Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:026/10
Data do Acordão:06/02/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
NULIDADE PROCESSUAL
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
ALEGAÇÕES
Sumário:I - Se depois da apresentação da contestação num processo de impugnação judicial foram juntos ao processo documentos e obtidas informações com potencial relevo probatório, que podem ser relevantes a decisão final, impõe-se que se conceda às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, nos termos do art. 120.º do CPPT, não só sobre a relevância factual que podem ter os factos apurados, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar.
II - O facto de cada uma das partes ter tido oportunidade de se pronunciar sobre os documentos apresentados pela parte contrária, não dispensa as alegações, designadamente porque, enquanto o prazo legal para as partes se pronunciarem sobre documentos apresentados pela parte contrária é o prazo geral de 10 dias [art. 153.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2.º, alínea e), do CPPT], o prazo para alegações é fixado pelo juiz, podendo estender-se até 30 dias, nos termos daquele art. 120.º.
III - A omissão de notificação para alegações constitui irregularidade que pode influir na decisão da causa, pelo que constitui nulidade, à face do preceituado no art. 201.º, n.º 1, do CPC.
Nº Convencional:JSTA00066459
Nº do Documento:SA220100602026
Data de Entrada:01/18/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL/OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART113 N1 ART120 ART121 ART211 N1.
CPC96 ART153 N1 ART201 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1314/02 DE 2002/12/04.; AC STAPLENO PROC42385 DE 2001/10/02.; AC STA PROC25998 DE 2002/07/10.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, S.A. deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada oposição a uma execução fiscal que lhe é movida por dívida de Taxa Municipal de Ocupação do Espaço Público referente à utilização do solo, do subsolo e do espaço aéreo por cabos, relativa ao ano de 2004.
Aquele Tribunal julgou improcedente a oposição.
Inconformada a Oponente interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 26 de Outubro de 2009 nos autos acima referenciados que julgou “improcedente a presente oposição”
B. O processo de Oposição no qual foi proferido a sentença recorrida foi interposto contra a execução da quantia de € 1.160.312,50, devida pela taxa por ocupação da via pública com tubos, condutas, cabos condutores e similares referente ao ano de 2004, cobrada pelo Município do Seixal.
C. O Tribunal a quo não notificou as partes para apresentarem alegações de direito, tendo proferido de imediato a sentença, impedindo assim a Recorrente de exercer o seu direito ao contraditório, quer quanto ao processo instrutor, quer quanto aos documentos juntos com a contestação, o que configura uma nulidade processual passível de ser invocada nesta sede e que deve ditar a revogação da sentença.
D. A Recorrente requereu nos autos a junção dos Pareceres Jurídicos do Professor Casalta Nabais e do Professor Sérgio Vasques, tendo requerido também que Fossem submetidas, a título prejudicial, três questões concretas ao TJCE, ao abrigo do direito consagrado pelo artigo 234.º do Tratado de Roma de 1957, também aplicável perante tribunais inferiores.
E. Embora a Recorrida tenha exercido o seu direito ao contraditório quanto a este requerimento, a Recorrente nunca foi notificada da admissão ou rejeição dos referidos Pareceres Jurídicos, nem de qualquer outro despacho ou decisão que tenha recaído sobre os mesmos, assim como não faz a sentença judicial qualquer alusão aos mesmos.
F. Acresce que o Tribunal a quo não efectuou também qualquer alusão às questões a submeter, a título prejudicial, ao TJCE que foram requeridas pela Recorrente, sendo que estas duas omissões claramente passíveis de influir sobre o sentido da decisão e constituem nulidades processuais, que devem ditar a revogação da sentença.
G. A sentença é nula por omissão de pronúncia, já que não resolve todas as questões para as quais é chamada a pronunciar-se, o que viola o disposto no artigo 660.º do Código de Processo Civil e subsume-se na nulidade da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do mesmo Código.
H. A Recorrente, para além de alegar na p.i. que a entrada em vigor da TMDP prevista na Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (“REGICOM”) revogava tacitamente a Taxa subjacente à presente oposição, alegou também que a Taxa era incompatível com a Directiva Autorização e com a Directiva Quadro.
