, agora em conformidade com o disposto no Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis, aprovado pelo Decreto de 22 de Fevereiro de 1913” – é totalmente improcedente já que, como o Acórdão recorrido deixou bem claro, a referida deliberação limitou-se a anular os termos do processo posteriores à Nota de Culpa e a ordenar a repetição dos actos anteriormente praticados, agora de harmonia com o que se disciplinava no RDFC de 1913 deixando incólume todo o processado anterior, designadamente a deliberação de 5/04/2005 que mandara instaurar o processo disciplinar e a posterior nomeação do Instrutor ( Vd. pontos A a H da matéria de facto.).
Sendo assim, isto é, tendo a deliberação de 27/07 por único propósito a repetição de um determinado número de actos – cuja legalidade foi posta em causa em virtude de terem sido tramitados à luz de legislação inaplicável - é evidente que mesma não afectou a validade da deliberação que mandara instaurar o processo. E, por isso, qualquer que seja o regime jurídico a que se recorra, a conclusão é sempre a mesma: não ocorreu a invocada prescrição do procedimento disciplinar.
Improcede, pois, totalmente, a alegação da Recorrente nesta matéria.
3. A Recorrente sustenta, ainda, que a deliberação impugnada era ilegal não só porque não tinha ponderado a aplicação da pena de aposentação compulsiva ou até da descida de categoria e ser claro que reunia as condições para que qualquer uma destas sanções lhe pudesse ser aplicada, como também porque a factualidade provada não conduzia à aplicação da pena de demissão. Erros esses que se traduziam na violação do princípio da igualdade e do princípio da proporcionalidade atendendo à contextualização dos factos em causa, agravantes e atenuantes a ponderar.
Mas, não tem razão.
Artigo 6.º do já citado RDFC de 1913 elencava as sanções disciplinares aplicáveis aos funcionários públicos - que iam desde a advertência até à demissão ( Essas penas eram as seguintes:
1°- Advertência
2°- Repreensão verbal ou por escrito;
3°- Repreensão publicada em ordem de serviço ou no Diário do Governo;
4°- Multa até 15 dias de vencimento;
5°- Suspensão de exercício e vencimento de 5 dias até 30 dias;
6°- Afastamento do serviço para outro análogo, sem prejuízo de terceiro;
7.º Suspensão de exercício e vencimento de mais de 30 até 180 dias;
8°- Inactividade de 1 a 2 anos, com metade do vencimento de categoria ou sem vencimento algum;
9°- Regresso à categoria imediatamente inferior;
10°- Demissão) - mas desse elenco não constava a pena de aposentação, a qual só prevista pelo Decreto 16.116, de 7/11/1928 ( Mais tarde completado pelo Decreto n.º 19.468, de 16/03/1931.) para os casos de: a) incapacidade moral, b) incompetência profissional, e c) alcoolismo incorrigível, em que se decidisse não ser de aplicar a pena de demissão.
O Relatório final que precedeu, e fundamentou, a deliberação impugnada ponderou a possibilidade de se aplicar à Recorrente a pena de aposentação compulsiva mas essa hipótese foi afastada por o Sr. Instrutor ter entendido que “No caso dos presentes autos, é nosso entendimento que a pena de aposentação compulsiva, não é passível de ser aplicada à arguida, em virtude de a sua conduta profissional não ser passível de enquadramento em nenhuma das situações referidas nas alíneas a) b) e c) anteriormente referidas.” O que quer dizer que, ao invés do que a Recorrente sustenta, a possibilidade da mesma ser sancionada com pena mais leve do que aquela que lhe foi aplicada foi ponderada.
Improcede, assim, esta alegação.
3.1. E a Recorrente também não tem razão quando reputa de ilegal a deliberação impugnada por entender que a pena de demissão que lhe foi aplicada era e desproporcional desadequada à gravidade dos factos, pretendendo com isso que este Tribunal sobrepusesse o seu poder de apreciação e decisão ao da autoridade que a sancionou, apreciando se esta tinha valorado correctamente todos os elementos que concorreram para aplicação da pena e emitindo um juízo sobre o mérito desta.
Mas tal pretensão não tem fundamento legal.
Com efeito, este STA tem reiteradamente afirmado que, se é certo que cabe dentro da competência do Tribunal analisar a existência material dos factos e averiguar se eles constituem infracções disciplinares, já lhe escapa a competência para apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, por esta ser uma tarefa da Administração inserida na chamada discricionariedade técnica ou administrativa. Ou seja, e dito de forma diferente, muito embora o exercício dos poderes discricionários pela Administração não seja de todo em insindicável, já que nele existem sempre elementos vinculados (quanto mais não seja os relativos à competência, às formalidades legais exigíveis, ao fim prosseguido e aos pressupostos de facto) certo é que “ao exercer os seus poderes disciplinares em sede de determinação da medida concreta da pena, a Administração goza de certa margem de liberdade, numa área designada de “justiça administrativa”, movendo-se a coberto da sindicância judicial, salvo se os critérios de graduação que utilizou ou o resultado que atingiu forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis.” - Ac do Tribunal Pleno de 29/03/2007 (rec. 412/05) ( Vd., entre outros, Acórdãos do STA de 03/03/94 (rec. 33069), de 23/03/95 (rec. 032586), de 06/03/97, (rec. 41112), de 3/07/97 (rec. 32849), de 18/01/2000 (rec. 38605), de 07/02/2002 (rec. 48149), de 12/10/2004 (rec. 692/04) e de 15/12/2004 (rec. 797/04)..)