I. O Tribunal a quo conheceu da primeira questão, mas não conheceu, nem mencionou sequer, a segunda questão, a saber, a incompatibilidade da Taxa com as Directivas Comunitárias referidas e a invalidade da Taxa daí decorrente, sendo que a resposta à primeira no preclude a segunda, uma vez que é admissível que a Taxa não tenha sido tacitamente revogada pela entrada em vigor da TMDP (hipótese que se admite por mero dever de patrocínio) mas seja inválida por violação das normas do Direito Comunitário.
J. A sentença recorrida considerou que o facto de não estar em vigor o Regulamento que previa a Taxa não constitui fundamento à oposição, uma vez que a Taxa existia na lei, sendo esta meramente ineficaz por não ter sido alvo de publicação.
K. A Recorrente considera que a sentença recorrida cometeu um erro na aplicação do direito, uma vez que a alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT estipula como fundamento à oposição à inexistência da taxa “nas leis em vigor” e assim, não estando o Regulamento que previa esta Taxa em vigor no momento em que se iniciou o facto tributário (art. 91.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, n.º 2 do art. 12.º da LGT e n.º 3 do artigo 103.º da CRP), tal consubstancia fundamento à oposição, devendo esta ser considerada procedente.
L. As taxas por “ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal” cobradas às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas, tal como a Taxa sub judice, foram tacitamente revogadas com a entrada em vigor da TMDP, sendo também inválidas por incompatibilidade com o Direito Comunitário.
M. A sentença recorrida cometeu um erro de direito clamoroso por considerar que a Lei, ao conferir a mera “possibilidade” dos municípios portugueses de “optarem” pela TMDP, não vedar a estes a possibilidade de cobrarem outras taxas (que não a TMDP) sobre a ocupação de espaços pelas empresas de comunicações electrónicas, quando a opção pela TMDP não seja “exercida”.
N. Uma interpretação segundo a qual a lei positiva se limita a colocar à disposição dos municípios uma espécie de cardápio de tipos de taxas incidentes sobre o mesmo facto tributário, tendo alguns desses tipos de se conformar com as exigências comunitárias (a TMDP, enquanto que outros (como a Taxa ora em causa) ficam misteriosamente a salvo de tais requisitos, não pode proceder.
O. Entende a Recorrente que o grande erro da Sentença Recorrida deriva da não compreensão do fundamento e objectivo da TMDP que, conforme se encontra detalhadamente explicado nos Pareceres Professor Casalta Nabais (p. 37 e ss) e do Professor Sérgio Vasques (p. 21 e ss., “teve em vista a transposição para o direito nacional do art. 13º da Directiva Autorização”.
P. Nas palavras do Professor Casalta Nabais, “se a TMDP teve em vista a transposição para o direito nacional do art. 13º da Directiva Autorização, é evidente que a criação de uma outra taxa que venha tributar o mesmo facto, ou seja, os direitos de passagem reconhecidos às empresas prestadoras se serviços de comunicações electrónicas, agora sob o nome de taxa de ocupação do domínio público, implicará uma violação do direito comunitário, designadamente, desse preceito da Directiva Autorização, bem como uma violação do art. 8º da Directiva Quadro”
Q. Sendo certo que a TMDP foi criada pelo legislador nacional tendo em conta os requisitos detalhadamente exigidos pela Directiva Autorização e pela Directiva Quadro, mais certo que as “tradicionais” taxas por ocupação de espaços municipais não se coadunam minimamente com os rigorosos requisitos impostos por aquelas, violando-as assim de forma frontal.
R. A Taxa viola gravemente o princípio da transparência que deve presidir às taxas que incidem sobre os direitos de passagem das empresas de comunicação, consagrado no artigo 13.º da Directiva Autorização e no artigo 11.º da Directiva Quadro, conforme refere o Professor Casalta Nabais e também o Professor Sérgio Vasques.
S. O TJCE já se pronunciou pela invalidade de taxas que incidam sobre direitos protegidos pelo direito comunitário (como acontece com o direito de passagem das empresas prestadores de serviços de comunicações electrónicas tributado pela Taxa ora em causa), sempre que estas taxas o os respectivos fundamentos no sejam objecto de publicação adequada e suficientemente pormenorizada para que as informações estejam facilmente acessíveis e cumpra o requisito da transparência, no Acórdão de 19 de Setembro de 2006 sobre taxas e encargos aplicáveis às licenças individuais de telecomunicações, Processos apensos C392/04 e 0.422/04.
T. A Taxa em causa nos autos viola também “os princípios da justificação objectiva e da proporcionalidade das taxas devidas pelos chamados direitos de passagem, consagrados no mesmo art. 13.º da Directiva Autorização”, conforme salienta também o Professor Casalta Nabais e o Professor Sérgio Vasques.
U. A Taxa em causa nos autos representa, por si só, cerca de 11% de todo o IMI arrecadado em 2005 pelo município; cerca de 14% de todo o IMT arrecadado em 2005 pelo município; cerca de 35% de toda a derrama arrecadada em 2005 pelo município; cerca de 65% de todo o IMV arrecadado em 2005 pelo município; mais de 4 vezes o montante de todas as outras taxas de ocupação da via pública liquidadas pelo município em 2005; mais de 14 vezes o montante de todas as taxas de ocupação da via pública liquidadas por motivo de obras pelo município em 2005; cerca de 32% de todas as taxas liquidadas pelo município em contrapartida de todo o seu trabalho de manutenção de infra-estruturas de esgotos em 2005, sendo certo que, no caso da Taxa em apreço, o município não efectua qualquer trabalho de manutenção da infra-estrutura da Recorrente, cerca de 8% dos encargos com as remunerações de todo o pessoal em regime de função pública do município em 2005; cerca de 47% com os encargos assumidos com pessoal em regime de tarefa ou avença pelo município em 2005; cerca de 47% de toda a despesa incorrida pelo município com a aquisição de bens em 2005; cerca de 14% de toda a despesa incorrida pelo município com a aquisição de serviços em 2005; mais de 33% da despesa de capital incorrida pelo município com bens do domínio público em 2005; é superior a toda a despesa incorrida com viadutos, arruamentos e obras complementares pelo município em 2005; representa 109 vezes (cento e nove vezes) a despesa incorrida pelo município com terrenos e recursos naturais em 2005; corresponde ao dobro de toda a despesa com a aquisição de serviços destinados à aquisição de bens, cfr. estudo, dados, números e conclusões constantes do Parecer do Professor Sérgio Vasques, o que constitui demonstração evidente do que o Professor Casalta Nabais chama de “extorsão fiscal” praticada pelo Município do Seixal,
V. Acresce que a Taxa sofreu, em 2004, no município do Seixal, um espantoso aumento de mais de 1300% (mil e trezentos por cento), sendo este um aumento “puramente arbitrário (...) para o qual não se vislumbra o menor fundamento”, cfr. refere o Professor Casalta Nabais.
W. E, como salienta o Professor Sérgio Vasques, na esteira da doutrina alemã, “A quantificação de uma qualquer taxa de acordo com o valor inerente às prestações públicas passa necessariamente pela comparação dessas prestações com prestações semelhantes disponíveis no mercado”, sublinhado este Professor que esta Taxa (no valor de € 625 quando cobrada pelo município do Seixal) encontra-se prevista (i) no regulamento do município de Lisboa pelo valor de apenas € 1,40 (desde 2004 até ao presente), (ii) no regulamento do município de Sintra pelo valor de apenas € 2,00 e (iii) no regulamento do município de Loures pelo valor de apenas € 2,10.
X. É totalmente injustificável que a utilização do subsolo por parte de um particular seja sujeito a uma contraprestação vinte e duas vezes e meia superior (!) no município do Seixal do que no município de Lisboa — que nem uma hipotética jazida de petróleo no subsolo seixalense justificaria!
Y. O Professor Sérgio Vasques desmonta qualquer hipotética invocação de motivos de extrafiscalidade (como sejam motivos de racionalização no aproveitamento do domínio público) para justificar o valor exorbitante da Taxa em causa nos autos, uma vez que a taxa incidente sobre condutas contendo vários tubos é contabilizada em função do metro linear de cada tubo e tipo da conduta que os contém, de onde resulta que a TMDP penaliza o aproveitamento mais racional do subsolo em prol da angariação da receita.
Z. A violação da proporcionalidade da Taxa é também acentuada, no caso concreto, pelo facto do município do Seixal não ter sequer competência legal para proceder à manutenção, inspecção e reparação dos cabos da Recorrente que dão lugar à aplicação da Taxa, por força da legislação em vigor no sector das telecomunicações, acrescendo que no presente caso, o município do Seixal nem sequer emite licenças de ocupação do espaço público, uma vez que a Recorrente está dispensada de licenciamento municipal, na sua qualidade de concessionária do serviço público de telecomunicações (tal como dispõe a alínea 1,) do n.º 2 do artigo 14.º da Concessão)
AA. A Taxa viola também frontalmente a garantia de audição e participação das partes interessadas, imposta pelo artigo 14.º, da Directiva Autorização
BB. A imposição da Taxa á também inválida por implicar uma dupla tributação económica violadora do Direito Comunitário, simplesmente por coexistir com a TMDP cobrada por outros municípios em Portugal.