Ora, é absolutamente evidente que a pena aplicada à Recorrente não resultou do uso de critérios inadmissíveis ou da prática de erro grosseiro visto não ser manifesta a desproporção entre a pena e a falta cometida. Conclusão cuja evidência decorre da leitura do Relatório Final, onde se lê:
“6. 2 De entre os factos dados como provados que atestam a gravidade objectiva da conduta infractora da arguida, referem-se os seguintes:
1 - Verifica-se assim que nas datas abaixo indicadas, a arguida, colocada na Agência de …, levantou das contas que igualmente se indicam, sem autorização da respectiva titular e sem qualquer documento de suporte, as seguintes importâncias:
Em 29.11.2004, 4.000,00 € da conta n°[..], no terminal …, afecto ao ‘Front Office” C… que utilizou sem conhecimento ou autorização deste;
Em 06.12.2004, 8.466,15 € da conta n° [...], no terminal que lhe estava afecto […]. Na mesma data, depositou 3.466,15 € na conta n°[..], igualmente titulada pela reclamante.
Em 22.12.2004, 2.550,00 € da conta n° [...], no terminal afecto ao “Front Office” C…, que utilizou sem conhecimento ou autorização deste.
2 — A cliente D… dirigiu-se à Agência de …, em 18.01.2005, após verificar que havia uma divergência entre os extractos integrados dos meses de Novembro e Dezembro, questionando a falta da respectiva verba [11.500€].
3 - Entretanto, em 25.01.2005, a cliente foi contactada pela arguida, que lhe entregou 9.000,00 € num saco de depósito expresso para creditar na conta n° [..]. Este depósito teve lugar na Agência da …, onde a arguida a transportou de carro para o efeito.
Os restantes 2.550,00€ foram depositados na conta n° [..] em 26.01.2005, pela própria arguida, na …, instalada na Agência de …
4 - A arguida tentou justificar os levantamentos em causa, alegando que, em Abril de 2004, contactou a D. D… no sentido de esta me emprestar dinheiro e que “ficou com a ideia de que ela estava disponível para tal” Recebeu-se, entretanto, da Agência de … uma carta assinada por aquela cliente, datada de 21.01.2005, onde se refere que ela fez um empréstimo a uma pessoa que, todavia, não identifica.
5 - A verdade é que, quando a D. D… foi ouvida, em 28.02.2005, foi peremptória ao afirmar que a empregada A… nunca lhe pediu dinheiro emprestado.
E tais factos - para além de constituírem infracções disciplinares aos deveres profissionais que impendiam sobre a Recorrente, nomeadamente os de zelo, diligência, obediência, honestidade e lealdade - são de uma enorme gravidade visto atentarem contra a confiança e a fiabilidade que uma instituição bancária tem de transmitir aos seus clientes, isto é, contra o seu mais importante património. Com efeito, é absolutamente evidente que nenhuma instituição bancária pode ter ao seu serviço funcionários que, sem autorização dos clientes, movimentam e se apropriam dos seus depósitos porque isso corroeria aquele património e, seguramente, levá-la-ia à falência.
E, se assim é, e se a CGD entendeu sancionar o comportamento da Recorrente com a pena de demissão nenhuma censura se lhe pode dirigir visto ser claro, por um lado, que tal sanção é adequada e proporcional à sua gravidade e, por outro, que a mesma não resulta da utilização de critérios inadmissíveis nem é o resultado de um erro ostensivamente grosseiro. É certo que Ré poderia ter optado pela pena de aposentação compulsiva mas, o não tê-lo feito, não pode ser objecto de sindicância judicial já que uma tal opção se encontra dentro dos poderes discricionários de que dispunha.
E, também, não pode ser visto como a violação do princípio da igualdade – por, na visão da Recorrente, se estar a tratá-la desigualmente em relação ao tratamento que seria dado a um funcionário público - uma vez que aquele princípio impõe que se dê tratamento igual ao que é igual e tratamento diferente ao que é diferente e, in casu, a situação da Recorrente e dos funcionários públicos é de tal forma diferente que a sua pretensão mais não é do que uma tentativa de se dar tratamento igual a situações claramente diferenciadas.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso.
Termos em que acordam os Juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso e em confirmar o Acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente, com taxa de justiça de 7U.C. já reduzida a metade.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Luís Pais Borges.