CC. A Taxa viola de forma grosseira o principio da proporcionalidade das taxas previsto na Constituição.
DD. A Taxa é também ilegal por violar os direitos e liberdades fundamentais dos operadores de comunicações electrónicas, conforme refere o ilustre Professor Casalta, uma vez que a imposição de um tributo tão desmesurado sobre uma Única entidade a ora Recorrente - acaba “por se concretizar em verdadeiras restrições às liberdades económicas que (,,,) se materializam sobretudo nas liberdades de iniciativa económica e de livre empresa (...)”.
EE. Perante as evidentes incompatibilidades da Taxa com o Direito Comunitário, a Recorrente requer que sejam submetidas, a título prejudicial, três questões concretas ao TJCE tendo os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no Direito interno (...) obrigação de o fazer [proceder ao reenvio], nas palavras do Professor Fausto de Quadros.
A Câmara Municipal do Seixal contra-alegou, sem apresentar conclusões, defendendo, em suma, que deve ser mantida a sentença recorrida.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
São as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1. Nulidade processual por preterição das alegações, cuja omissão recorrente considera susceptível de influir na decisão da causa - arts. 201 e 3, n.º 3 do Código de Processo Civil;
2. Nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia – art. 668. nº 1 al. d) do Código de Processo Civil – uma vez que a sentença recorrida não fez qualquer alusão ás questões a submeter, a título prejudicial, ao TJCE, e que foram requeridas pela recorrente.
3. Violação do disposto no art. 204º, n.º 1, al. a) do Código de Procedimento e Processo Tributário, por não ter considerado a verificação dos fundamentos de oposição ali previstos, já que, em seu entender, a taxa de utilização de solo, subsolos, e espaço aéreo por cabos viola o art. 91.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, n.º 2 do art. 12.º da Lei Geral Tributária e n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República, bem como a Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, o artigo 13º e 14.º da Directiva Autorização e o artigo 8.º e 11.º da Directiva Quadro, bem como os princípios constitucionais da legalidade, igualdade, proporcionalidade, transparência, justificação objectiva, da proibição do excesso, da justiça, da imparcialidade e de não discriminação das taxas e finalmente, da liberdade de iniciativa económica e de livre empresa.
Vamos pronunciar-nos em primeiro lugar sobre as nulidades invocadas questões que, por razões de ordem lógica, precedem o conhecimento das demais questões suscitadas.
E desde logo quanto à primeira questão - nulidade processual por preterição das alegações - julgamos que merece provimento.
Com efeito resulta do art. 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
A regra do referido normativo é a de que se a lei não prescrever expressamente que ele tem como consequência a invalidade do acto, o vício do acto processual só deve produzir nulidade quando dele resulte prejuízo para a relação jurídica contenciosa.
Ora no caso, e como salienta a recorrente, a CM do Seixal invocou na sua contestação que a versão definitiva do Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal foi aprovada, na sequência da sessão de Câmara de 25 de Junho de 2003, publicitada em Edital e publicada no apêndice n.9 130 ao Diário da República n.º 197, 1 Série, de 27 de Agosto de 2003.
E que, por omissão de publicitação anterior, na referida sessão da Câmara Municipal do Seixal (de 25 de Junho de 2003), se deliberou aprovar e submeter a apreciação pública o Aditamento ao Anexo da Tabela de Taxas, apreciação pública essa que foi publicitada através do Edital n.º 139/20O3 de 1 de Agosto, juntando os pertinentes documentos.
Documentos estes sobre os quais a recorrente alega não ter tido oportunidade de se pronunciar, tendo sido considerados na decisão recorrida.
Esta argumentação deverá proceder porque a recorrente efectivamente não foi notificada para produzir alegações, tendo-se passado de imediato para a fase decisória.
Ora como se salienta no Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, 5 Ed. vol. 1, pag. 818, deve afastar-se o conhecimento imediato nos casos em que forem juntos ao processo pelo representante da Fazenda Pública documentos que sejam relevantes para a decisão da causa e sobre os quais o impugnante não tenha podido tomar posição, nomeadamente documentos que não se demonstre que eram do conhecimento do impugnante quando apresentou a petição.
Parece-nos, pois, que na sequência da junção daqueles documentos, e ainda que não fosse produzida outra prova, a recorrente deveria ter sido notificada para apresentar alegações, sendo que a preterição daquela fase processual aos autos teve influência na decisão da causa, afectando nomeadamente o princípio do contraditório, o que constitui nulidade processual de acordo com o referido art. 201.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Procederá, pois a arguida nulidade, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
Nestes termos somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado procedente, ordenando-se a anulação de todos os actos processuais subsequentes ao despacho de fls. 326.
As partes foram notificadas deste douto parecer e nada vieram dizer.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1. A A… é concessionária do serviço público de telecomunicações;
2. Em 03/05/2004, foi publicado no Diário da Republica II Série o Aviso nº 2995/2004 do qual consta que a Câmara Municipal do Seixal em reunião ordinária de 01/10/2003 e a Assembleia Municipal na sua reunião extraordinária de 28/10/2003 aprovaram o aditamento ao anexo que contem a tabela de taxas de Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal (cfr. doc. junto a fls. 38 dos autos);
3. Em 04/05/2004, foi publicado o Edital nº 082/2004 do qual consta que foi aprovado a rectificação da tabela das taxas previstas no Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal (cfr. doc. junto a fls. 39 dos autos);
4. Por ofício de 18/10/2004, da Câmara Municipal do Seixal foi a oponente notificada para pagar a quantia de € 1.160.312,50 da taxa de utilização do solo, subsolo e espaço aéreo por cabos de acordo com as medições efectuadas pelos serviços municipais e referentes ao ano de 2004 (cfr. doc. junto a fls. 32 dos autos);
5. Ao ofício identificado no ponto anterior consta uma lista com a indicação da instalação a que a mesma se reporta (cfr. doc. junto a fls. 33 a 37 dos autos);
6. Em 10/10/2006, a impugnante apresentou uma garantia bancária da cobrança das taxas comunicadas (cfr. doc. junto a fls. 31 e segs. do processo instrutor junto aos autos);
7. A presente oposição deu entrada no Município do Seixal em 12/10/2006 (cfr. carimbo aposto na folha de rosto da p.i).
3 – A primeira questão colocada no presente recurso jurisdicional é a de saber se ocorre uma nulidade processual, derivada de não terem sido notificadas as partes para alegações de direito, não se proporcionando, assim, à Oponente a possibilidade de exercer o contraditório, quer quanto ao processo instrutor, quer quanto aos documentos juntos com a contestação.
Constata-se que a Câmara Municipal do Seixal juntou aos autos, com a sua contestação, os documentos que constam de fls. 86 a 137, para além de juntar o processo instrutor, junções estas de essa que foi dado conhecimento à Oponente (fls. 138).
Em seguida, no que aqui interessa, foram praticados os seguintes actos:
– foi ordenado o cumprimento do art. 121.º do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 211.º, n.º 1, do mesmo Código (fls. 143);
– o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada emitiu parecer no sentido da procedência da oposição (fls. 142-144);
– a Oponente apresentou um requerimento e juntou aos autos dois pareceres (fls. 146-295);
– o requerimento referido foi notificado à Câmara Municipal do Seixal) (fls. 298), que se pronunciou sobre ele, terminando a requerer que o Tribunal levasse a cabo o que a Requerente entendia necessário para reenvio prejudicial para o TJCE, se o Tribunal entendesse dever fazê-lo (fls. 299 a 308 e seguintes);
– a Oponente pronunciou-se sobre o requerido pela Câmara Municipal do Seixal, requerendo que esta fosse notificada para apresentar cópia do estudo financeiro que fundamenta o valor da taxa em causa (fls. 310-313);
– este requerimento foi deferido por despacho que consta de fls. 314;
– notificada para juntar aquela cópia, a Câmara Municipal do Seixal requereu prorrogação de prazo (fls. 316) e acabou por vir informar que esse estudo não foi encontrado e defendendo que o estudo não havia sido «incorporado no procedimento, uma vez que só com a entrada em vigor da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais) se tornou obrigatória a fundamentação económico-financeira do valor das taxas» (fls. 322-323);
– a Oponente foi notificada desta peça processual (fls. 325);
– foi aberta vista ao Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, que manteve a posição previamente assumida (fls. 326):
– foi proferida sentença (fls. 327 e seguintes).
Consta-se, assim, que não foi dada às partes oportunidade de alegarem, nos termos do art. 120.º do CPPT.
Os arts. 113.º, n.º 1, 120.º e 121.º do CPPT, aplicáveis por remissão do art. 211.º, n.º 1, do mesmo Código estabelecem o seguinte:
Artigo 113.º
Conhecimento imediato do pedido
1 – Junta a posição do representante da Fazenda Pública ou decorrido o respectivo prazo, o juiz, após vista ao Ministério Público, conhecerá logo o pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários.
Artigo 120.º
Notificação para alegações
Finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias.
Artigo 121.º
Vista do Ministério Público
1 – Apresentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferida a sentença, o juiz dará vista ao Ministério Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras nos termos das suas competências legais.
2 – Se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública.
No caso em apreço, junta a contestação, a Meritíssima Juíza ordenou que os autos fossem ao Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, «nos termos e para efeitos do art. 121.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» (fls. 141).
Ter-se-ia em mente, eventualmente, a situação prevista no art. 113.º, pois seria a norma aplicável a essa situação.
De qualquer modo, o certo é que, na sequência de o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público ter emitido parecer, não foi proferida decisão, por ter sido junto um requerimento no sentido de ser efectuado reenvio prejudicial para o TJCE, com junção de dois pareceres de distintos jurisconsultos, tendo um deles um «anexo» com «Mapas de Controlo Orçamental da Receita e Despesa da Câmara Municipal do Seixal».
Em resposta a esse requerimento, a Câmara Municipal do Seixal veio revelar que tinha sido efectuado um «estudo financeiro» para elaboração do Regulamento de Ocupação de Espaço do Domínio Público do Município do Seixal (fls. 299) e foi feita uma diligência para a sua junção ao processo (fls. 318), que se revelou infrutífera (fls. 323).
Tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (como é o caso dos referidos Mapas de Controlo Orçamental da Receita e Despesa da Câmara Municipal do Seixal, que podem relevar para aferir da proporcionalidade das taxas) e tendo sido apurado que não foi apresentado pela Câmara Municipal do Seixal qualquer estudo financeiro [facto que pode ser relevante para aferir da justificação, transparência, não discriminação e proporcionalidade a que se refere o art. 13.º da Directiva n.º 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7-3-2002 de Março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva autorização)], impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os referidos mapas e a omissão de junção do estudo financeiro, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar.
O facto de cada uma das partes ter tido oportunidade de se pronunciar sobre os documentos apresentados pela parte contrária, não dispensa as alegações, designadamente porque, enquanto o prazo legal para as partes se pronunciarem sobre documentos apresentados pela parte contrária é o prazo geral de 10 dias [art. 153.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2.º, alínea e), do CPPT], o prazo para alegações é fixado pelo juiz, podendo estender-se até 30 dias, nos termos do transcrito art. 120.º.
De harmonia com o disposto no art. 201.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art. 2.º, alínea e), do CPPT, a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Assim, no caso em apreço, podendo a falta de alegações ter influência na decisão final, é de concluir que ocorreu uma nulidade processual de que a Recorrente só teve conhecimento com a notificação da sentença, pelo que se deve considerar tempestivamente arguida em recurso. ( Neste sentido, tem vindo a pronunciar-se uniformemente este Supremo, como pode ver-se pelo acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo de 2-10-2001, processo n.º 42385 e pelos acórdãos da Secção do Contencioso Tributário de 4-12-2002, processo n.º 1314/02, e de 10-7-2002, processo n.º 25998. )
4 – Assim, merece provimento o recurso jurisdicional quanto à primeira questão colocada.
Tratando-se de uma nulidade processual que impõe que o processo seja retomado em fase anterior à sentença, com eliminação desta da ordem jurídica, fica prejudicado o conhecimento dos vícios que a Recorrente lhe imputa.
Termos em que acordam em
– conceder provimento ao recurso jurisdicional;
– anular a sentença recorrida;
– ordenar a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a fim de ser fixado prazo para alegações das partes, nos termos do art. 120.º do CPPT, seguindo-se os demais trâmites legais.
Sem custas, por a Câmara Municipal do Seixal não ter contra-alegado, quanto a questão da nulidade [art. 2.º, n.º 1, alínea g), do CCJ].
Lisboa, 02 de Junho de 2010. – Jorge de Sousa (relator) – Brandão de PinhoPimenta do Vale.